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Responsabilidade civil por dano à honra

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28/04/2010 às 00:00
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CAPÍTULO 7
A TUTELA PENAL EM OUTROS PAÍSES

Sumário: 1. Direito francês – 2. Direito alemão – 3. Direito espanhol – 4. Direito italiano – 5. Direito português – 6. Direito argentino – 7. Direito brasileiro.

Compete-nos trazer a registro a proteção que a honra alcançou ou tem alcançado em algumas legislações estrangeiras, o que vai demonstrar o seu galgar, conquistando posição de destaque em Códigos Civis mais recentes, verdadeira tomada de consciência com os direitos da personalidade, ocorrida com mais ênfase na segunda metade do século XX. A abordagem que faremos é ilustrativa, fixando-se em alguns países do mundo ocidental, mais precisamente nas legislações do grupo francês.

As legislações civis mais antigas (fins do século XIX e início do século XX) não sofreram as influências dos movimentos internacionais de proteção aos direitos da personalidade e da moderna doutrina civilista. Destarte, não previram expressamente a proteção dos mencionados direitos, como norma geral, nem tampouco a reparação do dano moral. Analisando comparativamente algumas legislações, J.M. Carvalho Santos esquematizou em três grupos as leis que respeitam à reparação do dano moral. No primeiro grupo, estariam as legislações destituídas de regras gerais prevendo expressamente a satisfação do dano moral, quais sejam: direito francês, belga, espanhol, chileno, boliviano (revogado), uruguaio e soviético. No segundo grupo, encontrar-se-iam os códigos em que a satisfação do dano moral é prevista com generalidade ou com certas limitações, como o direito suíço, o mexicano e o português (revogado), o argentino e o japonês. No terceiro grupo inserir-se-iam as legislações que, em virtude de normas expressas, só em casos taxativamente previstos cabe a reparação do dano moral. Estariam neste último agrupamento os códigos civis da Alemanha, Polônia, Itália. Destaca, à parte, os direitos inglês e norte-americano, uma vez que o papel da lei escrita, como fonte do direito positivo, não é o mesmo que desempenha nos países de direito escrito.1

Advertimos, porém, que, com o surgimento de novos códigos civis e modificações por leis posteriores inseridas em outros, esta listagem encontra-se alterada.

1.Direito francês

Quando se elaborou o Código Civil francês, predominava o individualismo ressaltado pelas revoluções francesa (1789) e americana (1776), que se preocupavam com o homem frente ao Estado, reconhecendo direitos humanos público e político, não se preocupando com esses direitos no âmbito privado.

O artigo 1.382 daquele código dispõe: "Tout fait quelconque de l’homme qui cause à autrui un dommage, obligue celui par la faute duquel il est arrivé, à le réparer."

Bem se observa que o Código Napoleônico não se referiu expressamente ao prejuízo moral, mas conteve referência genérica a dano, sem distinguir entre patrimonialidade e não patrimonialidade. A vexata quaestio circunscreve-se a saber se a expressão da lei incluiria também o dano não-patrimonial, o que provocou celeumas infindáveis na doutrina. O papel desempenhado pela jurisprudência foi de importância vital no reconhecimento desse dano. Apesar de não estender esta reparação a qualquer prejuízo, adotando um comportamento reticente, em se tratando de ofensa à reputação das pessoas, freqüentemente reafirmava posição no sentindo de agasalhar a proteção da honra.

Mesmo em casos em que parecia haver ofensa à imagem ou à vida privada, uma vez que esta última é legalmente tutelada (art. 9.o do Código Civil, que teve nova redação dada pela Lei n. 643, de 1970), não deixou a jurisprudência de distinguir quando a lesão se dá à honra individual. Baseando-nos em informações prestadas por Roger Nerson, vemos que o Tribunal de Grande Instância de Paris, em 20.04.1977, considerou expressamente o atentado ao crédito e à reputação, causado aos autores, pela inserção de cenas pornográficas em um filme.2 Várias outras decisões posteriores foram nesse mesmo sentido. Em sede jurisprudencial há amplo acolhimento de medidas preventivas.

Importante papel coube igualmente às constituições francesas. A Constituição de 04.10.1958 proclamou em seu preâmbulo expressa adesão aos princípios da Declaração de Direitos do Homem de 1789. Declaração esta que fora confirmada e completada anteriormente pelo preâmbulo da Constituição de 1946. Por força do preâmbulo constitucional, aqueles princípios tornaram-se vinculantes para o legislador, conforme considerado pelo Conselho Constitucional, em decisão de 1971.3

Esta orientação encontrou expressão legislativa na Lei n. 643, de 17.07.1970, que assegura ao indivíduo o direito ao respeito de sua vida privada. Embora a jurisprudência já destacasse considerável tutela aos direitos da personalidade, o direito à honra ainda não fora mencionado em lei. Embora a doutrina também se posicionasse amplamente a favor do reconhecimento legislativo, ainda inexiste, legalmente, a tutela tão almejada. Acrescia Amiaud que a personalidade humana só pode existir, juridicamente, se as diferentes formas, sob as quais pode manifestar-se, são protegidas pela lei. Donde resulta a necessidade de um reconhecimento dos direitos da personalidade. Estes serão, indiscutivelmente, melhor reconhecidos se sua existência é afirmada expressamente por nosso Código.4

Essa é a mesma admoestação afirmada por Ordoqui Castilla, em crítica ao projeto do Código Civil uruguaio, citando Narvaja, segundo o qual os princípios constitucionais não bastam por si sós e devem ser a base de outras leis, destinadas a pôr em execução esses princípios.5

Isto quer significar a grande necessidade de previsão específica e disciplina dos direitos da personalidade, na legislação civil, mesmo existindo garantia constitucional dos mesmos.

Em França, posteriormente à redação do Código Civil, o princípio da necessidade de proteção da pessoa, em seus bens morais, orientou o legislador quando da feitura de leis posteriores. A Lei de Imprensa de 29.07.1881,6 artigos 29 e 32 e a lei sobre a justiça de paz (art. 6.o) permitiram a reclamação de perdas e danos no caso de ilícito difamatório.7 Tal como vimos na legislação de imprensa brasileira, igualmente a lei francesa pertinente proíbe a prova da verdade de imputação difamatória concernente aos fatos da vida privada , acrescentando referências a fatos que remontam a mais de dez anos, infração anistiada ou prescrita (art. 35 modificado pela lei n. 98-468 1998.06.17). A lei francesa de 23.06.1961 (que modificou a lei de 1881), concedeu o direito de resposta à pessoa citada em uma publicação periódica. Esta lei também teve alteração pela Ordonnance 2000-916, de 19.09.2000.

A proteção à honra dá-se ainda, no campo civil, implícita da responsabilidade penal, como ainda por meio da reparação em forma específica, pela publicação da sentença em delito contra a honra.

Diante, pois, das esparsas e insuficientes previsões do texto legal sobre a proteção da honra, coube à jurisprudência francesa, apoiada pela doutrina e mesmo precedida por esta, assegurar a tutela da pessoa humana nos danos puramente extrapatrimoniais. Destacou Amiaud que existia nos tribunais franceses a consciência de que a personalidade humana deve ser protegida sob os diferentes aspectos que assume e sob as diferentes manifestações pelas quais ela se exterioriza.

"Il est tout un ensemble de solutions qu’elle donne por annuler certaines conventions, pour en interpréter d’autres, pour assurer la réparation de certains dommages d’ordre purament moral qui, même si cela n’est pas exprimé, ne peuvent s’expliquer que parce que nos tribunaux ont conscience que la personnalité humaine doit être protegée sous les différents aspects qu’elle prend et dans les différentes manifestations par lesquelles elle s’extériorise."8

Na década de 1950, a jurisprudência dava sinais preciosos na consagração do dano moral. Decisão da Câmara da Corte de Cassação, em 13.10.1955, decidiu que nos casos de atentado à honra e à consideração, o prejuízo moral era reparável. (Code Civil, Dallos, 1983, comentário ao art. 1383).

2.Direito alemão

O legislador civil germânico de 1900 demonstrou preocupação com os direitos da personalidade, ao encerrar no § 823 o reconhecimento de quatro direitos fundamentais: vida, corpo, saúde, liberdade. Não contemplou a honra textualmente, mas a proteção desta poder-se-ia deduzir a teor da disposição do § 823 que, além da vida, corpo, saúde e liberdade permite certa amplitude na sua aplicação, uma vez que acrescenta "ou qualquer um outro direito de uma pessoa". Entretanto, manteve-se cauteloso ao prever a reparação do dano extrapatrimonial, só a permitindo circunscrita aos casos mencionados.

O Bürgerliches Gesetzbuch (BGB) continha no § 253 disposição análoga à do artigo 2.059 do Código Civil italiano. Constava do § 253 que "por causa de um dano, que não é um dano patrimonial, só pode ser exigida satisfação em dinheiro nos casos estabelecidos pela lei". O estabelecimento dessas situações foi previsto nos § 847 daquela codificação civil.

O § 847 cuidava do direito de exigir satisfação em dinheiro, por dano que não fosse patrimonial, advindo de lesão do corpo ou da saúde, assim como no caso de privação de liberdade. Não houve referência expressa à ofensa da honra. somente o item segundo do indigitado parágrafo previu timidamente a reparação extrapatrimonial no caso de ocorrência de delito (crime ou contravenção) contra os bons costumes, cometido contra uma mulher, ou ainda no caso de esta ter sido levada a consentir em coabitação extramatrimonial, mediante astúcia, ameaça ou abuso de uma relação de dependência.

Na mesma linha protecionista do outrora alcunhado sexo frágil, o § 1.300 dispôs sobre o direito à indenização em dinheiro, por causa de dano que não fosse patrimonial, da noiva de conduta irrepreensível que consentisse na coabitação com o noivo, quando este desistisse dos esponsais imotivadamente. Nota-se que a proteção da lei, nesses casos, foi sectária e restritiva, por limitar-se somente à mulher e porque protegeu a honra somente naquelas circunstâncias, como se a honra da pessoa de sexo feminino se reduzisse apenas ao comportamento sexual.

