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Responsabilidade civil por dano à honra

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28/04/2010 às 00:00
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CAPÍTULO 6
DANO E REPARAÇÃO

Sumário: 1. Considerações sobre o dano – 2. Reparação – 3. Reparação natural – 4. Reparação por meio de ressarcimento – 5. Nexo causal – 6. Previsibilidade e dano contínuo – 7. Omissão – 8. Prescrição – 9. Presunção juris et de jure e legitimidade ativa 10. Substituição do sujeito passivo – 11. Dano patrimonial indireto – 12. Valoração do dano – 13. Condição econômica das partes – 14. Reparação decorrente do delito.

1.Considerações sobre o dano

Com o subsídio de notáveis juristas, pudemos notar que, desde os tempos romanos, o dano ocasionado à honra individual ensejava a utilização da Actio Injuriarum Aestimatoria. O recurso para a conceituação do dano moral e sua reparação, fez ver wilson melo, também podia ser encontrado nas partidas, e deste mesmo recurso se utilizaram os tribunais espanhóis, já no século XX, para acolher a teoria da reparabilidade do dano moral. O título XV da Sétima Partida declarava em sua lei primeira: "Que cosa es daño y quantas maneras son del. Daño es empeoramiento, o menoscabo, o destruymento, que uno, recibe en sí mismo, o en sus cosas, por culpa de otro (...)." A expressão "que uno recibe en sí mismo", entendeu o mestre, ser a semente da doutrina do velho direito, que frutificou na Espanha, nos tempos modernos.1

A própria Partida no Título IX da Lei Vinte e Um conceituou injúria, dando-lhe um amplo alcance, apontou suas espécies e modo de reparação: "Injúria en latin tanto quiere decir en romance como deshonra, que es fecha o dicha a otro a tuerto o despreciamento del."

Não cuidamos neste lugar em admitir discussões sobre a existência do dano moral. Este existe sempre que afetar a integridade moral do indivíduo, como, além da honra, o nome, as afeições legítimas, a intimidade, a liberdade de ação, o direito moral do autor, o dano psíquico decorrente do sofrimento impingido pela ofensa, que reflete em distúrbios emocionais ou biológicos, etc., e somos inteiramente contrários ao tratamento casuístico ou restrito que algumas legislações lhe deram.

A literatura desta espécie de dano incrementou-se na segunda metade do século XIX e, como comportamento reflexo, as decisões dos juízes, criando-se dois grupos antagônicos, nos quais se inseriram os mais expressivos vultos: os negativistas e os positivistas da tese da reparabilidade do dano moral; os primeiros só admitiam a possibilidade de reparação pecuniária, quando o dano repercutisse no patrimônio material do lesado.

A dificuldade na aceitação da tese da reparabilidade do dano moral assentava-se na ausência de critérios objetivos, para avaliação do prejuízo ou a sua equivalência em dinheiro. Isto, porém, não era razão jurídica nem moral para isentar o causador do dano de sua responsabilidade. Não são apenas valores econômicos que se encontram em jogo na sociedade, e as normas jurídicas não existem somente para tutela desses bens. Ao contrário, cada vez mais faz-se necessária a proteção dos interesses imateriais, face ao incremento tecnológico, ampliação do feixe de relações, em que o homem se envolve cada vez mais, onde, muitas vezes, vê-se identificado por um número ou código.

A sua reparabilidade é incontestável, visto como o estado atual de evolução das civilizações não tolera a justiça pelas próprias mãos, reveladora de instintos animalizados e a sanção da ofensa à honra, como de outros direitos da personalidade, pode ser feita pelo instituto da responsabilidade civil. Não há, portanto, como negar o ressarcimento daquele dano.

Georgio Del Vecchio reconhecia a enorme dificuldade da matéria, mas destacava a importância da jurisprudência na contribuição para aperfeiçoamento da questão:

"Ainda mais árduo, mas não obstante possível é o cálculo de uma equivalência (entende-se, sempre, aproximativa e indireta) nos casos de ofensa à honra, etc... Sobre todos estes fatos, embora faltando na legislação normas precisas, a jurisprudência vem cumprindo um certo trabalho (para a ‘avaliação eqüitativa’ do dano também não patrimonial) que poderá preludir futuras determinações legislativas mais conformes à realidade e à justiça."2

Dano significa todo prejuízo acarretado a um bem jurídico, seja por diminuição do patrimônio ou do bem-estar e comporta basicamente duas espécies quanto ao objeto: patrimonial e não patrimonial. Grande parte da doutrina, e a mais aplaudida, Adotou o critério da patrimonialidade ou não do prejuízo para classificar as espécies de dano; haveria dano moral ou extrapatrimonial quando não tivesse por conseqüências prejuízo material; considerou os reflexos ou prejuízos acarretados pelo ato lesivo, ou seja, suas conseqüências e não a natureza do direito violado. segundo alguns, este critério de exclusão, que tomava como suporte o efeito causado, não era suficiente para explicar as diversas situações de reparação do dano causado pelo ilícito. Preferiram, como fez Roberto Brebbia, distingui-los calcados na natureza jurídica do direito subjetivo afetado pelo ilícito. Dano moral seria, portanto, espécie "comprendida dentro del concepto genérico de daño expresado, caracterizada por la violación de uno o varios de los derechos inherentes a la personalidad de un sujeto de Derecho".3 O referenciado jurista foi manifestamente contra a classificação do dano, que toma por base os efeitos lesivos que produz, e não admitiu que se pudesse considerar patrimonial a ofensa a um interesse moral com reflexos na vida econômica. Especificamente em relação à honra assevera:

"El absurdo que constituye que una lesión sufrida en un bien personal tan característicamente extrapatrimonial como el honor pueda ser considerado como daño patrimonial sólo por la circunstancia de que tal lesión ha traído aparejada también un perjuicio pecuniario al sujeto pasivo del mismo, vendría, a nuestro criterio, a desvirtuar por sí solo el criterio sostenido por Minozi."4

Contrariamente a este ponto de vista, manifestaram-se outros, reconhecendo que, se há prejuízo econômico, patrimonial, mesmo no caso de lesão à honra, não há que se falar em dano moral:

"A expressão dano moral deve ser reservada exclusivamente para designar o agravo que não produz qualquer efeito patrimonial. Se há conseqüências de ordem patrimonial, ainda que mediante repercussão, o dano deixa de ser extrapatrimonial. Indenizam-se essas conseqüências, produzindo-se o dano nesse caso de modo indireto."5

Este foi o mesmo raciocínio seguido por Borciani.6 Carlo Saltelli e Enrico Romano endossaram::

"Il danno non patrimoniale (danno morale) é quelo che non si concreta in un’alterazione patrimoniale direttamente o indirettamente prodotta. Esso non tocca in nessum modo il patrimonio e si concreta exclusivamente in un perturbamento psichico (della sfera dei sentimenti) il quale deriva dal cordoglio, dalle angoscie, dal dolore o in genere, dal pregiudizio morale cagionati dal reato."7

O critério mais adequado para classificar as espécies de dano, segundo De Cupis, é o que se assenta na natureza do direito subjetivo afetado. O mestre de Perugia considerou que o dano privado será definido como patrimonial ou não, conforme tenha por objeto um interesse patrimonial ou não patrimonial. Entendia necessário determinar o conceito de patrimonialidade para definir o que seja interesse e dano não patrimonial. Bem patrimonial seria:

" (...) qualsiasi bene esteriore rispetto al soggeto capace di classificarsi nell’ordine della riqueza materiale – e per ciò stesso valutabile, per sua natura e tradizionalmente, in denaro – idoneo a soddisfare un bisogno economico."

O bem assim entendido pode ser permutado com outro bem e sua utilidade pode ser comparada com outra utilidade, e esta comparação é facilmente traduzida em dinheiro. Para caracterizar-se como patrimonial, o bem deve possuir os caracteres de: exterioridade, avaliação pecuniária, correspondência à necessidade econômica.8 E continuava o mestre De Cupis: interesse patrimonial consiste na utilidade que a um determinado sujeito pode ser fornecida por um bem patrimonial, na utilidade, portanto, patrimonial considerada frente a um sujeito. E dano patrimonial é o que tem por objeto um igual interesse.9

Quanto ao dano não-patrimonial, estamos ainda na lição de De Cupis, este só pode ser definido, como cuidava a maioria dos autores, em contraposição ao dano patrimonial e encerra aquele que tem por objeto um interesse não patrimonial; relativo a um bem não patrimonial.10

Grande parte da doutrina identifica o dano extrapatrimonial como sinônimo de dano moral, isto é, levando-se em conta o prejuízo ocasionado à alma, bem-estar físico ou psíquico. A expressão dano moral é a de uso corrente e a adotada pelo legislador constitucional e infraconstitucional. O saudoso Wilson Melo, com o subsídio de Fischer e Aguiar Dias, lembra que os danos morais "são danos da alma" e a dor é seu elemento essencial, abrangendo tanto sofrimentos físicos quanto morais.11

Entretanto, na precisa observação de De Cupis, secundando Antolisei, sofrimentos morais, sensações dolorosas não abraçam todos os danos que não são prejuízos patrimoniais,12 ao que acrescentamos a conclusão de Brebbia, segundo o qual a extrapatrimonialidade é apenas uma das várias características do dano moral, mas não seu requisito imprescindível.13

Bem observado, nota-se que, embora os dois juristas utilizassem ponto de partida dissímeis, dano moral e extrapatrimonial não traduzem o mesmo sentido.

Com grande acerto encerrava De Cupis seu raciocínio, o que contribuiu, incontestavelmente, para o dano à honra, aqui estudado:

"E le sofferenze morali, le sensazioni dolorose non abbracciano tutti i danni che non sono pregiudizi patrimoniali: ‘la diminuzione di prestigio e di publica reputazione, ad es., costituisce danno nom patrimoniali independentemente dal dolore o rammarico del soggeto che la subisce’."14

Preferiu Biagio Brugi a denominação dano moral àquela de dano não patrimonial, e entendia que patrimonial e moral são dois aspectos de um mesmo conceito: o patrimônio de alguém compreende todos os seus bens, inclusive os imateriais. E, a rigor, só deveria haver contraposição entre dano moral/material apenas como distinção das duas espécies de dano, mas não no sentido de uma incompatibilidade entre as mesmas, nem no sentido de duas espécies distintas, heterogênas de dano, pois o conceito de dano é sempre único. Reconhecia ser praticamente impossível existir um dano moral sem contrapartida patrimonial e indagava:

"Se prendiamo la persona umana come forza viva e strumento di produzioni della richezza, chi ardirá sostenere che, menomata la pace di una persona, alterato, sia pure transitoriamente, il suo carattere per offese, ingiuste punizioni, ecc., sia essa cosi atta al lavoro e atta produzione, così impassibile e senza nervi da non risentire alcun danno patrimoniale?"

Mais adiante admitia que os bens imateriais como a paz, a dignidade humana, mesmo que nada sofram de diminuição no seu patrimônio material, são avaliados pecuniariamente.15

Alguns autores, com menor precisão, comumente restringiram a conceituação do dano moral à violação da honra.

"Daño moral – lesión que sufre una persona en su honor o reputación: y su reparación, al igual que la material, debe resolverse en una indemnización pecuniaria que fijará el juez."16

Em conclusão, dano moral é o que atinge a esfera personalíssima do titular: campo sentimental, intelectual e valorativo individual ou social da personalidade.

Um mesmo ilicito à honra poderá acarretar infrações a duas ordens jurídicas: à pública e à privada, e o infrator não se exime de sua responsabilidade perante a sociedade e perante o lesado sem uma reparação. Se o prejuízo reveste-se de enorme gravidade e publicidade, capaz de perturbar a ordem social, o direito penal sanciona-o; sendo de menor gravidade e repercussão, restringe-se e pertence à própria esfera do ofendido. Afirmou Puig Peña:

"El delito produce, efetivamente, dos males: un mal social, la perturbación que causa a las gentes honradas; el temor y alarma que ocasiona; y un mal individual: el daño que la víctima puede sufrir en su persona, honor, libertad y patrimonio. El daño social se intenta reparar mediante la imposición de la pena; el daño individual, mediante la indemnización de carácter civil. Los dos reunidos restauran todo el orden jurídico perturbado."17

Diante do direito privado, a atenção volta-se unicamente para a pessoa atingida, e é determinada a reparação do dano. Hávia mesmo quem dispensasse a proteção da honra na esfera pública, entendendo que esta proteção apenas deveria ser prevista no âmbito privado. esta última, sem dúvida, tem a sua real importância, visto que dará ao ofendido uma satisfação ou compensação pela lesão ao seu bem jurídico. Porém, na precisa observação de Hungria, a proteção somente sob esse prisma seria ineficaz:

"Semelhante critério, além disso, redundaria numa verdadeira libertas conviciandi para todos os indivíduos insolventes ou que facilmente pudessem frustrar uma execução civil. Não há razão alguma, política ou jurídica, para repudiar-se total ou parcialmente, na espécie, o tradicional critério de incriminação. Nenhuma contemplação merecem aqueles que, por ódio, despeito, rivalidade ou áspero prazer do mal, se fazem salteadores da honra alheia. Sob certos aspectos, são eles ainda mais perversos que os próprios rapinantes, pois, segundo os versos de Shakespeare:

"... He that filches from me my good name,

Robs me of that wich not enriches him,

And makes me poor indeed."18

Não há, portanto, fundamentos justificadores para restringir a proteção da honra somente a um campo, principalmente se na hipótese ocorressem apenas danos morais sem reflexo patrimonial. No âmbito privado, a reparação torna-se imprescindível; se o ilícito somente sofresse a sanção do direito privado, maior seria a injustiça legal, porque a indenização estaria monopolizada em poucas pessoas, naquelas que poderiam pagar e os nossos tribunais estariam frente a como que "garimpeiros à procura do ouro", sendo chamados a decidir em toda e qualquer lesão, por ínfima que fosse, desde que a parte contrária tivesse suporte econômico para arcar com a referida indenização.

