A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Nacional (COFINS), tipo de exação fiscal instituída pelo artigo 195, da Constituição Federal, pela Lei Complementar n.º 70, de dezembro de 1991, e ora regulamentada pela Lei n.º 9.718, de 27 de novembro de 1998, ao longo do tempo de sua existência, vem sendo contestada judicialmente sob diversos argumentos, mormente no que diz respeito aos aspectos de sua incidência sobre o faturamento da pessoa jurídica de Direito Privado, conceito então equiparado à receita bruta (totalidade das receitas auferidas independente da classificação contábil adotada) e que já por isso gerou enorme polêmica.
Atualmente, o Programa de Integração Social (PIS), constitucionalmente previsto, e a COFINS incidem sobre a receita bruta das empresas com alíquota, somada, de 3,65%.
Adotando-se como ponto de análise a própria Lei n.º 9.718, que em seu artigo 3.º, §2.º, estabelece, para fins de determinação da base de cálculo da COFINS, as hipóteses específicas de exclusão dos elementos que não podem ser considerados como receita bruta, encontram-se: as vendas canceladas, as reversões de provisões operacionais e recuperações de créditos baixados como perda, a receita decorrente da venda de bens do ativo permanente, bem como os valores que, computados como receita, tenham sido transferidos para outra pessoa jurídica, observadas normas regulamentadoras expedidas pelo Poder Executivo. Em tais situações, portanto, excluem-se da receita bruta para fins de incidência da COFINS e do PIS essas entradas, uma vez que não integram a base de cálculo de ambas as contribuições sociais.
É justamente nessa última hipótese acima destacada que reside o ponto central em discussão.
Como se sabe, na moderna praxe comercial, muitas são as terceirizações de serviços e subcontratações, especialmente no ramo da construção civil, ocorrendo, por assim dizer, a transferência para outra pessoa jurídica dos valores então computados como receita. Assim, se uma determinada atividade do contribuinte gera como receita a quantia de R$ 1.500.000,00 (hum milhão e quinhentos mil reais), dos quais R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais) são repassados como valores destinados a subcontratações e/ou subempreitadas, pode-se concluir que o PIS e a COFINS incidirão, segundo a dedução legal acima transcrita, apenas sobre R$ 900.000,00 (novecentos mil reais), o que representa uma economia tributária de 40%.
Observe-se a ressalva estatuída no artigo 3.º, §2.º, inciso III, da Lei n.º 9.718/98, ora em discussão:
Art. 3.º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica.
§2.º Para fins de determinação da base de cálculo das contribuições a que se refere o art. 2.º, excluem-se da receita bruta:
......................
III os valores que, computados como receita, tenha sido transferidos para outra pessoa jurídica, observadas normas regulamentadoras expedidas pelo Poder Executivo.
A melhor exegese da parte final do dispositivo legal acima grifado trilha-se no sentido de não haver razão jurídica ou constitucional, uma vez que, ao atribuir poder de regulamentação ao Executivo, negando aplicação imediata da Lei n.º 9.718/98, estar-se-ia ferindo o princípio da legalidade. Isso porque, em se tratando de dedução na base de cálculo da COFINS, tal regulamentação jamais poderia inovar em relação à lei que, por seu turno, já vem sendo largamente aplicada.
Por oportuno, cumpre ressaltar que, no presente caso, parte-se de uma análise sistemática, até porque, os grandes princípios que emergem da totalidade do sistema jurídico nacional, dentre eles o da legalidade, devem servir como apoio à real interpretação normativa, não se confundindo a norma jurídica com a mensagem legislada, sequer com os textos do direito positivo. Tal interpretação consiste, portanto, em uma impossibilidade lógica: imaginar-se a realização da dedução na base de cálculo dos valores transferidos a terceiros, na conformidade de norma vigente, sem que se propaguem seus efeitos; o que leva a crer que o dispositivo legal sob comento tem inegavelmente aplicação imediata em seara tributária que, como visto, obedece ao princípio da legalidade.
Nada impede que a norma estabelecedora da referida dedução produza efeitos imediatos, pois, dentro do sistema, inexistem condições impeditivas para que se configure tal dedução legal, o que torna, mais uma vez, despicienda a sobredita regulamentação pelo Poder Executivo, em virtude de não haver impossibilidade de livre atuação normativa.
Ademais, para definir o debitum tributário (base de cálculo + alíquota) do PIS e da COFINS, resta suficiente a própria definição legal sem qualquer necessidade de regulamentação, uma vez que os elementos não considerados como receita bruta são facilmente identificados, posto que deduzidos. No caso da hipótese aqui debatida, restam claros os valores tidos como excluídos da base de cálculo: aqueles que, computados como receita, tenham sido transferidos para outra pessoa jurídica!
Nessa esteira de raciocínio, forçoso é concluir que não há necessidade de regulamentação por parte do Executivo para aplicação imediata da dedução legal estatuída no artigo 3.º, §2.º, inciso III, da Lei n.º 9.718/98, entendimento aliás aceito e utilizado para a concessão de diversas liminares de primeira e segunda instância na Justiça Federal de São Paulo.
Ao contribuinte, cuja atividade econômica esteja sujeita à situação fática acima descrita, é cabível discutir em juízo a base de cálculo da exação. Aos que eventualmente tenham recolhido a maior tais valores, é possível requerer em Juízo a restituição do indébito tributário.