Em doutrina, discutiu-se se haveria aplicação do § 823 (este não se referiu ao dano extra-patrimonial), que contém disposição genérica sobre a reparação do dano à vida, corpo, saúde, liberdade ou qualquer outro direito da pessoa, para proteção da honra do jovem de sexo masculino, maior de 14 anos. Discutiu-se ainda, se poderia haver aplicação analógica do § 847, estendendo o preceito à pessoa de sexo masculino. 9 ( artigo esse revogado, aplicando-se o § 253).

De qualquer forma, o § 823 não se referiu ao dano não patrimonial.

Ainda em outro dispositivo do BGB (824) se reconheceu a tutela distinta da honra (proteção ao crédito) :

"Quem afirmar, contra a verdade, um fato, ou difundir o que é próprio para prejudicar o crédito de um outro, ou ocasionar outros prejuízos para sua profissão ou bem-estar, terá de satisfazer ao outro o dano daí resultante, mesmo que não conhecesse ele a verdade, mas devesse conhecer.

Para uma comunicação, cuja inverdade é desconhecida por quem a comunica, não fica este obrigado à indenização se ele, ou o que recebe a comunicação, tem um interesse legítimo nela."

A proteção neste lugar é ao bom nome, à reputação e nem mesmo abrange as previsões penais – a injúria estaria excluída. Ainda aqui o dano extrapatrimonial não seria alcançado, mas o patrimonial indireto.

Com exceção das disposições específicas que acabamos de ver, a proteção da honra, na esfera privada, ocorrerá reflexamente da ilicitude penal, tomando-se por assento a fórmula do § 823 BGB, item dois. "Igual obrigação" – isto é, indenização do dano – "incumbe àquele que infringiu uma lei destinada à proteção de um outro". E as ofensas à honra estão disciplinadas como delito no Código Penal, § 186 e seguintes. Mais uma vez, por ausência de determinação legal, e porque a isto obstava o § 253, a reparação, neste caso, não acobertaria o dano extrapatrimonial em sede civil, se o ofendido pretendesse utilizar somente esta via. Poderia, entretanto, obter referida reparação, em instância criminal, valendo-se do instituto da BUSSE, que existia no Código Penal até bem pouco tempo.

A BUSSE era instituto que influía acentuadamente na reparação de ofensas à honra, suprindo a deficiência do Código Civil. Acerca de sua natureza jurídica, grande foi a controvérsia a verificar se ela encerrava uma penalidade ou verdadeira indenização. Consistiria a BUSSE "uma reparação por danos não patrimoniais, simples reparação de danos materiais ou perfeita pena criminal"?10

Em matéria de injúria e calúnia, o § 188 do Código Penal dispunha o seguinte: nos casos previstos nos §§ 186 e 188 pode, a requerimento do ofendido, quando a injúria o ferir no patrimônio, na posição ou no seu futuro, haver condenação, além da pena criminal, de uma reparação pecuniária a favor do mesmo ofendido. O pagamento dessa importância excluía qualquer outra reparação pecuniária.

Como se observa, a reparação mencionada revertia ao próprio lesado e, por esta razão, como também pela impossibilidade de o lesado obter outra reparação, preferimos considerá-la como indenização e não como penalidade destinada ao fisco.

Por outro lado, entendemos que a referência "na posição do ofendido" incluiria também os danos não patrimoniais. Na doutrina de Enneccerus – Kipp e Wolff – estáava assegurado que "no es una pena sino una indemnización y un desagravio que no se limita al daño patrimonial, y cuya cuantia ha de determinarse al arbitrio del juez dentro del tipo maximo fijado por ley".11 A atual redação dos arts. 186 e 188 não contemplam indenização, mas "penas e multas".

Como visto, a proteção da honra, no direito alemão, sob a égide do estatuto civil, foi instalada de um modo não abrangente e, conforme ressaltou Helmut Coing, nem mesmo uma proteção geral do direito da personalidade foi reconhecida. A jurisprudência, cautelosa, na consideração dos danos não patrimoniais limitou-se a aperfeiçoar os meios técnicos do direito civil: ao lado da ação civil de perdas e danos, são admitidas ações visando à retratação de notas difamatórias e a proibição de tais notas para o futuro.12

A jurisprudência alemã conduziu-se, geralmente, no sentido de que a proteção à honra não ocorreria em todo e qualquer ataque. Dar-se-ia dentro dos limites estabelecidos no § 823, II, e normas especiais (§ 186 e seguintes do Código Penal e § 824 do BGB – proteção ao crédito).13

O § 823, II, prevê ação civil em todo caso onde uma norma do direito, visando à proteção do indivíduo, for violada. Não menciona prejuízos extrapatrimoniais.

Papel de relevo na evolução doutrinária e jurisprudencial alemã coube à Grundgesetz de 1949 – Lei Fundamental de Bonn, ao declarar, no artigo primeiro, que a dignidade do homem é intangível, que os direitos fundamentais enunciados vinculam os poderes do estado, tendo aplicação direta, e, ao assegurar, no artigo 2.o, a cada indivíduo o direito de desenvolver livremente sua personalidade nos limites da moral, da ordem constitucional e dos direitos de outrem, princípios esses fundamentais e inauguradores de nova mentalidade jurídica em matéria de direitos individuais, que não podem ser divorciados dos preceitos civis. O alcance desses princípios constitucionais foi destacado por Helmut Coing, de acordo com a doutrina dominante.

Quanto ao artigo 1.o, nele se inseriu um princípio fundamental que:

1)deve determinar a interpretação de todas as leis;

2)vicia de nulidade todas as regras existentes, que pudessem se encontrar em contradição com este princípio.

Quanto ao artigo 2.o, este foi considerado como criador de um direito subjetivo constitucional fundamental da pessoa (Grundrecht), cujos limites são muito mal definidos.14

Diante desses fundamentais princípios constitucionais, nos idos de 1970, a Corte Federal de Justiça alemã, no festejado acórdão Schacht, retirou deles o assentamento de que há um direito geral da personalidade, nas relações privadas, como sendo "o direito de um particular contra outro particular, ao respeito de sua dignidade de homem e ao desenvolvimento de sua personalidade individual".15

Ainda em nível constitucional, imprescindível destacar o artigo 5.o, que estabelece a liberdade de imprensa, bem como a liberdade de expressão de qualquer pessoa. Este direito, contudo, encontra limites, quando afeta a honra pessoal (art. 5.o, II): "Estes direitos têm por limites as disposições das leis gerais, os regulamentos legais para a proteção da juventude e o direito da honra pessoal."

O bem da honra, neste lugar, encontra-se protegido acima da liberdade de imprensa, que não pode alegar interesse legítimo desse exercício, protegido pelo § 193 do Código Penal, quando se tratar de publicidade, onde o interesse público não predomina, mas sim visando a satisfazer a curiosidade e divertimento do público.

Em resumo, podemos dizer que, em sede privada, a proteção da honra é insuficiente e, enquanto novas normas civis não se instalarem a respeito do tema, é conveniente que a jurisprudência não se confine aos limites do Código Civil, utilizando-se, para tanto, da aplicação de princípios constitucionais e da analogia.

Embora tardiamente, em 01.08.2002, entraram em vigor novas regras sobre a reparação de danos (BGBI-IS. 2674). O § 253 que, antes, só admitia indenização de prejuízos não pecuniários, em casos expressos em lei, passou a acolher esses últimos quando afetem "à vida, à saúde, à liberdade, à autodeterminação sexual", determinando compensação em dinheiro (n. 2 acrescido pela reforma). A nominação desses bens, a exceção de autodeterminação sexual, já se assentava no § 823, mas que se circunscrevia aos ilícitos culposos. Levadas as ofensas àqueles bens para o § 253 estabeleceu-se a reparação por dano não patrimonial, independentemente de culpa.

Também, o § 847 que, antes da alteração, previa indenização do dano extrapatrimonial em caso de danos corporais, requerendo culpa do ofensor, encontra-se derrogado. O § 1.300 (ruptura do noivado quando houve coabitação) igualmente foi revogado pela lei de 04.05.1998.

A inovação legal sobre danos esteve aquém do desejado, não chegando o legislador a mencionar os direitos da personalidade, embora a jurisprudência, cumprindo seu papel de incrementar o sentido das leis, tivesse reconhecido um direito geral da personalidade, com base no § 823, primeira parte.

Outros casos específicos, asseguradores da defesa da honra, contidos no BGB:

1)revogação da doação por ingratidão do donatário (§ 530). A revogação poderá ser proposta pelo doador, quando o donatário cometer ingratidão grave contra aquele ou um parente próximo daquele. Este direito não se transmite aos herdeiros, salvo quando o donatário, dolosa e antijuridicamente, matou o doador ou impediu sua revogação. Entendemos que, na expressão ingratidão grave, podem encontrar-se inúmeras situações lesivas da honra;

2)indignidade sucessória. O § 2.333 prevê a privação da legítima:

-Quando o descendente se tornar culpado de um delito ou de uma contravenção dolosa contra o de cujus ou seu cônjuge. Neste caso incluem-se os delitos contra a honra do de cujus;

-Vida desonrosa e imoral levada pelo descendente, contra a vontade do de cujus.

E ainda os casos de indignidade sucessória previstos no § 2.339.

3.Direito espanhol

O direito espanhol, seguindo opinião dominante à época, foi destituído de regra geral que previsse a reparação do dano extrapatrimonial, ou um direito específico na ampla proteção da honra. Na esteira do Código Napoleônico, o Código Civil espanhol (1889) consagrou, em seu artigo 1902, o mesmo princípio genérico de reparação do dano, contido na legislação francesa: "El que por acción o omisión causa daño a otro, interveniendo culpa o negligencia, está obligado a reparar el daño causado."

A doutrina espanhola, por muito tempo, recusou-se a admitir a reparabilidade do dano não patrimonial, visto que este não tinha referência expressa em lei. Mais uma vez, coube à jurisprudência modificar esta conduta. O elemento histórico serviu de base para orientação em sentido positivo. Conforme aludimos neste trabalho, a Lei XXI, título IX da Sétima Partida já se referia à reparação dos prejuízos extrapatrimoniais em casos de calúnia e injúria. Igualmente a Lei Primeira do título XV dessa mesma Partida conceituava o dano como "empeoramiento o menoscabo que uno recibe en si mismo, o en sus cosas, por culpa de otro".