2.Reparação

O Professor Hélio Tornaghi, no seu anteprojeto do Código de Processo Penal, estabelecia as seguintes distinções:

Art. 365. Para os efeitos desta lei, considera-se ressarcimento o pagamento dos danos patrimoniais resultantes do crime; reparação, a compensação em dinheiro do dano moral decorrente do crime; indenização, a compensação em dinheiro de dano decorrente de ato ilícito.19

Não iremos aprisionar-nos a essas distinções. Consideramos, neste trabalho, a reparação como gênero, em que se inclui o ressarcimento ou indenização (pagamento em dinheiro), oriundo do ilícito penal ou civil.

A reparação do dano deve consistir no restabelecimento do estado anterior em que se encontrava o lesado, antes da ocorrência do evento danoso, e consiste fundamentalmente em duas espécies:

–reposição natural (sanção direta);

–reparação pelo equivalente pecuniário (sanção indireta).

A reparação natural encerra a verdadeira reparação. Esta, no entanto, nem sempre é possível, notadamente em matéria de honra. Alguns chegam a admitir que, neste caso, a reparação somente se faz pelo sucedâneo. Amílcar de Castro, em brilhante voto de que foi relator, na Apelação n. 1.409, proferida em acórdão da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, em 19.10.1942, compendiou seu raciocínio em relação à reparação do dano moral, dizendo que a reparação civil obtém-se de duas formas:

"(...) a restituição das coisas ao estado anterior e a reparação pecuniária, quando o direito lesado seja de natureza não reintegrável. A ofensa causada por um dano moral não é susceptível de reparação no primeiro sentido, mas o é no segundo. Com esta espécie de reparação não se pretende refazer o patrimônio, porque não foi diminuído, mas se tem simplesmente em vista dar à pessoa lesada uma satisfação, que lhe é devida pela sensação dolorosa que sofreu. A prestação pecuniária tem, no caso, função meramente satisfatória."20

Considerou, ademais, que o fundamento da ação não seria a compensação da dor sofrida pela sua substituição por dinheiro e é por isso que não se cogita de avaliar a dor em dinheiro, ainda mais que esta não tem equivalência exata e o verdadeiro fundamento da ação é tutelar o direito violado.21

A função satisfatória não é limitativa em si, não se exaure em si, e se visa, também, na indenização, uma finalidade social de respeito ao direito alheio.

No caso de reparação natural ela será integral, enquanto no equivalente pecuniário ela deverá ser a mais completa possível.

3.Reparação natural

A reintegração em forma específica ou reparação natural poderá oferecer ao prejudicado uma maior satisfação e restaurar a sua honra, principalmente se a lesão não acarreta prejuízos materiais. Desta forma, poderá o lesado pedir a eliminação do objeto causador do dano, como a destruição de escrito ou suspensão de publicação e/ou circulação do mesmo; destruição do desenho, gravura, fotografia, filme etc.; anulação do ato decisório, que o excluiu de associação; exigir publicação de resposta ao escrito ofensivo ou retificação do mesmo por parte do lesante; poderá, ainda, dar-se por reparado mediante publicação de sentença condenatória do culpado na instância penal. Alguns desses casos comportam a tutela inibitória, visando a impedir a consumação do ato (art. 12 e 20 c. civil). Enfocava Giovanna Visintini que a execução em forma específica significa "nel contesto dei diritti della personalità: restituzione dell’onore, della reputazione, della riservatezza violati attraverso la publicazione di una sentenza di condanna o la publicazione de una rettifica".22

A reparação da lesão à honra, dada à peculiaridade deste direito, poderá ainda ocorrer de outras formas específicas, não incluídas nem na restitutio in integrum, nem no ressarcimento. Apontamos ad exemplum casos já estudados: separação judicial, concedida ao ofendido, motivada por conduta desonrosa do outro cônjuge (art. 5.o, Lei do Divórcio e atual art. 1573, VI, Código Civil) e a exclusão do indigno da sucessão; nesta última hipótese a reparação teria caráter punitivo, já que o ofendido não mais se encontra vivo, não se podendo admitir função satisfatória. Em qualquer dos casos ela tem fundamento ético.

O ponto delicado desta modalidade de reparação (forma específica) é que, embora natural, não restabelece necessariamente o prejudicado em sua honra ao seu estado anterior, ou seja, poderá não significar uma reposição completa, visto que aquele poderá não se sentir reparado; há elemento subjetivo em questão e mesmo porque o ato reparatório específico poderá não ter o mesmo alcance ou repercussão que o ato ofensivo produziu na vida social. Por esta razão, entendemos que deve ficar a critério do ofendido a opção entre uma ou outra modalidade de reparação (natural, sucedâneo) ou, conforme o caso ou a gravidade do dano, a utilização de ambas. Em decorrência do exposto, igualmente notáveis juristas não reconhecem a reparação natural em lesões aos direitos da personalidade. O voto de Amílcar de Castro é bastante incisivo neste ponto. No entanto, apesar de o direito de escolha pertencer ao ofendido, o seu exercício não é absoluto. Verificando o julgador que a reparação natural satisfaz plenamente o lesado, não deve consentir que este ainda pretenda obter indenização, pois, neste caso, a honra tornar-se-ia um comércio rentável e extinguir-se-ia aquela função de satisfação da reparação. Além disso, sendo o pedido genérico (art. 286, II, CPC), há flexibilidade ao julgador para escolher o tipo de sancionamento.

Podemos entender que, pela retratação, significa que o ofensor admite ter errado, mas que não apaga necessariamente o prejuízo que ocasionou.

4.Reparação por meio de ressarcimento

A muitos repugnava que o dano à honra, como qualquer dano endereçado à integridade moral da pessoa, pudesse ter um equivalente pecuniário e, por isso, não admitiam semelhante reparação por entendê-la imoral, já que a pessoa lesada em seus sentimentos jamais seria consolada pelo recebimento de indenização. Esta doutrina repousava na comodidade, omitindo-se em enfrentar as dificuldades que a reparação civil apresentava no dano não patrimonial. Se a questão assentava-se em imoralidade e repugnância, da mesma forma repugna ao Direito ver sucederem, nas relações sociais, atos ilícitos que permaneçam impunes, seja pela necessidade de harmonia da vida social, seja pelo sentimento de justiça.

Brebbia chamava atenção para os papéis que uma indenização desempenha: a) compensação, b) satisfação, c) punição. No primeiro caso, quando o dano pode ser avaliado de maneira aproximadamente exata; no segundo caso (satisfação), quando esta valoração não for possível; no terceiro caso, quando não se busca compensar o prejudicado e sim impor penalidade pela infração da norma legal. Reafirmava, enfaticamente, que, cuidando-se de dano moral, a sua função não poderia ser outra senão a satisfação; tratando-se de dano patrimonial, na maioria das vezes o ressarcimento tem caráter compensatório e, em alguns casos, quando se torna impossível determinar o montante do prejuízo, assume também função satisfatória.23

Procurou a doutrina estabelecer o caráter da reparação por meio de ressarcimento: alguns a consideram como satisfação, que substitui o prazer desaparecido por um outro novo, que é o dinheiro, e não teria função nem reparatória, nem compensatória, em virtude da ausência de equivalência direta em dinheiro, pois a sua matéria não tem apreciação econômica. O dinheiro, portanto, teria o papel de satisfazer, mesmo que de forma atenuada, a perda sofrida, com a aquisição de outras satisfações ou vantagens. Embora seja uma forma grosseira de satisfação, não é recusada pelo direito. Lembrava Clóvis Beviláqua que "é por uma necessidade dos nossos meios humanos, sempre insuficientes e, não raro, grosseiros, que o direito se vê forçado a aceitar que se computem em dinheiro o interesse da afeição e os outros interesses morais".24 Na finalidade satisfatória, outros elementos entram na apreciação da indenização, como o grau de culpa do ofensor, a situação econômica das partes, bem como as circunstâncias do fato.

Entrentanto, mesmo este caráter satisfatório, que apresenta ser o que mais se coaduna com o interesse do lesado, não deixa de ser contestado por alguns. Argumentava Wilson Melo que, se a finalidade fosse apenas satisfatória, não haveria necessidade de avaliação do prejuízo e, no caso, suficiente seria a condenação simbólica, tradutora do simples reconhecimento da existência da tutela jurídica, conforme assento de Bonnard. Concluiu o mestre brasileiro que ocorre é mesmo reparação compensatória.25

Não descartamos a hipótese de que a condenação simbólica do ofensor poderá ocasionar que o ofendido se sinta satisfeito, total ou parcialmente. Mas constitui hipótese impregnada de subjetividade (depende do ofendido) e, à guisa de exceção, não deve deixar de ser vista pelo Direito, mas daí a tomar a proteção jurídica dentro desta cercania e como regra geral é não reconhecer a injustiça de semelhante critério; é subestimar ou irrelevar o objeto desses direitos, bem como não permitir o avanço da doutrina em matéria de indenização dos danos extrapatrimoniais. E lançamos mão de próprios argumentos de Wilson Melo.

"Ora, não basta o só reconhecimento do direito, em tese, da vítima à reparação, na hipótese do dano moral. Se, por uma dificuldade de ordem técnica ou material, não se pode concretizar a reparação em favor da vítima, então, força é confessar-se, não se teria feito, aí, nenhum progresso, relativamente ao sentir daqueles adversários da doutrina que tem, exatamente, nessa pseudo-dificuldade de reparação objetiva dos danos morais, a pedra angular de seu negativismo.

Direito que não se efetiva por falta de objeto, direito é nenhum."26

Dentre as principais objeções que resistiam à reparabilidade desta espécie de dano, apontadas por diversos estudiosos, durante longo tempo, poderiam ser consideradas relativamente à honra: impossibilidade de estimação, ausência de unidade de medida, imoralidade da compensação da dor, ilimitado poder que se confere ao juiz.

Alguns não viam no ressarcimento uma reparação exclusivamente pessoal como meio defensivo contra o ilícito à honra, embora não desprezassem o sentido punitivo da função.27

Georges Ripert apoiou esta função punitiva, considerando que a indenização não poderia satisfazer o prejudicado e que, se assim fosse, a tornaria tão odiosa quanto o próprio autor. O que se visa é a punição do autor e é por isso que tem caráter exemplar.28

Entretanto, este caráter punitivo ou expiatório foi igualmente contestado, uma vez que a reparação não tem finalidade de acarretar perda patrimonial ao ofensor e tão-só dar uma satisfação ao ofendido.

Há quem entendeu que o dano moral não era propriamente indenizável e o que se buscava era uma compensação do prejuízo e não ressarci-lo. E, uma vez que o dinheiro não exerce função indenizatória por não ter a equivalência da dor, a reparação teria duas funções: a compensatória em relação ao prejudicado e a punitiva em relação ao ofensor.29 Há ainda quem viu no instituto da reparação algo que não se enquadrava em qualquer desses fundamentos. Kardiçali, citado por Salazar, valeu-se das expressões de Ckhasdt: "La réparation, morale n’est ni une peine ni une réparation, mais quelque chose de special qui tient de l’un et de l’autre."30 Ela seria um instituto sui generis.

Aclarando as idéias compendiadas, destacamos que, restringindo-nos à lesão da honra, quando esta caracterizar-se unicamente como dano extrapatrimonial, o ressarcimento tem conotação meramente satisfatória, já que não existe equivalência pecuniária, da mesma forma que terá caráter satisfatório a reparação específica. Quando, porém, a ofensa repercute no campo econômico, haverá aí caráter compensatório, segundo o conceito formulado por Brebbia, concomitantemente com o de satisfação, pelo dano moral, pois, ao mesmo tempo ocorre o dano extrapatrimonial. Entendemos, por isso, que o critério de classificação do dano em patrimonial e extrapatrimonial deverá ater-se, nos efeitos que produz. Só assim poder-se-á entender o tratamento do dano e justificar o que a sua reparação representa para o lesado. Seria incongruente afirmarmos que o dano patrimonial reflexo, acontecido por ofensa à honra, perfeitamente indenizável como os demais danos materiais, tivesse tão-só função satisfatória. Não vemos razão por que as mencionadas funções não possam coexistir. O IX Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil, realizado em São Paulo, em 29 e 30.08.97, por maioria, concluiu que "à indenização por danos morais deve dar-se caráter exclusivamente compensatório". Por compensatório, entende-se que a indenização encerra um lenitivo aos males/prejuízos infligidos ao lesado. Pouco antes, em 1994, encontramos decisão do Superior Tribunal de Justiça, afirmando que a prestação pecuniária cumpria função meramente satisfatória. (Cf. REsp. n. 37374/MG. Rel. Min. Hélio Mosimann. Acórdão de 28.09.1994. In: http://www.stj.gov.br).

