Os juízes brasileiros têm, na Constituição da República, de 05.10.88 e na Lei Complementar n° 35, de 14.03.79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), as garantias da vitaliciedade, que somente será adquirida, no primeiro grau de jurisdição, após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do Tribunal a que o juiz estiver vinculado e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado; da inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão fundamentada de dois terços dos membros do respectivo Tribunal, assegurada ampla defesa e evitando-se, assim, que o juiz seja removido por qualquer motivo insosso ou por desagradar, em suas decisões, aos "donos do poder" e, ainda, da irredutibilidade de vencimentos, sujeitos, entretanto, aos impostos gerais e extraordinários.
Tais garantias não foram outorgadas, constitucionalmente, como privilégio aos magistrados, mas se perfilam como instrumentos de independência dos juízes, para segurança, sem dúvida, dos cidadãos, a quem servem no exercício constitucional da jurisdição.
Esclareça-se, de logo, que os juízes não somos meros servidores do Estado ou do Governo, mas, somos agentes da soberania popular, pois todo poder emana do Povo (CF, ah. 1°, parágrafo único) e não daqueles que nomearam os juízes, formalmente, para o cargo.
Nos termos da Lei Orgânica da Magistratura Nacional é vedado ao magistrado exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, inclusive de economia mista, exceto como acionista ou artista; exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e sem remuneração, e manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério (art. 36, I a III).
A Constituição Federal, em vigor, proíbe os juízes de exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; de receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo e de dedicar-se a atividade político-partidária (art. 95, parágrafo único, I a III).
Como se vê, os juízes, no Brasil, possuem uma cidadania mitigada, não podendo exercer, plenamente, seus direitos políticos, pois, enquanto exerçam a magistratura, não podem dedicar-se a atividade político-partidária para concorrer a cargos eletivos. Isto se impõe em favor do livre exercício da judicatura, para a segurança de todos os cidadãos. Os juízes precisam da garantia de uma remuneração digna, não só na ativa, mas também, na aposentadoria, porque não podem exercer outras atividades a não ser a pessimamente remunerada e digna função do Magistério, sem acumulações, para a dedicação exclusiva ao serviço da Magistratura, como garantia dos jurisdicionados.
Sem a segurança de uma aposentadoria dignamente remunerada e tranqüila, nenhum magistrado servirá ao Povo com independência e paz de espírito, sendo assaltado, a cada instante, por preocupações materiais e de ordem pessoal e familiar, agravando-se os apelos tentadores da corrupção.
Os juízes são trabalhadores, que não gozam da plenitude dos direitos sociais, constitucionalmente assegurados aos trabalhadores em geral, tais como a garantia da remuneração do trabalho noturno superior ao diurno; da jornada mínima e máxima do trabalho, fixada em lei; da remuneração do serviço extraordinário; do adicional de remuneração por atividades penosas, insalubres ou perigosas; do seguro contra acidentes do trabalho, a cargo do empregador; da proibição de diferença de salário por exercício de função; do piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho e do fundo de garantia do tempo de serviço, dentre outras garantias compatíveis com o exercício da magistratura (CF, art. 7° e incisos).
Os juízes não têm hora certa para lidar com processos. O volume, sempre crescente, de feitos processuais, que aportam na Justiça, em busca de solução, forçam os magistrados a tirar férias e licenças para solucionar as causas mais complexas. Nesse "affair" incessante, ocupam-se, também, os domingos e feriados; sobram-lhes, apenas, alguns poucos minutos de descanso. O sacrifício atinge proporções de âmbito familiar e social.
A média de processos, em cada gabinete de um juiz federal (falo da realidade que conheço) é de 5.000 (cinco mil) feitos nas Seções de médio porte, sem considerar as situações excepcionais das grandes Seções Judiciárias de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde há gabinetes com trinta mil processos ou mais.
A estatística média dos julgados é de 3.000 (três mil) processos por ano, sem computar as excepcionalidades, que registram até 10 (dez) e 15 (quinze) mil julgados por ano.
Não há privilégio algum nessa atividade sobre-humana e mal remunerada, sob o ponto de vista financeiro. O privilégio está na missão salvadora da Justiça, restabelecendo a paz nas relações humanas. Por isso, e só por isto, ainda vale a pena ser Juiz!
O Senado Federal foi injusto com a magistratura brasileira, sob a influência do discurso inoportuno e infeliz do Ministro Presidente da Corte Suprema, no entendimento de que o juiz deve ter o mesmo tratamento funcional do servidor comum, a perceber proventos parciais, em sua aposentadoria. Nem mesmo o simples servidor comum merece sofrer tal injustiça, pois a Constituição assegura a todos um salário digno para a garantia de uma existência digna. O Juiz é agente da soberania popular. Não é um simples servidor público. Como servidor qualificado pela extensão e gravidade de suas funções, há de ter um tratamento diferenciado (não privilegiado), pois a essência da igualdade reside no tratamento desigual aos desiguais, para que triunfe a igualdade real.
Como conseqüência da quebra da aposentadoria integral dos juízes, no projeto de reforma da Previdência, haverá, sem dúvida, um esvaziamento dos quadros da magistratura de todos os graus, pelo desestímulo da função, imposto pelos "donos do poder". O sacrifício do exercício da magistratura não autoriza a aceitação gratuita do martírio inconseqüente, que se pretende impor a seus agentes, vocacionados à afirmação da liberdade para todos que acreditam na Justiça.
Existe, no mundo capitalista deste final de século, uma orquestração negativa contra a ação do Poder Judiciário, visando a descredenciá-lo perante a sociedade global.
Penso ser incompatível o ideário do capitalismo neoliberal (adotado, inclusive, pelo atual Governo brasileiro), de cunho essencialmente materialista, com os objetivos institucionalmente humanitários do Poder Judiciário, neste final de século. O neoliberalismo é selvagem e cruel, gerador de desigualdades sociais, visando somente o lucro e o acúmulo de riquezas materiais. Apresenta-se, em seu furor egoísta, frio e insensível ao drama humano. Não tem sentimento nem sensibilidade para cultivar o amor nas relações humanas. O Poder Judiciário tem por ideal distribuir a Justiça a todos, salvando o homem de seus conflitos, na restituição da paz. A Justiça transcende a matéria e cria no ser humano uma perspectiva escatológica de realização infinita sem discriminar ou excluir pessoas. A Justiça, animada pelo princípio universal da igualdade, condena o appartheid global, regional e local entre ricos e pobres, pois deseja que a riqueza seja servida a todas as pessoas, na proporção social de suas necessidades vitais.
Levanta-se, assim, no limiar do terceiro milênio, uma orquestração maligna dos detentores do poder do capital contra a ação salvadora do Poder Judiciário, institucional, que não acolhe as maquinações da "Besta do Apocalipse" e não aceita comungar da hóstia de Satanás. Creio que a Justiça há de libertar o homem das forças negativas do capitalismo neoliberal, para que a riqueza seja distribuída igualmente a todos, na comunhão da paz.