Desta forma, invocando os dispositivos mencionados e ainda os "princípios gerais do direito" (art. 6.o, Código Civil), dos quais o julgador lança mão ante à ausência de lei e, realçando como princípio a dignidade pessoal, familiar e social, já no início deste século, em decisão de 06.12.1912, o Tribunal Supremo da Espanha, ao apreciar matéria de honra, marcou novo rumo na indenização do dano, acolhendo o princípio da compensação pecuniária do prejuízo não patrimonial. Marcou, ainda, a compreensão desse dano implícita no conceito de dano. A questão levada a julgamento versava sobre a condenação à indenização por dano causado à honra, devido à publicação, em um periódico, de notícia falsa sobre um caso de sedução e rapto de uma menor por um religioso.

A partir daí, firmou-se a jurisprudência nessa orientação, sancionando o princípio da reparabilidade pecuniária dos danos extrapatrimoniais, independentemente da sanção penal.

Ainda com base na Lei XXI da Sétima Partida, em outra decisão de 12.03.1928, determinou-se uma indenização em favor de uma mulher injuriada e caluniada, encobertamente, pelo autor de um romance.16

Nessas decisões e nas advindas sucessivamente, a jurisprudência não dava como suporte a regra do artigo 1.902 do Código Civil, mas sim as velhas Partidas e, como enfatizou Wilson Melo, "e se ressuscita o direito velho para injetar sangue novo em regras estratificadas. Desfossilizam-se as Partidas".17

Ainda para suporte da evolução jurisprudencial poderemos destacar o artigo 4.o do "Fuero de los Españoles", de 17.07.1945, ao preceituar:

"Los españoles tienen derecho al respeto de su honor personal y familiar. Quien lo ultrajare, cualquiera que fuese su condición, incurrirá en responsabilidad."

Dentro da perspectiva evolucionista de tutela da honra, devemos registrar o destaque dessa proteção, formulada na atual Constituição espanhola, de 27.12.1978, mesmo antes de ulteriores alterações. No Capítulo II, Título I, Seção 1.ª, que cuida dos direitos fundamentais e das liberdades públicas, fulguram artigos preciosos:

Art. 10 [Título I]

La dignidad de la persona, los derechos inviolables que le son inherentes, el libre desarrollo de la personalidad, el respeto a la ley y a los derechos de los demás son fundamento del orden político y de la paz social.

Art. 18.

Se garantiza el derecho al honor, a la intimidad personal y familiar y a la propia imagen.

Completa a garantia desses direitos, o disposto no artigo 53 do Capítulo IV do mesmo Título II:

"Los derechos y libertades reconocidos en el capítulo segundo del presente título vinculan a todos los poderes públicos. Sólo por ley, que en todo caso deberá respetar su contenido esencial, podrá regularse el ejercício de tales derechos y libertades, que se tutelarán de acuerdo con lo previsto en el artículo 161, 1, a."

Num primeiro instante, vimos que a proteção da honra somente ganhou destaque em sede jurisprudencial, em cujo campo procurava-se suprir as deficiências do Código Civil. Este reconhecimento, como dos demais direitos da personalidade, no entanto, mostrava-se insuficiente, como bem lembrou Castro y Bravo:

"Más la ausencia de su regulación legal, lleva consigo controversias sobre cuales son los bienes de la personalidad dignos de amparo jurídico, sobre el modo y alcance de su protección y incluso sobre los poderes sobre ellos de la misma persona."18

A previsão constitucional a que aludimos retro foi complementada com a entrada em vigor de uma lei orgânica, destinada a esses direitos, que, além de declará-los, assegura medidas de caráter processual, com o objetivo de protegê-los eficazmente.

A mencionada Ley Orgânica 1/1982, de 5 de maio, publicada no Boletin Oficial del Estado, n. 115, de 14.05.1982, tem a seguinte denominação:

"Ley Orgánica n. 1/1982, de 5 de mayo, de la Jefatura del Estado, de protección civil del derecho al honor, a la intimidad personal y familiar y a la propia imagen."

A sua própria titulação dispensa qualquer comentário, pois que se destina especialmente ao honor, entre outros, sob o prisma das relações privadas.

Seria de bom alvitre, considerando que foram avançadas disposições sobre o direito à honra, em relação a outros países, transcrever alguns artigos da lei em tela:

Art. 2.º [I, Capítulo I] La protección civil del honor, de la intimidad y de la propia imagen quedará delimitada por las leyes y por los usos sociales, atendiendo al ámbito que, por sus propios actos, mantenga cada persona reservado para si misma e su familia.

"[Capítulo II] De la protección civil del honor, de la intimidade y de la propia imagen-

Art. 7.º – La imputación de hechos o la manifestación de juicios de valor a través de acciones o expresiones que de cualquier modo lesionen la dignidad de outra persona, menoscabando su fama o atentando contra su propria estimación". ( redação do art. de acordo com A Lei Orgánica n 10/1995, de 23/11).

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Para corroborar o reconhecimento legal, está o artigo 9.o, Capítulo IX que, além de prever as medidas cautelares, a garantia do direito de resposta, a publicação da sentença con-denatória, admite a indenização do prejuízo moral,

"que se valorará atendiendo a las circunstancias del caso y a la gravedad de la lesión efectivamente producida, para lo que se tendrá en cuenta, en su caso, la difusión o audiencia del medio a través del que se haya producido. También se valorará el beneficio que haya obtenido el causante de la lesión como consecuencia de la misma".

Permite, ainda, o artigo 4.o do Capítulo I que, no caso de falecimento do prejudicado, ficarão legitimados para propor a ação a pessoa designada em testamento e, na sua falta, o cônjuge, os descendentes, os ascendentes e irmãos da pessoa falecida, que vivessem ao tempo de seu falecimento, nos casos de ofensa à honra, imagem e intimidade.

Casos específicos de proteção à honra, contidos no Código Civil:

a)Artigos 756 e 914 – exclusão por causa da indignidade do herdeiro legítimo ou testamentário, que a lei espanhola considera como caso de incapacidade para suceder; de acordo com a redação dada pela lei de 26.05.1976:

1) "Los padres que abandonaren, prostituyeren o corrompieren a sus hijos (alterado pela lei 11/1990);

2) El que hubiese acusado al testador de delito al que la ley señale pena no inferior a la de presidio o prisión mayor, cuando la acusación sea declarada caluMniosa;

3) El herdero mayor de edad que, sabedor de la muerte violenta del testador, no la hubiese denunciado dentro de un mes a la justicia, cuando esta no hubiera procedido ya de oficio.

Cesará esta prohibición en los casos en que, según la ley, no haya la obligación de acusar."

Neste caso a ofensa injuriosa seria aos familiares.

b)Contempla também a lei espanhola o instituto da deserdação. O artigo 853 considera como causas justas para declará-la aos descendentes: as mencionadas como causas de indignidade no artigo 756, n. 2.o, 3.o, 5.o, 6.o e ainda essas outras:

1)aquele que houver negado alimentos, sem justo motivo, ao pai ou ascendente que o deserda;

2)houver maltratado por ação ou injuriado gravemente por palavra;

Configura-se ofensa à honra a hipótese contida no artigo 756, n. 3 (acusação caluniosa).

A deserdação do ascendente pelo descendente (art. 854) poderá arrimar-se no artigo 756 n. 1.o, 2.o, 3.o, 5.o e 6.o. São ofensivas à honra as previsões dos números 1.o (prostituição dos filhos ou corrupção), 3.o (acusação caluniosa) e 4.o (não denunciação da morte violenta do descendente).

Além dessas situações mencionadas, são também causas de deserdação:

1)(...);

2)houver negativa, sem motivo legítimo, à prestação de alimentos aos filhos ou descendentes (art. 854). (Esta segunda hipótese configura-se como conduta injuriosa).

Contempla também o Código Civil, a deserdação do cônjuge (art. 855). Acrescem-se às causas mencionadas no artigo 756, n. 2.º, 3.º e 6.º as seguintes:

1)houver descumprimento grave ou reiterado dos deveres conjugais. (Entre estes deveres estaria o dever de fidelidade);

2)houver negação de alimentos ao descendente sem motivo legítimo.

Entre as causas mencionadas com remissão ao artigo 756, configura-se como lesiva à honra a situação do número 3.º (acusação caluniosa).

c)Outro caso de amparo específico da honra é o que diz respeito a revogação da doação, por causa de ingratidão do donatário (art. 648). Em todas as hipóteses mencionadas carateriza-se lesão à honra:

"1.o) Si el donatario cometiere algun delito contra (...), la honra (...) del donante;

2.o) Si el donatario imputare al donante alguno de los delitos que dan lugar a procedimientos de oficio o acusación pública, aunque lo pruebe, a menos que el delito se hubiese cometido contra el mismo donatario, su mujer o los hijos, constituyídos bajo su autoridad:

3.o) Si le niega indebidamente los alimentos."

No direito espanhol, o direito de exercitar a revogação da doação somente se transferirá aos herdeiros se o doador a tiver iniciado. Igualmente não poderá a ação ser proposta contra os herdeiros do ofensor, salvo se já tiver sido proposta ainda em vida do donatário (art. 653);

d)Situações motivadoras de divórcio – artigo 86, de acordo com a reformulação dada ao Título IV referente ao matrimônio pela Lei n. 30/1981.

4.Direito italiano

O atual Código Civil italiano, R. D. n.262, de16.3.1942, demonstra que o reconhecimento da proteção aos bens morais é uma conquista gradual e paulatina. Em um só salto não acolheu irrestritamente a reparação do dano não-patrimonial e a proteção integral da personalidade. Elaborado ainda num momento de regime fascista, conteve fragmentárias regras relativas à proteção da pessoa, no âmbito privado, deixando de contemplar uma previsão genérica e abrangente a todos os direitos da personalidade. Mas a nota importante do código consistiu na separação da tutela dos direitos políticos da pessoa (sob o prisma público) e os direitos essencialmente privados da personalidade, destacando estes últimos e relegando os primeiros. No destaque dos direitos privados, o Livro I, ao dispor sobre as pessoas e a família, contém limitação dos atos de disposição do próprio corpo (art. 5.o), contém a tutela do direito ao nome e pseudônimo (arts. 6.o ao 9.o) e ainda a proteção à imagem (art. 10). Merece referência esta última disposição, que proíbe a utilização da imagem de outrem em duas situações:

–quando fora dos casos em que a exposição ou publicação é consentida, ou

–quando houver prejuízo ao decoro ou à reputação.