A reparação da ofensa à honra, em geral, faz-se pelo sucedâneo, já que é menos possível a reparação natural. O sucedâneo ocorrerá quando a específica não for possível ou não restituir o lesado ao seu statu quo e então busca-se a reparação pelo equivalente ou indenização. Esta é a que mais freqüentemente ocorre nos casos de lesão da honra, dada a natureza especial deste direito.

Nosso Código Civil não confere à indenização caráter punitivo; ela resulta da violação do direito de outrem, causando-lhe dano ( art. 186) e assenta-se em critério objetivo atenuado (art. 944 e § único), significando que é medida pelo dano em sua extensão, podendo o juiz sopesá-la, conforme o grau de culpa do ofensor, em havendo desproporção entre a culpa e o dano, bem como a culpa do lesado. O artigo 953 cuida especificamente da indenização por ofensa à honra, ficando estabelecido que a indenização do dano moral será fixada conforme as circunstâncias do evento danoso, com equidade. É a coroação da atual doutrina.

Ocorre salientar, entretanto, que a limitação da sanção da lesão à honra à responsabilidade civil (ressarcimento) traz como conseqüência um alcance restrito daquela satisfação buscada pelo ofendido e é por esta razão que salientamos a necessidade de não se atrelar a proteção da honra àquela responsabilidade, que considera o dano consumado, fugindo-se desta ótica e buscar novos instrumentos, ainda no campo civil, que garantam maior amplitude da tutela. Tanto a jurisdição penal quanto a civil são repressivas e só podem intervir após a efetivação do fato. Para melhor proteção da honra, normas específicas deveriam ser traçadas. propôs Fábio Maria de Mattia que a sanção dos direitos da personalidade, além da ação ordinária de perdas e danos, deve ser feita por medidas cautelares (suspensão dos atos lesivos); em seguida viria a ação para declarar a existência ou não do direito da personalidade, que poderia ser cumulada com a de perdas e danos (morais e patrimoniais).31 ESTA TUTELA INIBITÓRIA ESTÁ PREVISTA NOS ARTS. 12 E 20 DO CÓDIGO CIVIL.

No direito positivo brasileiro, a teor dos artigos 798, 799 e 800 do Código de Processo Civil, as medidas cautelares inominadas poderão ocorrer no curso do processo ou ser instauradas antes dele, quando houver fundado receio de que uma das partes cause grave lesão ao direito da outra; visam a assegurar a eficácia do processo, de forma que este não se torne frustro. Estas medidas podem perfeitamente ser aplicadas em questão que afete a honra, quer se trate de dano puramente extrapatrimonial, quer não. Exemplo dessas medidas seria a sustação de protesto de título, e exemplo de processo cautelar específico seria a busca e apreensão de escrito a ser colocado em circulação, de conteúdo calunioso, difamatório ou injurioso.

No direito francês, sem prejuízo de pedir reparação do dano sofrido, o lesado conta com o recurso ao juge des référés, conforme a gravidade do atentado e a urgência em fazer cessar o ato, visando a colocar fim no prejuízo causado ou no atentado. O recurso a este juízo está previsto na lei francesa de imprensa e não são todos os magistrados investidos de semelhante poder: o de tomar decisão provisória, não prejulgando em nada a solução posterior de fundo. Trata-se de um processo que tem como característica a rapidez da decisão. No direito brasileiro, temos a tutela antecipada, prevista nos artigos 273 e 461 do CPC, com as alterações inseridas pelas leis n. 8.952/1994, n. 9.494/1997 e n. 10.044, de 8.5.2002, visando a antecipar os efeitos da decisão de mérito; aqui não se trata de prevenir a frustração do processo, mas do próprio exercício do direito subjetivo, podendo ocorrer em qualquer momento processual.

5.Nexo causal

Quando o evento danoso é único, a verificação da conexão causal tona-se mais fácil. Indeniza-se apenas o dano que constitua uma conseqüência do ato ilícito. No concurso de causas, sucessivas ou simultâneas, que provocam um só dano, grande é a dificuldade para a determinação causal e a doutrina, socorrendo, aponta critérios solucionadores:

5.1 Conditio sine qua non ou equivalência das condições

Critério mais pragmático considera como causa o conjunto e cada um dos fatos que, em coincidência, formarão a causa eficiente para a produção do dano, mesmo que este dano não seja uma conseqüência direta ou imediata, já que ele não se produziria sem a concatenação daqueles fatos. Isto quer significar que, quando ocorrem várias circunstâncias, qualquer delas será causa eficiente para causar o dano. Donde se estabelece uma concorrência de culpas, seja na situação de dois ou mais fatos em conjunto produzirem a lesão, mesmo se cada um de per se não tivesse esse alcance, seja na situação de cada um desses fatos, por si só, pudesse ocasionar o dano, ou seja, independentemente um do outro, tivesse cada qual produzido o dano na mesma extensão.

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5.2 Causalidade adequada ou regularidade causal

Aqui o ato/fato deve ser condição essencial para efetivação do dano, isto é, idôneo para produzi-lo e a idoneidade é aferida pela inevitabilidade constante do efeito. É reconhecida como causa a condição que se encontra em conexão adequada com o resultado. Estariam excluídas outras circunstâncias que, segundo a percepção geral, as regras e experiências da vida diária são consideradas indiferentes para produzir o dano, mesmo que estas circunstâncias venham aliadas às outras. Estas circunstâncias chegaram a ser condição do dano por conseqüência de outra causa e, em si, não eram adequadas para produzi-lo. "Quando il fato umano produce un effetto soltanto per il concorso di circostanze le quali si presentano raramente, esso, giuridicamente, non può considerarsi causa di quell’effetto."32 Isto quer significar que o ato deve ser a condição essencial da realização do dano. De Cupis ressaltou que, para os danos mediatos e indiretos, não é suficiente a relação de simples condicionalidade, exigindo-se, ainda, um nexo de causalidade regular, ou seja, que o fato venha a existir com base no natural e ordinário evolver-se das coisas.33

5.3 Causalidade imediata

Aqui o que relevante notar é a relação de proximidade. Entre o ilícito e o dano é necessário existir relação de causa e efeito direta (sem qualquer intermediação) e imediata (sem intervalo). Portanto, a causa do dano será o fato do qual ele deriva proximamente e dela exclui-se o dano remoto. Enneccerus contestou esta teoria, reconhecendo que não é necessário ser o nexo causal imediato, bastando a causalidade mediata.34

Ao adotar este critério da causalidade imediata, as legislações procuram evitar que, de conseqüência em conseqüência, o ressarcimento alcance proporções exageradas e injustificadas.

O Código Civil brasileiro não se refere à questão quando se trata de ilícito, mas colhe o critério da causalidade imediata na matéria contratual, ao estabelecer apenas a indenização de prejuízos efetivos e lucros cessantes no caso de inexecução do contrato, por efeito dela direto e imediato- art. 403 (perdas e danos). Orlando Gomes opinou que esta mesma regra pode ser aplicada no dano proveniente do ilícito (responsabilidade extracontratual), mas desde que não o seja rigorosamente.35

Entendemos, no entanto, que para maior proteção da honra o critério da causalidade imediata deixa a desejar, porque da reparação estariam excluídas as causas anteriores. Preferimos ficar com o critério da condição sine qua non, no qual todos os fatos constituem causa eficiente na produção do dano, ainda que não sejam imediatos. Assim, se um associado presta uma informação inverídica a respeito da conduta moral de outro associado e a associação, com base nesta informação, negligentemente, exclui este último, ambas as condutas foram causadoras do prejuízo à honra. O prestador da informação ou denunciante não poderá eximir-se da responsabilidade, alegando que não teve participação direta e imediata no evento.

6.Previsibilidade e dano contínuo

O dever de indenizar deriva do ato ilícito, da própria conduta antijurídica e, segundo Ludwig Enneccerus, não se requer a previsibilidade do dano para verificação do nexo causal; deverá ter sido previsto primeiro "o resultado contrário ao direito" e, uma vez cumprido este requisito, não importa a previsibilidade do dano que deriva do ato.36

Dano contínuo – Se o ato/atividade ofensiva é de caráter continuado, ou seja, quando o dano já começou a produzir sua eficácia, o lesado tem o poder de perseguir não apenas a reparação do prejuízo produzido, mas ainda a cessação daquela atividade lesiva.

7.Omissão

Em princípio, a abstenção da conduta que ofende a honra de alguém não está excluída da caracterização do ilícito civil, já que este tem como fato gerador "a ação ou omissão voluntária"; porém, sua ocorrência dá-se com menos freqüência. Lembrou Orlando Gomes, com apoio em Von Thur, que o nexo causal, em se tratando de conduta omissiva, não deve ser considerado nas mesmas condições do fato comissivo:

"O nexo causal pode estabelecer-se entre uma abstenção e um dano, no pressuposto de que aquele que não evita um fato danoso deve ser equiparado, para os efeitos jurídicos, a quem o pratica. Mas não se deve levar essa regra às suas últimas conseqüências, só se justificando sua aplicação quando aquele que se abstém, além de poder impedir o dano, estiver obrigado a evitá-lo."37

Da mesma forma ressaltou Ludwig Enneccerus que a omissão apenas ocorrerá diante de um dever jurídico de determinada pessoa em relação à execução do ato e que os deveres gerais de ajuda ao próximo, sociais, fogem deste âmbito.38

Exemplo de conduta desonrosa, omissiva, de acordo com a idéia exposta, prevista em nossa lei, é a contida nos artigos 1.962, IV E 1.963, IV, que contemplam a exclusão da herança motivada por desamparo do ascendente, filho ou neto em alienação mental ou grave enfermidade.

Convém observar, no entanto, que, quando se cuida da honra, a omissão não está necessariamente coligada ao cumprimento de um dever jurídico. Mais uma vez a peculiaridade deste direito impõe fugir da regra acima. Poderá um ascendente sentir-se injuriado por conduta omissiva de filho, que assiste a episódio ou neste se envolve, em que são consubstanciadas ofensas desonrosas endereçadas ao genitor ausente, sem que aquele descendente mova um dedo em sua defesa.

8.Prescrição

O direito à honra, como os demais direitos da personalidade imanentes ao ser humano, é imprescritível, não se perdendo pelo seu não-uso. Diante de uma ofensa, isto é, ante a lesão e conseqüente prejuízo, abre-se ao lesado a porta para ingresso na justiça. Este direito de agir, contudo, não poderá permanecer indefinida e perpetuamente à disposição de seu titular e o direito positivo deve assegurar a certeza das relações jurídicas, estipulando um prazo para seu exercício. A Lei de Imprensa, já vimos, concedeu um período de três meses, no nosso sentir bastante reduzido, para se pleitear a reparação por dano moral e não o estipulou quando se trata de prejuízo patrimonial. A essa altura da evolução jurisprudencial, não é mais operante o prazo restritivo da Lei referida, em cotejo ao preceito constitucional de ampla reparabilidade do dano, sendo a exigüidade do prazo lesiva ao prejudicado e remetendo-o à aplicação do direito comum. O Código Civil em vigor confere o prazo de tês anos para a pretenção da reparação civil (art. 206,§ 3º, V) . Entendíamos que o prazo referente ao dano extrapatrimonial nos ilícitos não absorvidos pela aludida lei deveria ser determinado por um período que não fosse tão reduzido nem tão extenso como o constante em nosso Código Civil precedente: 20 anos para as ações pessoais. Não nos convencia a determinação de prazo decadencial de 20 anos para reparação de atos lesivos à honra. Este deve ser bem menor. Não pretendemos, com isso, dizer que a lesão extrapatrimonial é inferior à patrimonial. A razão está em que aquela tende a desaparecer com mais facilidade com o passar dos tempos. Os sentimentos mudam, as pessoas esquecem, mudam-se, falecem, e tudo isto, somado à evolução psíquica do próprio lesado, faz com que se apague, dilua ou atenue acentuadamente o prejuízo sofrido.

Costumamos olhar com desdém um fato que nos ocorreu há tempos, mas que, à época, constituiu uma grande revolução em nosso interior. Só mesmo uma pessoa fora do psiquismo normal do ser humano, comum, poderá sustentar e alimentar um sentimento de subestima e revolta a ponto de pleitear reparação em juízo por lesão à honra após o decurso de longos anos. Isto só seria explicado como Vindicta, que não restabelece a ordem violada e tende a perpetuar os conflitos. Até mesmo no tocante ao reflexo patrimonial do dano à honra, embora este ocorra como conseqüência de uma lesão maior (sentimento, reputação), estando interligado àquele interesse maior atingido, deve ter período prescricional também menos elástico do que o que vigorava em nosso Código Civil anterior. O atual Código Civil brasileiro, preocupado com os enormes prazos prescricionais em vigor, que não mais comportam com o dinamismo da vida moderna, em boa hora ,estabelece em três anos a pretensão para a reparação civil, qualquer que seja ela (art. 206, § 3.o, V).

