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O princípio da dignidade da pessoa humana e os crimes de sonegação fiscal

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CONCLUSÃO

Demonstrou-se a necessidade de repensar o processo penal em vista da dignidade da pessoa humana, que lhe assegura o seu reconhecimento como um fim em si mesmo, não podendo, por tal motivo, ser objeto de qualquer atividade estatal, mas, ao contrário, a promoção de sua dignidade deve ser a finalidade primeira do Estado.

Inadmite-se a coisificação da pessoa humana, mesmo que os direitos individuais sejam violados, mediante supressões ou restrições, supostamente em favor de interesses da sociedade, uma vez que não há qualquer hierarquia apriorística entre direitos individuais e coletivos. Ademais, a promoção da dignidade da pessoa humana importa na humanização do papel do Estado, em benefício de toda a coletividade.

Tendo em vista que já se observa, no âmbito das relações patrimoniais, o reconhecimento da prevalência do princípio da dignidade da pessoa, com prioridade dos valores existenciais do homem, ainda com mais razão tal princípio deve ser resguardado no campo do direito material e processual penal.

A consagração do indivíduo como titular de direitos perante o jus puniendi do Estado legitima a ação estatal e demonstra a adoção de um modelo humanitário relativo ao exercício da função punitiva do Estado.

Por tal razão, a partir da análise do condicionamento da ação penal nos crimes de sonegação fiscal à prévia conclusão do processo administrativo, demonstrou-se a necessidade de ser realizada uma filtragem constitucional dos institutos de direito penal e processual penal, a partir da ótica da dignidade da pessoa humana.

Não se desconhece a relevância da análise da questão consoante o conhecimento técnico fornecido pela ciência jurídica. Todavia, é inviável excluir do estudo os reflexos da supressão ou não do processo administrativo fiscal sobre a tutela dos direitos fundamentais do homem, decorrentes de sua dignidade.

Analisado o tema sob essa ótica, percebe-se que tão-somente quando assegurado o processo administrativo fiscal, poderá o Estado instaurar a ação penal, a fim de que não sejam violados os direitos fundamentais da pessoa, que lhe asseguram o direito ao contraditório e à ampla defesa, assim como o de não ser privado de sua liberdade ou de seus bens, sem o devido processo legal.

Tal posicionamento é o que efetivamente se coaduna com a lição de que o ordenamento jurídico deve objetivar a realização plena do ser humano, mediante a promoção e respeito à sua dignidade.


REFERÊNCIAS

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NOTAS

  1. NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Notas para um ensaio sobre a dignidade da pessoa humana. Conceito fundamental da Ciência Jurídica. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8668>. Acesso em: 05.10.2008.
  2. MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 142.
  3. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a Exclusão Social. Revista Interesse Público, São Paulo, ano 1, n. 4, p. 21-47, out./dez. 1999.
  4.  SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60.
  5. FACHIN. Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 50.
  6. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 2. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 98.
  7. Art. 1º, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
  8. SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 59/60.
  9. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2 ed. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 79/116.
  10. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 59.
  11. CLÈVE, Clemerson Merlin. O Controle de Constitucionalidade e a Efetividade dos Direitos Fundamentais. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (Coord). Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 388.
  12. Cf. SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 115.
  13. MORAES, Henrique Viana Bandeira. O princípio da dignidade da pessoa humana como norteador de um sistema penal constitucionalizado. Disponível em http:// www.juspodivm.com.br/artigos. Acesso em 20.09.2008.
  14. MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da república Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 60.
  15. Cf. LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal (Fundamentos da instrumentalidade garantista). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 37.
  16. Salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art, 84, XIX, da Constituição de 1988.
  17. MORAES. Alexandre & SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 90.
  18. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 645.
  19. Contudo, não se pode desconsiderar que alguns princípios, tal como o da ampla defesa, têm aplicação também em relação às infrações tributárias não consideradas crimes.
  20. Impende distinguir a situação de simples não-pagamento daquela em que ele decorre do uso de artifícios que induzem a erro o Fisco.
  21. Se não há o fim de fraudar a administração fazendária, está excluída a tipificação penal e a conduta do contribuinte deve ser enquadrada como situações de evasão ou elisão fiscal.
  22. DECOMAIN. Pedro Roberto. Crimes contra a ordem tributária. 2. ed. Florianópolis: Obra Jurídica. 1995.
  23. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.44-45.
  24. São procedimentos administrativos tributários em sentido amplo: o lançamento, aplicação de penalidades pecuniárias, os de cobrança e os de arrecadação.
  25. De que é exemplo o processo administrativo tributário.
  26. Malgrado a divergência doutrinária acerca da natureza jurídica do preâmbulo no texto constitucional, adotou-se a tese de que, apesar de carecer de força normativa constitucional, o preâmbulo goza de extrema importância no estudo da Constituição, pois auxilia na interpretação sistêmica da Magna Carta.
  27. Vale destacar que alguns autores apenas consideram determinada questão jurídica como prejudicial quando dependente de julgamento na via judicial. Por tal razão, não haveria como enquadrar o encerramento do processo administrativo como questão prejudicial.
  28. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 523.
  29. CATENA, Víctor Moreno et al. El Proceso Penal: Doctrina, Jurisprudencia y Formularios. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2000, p. 644
  30. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 165.
  31. Cf. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
  32. CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Princípios constitucionais do processo penal. Revista Ciência Jurídica, Belo Horizonte, v. 73, p. 63-72, jan./fev. 1997, p. 65.
  33. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 81.
  34. SANCHES CUNHA, Rogério & PINTO, Ronaldo Batista. Processo Penal – Doutrina e Prática. Salvador: Jus Podivm, 2008, p. 35.
  35. MACHADO, Hugo de Brito. Ação Penal nos Crimes contra a Ordem Tributária – Prévio esgotamento da via administrativa. Revista Jurídica, São Paulo, n. 234, p. 34-35, abril. 1997, p. 34-35.
  36. Cf. DE FARIAS, Cristiano Chaves & ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – Teoria Geral. 7. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 98.
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Sobre o autor
Sílvio Ricardo Gonçalves de Andrade Brito

Procurador Federal,lotado na procuradoria geral federal e com atuação junto aos Tribunais Superiores

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITO, Sílvio Ricardo Gonçalves Andrade. O princípio da dignidade da pessoa humana e os crimes de sonegação fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2504, 10 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14827. Acesso em: 19 abr. 2024.

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