Não houve referência expressa ao direito à honra, mas esta encontra-se indiretamente tutelada, por meio da violação do direito à imagem e, nesse caso, a publicação ou exposição não está adstrita a que seja feita fora dos casos previstos na lei. Mesmo que a publicação seja legalmente consentida, havendo ofensa à honra, haverá antijuridicidade. Este princípio já fora assentado pela Lei n. 11.723 de 22.04.1941, sobre a proteção do direito de autor e outros que lhe são conexos, cujo artigo 97 estabelece:

"Il ritratto non può tuttavia essere esposto o messo in commercio, quando l’esposizione o messa in commercio rechi pregiudizio all onore, alla reputazione od anche al decoro della persona ritrattata."

Evidentemente que a proteção, neste caso, é muito limitada. Busquemos, então, as previsões legais sobre a reparação do dano, na tentativa de encontrar guarida para a honra. Seguindo orientação germânica, o artigo 2.059 do Código Civil (1942) preceitua que "il danno non patrimoniale deve essere risarcito solo nei casi determinati dalla legge".

Se por um lado foi louvável a referência expressa do legislador, por evitar o trabalho do intérprete, por outro, ela é condenável por restringir a proteção da honra, vinculando-a ao ilícito criminal.

O artigo 185 do Código Penal previu a respeito da reparação do prejuízo não patrimonial nessas expressões:

"Ogni reato, che abbia cagionato un danno patrimoniale o non patrimoniale , obliga al rissarcimento il colpevole e le persone che a norma della leggi civili, debbono rispondere per il fatto di lui."

Vê-se que o legislador civil italiano mostrou-se cauteloso quanto à reparabilidade do dano extrapatrimonial e, como sabemos, a ilicitude civil vai além da ilicitude penal.

Adriano De Cupis colocou com propriedade o problema oriundo da previsão do legislador civil. Indagava se existia, em direito italiano, uma responsabilidade civil, independente da penal, em casos de injúria e difamação culposas (pela lei penal há necessidade de dolo) ou no caso de ofensa à reputação de alguém, se o ofensor praticasse o ato apenas comunicando-se com uma só pessoa e fora da presença do ofendido. Nesses casos, de acordo com o direito penal italiano, não estaria caracterizado nem o delito de difamação, que exige comunicação com "mais pessoas", nem o delito de injúria, que exige a presença do ofendido. A doutrina não tinha posição uniforme. Em obra de 1970, informava o autor que a jurisprudência pronunciou-se contrária à extensão da reparabilidade do dano não patrimonial ao ilícito que não se configura delito, considerando que o intérprete não deve ir além da vontade do legislador.19 Entretanto, em trabalho publicado posteriormente, registrou que a jurisprudência parecia favorável a admitir também a responsabilidade civil por ofensa culposa à honra e, segundo temos observado, doutrina e jurisprudência não se apegam à rigidez da lei, admitindo indenização por dano moral.20

A vinculação da lei italiana aos pressupostos penais força-nos a analisar um outro caso, que consiste em derrogação da orientação estabelecida no ordenamento jurídico italiano de que o dano não patrimonial é ressarcido quando se configura um delito. E esta derrogação não é contida no estatuto civil e sim no próprio Código Penal (art. 598, § 1.o), como também no artigo 89 do Código Processual Civil. Estes contêm a exclusão de punibilidade de ofensas irrogadas pela parte ou seu procurador ante autoridade judicial ou administrativa, quando a ofensa é concernente ao objeto da causa ou do recurso administrativo. Neste caso, o juiz poderá ordenar a supressão ou cancelamento do escrito ofensivo, assegurando à parte ofendida uma importância a título de ressarcimento do dano extrapatrimonial. Entretanto, ainda assim, esta reparação depende completamente do processo em curso, pois consiste em poder discricionário do juiz da causa, não cabendo ao lesado posterior utilização da instância civil.

Cabe, ainda, frisar que não vige, no direito italiano, uma medida preventiva genérica para evitar futuros danos a uma pessoa e a posição da doutrina era controversa. Entretanto, em cuidadoso exame das leis civis, apontou De Cupis casos expressamente considerados como tutela civil da honra, nos quais referida tutela se desenvolve com caráter e finalidade exclusivamente preventivos. Estes casos consistem em: proibição em relação ao notário de receber atos expressamente proibidos pela lei ou manifestamente contrários aos bons costumes e à ordem pública (art. 28, I, lei de 16.02.1913, n. 89) – enquadram-se certamente nesses atos aqueles de conteúdo ofensivo a alguém; poder atribuído ao magistrado de cancelar do testamento hológrafo, que deveria ser publicado, período ou frase de conteúdo ofensivo (art. 620, Código Civil); proibição de impor à criança nomes, e para os filhos dos quais não são conhecidos os genitores também sobrenomes ridículos ou vergonhosos; ainda, a proibição de impor aos filhos, dos quais não são conhecidos os genitores, nomes e sobrenomes, que possam revelar a origem ilegítima (art. 72, I Comma e I cpv-R.D. 09.07.1939, n. 1238 – Ordenamento do estado civil).21

Papel fundamental na consideração da proteção jurídica dos direitos da personalidade foi desempenhado pela Constituição italiana de 01.01.1948, de caráter essencialmente redemocratizador. Destacou a Magna Carta, como princípios fundamentais, em seu artigo 2.o, os direitos invioláveis do homem, quer seja individualmente, quer seja nas formações sociais, em que se desenvolve a sua personalidade:

"La Repubblica riconosce e garantisce i dirritti inviolabile del’uomo, sia como singolo sia nelle formazioni sociale ove si svolge la sua personalità, e richiede l’adempimento dei doveri inderogabili di solidarietà politica, economica e sociale."

Acresce-se a este dispositivo o conteúdo do artigo 3.o, que determina possuir todo cidadão "igual dignidade social".

Os artigos constitucionais referenciados têm constituído o fundamento, no campo doutrinário e jurisprudencial, para afirmação de existência de um direito geral da personalidade. E, se esta existência é reconhecida, segundo entendemos, todas as manifestações da personalidade estarão protegidas. A honra passaria a ser reconhecida e protegida independentemente dos pressupostos penais, donde a proteção, que deve ser ampla, abraçaria o dano não-patrimonial, que não fosse resultante do delito.

Este novo enfoque merece inteira acolhida, por consistir na única fórmula, até agora existente, de colocar por terra as ultrapassadas e deficientes normas civis.

Como se vê, a honra não ganhou, no Código Civil italiano, o reconhecimento de verdadeiro direito subjetivo e a reparação limitada de prejuízos a ela causados deduz-se das disposições relativas ao ato ilícito em geral. Há, entretanto, aqueles casos de proteção específica, expressos no estatuto civil, visando a um interesse privado da honra, os quais mencionamos em capítulo separado. São eles: exclusão de sócio da associação ou sociedade (art. 24, 2527 E 2286, do Código Civil); concorrência desleal (arts. 2.598, 2.599, 2.600, 2.601); revogação da adoção por indignidade do adotado (art. 306) e por indignidade do adotante (art. 307); revogação de doação (art. 801), que pode ser proposta até mesmo contra o herdeiro do donatário; o dever do filho de honrar os genitores (art. 315); a obrigação do patrão de fornecer condições de trabalho ao empregado, necessária a tutelar sua intregridade física e moral (art. 2.087); a exclusão do indigno da sucessão (art. 463). Além desses casos, há a previsão do artigo 21 do Real Decreto de 21.06.1942, n. 929, que exige o respeito da fama, crédito e decoro da pessoa, cujo nome seja por outrem inserido em marco, símbolo próprio etc. Quando se refere ao direito moral do autor (art. 2577), liga-o ao prejuízo à honra e à reputação.

Apesar dessa referência específica, na esfera privada carecia do fundamento legal para a ressarcibilidade do dano extrapatrimonial. Assim, no caso de exclusão do associado, este poderia ser ressarcido pela privação da utilidade econômica conexa à honra, mas não o prejuízo à honra em si e por si considerado, segundo informou De Cupis,22 mas já observamos retro que a jurisprudência e a doutrina admitem ampla reparabilidade do dano moral. Os tribunais muito se debateram. A "Corte Costituzionale", em célebre sentença, n. 233, de 11.07.2003, estabeleceu o princípio de que o dano não patrimonial pode ser ressarcido independentemente da tipificação penal "anche nel caso de inesistenza di un reato quando siano stati lesi interesse garantiti dalla costituzione",

declarando infundada a questão de legitimidade, levantada pelo Tribunal de Roma, do art. 2059, c. civil, com referência aos arts. 2º (direito fundamental da pessoa) e 3º (princípio da igualdade) da constituição.

Enfatizou a sentença que o artigo 2059, originariamente, se circunscrevia ao art. 185, c. penal (ressarcimento do dano moral apenas em caso de crime), devia ser interpretado conforme a evolução do ordenamento jurídico e que há hipóteses de lesões de interesses constitucionais garantidos, prescindindo da configuração penal.

Por outro lado, o legislador já introduziu ulteriores casos de ressarcibilidade do dano moral fora da fatispécie penal.