9.Presunção juris et de jure e legitimidade ativa

O ato desonroso cometido pelo ofensor acarreta, no âmbito extrapatrimonial, pela sua simples ocorrência, a presunção de prejuízo ao ofendido, não podendo arvorar-se o primeiro da argumentação de que o ato não acarretou dano a este. Já se sustentou que o dano moral em favor de certas vítimas goza de presunção absoluta. Em relação à própria pessoa a quem foi destinado o ato de desonra, não cogitamos que se possa pensar de modo contrário. Ao se referir à apuração da existência do dano moral, Carvalho Santos enfocava que "a prova da dor está in re ipsa, resulta precisamente do fato lesivo, porque o sofrimento dele normal e naturalmente decorre". No entanto, não especificava se se trata de presunção absoluta ou relativa e Fez uso da ponderação de Minozzi de que a mesma pode ser considerada absoluta ou, pelo menos juris tantum, admitindo-se a prova contrária de sua ausência, sendo, porém, razoável e justificado inferir a sua existência em inúmeros casos de dano patrimonial indireto, em que a simples presunção daria lugar ao ressarcimento, como, por exemplo, na hipótese de descrédito comercial, em que a prova do dano estaria no próprio fato difamatório.39

Uma vez que o comportamento contrário ao imposto pela norma legal produz efeito, que esta queria evitar, na prova da existência do ato ilícito está ínsita a prova do dano. Os tribunais brasileiros, nota-se, há décadas acolheram este raciocínio. O Tribunal de Justiça de São Paulo, em 1969, ao examinar a ocorrência de calúnia e injúria, à luz da Lei 4.117/62 (Código Brasileiro de Telecomunicações), consignou da seguinte forma, à votação unânime:

"(...). O ressarcimento do dano moral independe de reflexos patrimoniais. Basta a ofensa à honra para gerar o direito à indenização. Ele está ínsito, presumido juris et de jure na ofensa à honra."(...)".40

Resta examinar a presunção de dano em relação a outras pessoas, que se encontram ligadas ao ofendido em laços de parentesco e afeto. Neste caso, a presunção de dano moral não poderia ter aquela mesma força. Wilson Melo criticou Jousse, que pretendia estabelecer uma ordem de preferência para essas pessoas, e doutrinava que se devia estabelecer uma presunção de dano, mas juris tantum, em favor de certos membros de uma família.

"Os pais sofrem com as desgraças dos filhos e estes com as dos genitores. Normalmente o cônjuge padece as mesmas angústias e os mesmos indizíveis sofrimentos das crises morais do outro cônjuge. E um irmão, o bom senso o afirma, sempre compartilha das desditas dos outros irmãos."41

Essas colocações os autores em geral fizeram em referência ao dano moral, decorrente do falecimento de algum parente. No que diz respeito à honra, esta é intransmissível, ou seja, não se transfere de um sujeito a outro, por qualquer modalidade que seja. No entanto, observa-se que uma ofensa à honra da pessoa (e aqui não incluímos a ofensa, que está afeta ao campo subjetivo do sujeito passivo da ofensa), poderá ser de tamanha gravidade que, embora dirigida a destinarário único, repercutirá indiretamente entre determinadas pessoas, que têm para com o lesado relações de parentesco e afeto. A estas pessoas não é transferido o direito de pleitear reparação, com base na ofensa ao direito de outrem. O princípio é que a legitimação para propor ação por ofensa à honra pertence ao prejudicado. Admite-se esta capacidade para aquelas pessoas que foram indiretamente prejudicadas, mas, nesse caso, por direito próprio e só vemos esta possibilidade quando se trata de parentes próximos, cônjuge, e mesmo o companheiro ou companheira. Estes poderão ingressar em juízo, mesmo que o prejudicado direto permaneça inerte e aqui não se trata de desvio do princípio de que essas pessoas "não poderão considerar-se mais ofendidas do que o próprio lesado". A questão é bem outra. Outra é a hipótese quando os demais parentes não são atingidos indiretamente pela ofensa endereçada a um deles. Bem frisou Wilson Melo que o cônjuge padece as mesmas angústias do outro, assim como pais, filhos, irmãos, mas, neste caso, o sofrimento só poderá ser encarado do ponto de vista psicológico, não chegando a ter peso nas relações jurídicas. Poderá, inclusive, ocorrer que os genitores se sintam profundamente abalados com a desonra de um descendente, sem que este, que é o verdadeiro atingido, padeça com o ato lesivo e não tenha o mínimo interesse de se ver reparado.

Diferente será o caso de lesão à honra de pessoa falecida. O simples fato de esta não mais existir não quer significar que seus herdeiros, se não foram atingidos indiretamente, transfiram para si um sentimento que pertenceria ao de cujus, e venham a considerar-se ofendidos no lugar daquele ou, mesmo que não tenham este sentimento, possam pedir reparação em nome dele.

É uma constante nossa exortação a respeito de muitas questões pertinentes à honra e esta é mais uma que se soma ao complexo e especial direito.

Tem-se sustentado que o direito de agir transfere-se aos herdeiros, porquanto a ação danosa cria para o lesado um direito de se ver reparado pelo lesante – que pode traduzir-se em indenização – e que, em virtude da abertura da sucessão, transmite-se aos herdeiros. O direito à indenização tem sempre natureza patrimonial e consiste numa prestação pecuniária, o que não afasta o regime geral de transmissibilidade das relações econômicas (cf. art. 943 : " o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmite-se com a herança"). O dano é moral, mas o direito à indenização é de caráter patrimonial. O mestre de Perugia, após reconhecer o caráter intransmissível dos direitos da personalidade, admitiu o direito de pedir ressarcimento aos sucessores, destacando que, embora o ressarcimento derive da lesão de um interesse não patrimonial, objetiva freqüentemente a consecussão de uma utilidade patrimonial. Assim, se o próprio ofendido não conseguiu essa utilidade, a mesma poderá ser conseguida por seus herdeiros, uma vez que o direito de buscar indenização já existia no patrimônio daquele. Entendia que a intransmissibilidade do direito violado não comporta intransmissibilidade do direito secundário ao ressarcimento; que, se esse direito violado, tendo por objeto uma prestação pecuniária, independentemente da natureza patrimonial ou não patrimonial do interesse atingido, constitui elemento do patrimônio do hereditando, é, por isso, transmissível como os demais direitos.42

Entretanto, cabe relembrar que a honra é um direito personalíssimo, imanente à própria pessoa ofendida e que, portanto, não extravasa a esfera de seu titular. O direito de ação é igualmente de natureza personalíssima, não se transferindo em virtude de successio haereditatis, desaparecendo com a morte do lesado. Ainda mais, poder-se-ia acrescer que o prejuízo, sendo de natureza essencialmente extrapatrimonial e, atendendo àquela função satisfatória, que entendemos existir, não tem, necessariamente, suporte na reparação pelo sucedâneo. Por outro lado, deve-se considerar se o próprio ofendido pretendia buscar reparação. Em sendo um direito potestativo, dependia unicamente de seu arbítrio.

Dessa forma, falecendo o lesado sem intentar ação de reparação civil ou tomado providências nesse sentido, entendemos que aos seus herdeiros não assiste o direito de fazê-lo jure proprio nem em nome do de cujus. Esposou esta opinião o emitente Wilson Melo, afirmando que não existe, em relação aos danos morais, o jus haereditatis, à semelhança do que ocorre com os danos patrimoniais e apresentou um exemplo que, embora simplista, é elucidativo:

"Se, por danos morais, pudesse caber, ao morto, a compensação ‘X’ e a seus herdeiros tocasse, jure proprio, pelo mesmo fato, uma compensação ‘Y’, ditos herdeiros jamais receberiam, por isso, ‘X’ mais ‘Y’. O ‘X’ teria desaparecido com o morto."43

Não vamos ao extremo de afirmar o que fez Ripert para quem qualquer reparação por prejuízo moral desaparece com a vítima se não foi liqüidada;44 não vamos ao extremo de só admitir a transferência do direito ao ressarcimento do dano extrapatrimonial após a liquidação. Esta transferência, mediante substituição processual do de cujus, poderá ocorrer antes ou após o processo de liquidação, pois a diferença entre os dois momentos é que, em um, o conteúdo pecuniário não está definido e, em outro, já está e esta definição do valor pecuniário, segundo nosso sentir, em nada influi para a transferência do direito. Trata-se tão-só de diferentes momentos processuais.

É nossa opinião que o conteúdo econômico da reparação, susceptível de transmissão, somente se apresenta quando o titular do direito manifestou, ainda em vida, seu interesse em se ver reparado, ou seja, quando este falece no curso da ação penal ou civil já intentada. Por esSa sua iniciativa demonstrou, cabalmente, querer obter reparação, buscando aquela satisfação mencionada. Neste caso, não vemos obstáculos a que os sucessores continuem na relação processual e obtenham o resultado almejado pelo ofendido. (Nesse sentido cf. STJ, Resp n. 219.619/RJ, j. em 23.08.99, Rel. Min. Eduardo Ribeiro). E isto também vale para a instância penal. Se o caso for de sentença penal condenatória, em nosso sistema jurídico, esta tem força de título executivo. Assim, diante da natureza econômica da qual se reveste, o direito em questão é plenamente transmissível.

Se, ao revés, o ofendido falece sem nenhuma iniciativa, aí então, não admitimos transmissão do direito de agir.

Após perquirir, entre os cultores do tema de reparação do dano, opinião que elucidasse a questão e endossasse nosso ponto de vista, deparamos não menos com a proficiência de Savatier, para quem a reparação de um dano extrapatrimonial só se torna patrimonial, quando a vítima demanda uma indenização. Admitiu, inclusive, que a transmissão do direito ocorra mediante cessão, visto que depende da vítima transformá-lo em direito pecuniário. A sucessão hereditária, portanto, só seria possível, quando o lesado, ainda em vida, realizou esta transformação, mas, permanecendo inerte, não admitia que exista um direito dos herdeiros. "Seule la victime avait le privilège personnel de transformer ce dommage en indennité pécuniaire."45 Advertiu, no entanto, que este direito não se confunde com o direito pertencente à memória do morto. Neste caso a lei reconhece que a honra dos herdeiros pode ser ela mesma atacada pela ofensa desonrosa dirigida à pessoa do morto.46

Doutrina e jurisprudência italianas ainda não estabeleceram um consenso sobre a matéria, se no momento da morte o prejudicado ainda não propusera ação: de um lado filiaram-se os que entendiam que o conteúdo da ação tem um caráter patrimonial; de outro, os que sustentavam que esta é baseada em uma razão de ressentimento, de todo pessoal ao ofendido.47

Alberto Ravazzoni, embora admitisse por princípio a transmissão do direito de ação por ofensa a bens da personalidade aos herdeiros, não deixava de reconhecer um ponto por nós referido. Entendia que deve haver todo cuidado na verificação do comportamento do de cujus, indagando se existe qualquer forma de renúncia ao direito potestativo de agir. Na inocorrência desta, não via razão da não-transmissão do direito aos herdeiros e advertia que a regra no sistema jurídico italiano é a da transmissão dos direitos e que a intransmissibilidade deve resultar explicitamente.48

Contrariando este último autor, somos pelo entendimento de que, em princípio, o direito de exercitar ação, visando a obter reparação por dano ocasionado à honra, não se transfere a qualquer título. Nosso estatuto civil prevê a tutela inibitória de lesão a direito da personalidade, em se tratando de pessoa falecida, conferindo a determinados parentes e cônjuge legitimação para requerer a proteção. mas não adota a successio haereditatis sobre os referidos direitos. (art. 12 § único e art. 20 § único).

A obrigação de de ressarcimento, decorrente de sentença penal condenatória, configura outra hipótese singular, quando o credor/lesado falece ou no curso da ação ou após o término desta. Neste caso, entendemos que aos sucessores é facultado o exercício do direito de prosseguir no feito, considerando que o próprio ofendido teve a iniciativa de pedir reparação penal e que a transferência para a jurisdição civil será apenas da liquidação da sentença e, ainda, que a sucessão, nesta circunstância, envolve não a defesa do direito à honra, que pertencia ao hereditando, mas, sim, a transformação de um valor pecuniário já existente. Inversamente ao que pensamos, cuida a nossa legislação penal (art. 31 do Código de Processo Penal) da substituição processual ativa para o exercício do direito de oferecer queixa, nos crimes de ação privada, como na espécie de ofensa à honra, bem como para o prosseguimento na ação. Transfere estes direitos, falecendo a vítima, ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Donde resulta que os herdeiros podem intentar ação penal que, uma vez finda, se condenatória, constitui título executivo, que os sucessores poderão fazer valer em instância civil. A mesma postura foi tomada pela Lei de Imprensa, com a modificação dada pela Lei n. 6.640/1979, conferindo legitimação para propor ação penal ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, indistintamente (art. 40, I, d, Lei n. 5.250/1967). Dessa forma, em nossa sistemática, acaba o direito de pleitear reparação por ofensa à honra, sendo perfeitamente transmissível.