Considerou, também, que se pode dizer superada a tradicional afirmação segundo a qual a previsão do art. 2059 se identificaria com o referido dano subjetivo. Citou duas pronúncias da Corte de Cassação , de 31.05.2005, n. 8827 e 8828, dando interpretação constitucional ao art. 2059. Compreende-se no citado artigo o dano derivado da lesão de valores inerentes à pessoa : seja moral subjetivo, entendido como turbamento do estado de espírito, seja como dano biológico em sentido estrito, entendido como lesão de interesse constitucionalmente garantido à integridade física e psíquica, seja um dano derivado da lesão de outros interesses de nível constitucional inerentes à personalidade (dano existencial). 23

5 Direito português

Anteriormente ao atual Código Civil português (Decreto-lei n. 47.344, de 25.11.1966), o ordenamento jurídico de Portugal galgava novos degraus na consideração do dano extrapatrimonial. O Código de Processo Penal de 1929 prescreveu, em seu artigo 34, § 2.o, que o juiz, quando condenasse o réu pelo cometimento de um delito, deveria arbitrar, a título de reparação de perdas e danos, uma quantia que cobrisse tanto o dano material, como o moral, decorrente do crime. Poucos anos após, a Constituição daquele país, de 1938, declarava, textualmente, no título dos direitos e garantias individuais, o direito à reparação de toda lesão efetiva "conforme dispuser a lei, podendo esta, quanto a lesões de ordem moral, prescrever que a reparação seja pecuniária" (art. 8.o, n. 17).

O novo Código de Processo Penal (Dec. Lei n. 78, de 17.2.87, e republicado pela Lei n. 48, de 29.8.2007, no art. 71, adota o princípio da Adesão, sendo que o "O pedido de indenização civil, fundado na prática de um crime, é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado perante o Tribunal Civil, nos casos previstos em lei".

Diante do assento constitucional, o Código Civil português de 1966, embora fosse promulgado durante o regime ditatorial, disciplinou vigorosamente os direitos da personalidade. Trouxe destacada uma seção relativa a esses direitos e ainda teve o mérito de oferecer uma tutela geral da personalidade. Com efeito, o artigo 70 proclamou esta proteção geral: "A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral." Referiu-se a lei especificamente a alguns direitos como: intimidade, nome, pseudônimo, imagem, memórias familiares. Entretanto, não consignou expressa e especificamente o direito à honra. Este, no entanto, encontra-se inserido naquela proteção geral conferida no artigo 70.

Por outro lado, a atual Constituição portuguesa, que entrou em vigor em 25.04.1976, veio assegurar de modo inconteste a proteção da honra. Está garantida no Título II do Capítulo I (Direitos, Liberdades e Garantias Pessoais), artigo 25, o direito à integridade pessoal quer seja física ou moral. Complementando o princípio, assegura o artigo 26 que "a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação".

Embora o reconhecimento da honra fosse erigido em nível constitucional, notamos que a preocupação, no artigo 26, deu-se parcialmente, sendo evocado apenas o reconhecimento social da pessoa, o que não abraça todos os casos de lesão da honra.

A tutela integral dar-se-á a teor da própria disposição do Código Civil, artigo 70 e do artigo 25 da Constituição anteriormente mencionado.

Encontra-se igualmente protegida a honra, de forma indireta, pela tutela da imagem. O artigo 79, III, do Código Civil preceitua que "o retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do fato resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa". A proteção da honra, nesse caso, é bastante abrangente.

Não inserido na seção que cuida dos direitos da personalidade, mas naquela referente à responsabilidade civil, uma outra disposição vem reforçar a tutela da honra. Trata-se do artigo 484 (ofensa ao crédito ou do bom nome): "Quem afirmar ou difundir um fato capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados." Vê-se, neste lugar, mais um dos aspectos da honra (que é a reputação) a merecer o devido cuidado do legislador.

Destacamos, no dispositivo mencionado, a virtude do legislador português ao enquadrar as pessoas jurídicas, como sujeitas a serem atingidas em sua honra, não permitindo, com esta atitude, debates sobre a questão.

Não cuidou somente o legislador em distinguir os direitos da personalidade, mas também se preocupou em assegurar-lhes proteção preventiva. Além da consagração da proteção geral da personalidade, consignou no artigo 70, II, do Código Civil o direito de serem tomadas medidas preventivas, destinadas a evitar a consumação da ameaça ou a atenuação dos efeitos da ofensa já realizada, medidas essas que independem da responsabilidade civil, o que é ratificado pelo artigo 496, que acolhe de forma inconteste a indenização por danos não patrimoniais.

Como casos específicos de proteção da honra na lei civil, podemos considerar:

1)indignidade na sucessão, que a lei considera como incapacidade (art. 2.034): b) condenação por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra o autor da herança, cônjuge, ascendente, adotante ou adotado;

2)deserdação do herdeiro necessário (art. 2.166):

a)ter sido o sucessível condenado por crime doloso contra (...), a honra do autor da herança, seu cônjuge, descendente, ascendente, adotante, adotado (...);

b)ter sido o sucessível condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra o autor da herança e as pessoas acima mencionadas;

c)recusa, sem justa causa, pelo sucessível, de prestar alimentos ao autor da herança ou a seu cônjuge;

3)revogação da doação por causa de ingratidão (art. 974);

4)direito de oposição do sócio excluído da sociedade (art. 1.005, II);

5)fundamento para separação litigiosa dos cônjuges (art. 1.779): – violação dos deveres de respeito e fidelidade (art. 1.672);

6)privação judicial do uso do apelido do outro cônjuge, se este falecer, houver separação judicial ou divórcio, quando esse uso lese gravemente os interesses morais do outro cônjuge ou de sua família (art. 1.677. C).

Embora manifestemos o descontentamento em não ver figurar a proteção integral do direito à honra, destacadamente, como se fez com outros direitos da personalidade, na legislação portuguesa, forçoso é reconhecer que a primazia de contemplar a doutrina moderna aqueles direitos, em texto sistemático, coube ao atual código lusitano, em toda a Europa.

De qualquer forma, a honra encontra-se, no conjunto da legislação portuguesa, eficazmente tutelada.

6.Direito argentino

Apesar de ter sido elaborado no século passado e, com isso não dando enfoque merecido aos direitos da personalidade e à reparação do dano moral, o Código Civil argentino de 1869 destaca-se entre as demais legislações da América Latina pois, através de sucessivas leis, tem acompanhado o progresso da reparação do dano extrapatrimonial e dos direitos da personalidade adquirido nos últimos tempos.

Relativamente à honra, ainda inexiste uma proteção específica e ampla desse direito. Contudo, incluída no título dos Atos Ilícitos, iremos encontrar agasalhada a sua tutela, como também em outros dispositivos, que cuidam de casos especiais dessa proteção.

São fundamentais para se detectar a mencionada tutela, no direito privado, os seguintes artigos do estatuto civil:

Art. 1.075. Todo derecho puede ser la materia de un delito, bien sea un derecho sobre un objeto exterior, o bien se confunda con la existencia de la persona.

Art. 1.089. Si el delito fuere de calumnia o de injuria de cualquier especie, el ofendido sólo tendrá derecho a exigir una indemnización pecuniária, si probare que por la calumnia o injuria le resulto daño efectivo o cesación de ganancia apreciable en dinero, siempre que el delincuente no probare la verdad de la imputación.

Art. 1.099. Si se tratare de delitos que no hubiesen causado sino agravio moral, como las injurias o la difamación, la acción civil no pasa a los herederos y sucesores universales, sino cuando hubiese sido entablado por el difunto.

O artigo 1.078, modificado pela Lei n. 17.711, de 1968, que consagrou a reparação do dano moral, oriundo de qualquer classe de ato ilícito, passou a ter a seguinte redação:

Art. 1.078. La obligación de resarcir el daño causado por los actos ilicitos comprende, además de la indemnización de pérdidas y intereses, la reparación del agravio moral ocasionado à la victima.

La acción por indemnización del daño moral sólo competerá al damnificado directo; si el hecho hubiere resultado la muerte de la víctima únicamente tendrá acción los herderos forzosos.

Ante o preceituado no artigo 1.089, formulararam-se duas indagações, sobre as quais a doutrina argentina se debruçou. A primeira consistiria em saber se a reparação aludida alcançaria somente os delitos criminais. A segunda era saber se poderia haver igual reparação para o dano extrapatrimonial.

Santos Cifuentes, na melhor doutrina, sustentou que a reparação abrangeria os ilícitos civis, não se limitando às espécies criminais, visto como o próprio texto referir-se à "calúnia ou injúria de qualquer espécie" e que a definição da esfera privada era dada pelo artigo 1.072 do Código Civil.

"La amplitud de la terminología permite proteger el honor frente a hechos que pertenecen a la esfera civil. La definición de esta esfera está dada por el artículo 1.072 del Código civil."24

Para corroborar a assertiva, há de se relevar que a expressão "dano efetivo ou cessação de ganhos apreciáveis em dinheiro" não quer significar que o dano extrapatrimonial seja excluído, pois este também encerra um dano efetivo, porque é real. Buscou o autor supra interpretação apoiada na fonte inspiradora do Código Civil argentino, o Esboço Teixeira de Freitas, que mencionava: "si probare que... le resultó efectivamente algún daño...". Exortava o autor para a disjuntiva ou, empregada no texto argentino, assegurando inexistir na frase uma afirmação que exige a materialidade ou a exata incidência econômica por um detrimento em dinheiro.25

Além disso, se a interpretação se restringisse ao dano puramente material, estaria contraditória com as previsões dos artigos 1.099 e 1.078.

Diante das ponderações doutrinárias, a jurisprudência foi-se firmando no reconhecimento do prejuízo extrapatrimonial por ofensa à honra, antes mesmo da modificação do festejado artigo 1.078, pela Lei n. 17.711/68. Na sua atual redação, dúvida alguma persiste quanto à tutela de toda e qualquer lesão da honra, como do dever de reparação de qualquer prejuízo extrapatrimonial. Para os fatos ilícitos, que não são delitos civis (culpa ou negligência), desde que ocasionem danos a terceiros, há a obrigação de reparação do prejuízo. Esta obrigação rege-se pelas mesmas disposições relativas aos delitos de direito civil (art. 1.109 do Código Civil, modificado lela lei no. 17.711, DE 26.04.68).

Outra disposição tutelar, esta oriunda de instância penal, é a que determina a possibilidade de indenização do prejuízo moral em caso de condenação por ofensa à honra (art. 29 do Código Penal):

"La sentencia condenatoria podrá ordenar:

La indemnización del daño material y moral causado a la víctima, a su família o a un tercero, fijándose el monto prudencialmente por el juez en defecto de plena prueba."

Ponto de elevada importância é o que diz respeito à interpretação das expressões finais do artigo 1.089 ".... siempre que el delincuente no probare la verdad de la imputación". A interpretação literal resultaria em colocar a exceptio veritatis em nível superestimado e considerá-la numa amplitude ilimitada, em detrimento da honra alheia. Em verdade, a ninguém é lícito desonrar a outrem, seja injuriando, seja difamando, apenas por ter como suporte a verdade do fato. É de se estranhar a disposição final do dispositivo citado. Este, entretanto, conforme esclarecia Santos Cifuentes, não deve ser entendido e desvinculado do artigo 19 da Constituição argentina.26 Este último estabelece um princípio limitativo dos atos privados, que devem merecer apreciação jurídica.

"Las acciones privadas de los hombres que de ningún modo ofendan al orden y a la moral pública, ni perjudiquen a un tercero, están sólo reservados a Dios, y exentas de la autoridad de los magistrados."

Por conseguinte, a prova da verdade, se admitida em todo e qualquer caso, quando não houvesse ofensa à ordem pública e aos bons costumes e prejuízos a terceiros, permitiria ao julgador adentrar em valores e ações humanas, que refoguem de sua alçada. Finalizando, concluiu Santos Cifuentes: "De modo que corresponde estrechar la investigación de la verdade cuando está en tela de juicio un ataque al honor."27

Para reforçar esta tese interpretativa, trouxe à colação os seguintes dizeres do artigo 1.089: "Siempre que el delincuente no probare la verdad de la imputación." A expressão delinqüente circunscreve-se aos delitos do direito penal, já que é própria de tal ordem jurídica e, portanto, a exceptio veritatis só poderá ser considerada dentro daquele âmbito, ficando à margem quando se tratar de delitos civis.28

Casos de amparo específico que, comumente, estão contemplados nas várias legislações, podem ser mencionados no direito civil argentino:

Art. 1.090. Si el delito fuere de acusación calumniosa, el delincuente, además de la indemnización del artículo anterior (1089), pagará al ofendido todo lo que hubiere gastado en su defensa, y todas las ganancias que dejó de tener por motivo de la acusación calumniosa, sin perjuicio de las multas o penas que el derecho criminal estabeleciere, tanto sobre el delito de este artículo como sobre los demás de este capítulo.

A jurisprudência argentina fixou-se no sentido de que, mesmo que não houvesse qualificação da acusação como caluniosa, em instância criminal, assistia ao prejudicado o direito de utilização da via civil.29

Discordamos dessa postura. Parece-nos incorreta, porque retira dos cidadãos o exercício do direito de censura, quando este exercício é cabível. Como bem advertiu Florian, para aplicar-se o ressarcimento é necessário que a ação do ofensor seja ao menos antijurídica, anti-social, e este caráter falta completamente na presente questão e a ação do ofensor coincide com o interesse geral, com a ordem e com o progresso jurídico. 30

–Art. 67, I e V da Lei n. 2.393, que contemplaram o adultério e as injúrias graves como causa de divórcio;

VI – maus-tratos;

VII – abandono voluntário e malicioso (art. 67).

–Art. 1.858, § 2.o – Revogação de doação por causa de ingratidão. "Cuando le ha inferido injurias graves, en su persona o en su honor."

–Art. 1.858, § 3º – "Cuando le ha recusado alimentos".

–Art. 3.747 – Deserdação do descendente: I – "injúrias de fato". Estas injúrias embora se efetivem em lesão corporal, encerram verdadeiro desapreço e ausência de respeito devido aos genitores; II – acusação ao ascendente de delito punido com pena de cinco anos de prisão ou trabalho forçado.

–Art. 3.748 – Deserdação do ascendente pelo descendente, tendo por motivo acusação de delito, na hipótese mencionada no último item do artigo acima.

–Art. 3.843, II, III – Revogação do legado por causa de ingratidão (cometimento de injúrias graves contra o testador e grave ofensa injuriosa à sua memória).

–Art. 1.088 – Indenização nos casos de estupro ou rapto.

–Art. 3.574 – Perda do direito sucessório pelo cônjuge separado, mas declarado inocente, se posteriormente à sentença de divórcio viver em concubinato ou incorrer em injúria grave contra o outro cônjuge (alterado pela lei n. 23. 515, de 12. 06.87).

É de notar-se que a honra encontra proteção no ordenamento jurídico argentino, sob o prisma privado, mesmo que referido amparo seja decorrente da ampla disposição contida no artigo 1.078 (reparação do dano moral), inserido no título dos atos ilícitos e mesmo que se atribua uma exegese ampla e analógica do artigo 1.089, como também a utilização de princípios gerais do direito. Lamentável que aquela legislação não tenha reconhecido expressamente a honra como verdadeiro direito subjetivo

7. Direito brasileiro

A lacuna nas legislações do final do século XIX e início do século XX pôde ser notada no Código Civil brasileiro de 1916 que, seguindo a estruturação dos códigos de influência francesa, manteve-se silente sobre a reparação do dano extrapatrimonial, como não consagrou amparo eficaz da honra em sede privada. Limitou-se a consignar, e isto foi feito excepcional e restritivamente, a reparação de prejuízos extrapatrimoniais nos casos de calúnia, injúria, violência sexual, ultraje ao pudor e ofensa à liberdade pessoal. Não agasalhou a honra de forma desejável, pois somente no título vii, que cuidava da liquidação das obrigações, foi garantido, no artigo 1.547, que

"a indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido". Acrescentava o parágrafo único "se este não puder provar o prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva".

Da forma disposta, resultava que a multa, que, na certa, correspondia ao prejuízo extrapatrimonial, somente seria devida se não fosse provado o prejuízo material. Por conseqüência, não se poderia, concomitantemente, pleitear reparação material e não-material advindas por lesão à honra, já que a primeira excluiria a segunda. Teria sido melhor que o legislador apenas fizesse constar o caput do artigo 1.547 e não inserisse nele um parágrafo. Se assim tivesse agido, o tratamento da honra estaria melhor assegurado, visto como das expressões "reparação do dano que delas resulte" certamente não pode ser excluído o prejuízo não material.

No atual código civil, lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, art. 953, o critério de aferição do montante indenizatório sofreu mudança salutar, conferindo a lei ao julgador, o poder de fixá-lo com equidade, levando-se em conta as circunstâncias do caso. A regra geral é ser a reparação completa, baseada no dano causado (art. 953, caput), sendo que, para o dano moral, a avaliação compete ao juiz (§ único). Ressalte-se que o princípio da equidade permeia o sistema do Código civil, consistindo em cláusula geral.

Como ponto positivo, podemos ressaltar que os ilícitos mencionados, diferentemente do contido na lei italiana, não estavam, no código anterior como no atual, vinculados aos pressupostos penais, ou seja, conduta dolosa para reparação do dano não-patrimonial. Nos ilícitos aludidos, incluía-se também a difamação. A não-referência expressa a esta deu-se em virtude de ter o legislador civil de 1916 acompanhado as legislações penais de 1830 e 1890, que previam a figura da injúria em sentido lato, abrangendo a difamação, pois que consideravam a injúria como todo ato capaz de prejudicar a reputação de alguém. O atual código, corrigindo o descuido anterior, incluiu a difamação.

Os nossos Códigos Civis não tornaram a reparação dependente do crime, mas apenas lançaram mão das figuras contidas no estatuto penal. Também, diante da dificuldade de avaliação do dano extrapatrimonial, preferiu O legislador de 1916 fixá-la, tomando por base a penalidade da lei criminal. Como esta multa revertia ao próprio ofendido, tinha a natureza reparatória (caráter satisfatório), mesmo que seu valor não consistisse no efetivo prejuízo extrapatrimonial.

Aos poucos, o tratamento deficiente do Código Civil anterior foi sendo corrigido e assistiu-se, entre nós, na segunda metade do século XX, maior amparo à honra. Assim é que, em 1962, o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n. 4.117) dispôs expressamente no artigo 81: "Independentemente da ação penal, o ofendido pela calúnia, difamação ou injúria cometida por meio de radiodifusão, poderá demandar no Juízo Civil a reparação do dano moral..." A lei estabeleceu, ademais, certos critérios para a avaliação desse dano, tais como: situação econômica do ofensor, posição social e política do ofendido, gravidade e repercussão da ofensa, intensidade do ânimo de ofender, estabelecendo um limite mínimo e máximo, com base no salário mínimo (art. 84).

Com esta mesma amplitude protetora da honra, a Lei de Imprensa n. 5.250/67 garantiu esse direito e disciplinou a reparação do prejuízo, conforme vimos no Capítulo V, n. 2.1, e ainda se estendeu aos meios de radiodifusão. Com isso, foram revogados os artigos 81 a 84 da Lei n. 4.117, ora mencionados, e a matéria ali tratada passou a ter a mesma disciplina da Lei de Imprensa.

O agravo à honra da mulher foi previsto no artigo 1.548 do código anterior, que preceituava: "A mulher agravada em sua honra tem direito a exigir do ofensor, se este não puder ou não quiser reparar o mal pelo casamento, um dote correspondente à sua própria condição e estado." E estabelecia as quatro situações desse agravo. A reparação indenizatória, nesses casos, só era exigida supletivamente. A reparação básica, expecífica, era pelo casamento, pelo qual se reintegrava a ofendida no bom conceito social, a quem competia escolher entre uma e outra modalidade de reparação, ou ainda porque a reparação específica não fosse possível, por circunstâncias diversas, seja pela existência de impedimento matrimonial, por ser casado o ofensor, por recusa da vítima, por casamento desta, logo em seguida, com outra pessoa.

Essa proteção específica da honra da mulher, por seu caráter obsoleto, foi banida do código de 2002. subsiste, porém, a ofensa em casos de delitos sexuais, cuja objetividade jurída é a liberdade sexual, como também a integridade moral, nos termos da norma penal, conforme expuxemos em outro capítulo.

Completava o ciclo casuístico das disposições relativas à honra o artigo 1.549, não reproduzido no Código atual, : "Nos demais crimes de violência sexual, ou ultraje ao pudor, arbitrar-se-á judicialmente a indenização." A remissão era clara aos ilícitos criminais e estes só poderiam ser os constantes dos artigos 213 a 227 do Código Penal, quais sejam: atentado violento ao pudor, posse sexual mediante fraude, atentado ao pudor mediante fraude, corrupção de menores, lenocínio e tráfico de mulheres.