Como se vê, o problema da transmissão do direito por ofensa a danos extrapatrimoniais é ainda uma questão a merecer maiores reflexões. No Código em vigor, o art. 12, § único, quando cuida da tutela inibitória de ameaça ou lesão aos direitos da personalidade, defere ao cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até 4º grau a legitimidade para requerê-la. No art. 20, § único, a legitimidade pertence ao cônjuge, ascendentes ou descendentes para proibir divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem, se atingirem a honra boa fama, respeitabilidade da pessoa falecida ou ausente.

Cuidando-se, porém, de lesão à honra, que tenha causado prejuízos patrimoniais diretos ou indiretos, como estes incidem sobre interesse patrimonial, econômico, inserem-se nas relações patrimoniais do de cujus e são plenamente transmissíveis, sem necessidade de regra especial a respeito.

10.Substituição do sujeito passivo

A posição será outra quando se trata de substituir o sujeito passivo ou devedor da obrigação de ressarcimento, em decorrência de sucessão hereditária. Excepcionando-se o caso de reparação em forma específica, pela qual o prejudicado poderá exigir retificação, retratação, reparação do prejuízo extrapatrimonial por qualquer outra modalidade que não importe em apreciação pecuniária e que compete ao próprio ofensor reparar, optando o lesado pelo ressarcimento dos danos, a ação poderá plenamente ser dirigida contra os sucessores do devedor. Trata-se aí de prestação de natureza econômica, embora tenha por fundo um interesse de caráter extrapatrimonial. É indiferente, ainda, o momento em que o dano ocorreu. Advertiu De Cupis que o fato de o prejuízo ocorrer mesmo após a morte do ofensor – como na hipótese de testamento com conteúdo ofensivo a terceiro – não exclui esta transferência de responsabilidade aos sucessores, uma vez que a causa do fato danoso está na própria ação do ofensor, ainda em vida, e que com a publicação do testamento produziu o efeito danoso. Aduziu que a obrigação ressarcitória origina-se do fato lesivo no instante em que é posto em si, em que tenha existência e em razão da qualificação danosa, independentemente do momento da atuação de tal qualificação, de sua realização, do momento em que ocorre o dano.49

11.Dano patrimonial indireto

Não vamos ao extremo de admitir, como fez Biagio Brugi, que é praticamente impossível existir dano extrapatrimonial sem repercussão material.50 Nem sempre isto ocorre e a ofensa à honra pode muito bem incidir exclusivamente na esfera não patrimonial, principalmente quando se cuida da honra tomada em seu aspecto subjetivo ou, até mesmo, quando se trata de atingir a consideração social (honra objetiva). Neste último caso, poderá a lesão não acarretar prejuízos materiais. Cada situação deve merecer cuidadoso exame e todas as conseqüências do ilícito devem ser devidamente apuradas.

Bem acentuou De Cupis que o dano patrimonial indireto é uma conseqüência possível, mas não necessária do fato lesivo de interesse não patrimonial, embora esta coligação entre um e outro se torne mais crescente na vida moderna.51

Não há dúvida de que os bens não patrimoniais constituem fonte de diversos interesses patrimoniais. É o caso de um profissional liberal (médico, dentista, advogado, arquiteto, etc.) que, além de sua competência técnica, possui qualidades morais outras e, por isso, goza da confiança de sua clientela, em decorrência da qual torna-se uma pessoa economicamente bem-sucedida. Uma ofensa àquelas qualidades poderá acarretar seu desprestígio e reduzir sua clientela, fonte de consideráveis lucros. No caso, então, da lesão do direito surgiriam concomitantemente prejuízos imateriais e patrimoniais indiretos. A situação inversa igualmente poderá ter lugar, quando a ofensa atinge diretamente bens patrimoniais e, reflexamente, causa prejuízos imateriais, mas não é hipótese muito comum. É o caso, como visto em capítulo anterior, do empresário que vê as suas mercadorias, produtos e serviços constantemente atacados por concorrente, seja pela qualidade, seja pelo preço, validade, procedência, etc., o que, pelas reiteradas depreciações, acaba atingindo o bom conceito do próprio empresário. Estes danos indiretos não são excluídos da reparação e a questão assenta-se na comprovação do nexo de causalidade entre a ação danosa e o prejuízo sofrido. Necessário se faz que a ação do ofensor tenha sido causa capaz para a apuração do dano imaterial.

12.Valoração do dano

Seja em relação ao que é devido (an debeatur), seja no tocante ao quanto é devido (quantum debeatur), por longo tempo afirmou-se a impossibilidade, na prática, de transposição dos princípios atinentes à indenização dos danos patrimoniais para o campo dos direitos extrapatrimoniais. Há ausência de uma medida adequada ou um critério aferidor do valor, levando-se a questão e reduzindo-a ao puro arbítrio do julgador. Considerando que, em certas matérias, como a honra, não é possível calcular a indenização precisa, pois esta consiste na atribuição ao prejudicado de uma importância em dinheiro correspondente ao interesse atingido, o legislador normalmente intervém, como o fez o brasileiro (arts. 1.547 e 1.548 do Código Civil antecedente e Lei de Imprensa), estabelecendo em que deve consistir a indenização. No caso de ofensa à honra, o legislador civil pátrio determinava o pagamento do dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva e, em se tratando de ofensa à honra da mulher, o pagamento de dote correspondente à sua própria condição e estado.

É a denominada liquidação legal que delimita a prestação de indenizar e só poderá ser aplicada nos casos preceituados legalmente, taxativamente elencados. Pela liquidação legal não se determina o montante da indenização, mas se determina em que a mesma deva consistir, ou seja, o legislador diz os critérios de determinação e medida do dano a ser ressarcido. Diferentemente dá-se na liquidação judicial, quando não houver regras legais, que estabeleçam os elementos constitutivos da indenização, devolvendo-se a matéria, por completo, ao arbítrio do julgador. É a postura do legislador de 2002, mas com determinação de julgamento equitativo, porquanto a equidade é cláusula geral que permeia todo o sistema do novo Código.

Neste poder conferido ao juiz reinou grande controvérsia da doutrina, e forte objeção levantou-se contra ele, a começar por Chironi.52 Não nos colocamos ao lado desses contestadores. O papel do juiz é de relevância fundamental na apreciação das ofensas à honra, tanto na comprovação da existência do prejuízo, ou seja, se se trata efetivamente da existência do ilícito, quanto na estimação de seu quantum. A ele cabe, com ponderação e sentimento de justiça, colocar-se como homem comum e determinar se o fato contém os pressupostos do ilícito e, conseqüentemente, o dano e o valor da reparação. De outro lado, não é possível deixar por conta da parte requerente a utilização da justiça por todo e qualquer melindre, na observação de Antônio Chaves:

"Mas propugnar pela mais ampla ressarcibilidade do dano moral não implica no reconhecimento de todo e qualquer melindre, toda suscetibilidade exacerbada, toda exaltação do amor próprio, pretensamente ferido, a mais suave sombra, o mais ligeiro roçar de asas de uma borboleta, mimos, escrúpulos, delicadezas excessivas, ilusões insignificantes desfeitas, possibilitem sejam extraídas da caixa de Pandora do Direito, centenas de milhares de cruzeiros."53

Para ter direito de ação, o ofendido deve ter motivos apreciáveis de se considerar atingido, pois a existência da ofensa poderá ser considerada tão insignificante que, na verdade, não acarreta prejuízo moral. O que queremos dizer é que o ato, tomado como desonroso pelo ofendido, seja revestido de gravidade (ilicitude) capaz de gerar presunção do prejuízo e que pequenos melindres incapazes de ofender os bens jurídicos possam ser motivos de processo judicial.

Por isso entendíamos devesse a matéria estar prevista na lei cívil, na qual seriam determinados os elementos característicos da ofensa à honra, a exigência da gravidade da lesão, isto é, que o ato fosse realmente capaz de causar prejuízo, bem como a fixação de critérios objetivos na apreciação da quantificação da indenização, (e não especificamente o quantum) proporcionada ao prejuízo sofrido, à conduta do ofensor, evitando-se que a questão ficasse inteiramente ao arbítrio exclusivo do julgador, em que pese a importância de seu papel. Entendemos que a fixação de multa, tal como visto em nossa Lei Civil codificada anterior (art. 1.547), não tinha o alcance de reparar satisfatoriamente a lesão da honra e não foi recepcionado pela Lei Maior qualquer valor fixo a título de liquidação legal. Esta estipulação demonstrava o entendimento de que medir a referida lesão, não econômica, por meio de dinheiro, constituía uma impossibilidade racional e intransponível, entendimento este ultrapassado pela doutrina e jurisprudência e, até mesmo, pelas leis mais recentes.

No atual Código, as ofensas ocorrem por injúria, calúnia, difamação; embora não sejam estipulados critérios, o julgador deve agir com equidade, podendo lançar mão dos critérios de apuração do "quantum" contidos na lei de imprensa, eis que já consolidados na jurisprudência dos tribunais superiores. Demais disso, andou bem o atual código ao determinar que a participação da vítima no fato danoso atenua a responsabilidade do devedor/agente do dano (art. 945), sendo que a concorrência de culpas não exime totalmente esse último.

Sentindo a necessidade de apontar elementos que norteassem o juiz, no arbitramento da indenização, a Lei de Imprensa estabeleceu, no artigo 53, que o julgador devesse levar em conta:

"I – a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido;

II – a intensidade do dolo ou o grau de culpa do responsável, sua situação econômica e sua conduta anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação;

III – a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtida pelo ofendido."

Como se vê, são critérios que facilitarão a atividade jurisdicional e que impedem o exclusivo e total arbítrio do julgador. Repara-se aqui que a lei não se baseia essencialmente no prejuízo ocasionado para estipular o valor indenizatório, mas a ele se junge a conduta do ofensor, afastando-se da responsabilidade civil, baseada no dano, em que se indenizam as conseqüências do ilícito e não a sua prática, importando a quantificação apenas do prejuízo e não a quantificação da culpa. Assim, ficou assentado, na aludida lei, o princípio do equilíbrio entre a reparação e a culpabilidade, defendido por grande parte da doutrina, preconizado por Ihering.54

O vigente Código adotou o critério objetivo atenuado, ao encerrar que a indenização mede-se pela extensão do dano, ressalvando, em havendo desproporção excessiva entre a gravidade da culpa e o dano, poder o julgador reduzir equitativamente a indenização (art. 944). Nos casos de dano moral à honra, o valor da indenização será fixado equitativamente, na conformidade das circunstâncias do caso (art. 953, parágrafo único) .

Em valiosa obra sobre o estudo do "dano moral no direito brasileiro", Ávio Brasil recomendava as seguintes regras para arbitramento da reparação, que foram reproduzidas por Wilson Melo em não menos precioso estudo, perfeitamente ainda aplicáveis :

"1.ª regra: que a satisfação pecuniária não produza um enriquecimento à custa do empobrecimento alheio. 2.ª regra: equilíbrio entre o caso em exame e as normas gerais, de um caso em equivalência, tendo em vista: I – curva de sensibilidade: a) em relação à pessoa que reclama a indenização; b) em relação ao nível comum, sobre o que possa produzir, numa pessoa normal, tal ou qual incidente; c) grau de educação da vítima; d) seus princípios religiosos; II – influência do meio, considerando: a) repercussão pública; b) posição social da vítima do dano. 3.ª regra: considerar-se a espécie do fato: se é de ordem puramente civil, se comercial, ou se envolve matéria criminal. 4.ª regra: que a extensão da repercussão seja em triplo à repercussão da notícia de que resultou o dano."55

A 5.ª e última regra refere-se a dano provocado por acidente físico, que acarreta a perda de órgão ou membro, ou outro prejuízo de ordem estética, por isso, não aproveitada em nosso estudo.

Antônio Chaves destacou os critérios apontados na III Conferência Nacional de Desembargadores, realizada no Rio de Janeiro, nos idos de 1965, para avaliação do quantum; critérios esses que não se baseiam apenas no dano em si:

"1. (...);

2. que o arbitramento do dano moral será apreciado, livremente, pelo juiz, atendendo à repercussão econômica, à prova da dor e ao grau de dolo ou culpa do ofensor;

3. que o ressarcimento poderá ser reclamado pela vítima, seus descendentes, cônjuge e colaterais até o 2.o grau."56

Pelas observações que aduzimos anteriormente, este item 3 não se aplica inteiramente na espécie de ofensa à honra.