Esse dispositivo também foi eliminado no novo código, levando, consequentemente, suas ofensas para a incidência da regra geral indenizatória (art. 944)

Poderão ser aduzidos, como protetores da honra, dispositivos expressos em lei os quais analisamos no capítulo IV – Casos específicos: exclusão do indigno da sucessão, deserdação, revogação da doação, revogação de alimentos, conduta desonrosa motivadora de separação e divórcio, eliminação de sócio de associaçao ou sociedade, concorrência desleal, etc.

Como não esteve no espírito do legislador antecedente assegurar um direito subjetivo à honra, excepcionando os artigos mencionados, nem a reparação do dano extrapatrimonial, a doutrina utilizou-se da previsão contida no artigo 159 para fundamentar a reparação do mencionado dano. Este artigo continha norma genérica sobre a reparação do dano, incluído no título "Dos Atos Ilícitos": "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano." Novamente impôs-se o trabalho hermenêutico do sentido da expressão dano. Em face da controvérsia sobre a amplitude ou não da palavra empregada e, até mesmo diante da negativa da jurisprudência brasileira anterior em consentir na indenização do prejuízo simplesmente moral, aceitando somente aqueles que refletissem no patrimônio do lesado,31 autores dos mais expressivos passaram a considerar a possibilidade de indenização dos prejuízos não patrimoniais. Citava Antônio Chaves, a propósito, a tendência dessa evolução, ao informar que a III Conferência Nacional de Desembargadores, realizada na cidade do Rio de Janeiro, em 1965, chegou à conclusão de que "o dano moral é ressarcível".32

Pondo fim à vexata quaestio, coube à atual Constituição Brasileira, de 05.10.1988, profundamente voltada para os direitos individuais e coletivos, assegurar, textualmente, a proteção da honra, tal como fizeram outras constituições estrangeiras.

Preceitua a Magna Carta, no Título II, Capítulo I, artigo 5.o, X:

"São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."

Não se trata somente de uma garantia geral da honra como direito da pessoa, no âmbito público, mas sim em quaisquer relações, seja na pública ou privada. Reforça o legislador constitucional a proteção determinada, ao estatuir a indenização tanto do prejuízo material, quanto não material.

Em outro item (V) do mesmo artigo, está igualmente implícita a tutela da honra, no que se refere à liberdade de manifestação do pensamento: "É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem" (grifo nosso). O assento constitucional vem ratificar ponto de vista por nós expressado, quando foi estudada a Lei de Imprensa (cumulação da compensação e retratação com indenização).

Sustentamos, ao longo deste trabalho, que a honra é um direito inerente a todo indivíduo, mesmo que determinadas pessoas não gozem no seio social de um conceito respeitável, honroso. Já afirmamos que a honra individual encerra certa gradação e se difunde em vários campos ou sentidos. Não poderemos recusá-la à prostituta, ao homossexual, ao mendigo, ao prisioneiro. Preocupado com a abrangência do direito em tela, que não pode sofrer restrição, o legislador constituinte garantiu no inciso XLIX, do mesmo artigo 5.o: "É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral."

Elogiosa a postura do legislador, face à ampla cobertura dos direitos individuais, em que, necessariamente, não é exigida a consumação do ato lesivo, para que seja colocado em funcionamento o mecanismo jurisdicional. A proteção preventiva está igualmente assegurada: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5.o, inciso XXXV).

Como acabamos de ver, encontra a honra eficaz proteção dentro da ordem constitucional brasileira.O código de 2002, resultante do projeto de lei n 634-b, de 1975, que teve a supervisão do eminente professor Miguel Reale, não foi feliz na sistematização dos direitos da personalidade, chegando a ser inferior ao código civil boliviano . Em especial, cuida do direito de disposição do próprio corpo, do direito ao nome, incluindo prenome , sobrenome e pseudônimo, do direito à imagem e da vida privada. Os arts. 11 e 12 contêm os princípios gerais de proteção dos direitos da personalidade; o 11 reafirma que eles são dotados dos caracteres de intransmissibilidade e irrenunciabilidade, exceto os casos previstos em lei (como disposição do próprio corpo, arts. 13 e 14), não podendo seu exercício sofrer limitação voluntária. Não mencionou os demais caracteres, os quais abordamos no capítulo III, 8, especialmente: originalidade, absolutismo, extrapatrimonialidade, indisponibilidade, imprescritibilidade.

É certo que a honra, como outros direitos da personalidade, é indisponível, mas, como já asseveramos (cap. III, n. 8.5), poderá haver omissão ou inéria do titular no exercício de seu direito, haver certas tolerâncias, uma desistência temporária no gozo do direito pelo seu titular e isto consiste em limitação voluntária do seu exercício. Parece-nos que o legislador quis deixar consignado a prevalência da ordem pública na matéria, não permitindo que a vontade individual possa limitar a existência do direito em si, que, pela sua peculiaridade e imanência ao ser humano, deve ser assegurado de forma incondicional. Citamos novamente De Cupis (n. 8.5, cap. III), segundo o qual é possível renunciar à tutela de nossa honra contra os outros, mas não podemos vincular nossa vontade ao fim torpe de nos desonrarmos a nós próprios. 33. A referência da citação é à irrenunciabilidade, mas a mesma razão prevalece para a limitação voluntária; ambas encerram disposição do direito. A intransmissibilidade do direito violado não implica necessariamente na intransmissibilidade do direito secundário ao ressarcimento. O legislador ficou a meio caminho, cuidando, no capítulo II, somente de alguns direitos da personalidade.

As pessoas jurídicas também se inserem na proteção genérica desses direitos (art. 52), e, evidentemente, quanto àqueles direitos que não possuem uma ligação necessária com o ser humano.

A proteção da honra está assegurada a teor do artigo 11 e 12, que contêm a regra geral, bem como pela proteção do direito ao nome, quando em publicações ou representações, expuser-se a pessoa ao desprezo público, sendo indiferente existir ou não intenção de difamar (art. 17).

Encontra-se também protegida através da utilização indevida da imagem, se atingir a honra, a boa fama ou a respeitabilidade da pessoa (art.20). Nesses casos a ofensa à honra concretiza-se através da utilização de outro direito, ou seja, direito ao nome conexo com a honra e direito à imagem conexo com a honra. Ainda nesse artigo encontra-se resguardada a honra contra divulgação de escritos, transmissão da palavra, exceto se elas forem necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública.

Ratificando que os direitos da personalidade estão amparados contra qualquer prejuízo, o código civil acolheu o princípio da reparabilidade do dano extrapatrimonial, já erigido como preceito constitucional e consagrado pela jurisprudência, constante no art. 186, que cuida do ilícito subjetivo : "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

Na etiologia do ilícito não está somente a conduta culposa do agente nas figuras tradicionais da negligência, imperícia, imprudência, mas, também o comportamento abusivo do direito, ou seja, quando o agente põe em exercício seu direito sem interesse apreciável e legítimo, exercitando-o com extrapolação dos limites impostos por seu fim econômico e social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (cf. art. 187) . Consiste no seu exercício antijurídico. Clóvis Beviláqua, citando Bardesco, leciona:

" Abusar do direito é tomar o meio pelo fim, é exercê-lo de modo contrário ao interesse geral e à noção de equidade tal como se apresenta, em dado momento da evolução jurídica. Abusar do direito é servir-se dele egoísticamente, e não socialmente".34

No Código Civil alemão (§ 226) o conceito de abuso assenta-se no fim do agente de causar dano a outrem. No Código Civil suiço (art. 2º.) caracteriza-se pela má-fé no seu exercício; no Código brasileiro de 1916 sustentavam renomados autores que ele se configurava como exercício irregular, exercício anormal, na ausência de motivos legítimos, independentemente da intenção de prejudicar. Nosso atual Código acolhe a teoria do abuso do direito expressamente (art. 187), como dissemos supra; é ato antijurídico; embora legal na sua gênese é ilegal na sua realização. O princípio da boa-fé norteia as relações em nosso atual Código e o exercício do direito deve cumprir uma função social, relegando-se o passado totalmente subjetivista das normas jurídicas; a teoria subjetiva do ilícito é mitigada pelo abuso do direito (art. 187).

No capítulo II, do título IX, relativo à responsabilidade civil, o art. 953 traz norma especialmente destinada à obrigação decorrente de ataque à honra:

" A indenização por injúria, difamação ou calúnia consiste na reparação que delas resulte ao ofendido.

Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar o prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso".

Excluiu-se a previsão do art. 1547, § único do código de 1916, o qual estabelecia o pagamento do dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva, se o ofendido não pudesse provar prejuízo material, critério suplantado pela jurisprudência, notadamente em face da constituição da república.

No estudo do assunto, já fixamos que o dano naturalmente decorre do fato ilícito e que os interesses atingidos podem ser concomitantemente patrimonial e não- patrimonial. A redação do artigo 953 com emprego da condicional se induz à interpretação errônea de que a reparação civil por dano moral somente ocorrerá por exclusão, quando não houvesse prova de prejuízo material, falha repetida no atual código.

Tal como se dá no direito português a tutela preventiva encontra-se assegurada no art. 12, podendo dela valer-se o titular, a fim de cessar a ameaça ou a lesão, independentemente de possível indenização por perdas e danos, e outras sanções legais. Referente a essas podemos destacar: direito de resposta, multa, publicação de sentença condenatória.; enfim, tutela assecuratória a teor do art. 461 do CPC.

No caso de o atingido ser pessoa falecida, a medida preventiva para cessação da ameaça ou lesão pode ser pleiteada pelo cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta até o 4o. grau (art. 12, § único), independentemente de ordem entre eles.