Não vislumbramos como fugir ao arbítrio judicial, na apreciação do dano à honra e não o consideramos nefasto. Relembrou Wilson Melo que o arbítrio é da essência da própria justiça e que este se evidencia mesmo em casos de reparação de dano patrimonial, onde o juiz perscruta os elementos de prova, razões da parte e pondera até que forme sua opinião e decida.57

Com mais razão, entendemos, deve ser colocado nas mãos do julgador o poder de decidir, e não simplesmente arbitrar, sobre a existência do dano, na verificação do nexo causal, como também a sua quantificação, nas matérias que envolvem a dor moral da vítima. É mais humano, de maior bom senso e oferece maior alcance na visualização e aceitação de todos os elementos trazidos ao processo, do que o congelamento da matéria (como estipulação de multas) no texto legal, como fez o Código de 1916 e a Lei de Imprensa. Na lição de Castro y Bravo a dificuldade na avaliação desta espécie de dano deve ser superada pela prudência dos tribunais que, de fato, têm em conta todas as circunstâncias: "las subjetivas (condición y conducta del causante del daño y de la víctima) y las objetivas (alcance y calidad del daño inferido al bien lesionado)."58 Importante lembrar que, frente aos abusos cometidos em fixação de quantias, entendeu por bem o STJ intervir, a fim de coibi-los, reformando os valores fixados nas instâncias inferiores, sendo que tal interferência não implica em reexame probatório. (Cf. cap. VIII).

13.Condição econômica das partes

A doutrina assentou e ganhou foro na jurisprudência, em especial nos nossos Tribunais, que a condição econômica das partes, tanto do lesante quanto do lesado, influía sobre o montante do valor indenizatório. Este critério de aferição não se coaduna com o princípio de que a reparação deve restaurar o equilíbrio rompido, devolvendo o lesado ao seu estado anterior, porque este princípio tem em vista o direito violado e o prejuízo dele decorrente, ainda que seja de pouca monta, pois, ao ordenamento jurídico é indiferente a extensão do dano para originar a obrigação de repará-lo. Portanto, fatores subjetivos não deveriam influenciar nesta avaliação; assim pensando, deveriam ser igualmente levados em consideração o comportamento subjetivo do ofensor, o seu grau de culpa etc. Conforme expusemos retro, nosso legislador de 2002 pautou-se no equilíbrio entre os dois princípios : objetivo (art.944 caput e 953 caput) e subjetivo (art. 944 § único , 945 e 953,§ único).

Releva notar, como fez De Cupis, que o dano é em si e por si mesmo, seja mais ou menos rico, mais ou menos pobre aquele que o sofreu, seja a condição econômica do responsável mais ou menos próspera, mais ou menos deficitária. Entretanto, reconheceu o notável jurista que, embora a condição econômica das partes não influencie sobre a existência do dano, na apuração de seu quantum pode constituir um critério de aplicação excepcional. Advetiu que, enquanto urge à consciência jurídica o problema de justiça na estipulação da quantificação do dano proporcional à intensidade da culpa, esta mesma consciência não se encontra sensível em proporcionar esse montante, levando-se em conta a situação econômica do prejudicado e do responsável.59

No direito brasileiro encontramos referência expressa a este critério na Lei de Imprensa, que levou em conta a situação econômica do responsável, sem se referir à situação do prejudicado. Já o Código Civil revogado, em matéria de reparação por meio de dote, mandava considerar a condição e estado da vítima, e nossa jurisprudência ateve-se a esta determinação, num primeiro momento, passando, posteriormente, a observar, também, a situação do ofensor. Esta posição pode ser comprovada no acórdão referenciado anteriormente neste trabalho.60

14.Reparação decorrente do delito

O princípio segundo o qual o delinqüente deve reparar o mal oriundo de sua ação delituosa remonta ao direito romano e é tradição em nosso direito positivo, seja pela previsão do próprio Código Penal, seja do Código Civil, Código de Processo Penal e Código de Processo Civil.

O atual estatuto penal, por força de seu artigo 91, I, traz como efeito da condenação "tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime". Reforça o mesmo princípio a disposição contida no artigo 63 do Código de Processo Penal:

"Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito de reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros."

Consentâneo ainda com estas disposições está o artigo 475-N,II, do Código de Processo Civil, determinando valor executivo da decisão penal:

"São títulos executivos judiciais:

I – (...)

II – a sentença penal condenatória transitada em julgado."

Não contradiz o princípio em tela o preceito contido no artigo 935 do nosso Código Civil:

"A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu ator, quando estas questões se acharem decidas no juízo criminal."

A sentença penal condenatória projeta seus efeitos sobre a jurisdição civil, não pairando mais dúvidas sobre a ilicitude do ato e sua autoria. É a garantia do princípio da unidade da justiça, que deve conduzir as legislações, embora com jurisdições diferentes, evitando que se dê a contradição dos julgados, obstando a que se reabra no cível o debate sobre aquilo já devidamente apurado em instância criminal.

Diante dos dispositivos supra elencados, dúvida não há de que a sentença penal condenatória constitua título executivo na jurisdição civil, independentemente de abertura de processo de conhecimento nesta e independentemente de referência expressa sobre a executoriedade na sentença penal, pois é um efeito necessário desta.

Tem-se opinado que a vantagem oferecida pela determinação do Código Penal de indenizar o dano no caso de decisão condenatória traz em si a eliminação da Constituição Especial de Parte Civil, que provocaria delonga na discussão da causa penal, diante da avaliação da extensão do dano e determinação de seu montante, cercados de mais provas, em detrimento da celeridade do processo criminal. A separação das jurisdições parte da idéia de que o juízo criminal deve ater-se à culpabilidade do imputado e não ao dano.

Entretanto, se, por um lado, esta independência não sobrecarrega o juízo penal com a avaliação do dano na esfera civil, maior ônus fica para a parte lesada, que deverá utilizar o recurso da jurisdição civil para liquidar e executar a sentença nos casos de condenação ou propor ação civil, em se tratando de decisão absolutória. Alberto Borciani, a favor dessa Constituição Especial de Parte Civil, entendeu que a ação civil conjunta com a penal objetiva evitar dualismos, reforçar o exercício da ação penal com o subsídio da parte lesada – sua participação – e promover mais rapidamente o ressarcimento do dano.61

A Constituição Especial de Parte Civil no processo penal encerra uma relação de conexão material, que objetiva, em processo único, resolver sobre a responsabilidade criminal e civil, concomitantemente, e é instituto que vige em alguns sistemas jurídicos. Optando o lesado pela sua utilização e, correndo essa normalmente sem a revogação do interessado, importa em renúncia da utilização da instância civil, só podendo à mesma recorrer nos casos de insubsistência da ação penal, como a morte do imputado, anistia, perdão, pois este instituto adere à ação penal e apenas terá curso quando esta existir.

Nosso Código do Império (1830) adotava o princípio de confusão das duas ações, o que não foi seguido pelas leis posteriores. A Lei n. 11.719, de 20.6.2008, acresceu parágrafo único ao art. 63 do Código de Processo Penal, " in verbis":

"Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput de art. 387 deste Código, sem prejuízo da liquidação para apuração do dano efetivamente sofrido."

E diz esse último art. :

"O juiz ao proferir a sentença condenatória:

IV – fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido". (Redação da Lei 11.719/2008).

Houve, por certo uma inovação, um acréscimo quanto à concretização dos efeitos lógicos da sentença penal condenatória, na própria instância penal. Mas teve o legislador o cuidado de não deixar ao julgador, de modo definitivo, a fixação do montante integral da indenização; esse fixará um "mínimo" indenizatório, conforme aquilo que for possível extrair dos autos, sem grandes delongas, objetivando-se a prestação jurisdicional satisfatória, ou seja, maior brevidade e eficiência na solução da lide. Pode ser que o valor fixado seja realmente correspondente ao dano sofrido ou que a parte lesada se satisfaça com esse valor mínimo, notadamente em caso de dano moral, e dispense o recurso à jurisdição civil, porquanto esta não foi eliminada. Não se adotou o instituto da Constituição Especial de Parte Civil, conforme preconiza o art. 64, do Estatuto:

" Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil".

Da forma posta no art. 387, IV, há uma determinação para o julgador cumprir e, consequentemente, independe de postulação expressa da parte lesada; a atuação é "ex officio". Independentemente da liquidação da sentença penal no cívil, será fixado um valor mínimo indenizatório. Todavia, deve-se observar a inadmissibilidade do adiamento probatório no tocante ao prejuízo/dano em questão; também, em muitos casos, conforme o tipo penal, ficará impossível ao juiz fixá-lo, restando-lhe justificar a razão dessa não fixação. Por outro lado, o réu deverá ser ouvido no julgamento dessa indenização (princípios do contraditório e ampla defesa). Reconhecemos que a inovação trazida tem ainda aspectos suscetíveis de controvérsias. O Projeto-Lei n.1655/83, do CPP, teve minuciosa abordagem da matéria.

14.2 Sentença absolutória

Se, no que toca aos efeitos da sentença penal condenatória, não existem dificuldades na ordem privada, inversa é a situação quando a justiça penal decide pela absolvição do culpado e como será sua eficácia no cível. Tal como vige em outros sistemas, prevalece no nosso que, se a discussão da matéria em instância civil não ofereça risco de contradizer a instância penal, seja porque a questão a ser examinada na esfera privada não foi objeto de exame na instância penal ou, tendo-o sido, apenas no que foi peculiar ao campo penal, poderá ser revista na jurisdição civil.

A opinião da doutrina oscila entre a adoção da autonomia, interdependência e cumulação das duas ações. As legislações, igualmente, não seguem um mesmo sistema: umas adotam o da cumulação das ações, outras o da separação, como fez nossa legislação penal desde a Lei n. 261, de 03.12.1841 e tal como dispuseram o atual Código Civil brasileiro e o de 1916, BGB, holandês e o direito anglo-americano. Outras legislações mantêm o sistema da interdependência. No nosso direito, a sentença penal absolutória não produz efeito quanto à reparabilidade patrimonial, mesmo que dela se possa extrair de forma inconteste um dano material ou extrapatrimonial a ser ressarcido. Só produzirá coisa julgada no cível, quando exclua a existência material do fato ou a autoria – artigo 66 do atual Código de Processo Penal – ou reconhecer que o ato foi praticado em estado de necessidade, legítima defesa, no estrito cumprimento do dever legal, ou no exercício regular do direito – artigo 65 deste mesmo estatuto. Isto porque o artigo 23 do Código Penal determina essas mesmas hipóteses como excluídas de ilicitude e o próprio Código Civil as contempla em seu artigo 188: legítima defesa, estado de necessidade e exercício regular de um direito reconhecido. 62 Neste último estaria abrangido o estrito cumprimento do dever legal, mas não como decorrência do preceito penal.

Uma vez decidido, no crime, sobre as mencionadas excludentes não se admite mais o exame da matéria, no cível, por força da res judicata.63

A conjugação daqueles dispositivos indigitados com o princípio da independência das jurisdições, contudo, não se apresenta de forma translúcida e a questão é tormentosa. O próprio artigo 65 da codificação processual penal foi arduamente criticado por conter disposições retrógradas às novas concepções da responsabilidade civil de que todo dano injusto deve ser reparado e por demonstrar contradição com o artigo 66, trazendo maior confusão ao problema. Por outro lado, dá maior elastério ao efeito preclusivo da decisão penal do que o próprio artigo 1.525 do anterior, atual art. 935, que reconhece a eficácia daquela sentença somente quanto à existência do fato ou quem seja seu autor.

Aguiar Dias apontou as falhas da previsão do artigo 65 do Código de Processo Penal, destacando que o nosso direito privado não isenta de reparação o ocasionador do dano naqueles casos de exclusão e o obriga a indenizar, mesmo sem culpa, quando pratica o ato em estado de necessidade (art. 1.520, 930) como também no caso de crime justificado (art. 1.540, C.C. de 1916. Dispositivo não reproduzido no atual código, por ser desnecessário. A regra jurídica é que quem produz dano fica obrigado a ressarci-lo) . Admitiu que a sentença penal, assentada em dirimente ou justificativa, não influi no cível, senão quando estabeleça a culpa do ofendido que, por isso, sofre as conseqüências do seu ato. (Observe-se que o atual Código Civil, art. 945, não elegeu o comportamento da vítima como causa suficiente para isentar o lesante; sua culpa somente se caracterizará como excludente de ilicitude, quando consistir em fato gerador do comportamento do ofensor que o repulsa). Entendeu que a irresponsabilidade derivada da legítima defesa não se prende à eficácia do julgado criminal "na parte em que declarou a dirimente ou justificativa, mas quando proclamou o que geralmente se esquece: a culpa da vítima. Com efeito, não basta que o autor do dano tenha agido sem culpa para ser civilmente declarado irresponsável". No dizer do autor, o artigo 65 do Código de Processo Penal não tem nenhuma utilidade, pois as isenções que consigna já estão contidas na lei civil, e as que acrescenta constituem derrogação de princípios dignos de fervoroso aplauso.64

Reconhecemos a propriedade da tese do insigne autor de preciosas obras no campo da responsabilidade civil e sabemos das grandes celeumas travadas em jurisprudência e doutrina, quando se trata de condensar em tratamento jurídico e harmonioso questões afetas a esferas diversas. Ocorre, por vezes, que o legislador de determinada área, pelo apreço e entusiasmo com a mesma, costuma elevá-la mais que as outras.

Não entraremos no debate das excludentes penais. Vemos possibilidade de se aplicarem em matéria de ofensa à honra as excludentes de: legítima defesa da honra, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular do direito que, a rigor, independem mesmo de apreciação no juízo penal, vez que o próprio Código Civil as consigna como desprovidas de ilicitude.

Especificamente referindo-se à injúria e difamação, o estatuto penal ainda contempla como excludentes de criminalidade, as seguintes situações:

Art. 142. (...)

I – a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;

II – a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;

III – o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever de ofício.

Parágrafo único. Nos casos dos números I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade.

Ainda aqui não recairá na esfera civil a divergência se se trata realmente de exclusão de ilicitude ou exclusão de punibilidade; os efeitos de cada uma diferem na instância cível, sendo que essa última nenhum efeito produz na jurisdição privada. O que podemos observar é que, dos casos contemplados no artigo 142, com exceção do item I, extraem-se aquelas mesmas hipóteses de eliminação de ilicitude contidas no artigo 23 do mesmo Código Penal. Aqui o legislador só fez especificar alguns casos já absorvidos pela previsão genérica, evitando o trabalho do intérprete. As situações inseridas no item II denotam o exercício regular do direito, e a situação contida no item III revela cumprimento do dever legal. Fazem, portanto, causa julgada no cível. No tocante ao item I, a exclusão de ilicitude penal (melhor teria sido o legislador considerar como excludente de punibilidade) não implica, necessariamente, exclusão de ilicitude civil, pois que não se poder dizer, em rigor, que a situação prevista contém um exercício regular do direito ou legítima defesa. A excludente de criminalidade referida nesse item I deverá ser estudada conjuntamente com o artigo 15 do Código de Processo Civil, que proíbe às partes e seus procuradores de empregar expressões injuriosas, quer sejam escritas ou orais. Sendo escritas, o juiz, no seu poder de polícia processual, mandará riscá-las; sendo verbais, advertirá o ofensor, podendo, inclusive, cassar-lhe a palavra.

Advertimos, porém, que o Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei n. 8.906, de 04.07.1994), em seu artigo 7.o, § 2.o, parece contrariar o vigor deste artigo 15, ao preceituar que não constitui injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação do advogado no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele.

Ainda aqui, lembramos que o exercício do direito não pode se transformar em abuso do direito, remetendo o leitor para os casos de jurisprudência contidos no capítulo VIII, e registramos que o aludido § 2.o teve questionada sua constitucionalidade, (ADIn n. 1.127-8-DF), com a suspensão da eficácia da expressão ou desacato, por liminar concedida pelo STF, ocorrendo o julgamento da inconstitucionalidade pelo Plenário e declarada a inconstitucionalidade, aos 17.5.2006. Ainda que a lei consinta no direito de prejudicar, este consentimento não tem caráter absoluto e o excesso ou abuso são puníveis, se não ocorrer vinculação com o objeto da causa; a crítica ou ofensa não deve extrapolar o âmbito da defesa ou da causa discutida, ou seja, os limites do razoável, e atingir a honra alheia. (Cf. Cap. VIII).

Importante notar que o Código Penal, artigo 142, somente se refere às figuras da injúria e difamação, excluindo de seu alcance o ilícito da calúnia. Desta forma, poderá ocorrer a ofensa, nos autos, tratando-se de fato calunioso, porque se cuida de crime que interessa à sociedade e ao ofendido sua apuração.

Cuidando-se da hipótese de exercício regular do direito, remetemos o assunto para o capítulo em que foi analisada a responsabilidade civil nos casos abrangidos pela lei de imprensa. Mas este exercício não se circunscreve ao alcance da mencionada lei e, em qualquer exercício do direito, desde que não ultrapasse os limites permissivos, (excesso) ou contrário à boa-fé objetiva, haverá exclusão do ilícito tanto penal quanto civil. O atual Código Civil é mais meticuloso nesta abordagem, acolhendo a doutrina do abuso do direito, quando determina que "também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes" e ainda acresce a obrigação de indenizar independentemente de culpa "nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem" – artigos 187 e 927, parágrafo único ( adoção das teorias objetiva e subjetiva na gênese da ilicitude civil).

O exercício do direito não é impregnado de absolutismo. Assim, em hipótese em que seja comprovada a Denunciação Caluniosa, onde o ofensor, a pretexto da utilização e exercício de um direito, tão-somente objetiva ofender a honra alheia, apontando um fato que previamente o sabia falso, incorre em ilicitude penal e cível. Não se trata aqui simplesmente de abuso do direito, mas de conduta dolosa.

No que diz respeito à excludente de ilicitude motivada por estrito cumprimento do dever legal, podemos destacá-la na situação mais singela e mais comumente ocorrida: a que consiste na obrigação dos membros do Ministério Público de oferecerem denúncia nos crimes de ação penal pública. Seria também o caso do dever de prestar informações que possui determinado servidor público.

Várias situações que não ensejam a condenação criminal poderão ter o reexame sob o prisma do direito privado. Nas questões como na absolvição por insuficiência de provas (aqui há carência de elementos de convicção do juiz ; na extinção da ação penal por impronúncia do imputado por ausência de provas; se o fato não constitui crime; por ausência das condições de imputabilidade, dado que se assentam em princípios diversos daqueles que regem a jurisdição civil, a apreciação nesta última não sofre impedimentos. Como excludentes de punibilidade, o direito penal brasileiro enumera as situações: obediência hierárquica, coação moral irresistível, estado de doença mental, desenvolvimento mental incompleto, menoridade, retardamento, embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior, o erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável – artigos 21, 22, 26, caput, e 28, § 1.o, do Código Penal. Desta forma as decisões criminais somente exercem influência no cível naquilo que as duas instâncias têm de comum; embora o ilícito constitua-se em um único fato, os critérios de sua verificação variam em ambas as jurisdições. Confirmando este princípio, dispõe o atual Código de Processo Penal que não impedirão a propositura da ação Civil – artigo 67:

"I – o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação;

II – a decisão que julgar extinta a punibilidade;

III – a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime."

Igualmente não impedem o exercício da ação civil o perdão judicial e a composição no processo penal. Os atos de composição, ainda que impliquem renúncia tácita do direito na instância penal, não alcançam o direito privado. A renúncia para surtir efeito neste último deverá ser expressa e irrevogável para o exercício de qualquer direito. Em análise detida sobre os reflexos da ação penal no cível, como também sobre as conexões entre as duas ações, a teor do direito positivo italiano, Manzini distinguiu o perdão da renúncia: "No es pues, la remisión lo que produce la preclusión, sino la renuncia (veáse n. 91, II, a), la cual no deja de ser un acto distinto de la primera por el solo hecho de que sea simultánea." 65

A concessão de perdão judicial, ou seja, quando o juiz deixar de aplicar pena, nos casos do artigo 140, § 1.o, I e II, do Código Penal, embora extinga a punibilidade, não acarreta preclusão no cível. Havendo ofensa injuriosa provocada diretamente, de forma reprovável pelo ofendido; havendo retorsão imediata, que consista em outra injúria, nesses casos a apreciação do dano e da conduta do ofendido poderão ser enfocadas à luz do direito privado, que avaliará toda sua extensão. Acórdão neste sentindo foi proferido em Embargos Infringentes, da Comarca de Santos, em data de 27.04.1951, pelo 3.o Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo: "Não obstante o perdão judicial concedido, dispensando dos efeitos penais do delito seu autor, subsiste a responsabilidade civil."66

Por fim, cabe observar ainda, no que tange à preclusão das excludentes de criminalidade na jurisdição civil, o comportamento da jurisprudência brasileira, em face do direito positivo vigente. O dissenso reinante pode ser percebido em caso de legítima defesa da honra apreciado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, à luz do Código Civil de 1916, mas prevalente no atual, quando o lesado pretendia obter reparação de danos, em virtude de lesões corporais sofridas, decorrentes de disparo de arma de fogo por parte do réu. Este último logrou absolvição na instância penal, com base na excludente de legítima defesa da honra o réu havia encontrado sua mulher dentro de um automóvel em companhia do autor, em atitudes suspeitas de adultério. A sentença civil rechaçou o pedido do autor, considerando as disposições do artigo 65 do Código de Processo Penal, que não admite a reapreciação do caso no juízo cível, quando a sentença decidir pela legítima defesa. A Primeira Câmara Cível daquele Tribunal, em Turma, tendo como relator o Desembargador Lucio Urbano, este com voto vencido, em decisão de 07.10.1986, sumulou desta forma seu entendimento:

"Uma vez que o juiz, no cível, não se rebele quanto à indicação resolvida no juízo criminal, uma vez que não delire do que decidiu este quanto ao fato e à autoria, pode, ao apurar a culpa do réu, ainda que reconhecida criminalmente a excludente da legítima defesa da honra, colocar-se em ângulo visual próprio, eis que o julgamento criminal não condiciona o cível, para o fim de excluir a indenização, porque não são idênticos num e noutro Direito os princípios determinantes da responsabilidade."

O Desembargador Lúcio Urbano, voto vencido na apelação, advertia que, embora a responsabilidade civil seja mais ampla e, por isso, larga da esteira do juízo criminal o juízo cível, este posicionamento não deve ser generalizado, porque esbarra no artigo 65 do Código de Processo Penal, que delimita o alcance do artigo 1.525 do Código Civil de 1916, atual art. 935, aquele norma mais recente do que esta. Afastou a acolhida do artigo 472 do Código de Processo Civil, porque este também encontra óbice no artigo 65 do Código de Processo Penal:

"Desvaliosa a afirmativa de que, sendo a vítima do delito terceiro na relação processual penal, não é apanhada pela coisa julgada no Juízo Penal. Seria correta a tese, se inexistisse norma expressa em contrário, o art. 65 CPP. Ignorá-lo, para solucionar a questão à luz do art. 472 do CPC, importará em reduzir o preceito do art. 65 do CPP a um flatus vocis, que o Direito não permite. Tal norma mostra que o legislador acometeu à jurisdição penal a tarefa de declarar se o agente praticou ou não a ação em legítima defesa, retirando-a definitivamente da jurisdição civil, impedindo-a de reexaminar a questão, com isso evitando-se a possibilidade de intolerável contradição, que desenganadamente infirmaria a autoridade da coisa julgada penal."

Lincoln Rocha, revisor, por seu turno, admitia que a licitude do ato nem sempre exonera a obrigação de indenizar:

"No meu sentir, a Justiça Cível não pode deixar de reconhecer a licitude do ato como conseqüência da coisa julgada. Mas, com fundamento no art. 1.540 do Código Civil pode, se ficar comprovado que não houve repulsa à agressão do ofendido, e que o ato foi praticado com culpa (Código Civil, art. 159), determinar o pagamento da indenização cabível." (Os arts. citados são do código revogado).

Entendeu que, na espécie dos autos, o ato praticado pelo ofensor não representou repulsa a qualquer agressão praticada pelo ofendido e, sim, visou a "satisfação de sentimento e emoções relacionados com determinada avaliação subjetiva do conceito de honra".

O Desembargador Paulo Tinoco acompanhou o voto do revisor e, conseqüentemente, foi reformada a decisão de primeiro grau.

Sendo a lide levada à apreciação da Primeira Câmara Cível daquele Tribunal, nos Embargos Infringentes, julgada em 14.04.1987, tendo como relator o Desembargador Oliveira Leite, teve rumo diverso, conforme se vê sumulada:

"Reconhecida a legítima defesa da honra no Juízo Criminal, não é possível a discussão sobre essa excludente de criminalidade na jurisdição cível, ex vi do art. 65 do Código de Processo Penal. Assim, não está o ofensor obrigado a indenizar, se a sentença penal considerou que a agressão ao direito partiu do ofendido e a ela reagiu aquele, com moderação e necessariamente, em situação que não admite culpa ou ilicitude, o que torna inaplicável, portanto, o disposto no art. 1.540 do Código Civil."

O relator, nos embargos, fez um precioso estudo acerca da questão discutida, cotejando opiniões da doutrina e decisões judiciais para, em seguida, concluir:

"Examinando-se, pela ordem, a aplicabilidade do art. 1.540 do Código Civil, tem-se que sua interpretação literal evidenciaria violento contraste com o art. 65 do CPP – cuja vigência começou muito depois da existência, como lei, do art. 1.540 citado – se não fosse ungido por uma exegese que tende à harmonia dos dois dispositivos."

Ressaltou que o entendimento do artigo 1.540 (C.Civil anterior) era o de referir-se à indenização a um terceiro, que fosse vitimado de ato considerado ilícito justificável:

"Se a norma pretendesse referir-se à legítima defesa, não usaria a palavra crime. De antanho se sabe que, nos casos de legítima defesa, não há crime. Logo, mencionando crime justificável, o legislador não poderia estar cogitando de um ato ou fato praticado em legítima defesa direta ou a uma justificativa, mas, simplesmente de ato que, embora considerado crime em relação ao agressor e ao defendente, era justificável em relação ao terceiro ofendido."