Observamos, quanto à legitimidade ativa, que o legislador não obedeceu um critério sistêmico. Assim, vemos que, no caso de pessoa falecida, a legitimação é conferida, para a tutela preventiva, ao cônjuge sobrevivente, ascendente, descentente e colateral até 4º grau ( art. 12), enquanto no art. 20, § único, há referência aos ascendentes e descendentes. Quando se trata de revogação de doação por ingratidão esta poderá ocorrer por ofensa ao doador, seu cônjuge, ascendente, descendente e irmão do doador (art. 558) e, no caso de homicídio doloso do doador são legitimados seus herdeiros. A exclusão da sucessão pode ocorrer na situação de acusação caluniosa ou crime contra a honra do hereditando ou de seu cônjuge ou de seu companheiro (art. 1814), enquanto na deserdação há hipótese de desamparo pelo descendente ao ascendente necessitado (art. 1962) e desamparo pelo ascendente ao filho ou neto(art. 1963). Omitiu-se aqui o legislador quanto à deserdação do cônjuge, embora fosse esse alçado, no atual código à categoria de herdeiro necessário (art. 1845) ; será deserdado naqueles mesmos casos de exclusão da sucessão (arts. 1961 e 1814). Deveria o legislador ater-se a um conceito de família, com elenco de seus componentes, a fim de adotá-lo naqueles casos.

Relembramos, Como casos específicos de amparo da honra, contidos no atual Código: :

-art. 57 – exclusão do associado;

_ ART. 1.030 E 1.085 - exclusão do sócio da sociedade;

–art. 555 e 557 – revogação da doação por ingratidão do donatário:

II – ofensa física contra o doador;

III – injúria grave ou calúnia;

IV – recusa imotivada à prestação de alimentos ao doador.

As ofensas mencionadas são extensivas ao cônjuge, companheiro ascendente, descendente e irmão do doador – art. 558;

–art. 1.572 e 1.573 – dissolução da sociedade conjugal pelos motivos que impossibilitam a comunhão de vida:

I – adultério;

III – sevícia ou injúria grave;

IV – abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;

VI – conduta desonrosa;

_ art. 1.708, § único - cessação da prestação de alimentos motivada por indignidade;

–art. 1.814 – exclusão da sucessão de herdeiros e legatários (por indignidade):

II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

–art. 1.961 e 1.962 deserdação dos descendentes tendo por fundamento:

I – ofensas físicas;

II – injúria grave;

III – relações ilícitas com a madrasta ou o padrasto;

IV – desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.

Além dessas causas, incluem-se a acusação caluniosa em juízo ou outro crime contra a honra do autor da herança, seu cônjuge ou companheiro.

–art. 1.963 – deserdação dos ascendentes pelos descendentes:

I – ofensa física;

II – injúria grave;

III – relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com com o marido ou companheiro da filha ou da neta;

IV – desamparo do filho ou neto em alienação mental ou grave enfermidade.

Inserem-se ainda a acusação caluniosa em juízo ou outro crime contra a honra do autor da herança, seu cônjuge ou companheiro – art. 1.814.

- Art. 1708, parágrafo único – cessação da prestação alimentícia por indignidade para com o prestador.

Encontramos em tramitação, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei do Senado, n. 43, de 2000, de autoria do Senador Gerson Camata, que dispõe sobre a proteção e defesa da dignidade da pessoa humana, dignidade tanto erigida como fundamento do Estado (ou seja, princípio basilar sobre o qual o Estado constroi-se, devendo esse garantir à pessoa condições humanas de viver), quanto tomada como direito individual.

O uso da expressão "imagem" foi inadequado; na verdade, refere-se à corrente denominação "boa imagem", significando "honra", pois esta consiste na "dignidade pessoal refletida na consideração de terceiros e no sentimento da própria pessoa". Representa o campo moral e social do indivíduo. Eis o texto:

Dispõe sobre a proteção e defesa da dignidade da pessoa humana.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1.o A presente Lei estabelece normas de proteção e defesa da dignidade da pessoa humana, observadas a ordem pública e o interesse social, nos termos do inciso III do art. 1.o e do inciso X do art. 5.o da Constituição Federal.

Art. 2.o Constitui violação da dignidade, e caracteriza dano moral, a exposição de pessoa à condição ridícula, vexatória, de injusta ameaça ou que, de qualquer modo, cause repercussão negativa à sua imagem ou personalidade.

§ 1.o São passíveis de sofrer danos morais, na forma desta Lei, as pessoas físicas e jurídicas.

§ 2.o A ação judicial com fundamento nesta Lei dispensa interpelação.

Art. 3.o Na fixação da pena, o juiz deve considerar as circunstâncias do fato, o grau de ofensa, a situação individual da vítima da ofensa ou a pluralidade de agressores.

§ 1.o A punição se constituirá em indenização financeira que se converterá em prisão, enquanto não for cumprida.

§ 2.o O valor da indenização será, preferencialmente, o atribuído à causa, salvo se comprovado pelo requerido, no prazo da defesa, que a soma causará o estado de insolvência ou desequilíbrio econômico de sua família.

§ 3.o Declinando a parte vencida, em audiência, da interposição de recurso da decisão singular, o valor da indenização, na mesma audiência, será reduzido à metade.

Art. 4.o É admitido reconvenção da ação de que trata esta Lei.

Art. 5.o Aquele que demandar sem causa justa é passível de multa de valor não inferior a 50% (cinquenta por cento) do atribuído à ação.

Art. 6.o O prazo para a apuração da responsabilidade descrita nesta Lei é de dois anos, a contar da data do conhecimento do fato, sendo legitimados para intentar a ação quem demostre interesse ou o Ministério Público.

Art. 7.o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.35 (Sem seguimento, o Projeto-Lei foi arquivado em 05.3.2004).

Rodapé

  1. Cf. CARVALHO SANTOS, J. M. Repertório enciclopédico do direito brasileiro, v. 14, p. 250 et seq. Verbete: dano moral.
  2. NERSON, Roger. Personnes et droits de famille – protectión de la personnalité. Revue Trimestrielle de Droit Civil n. 2, v. 78, p. 380 e 389. Paris: Sirey, avril/juin 1979.
  3. Cf. CORRÊA, José Lamartine. O estado de direito e os direitos da personalidade. RT v. 532, p. 15. São Paulo, fev. 1980.
  4. AMIAUD. Les droits de la personnalité, p. 304.
  5. ORDOQUI CASTILLA, Gustavo. Estatutos de los derechos de la personalidad, p. 10.
  6. Esta lei sofreu sucessivas modificações, inclusive incluindo difamação e injúria racistas. O art. 32, com redação dada pela Lei n. 1486, de 30.12.2004, teve maior amplitude.
  7. Cf. CARVALHO SANTOS, J. M. Repertório..., cit., v. 14, p. 250.
  8. AMIAUD. Op. cit., p. 302.
  9. SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação, 1949, p. 31.
  10. SILVA, Wilson Melo da. O dano moral..., cit., 1949, p. 33.
  11. ENNECCERUS, Ludwig; KIPP, Theodor; WOLFF, Martin. Tratado de derecho civil derecho de obligaciones. Buenos Aires: Bosch, 1948, v. 2, t. 2, p. 620.
  12. COING. Droit a l’honneur et droit d’information en droit allemand, p. 405 e 406.
  13. Cf. LEHMANN, Henrich. Tratado de derecho civil – parte general. Trad. José M. Navas. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1956, v. 1, p. 624-625.
  14. COING, Helmut. Droit à l’honneur et droit d’information en droit allemand. In: Mélanges en l’honneur de Paul Roubier, p. 407. Essa Constituição sofreu Emenda em 20.12.1993.
  15. KAYSER, Pierre. Les droits de la personnalité: aspectos théoriques et pratiques. Revue Trimestrielle de Droit Civil n. 3,v. 70, p. 486, juil/sept.1971.
  16. Cf. SILVA, Wilson Melo da. O dano moral..., cit., 1949, p. 75.
  17. SILVA, Wilson Melo da. O dano moral..., cit., 1949, p. 76.
  18. CASTRO Y BRAVO, Frederico de. Temas de derecho civil, p. 10.
  19. Cf. DE CUPIS, Adriano. Il danno, 1970, v. 2, p. 238-239.
  20. Cf. DE CUPIS, Adriano. I diritti della personalità, 1973, v. 4, t. 1, p. 247-248.
  21. Cf. DE CUPIS, Adriano. I diritti della personalità, 1973, v. 4, t. 1, p. 247. E os direitos da personalidade; 1ª ed. Romana Jurídica. Trad. Afonso Celso Furtado Rezende. Campinas, 2004
  22. Cf. DE CUPIS, Adriano. I diritti della personalità, cit., 1973, v. 4, t.1, p. 250.
  23. HTTP://WWW.INFOLEGES.IT,
  24. CIFUENTES, Santos. Los derechos personalísimos, p. 286. Na esfera civil o delito caracteriza-se como todo ato em que o indivíduo, sabedor da ilicitude e, intencionalmente, prejudica os direitos de outrem. Art. 1.072: "El acto ilícito ejecutado a sabiendas y con intención de dañar la persona o los derechos de otro, se llama en este código delito."
  25. CIFUENTES, Santos. Op. cit., p. 287.
  26. CIFUENTES, Santos. Op. cit., p. 288.
  27. CIFUENTES, Santos. Op. cit., p. 288.
  28. Ibidem, p. 289-290.
  29. Ibidem, p. 291.
  30. Cf. FLORIAN, Eugene. La teoria psicologica della diffamazione. 2. ed. Torino: Fratelli Bocca, 1927, p. 125.
  31. Cf. CHAVES, Antônio. Tratado de direito civil: responsabilidade civil, v. 3, p. 620.
  32. CHAVES, Antônio. Tratado..., cit., v. 3, p. 621-622.
  33. DE CUPIS, Adriano. Trattato di diritto civile e comerciale, 1973, v. 4, t. 1, p. 239.
  34. BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, 1931, V. 1, P. 425 35 www.senado.gov.br
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Sobre a autora
Aparecida I. Amarante

Procuradora do Estado de Minas Gerais. Ex-professora-adjunta de Direito da UFMG. Doutora em Direito Civil. Escritora.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARANTE, Aparecida I.. Responsabilidade civil por dano à honra. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2492, 28 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14764. Acesso em: 23 abr. 2024.

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Esta é a versão eletrônica do livro "Responsabilidade civil por dano à honra", em 7ª edição revisada, publicada com exclusividade no Jus Navigandi.

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