Observou, ainda, o eminente relator, que a fundamentação da sentença era dispensada porque oriunda diretamente do veredicto dos jurados em resposta aos quesitos (art. 493, Código de Processo Penal) e que operava perfeitamente seus efeitos no cível.67 Anotou também sobre a questão da coisa julgada que, conforme norma civil, só opera efeitos entre as partes. Portanto, seria necessário que as partes, no cível, tivessem igualmente sido partes no processo penal, mas que, funcionando o autor da ação criminal como assistente do Ministério Público, torna-se parte da mesma a teor das disposições contidas nos artigos 268 a 272 do Código de Processo Penal. Não haveria, por conseguinte, óbice a que se estendesse ao embargado – autor da ação civil – os efeitos da sentença penal, sob este ângulo da coisa julgada.

Por decisão da maioria, vencidos os primeiro e segundo vogais, a Câmara Civil manteve a decisão do juiz a quo.68

Ante as abalizadas opiniões emitidas pelos ilustres componentes do Tribunal de Justiça Mineiro, inseridas no julgado acima, comprova-se a grande controvérsia que paira quanto aos efeitos das excludentes de criminalidade no cível. A deficiência está na norma processual penal, conforme anotou Aguiar Dias, que deveria ser modificada. No entanto, desta correção ou modificação não cogitaram os legisladores e, enquanto esta não vem, não há como fugir e tentar diferentes exegeses para os dispositivos legais que envolvem a questão, e o caminho a ser seguido é o de acolher a determinação manifesta no artigo 65 do Código de Processo Penal, pelas razões expressadas na decisão dos Embargos ora vistos. (Cf. nesse sentido: TJMG. Ac. 78.450-4.a C. Rel. Des. Caetano Carelos. j. 06.04.1989; JM 106/237. Vade-mecum Jurídico. Porto Alegre: Síntese, 1996. 69 ..Cf. também Resp n. 51811/SP.Rel. Min. Barros Monteiro. Acórdão de 3.11.98. in: http://www.stj.gov.br).

Resta observar que não vemos, no caso em estudo, hipótese de legítima defesa da honra e entendemos que esta defesa ocorre em situações raras, como no caso de destruição ou apreensão de escrito ou qualquer material que possa produzir dano à honra de alguém

Em caso que foi analisada a coisa julgada penal, em sentença absolutória, ao fundamento de existência de legítima defesa, decidiu a Quarta Turma do STJ, (Resp 686486/RJ, j. em 14.04.2009):

"A decisão na esfera criminal somente gera influência na jurisdição cível, impedindo a rediscussão do tema, quando tratar de aspectos comuns às duas jurisdições, ou seja, quando tratar da materialidade do fato ou da autoria, segundo previsto no art. 935 do CC/2002 (que repetiu o disposto no art. 1.525 do CC/1916).

O reconhecimento da legítima defesa do vigilante no juízo criminal não implica, automaticamente, a impossibilidade da parte autora requerer indenização pelos danos ocorridos, especialmente quando, como no caso ora em análise, pugna pelo reconhecimento da responsabilidade objetiva do Banco e da Empresa de Vigilância, obrigados em face do risco da atividade".

Rodapé

  1. SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação, 1949, p. 76.
  2. DEL VECCHIO, Giorgio. Direito, estado e filosofia. Trad. Luiz Luiggi. Rio de Janeiro: Politécnica, 1952, p. 305-306.
  3. BREBBIA, Roberto H. El daño moral. Buenos Aires: Editorial Bibliográfica Argentina, 1950, p. 84.
  4. BREBBIA, Roberto. Op. cit., p. 88.
  5. GOMES, Orlando. Obrigações. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 330.
  6. BORCIANI, Alberto. Le offense all’onore. Torino: Torinese, 1924, p. 129.
  7. Comento teorico-pratico del nuovo Codice Penale. v. 1, 2.ª parte, p. 788. Apud CHAVES, Antônio. Tratado de direito civil, v. 3, p. 607.
  8. DE CUPIS, Adriano. Il danno. 2. ed. Milano: A. Giuffrè, 1966, v. 1, p. 50.
  9. Ibidem, p. 51.
  10. Idem.
  11. SILVA, Wilson Melo da. O dano moral..., cit., 1949, p. 225.
  12. Cf. DE CUPIS, Adriano. Il danno, cit., v. 1, p. 52
  13. Cf. BREBBIA, Roberto H. Op. cit., p. 86.
  14. DE CUPIS, Adriano. Il danno, cit., v. 1, p. 52.
  15. BRUGI, Biagio. Dano morale. Rivista del Diritto Commerciale e del Diritto delle Obligazioni v. 26, p. 621-622, 1928. Milano: Casa Editrice Francesco Vallardi, – 2. parte.
  16. LEÓN, Gonzalo Fernández de. Diccionario jurídico. Buenos Aires: Victor Zavalia, 1955. Verbete: daño moral, p. 101.
  17. Apud ALMEIDA FILHO, Amaro Alves de. Dano moral e o Código Penal. RT v. 332, p. 28. São Paulo, jun. 1963. Sobre o direito penal como fonte das obrigações, confira-se PUIG PEÑA. Tratado de derecho civil espanõl. Madrid: Revista de Direito Privado, s.d., v. 2, t. 4, p. 586 et seq.
  18. HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, v. 6, p. 43.
  19. TORNAGHI, Hélio. Anteprojeto do Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, 1963.
  20. MINAS GERAIS. Tribunal de Apelação. (Ap Civ. n. 1.409. Jachua Cadus versus Prefeitura de Ubá. Rel. Amílcar de Castro. Acórdão de 19.10.1942. Revista Forense v. 93, p. 528-531. Rio de Janeiro, jan. 1943).
  21. Idem, p. 529.
  22. TARELLO, Giovanna Visintini. Il c.d diritto alla identità personale. Padova: Cedam, 1981, p. 74 (Seminário).
  23. BREBBIA, Roberto H. Op. cit., p. 81, 202.
  24. BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1921, v. 1, p. 309.
  25. SILVA, Wilson Melo da. O dano moral..., cit., 1983, p. 557.
  26. SILVA, Wilson Melo da. O dano moral... cit., 1983, p. 576.
  27. Cf. SALAZAR, Alcino de Paula. Reparação do dano moral. Rio de Janeiro: Borsoi, 1943, p. 146.
  28. Cf. RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis, p. 352.
  29. Cf. REIS, Clayton. O dano moral. Revista Direito Civil v. 28, p. 64, abr./jun. 1984.
  30. SALAZAR, Alcino de Paula. Op. cit., p. 145.
  31. Cf. MATTIA, Fábio Maria de. Direitos da personalidade: aspectos gerais. Revista de Direito Civil v. 3, p. 50, jan./mar. 1978.
  32. DE CUPIS, Adriano. Il danno, cit., v. 1, p. 196.
  33. DE CUPIS, Adriano. Il danno, cit., v. 1, p. 201.
  34. ENNECCERUS, Ludwig. Derecho de obligaciones. Revista por Heinrich Lehmann. Buenos Aires: Bosch, 1948, v. 1, p. 72.
  35. GOMES, Orlando. Obrigações, cit., p. 335.
  36. ENNECCERUS, Ludwig. Derecho de obligaciones, cit., 1948, v. 1, p. 74.
  37. GOMES, Orlando. Obrigações, p. 333.
  38. Cf. ENNECCERUS, Ludwig. Derecho de obligaciones, cit., 1948, v. 1, p. 75.
  39. CARVALHO SANTOS, J. M. Repertório enciclopédico do direito brasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, s.d., v. 14, p. 246. Verbete: dano moral.
  40. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. O ato de apresentação do recurso no protocolo de primeira instância equivale à sua apresentação em cartório, como se tem julgado reiteradas vezes. Tendo havido ofensa à honra do autor, através de entrevista em emissora de TV, levando-se em conta a posição política do ofendido e a posição social das partes, a situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e a repercussão da ofensa, critérios orientadores do artigo 84 da Lei 4.117 de 1962, fixa-se a reparação a ser feita pelo réu em 60 vezes o maior salário mínimo vigente no país. Os danos materiais ficam circunscritos a gastos e despesas com a defesa do ofendido, a ser apurada em execução de sentença. O ressarcimento do dano moral independe de reflexos patrimoniais. Basta a ofensa à honra para gerar o direito à indenização. Ele está ínsito, presumido juris et de jure, na ofensa à honra. A gravação de entrevista em TV, produzida em laudo pericial, serve de base para o exame da ocorrência de calúnia e injúrias atribuídas ao réu, com a circunstância de que ela foi exibida e ouvida em audiência de instrução e julgamento, e o réu, em depoimento pessoal tomado logo em seguida, não negou as expressões dela constantes (ApCiv. n. 175.010. Herbert Victor Levy e José Saulo P. Ramos versus os mesmos. Rel. Toledo de Assunpção. Acórdão de 29.12.1969. RT v. 413, p. 143-146. São Paulo, mar. 1970).
  41. SILVA, Wilson Melo da. O dano moral..., cit., 1949, p. 139.
  42. Cf. DE CUPIS, Adriano. Il danno, cit., v. 2, p. 112.
  43. SILVA, Wilson Melo da. O dano moral..., cit., 1949, p. 224.
  44. Cf. RIPERT, Georges. Op. cit., p. 357.
  45. SAVATIER, René. Traité de la responsabilité civile en droit français. 2. ed. Paris: LGDJ, 1951, t. 2, p. 209-210.
  46. SAVATIER, René. Op. cit., p. 209-210.
  47. Cf. RAVAZZONI, Alberto. La riparazione del danno non patrimoniale. Milano: A. Giuffrè, 1962, p. 185.
  48. Ibidem, p. 186.
  49. Cf. DE CUPIS, Adriano. Il danno, cit., v. 2, p. 204.
  50. Brugi, Biagio. Instituciones de derecho civil. Trad. Jaime S. Bofarul. México: Uteha, 1946, p. 622.
  51. Cf. DE CUPIS, Adriano. Il danno, cit., v. 1, p. 55.
  52. Cf. CHIRONI, G. P. La colpa nel diritto civile odierno: colpa extracontrattuale. 2. ed. Torino: Fratelli Bocca, 1906, t. 2, p. 368-370.
  53. CHAVES, Antônio. Tratado..., cit., 1985, v. 3, p. 637
  54. Cf. RIPERT, Georges. Op. cit., p. 247.
  55. SILVA, Wilson Melo da. O dano moral..., cit., 1949, p. 171.
  56. CHAVES, Antônio. Tratado..., cit., v. 3, p. 621.
  57. SILVA, Wilson Melo da. O dano moral..., cit., 1949, p. 146.
  58. CASTRO Y BRAVO, Frederico de. Temas de derecho civil, p. 10.
  59. Cf. DE CUPIS, Adriano. Il danno, cit., v. 1, p. 409, 412.
  60. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. A jurisprudência atual é no sentido de que a fixação do dote não há mais de se considerar a condição da ofendida, mas também a do ofensor (ApCiv. n. 240.591. R.N.H. versus D.S. Rel. Barbosa Pereira. Acórdão de 27.02.1975. RT v. 474, p. 92.São Paulo, abr. 1975).
  61. BORCIANI, Alberto. Op. cit., p. 147.
  62. O Código Civil de 1916 mantinha essas mesmas disposições só não prevendo a lesão a pessoa no estado de necessidade.
  63. Alguns autores preferem a expressão "preclusão" por não considerarem tecnicamente correto atribuir efeito de "coisa julgada", no cível, da sentença penal. Neste sentido é a opinião de Aguiar Dias (Da responsabilidade civil, v. 2, p. 469).
  64. AGUIAR DIAS, José de. Op. cit., v. 2, p. 471- 473, 476.
  65. MANZINI, Vicenzo. Tratado de derecho procesal penal. Trad. Santiago Sentís Melendo y Marino Ayerra Redin. Buenos Aires: Editora Europa – América, 1951, t. 1, p. 446.
  66. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Não obstante o perdão judicial concedido, dispensando dos efeitos penais do delito o seu autor, subsiste a responsabilidade civil (Embargos Infringentes n. 52.070. Mercedes Fernandes de Lima versus Maria Henriqueta Pinho. Rel. Justino Pinheiro. Acórdão de 27.04.1951. RT v. 193, p. 236. São Paulo, set. 1951).
  67. O artigo 458 do Código de Processo Civil exige como requisitos da sentença: relatório, fundamentação, dispositivo.
  68. Publicado no Minas Gerais em 26.06.1987 e 20.08.1987.
  69. Vade-mecum Jurídico. Porto Alegre: Síntese, 1996.
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Sobre a autora
Aparecida I. Amarante

Procuradora do Estado de Minas Gerais. Ex-professora-adjunta de Direito da UFMG. Doutora em Direito Civil. Escritora.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARANTE, Aparecida I.. Responsabilidade civil por dano à honra. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2492, 28 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14764. Acesso em: 28 mar. 2024.

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Esta é a versão eletrônica do livro "Responsabilidade civil por dano à honra", em 7ª edição revisada, publicada com exclusividade no Jus Navigandi.

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