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O sistema de registro de preços e o carona

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14/05/2010 às 00:00
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8. O carona como ato de improbidade administrativa

A Lei Federal nº. 8429/92 trata das penalidades civis que podem ser aplicadas aos agentes públicos que, por ação ou omissão, pratiquem atos atentatórios a coisa pública, que lhes foi entregue para gerir, tendo em vista a finalidade de afastar da Administração Pública o agente ímprobo, que se utiliza da Administração para a prática de atos ilícitos em beneficio próprio ou de terceiros.

Para os professores Mariano Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior:

"Improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e Republicano), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo "trafico de influência" nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos." 18

Nesse contexto, a salvaguarda da integridade do interesse público e da integralidade do patrimônio público, depende da efetiva aplicação dos mecanismos de controle colocados a disposição dos órgãos competentes, para agir em defesa da moralidade administrativa.

Poucas linhas atrás, foram relacionados uma série de princípios administrativos que consideramos atingidos com a utilização do carona, e a Lei Federal nº. 8.429/92, em seu artigo 11, na Seção III, caracteriza como ato de improbidade as seguintes violações:

Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV - negar publicidade aos atos oficiais;

V - frustrar a licitude de concurso público;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

Ressalta-se que tanto as condutas mencionadas pelo dispositivo em comento, como os princípios relacionados no caput do artigo, são meramente exemplificativos. Os atos de improbidade não se esgotam somente nestes princípios e ações. Quanto aos princípios atinentes a Administração Pública, a Lei Federal nº. 9.784/99, Lei do Processo Administrativo Federal, mais recente, sistematiza-os melhor, sem, contudo, deixar de lado a exemplificação:

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Desse modo, à vista dos princípios afetados pelo carona, e da previsão legal existente, entendemos que a prática consciente e voluntária do ato de dar ou pegar carona, escapando da licitação obrigatória, pode vir a ser caracterizada como Ato de Improbidade Administrativa, nos termos do artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa.


9. A recente decisão do TCU acerca do carona

Em decisão proferida em 1º de agosto de 2007, o Tribunal de Contas da União, por intermédio do Acórdão 1487/2007 – Plenário, começa a atentar para as ilegalidades da prática do carona. O caso levado à apreciação do Tribunal por meio de uma Representação efetuada por uma unidade técnica do próprio TCU, versava sobre uma licitação para SRP realizada pelo Ministério da Saúde, tendo como objeto a contratação de empresa de prestação de serviços, apoio logístico e realização de eventos, com valor total de 32 (trinta e dois) milhões de reais. Depois de terminada a licitação e registrada a Ata pelo MS, outras 62 entidades e órgãos aderiram à referida Ata, significando que com base em uma licitação foram realizadas contratações que poderiam alcançar um bilhão novecentos e oitenta e quatro milhões de reais, se todas as entidades aderentes efetuassem contratações referentes a cem por cento dos quantitativos registrados.

A Deliberação da E. Corte de Contas não foi no sentido de proibir formalmente a prática do carona, mas de determinar que seja aperfeiçoada a norma do SRP, com vista a limitar a utilização da Ata de Registro de Preços pelos órgãos e entidades não participantes. Conforme podemos verificar na decisão transcrita:

Acórdão: VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Representação da 4ª Secex, apresentada com base no art. 237, inciso VI, do Regimento Interno, acerca de possíveis irregularidades na ata de registro de preços do Pregão nº. 16/2005, da Coordenação-Geral de Recursos Logísticos do Ministério da Saúde, consoante o decidido no Acórdão nº. 1927/2006-1ª Câmara. ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante das razões expostas pelo Relator, em:

9.1. conhecer da presente representação por preencher os requisitos de admissibilidade previstos no art. 237, inciso VI, do Regimento Interno/TCU, e considerá-la parcialmente procedente;

9.2. determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que:

9.2.1. oriente os órgãos e entidades da Administração Federal para que, quando forem detectadas falhas na licitação para registro de preços que possam comprometer a regular execução dos contratos advindos, abstenham-se de autorizar adesões à respectiva ata;

9.2.2. adote providências com vistas à reavaliação das regras atualmente estabelecidas para o registro de preços no Decreto n.º 3.931/2001, de forma a estabelecer limites para a adesão a registros de preços realizados por outros órgãos e entidades, visando preservar os princípios da competição, da igualdade de condições entre os licitantes e da busca da maior vantagem para a Administração Pública, tendo em vista que as regras atuais permitem a indesejável situação de adesão ilimitada a atas em vigor, desvirtuando as finalidades buscadas por essa sistemática, tal como a hipótese mencionada no Relatório e Voto que fundamentam este Acórdão;

9.2.3. dê ciência a este Tribunal, no prazo de 60 (sessenta) dias, das medidas adotadas para cumprimento das determinações de que tratam os itens anteriores;

9.3. determinar à 4ª Secex que monitore o cumprimento deste Acórdão;

9.4. dar ciência deste Acórdão, Relatório e Voto, ao Ministério da Saúde, à Controladoria Geral da União e à Casa Civil da Presidência da República.


10. Considerações finais

O Sistema de Registro de Preços constitui importante instrumento de gestão colocado a disposição do Administrador Público, para atender necessidades incertas ou de difícil mensuração, possibilitando planejamento da gestão de aquisições feitas pelos órgãos públicos. Em que pese, a respeitável decisão do TCU antes mencionada, ela não é suficiente para a adequação do SRP as normas de Direito Público. O carona é uma anomalia e precisa ser extirpado da Administração Pública Brasileira. No Direito Pátrio vigente, não há espaço para o procedimento do carona, seriam necessárias profundas alterações normativas para legitimar a prática da adesão ilimitada a Atas de Registro de Preços, como por exemplo, Emenda Constitucional alterando o artigo 37, inciso XXI da Constituição Federal, que trata do principio da licitação obrigatória.

Como tais alterações ainda não ocorreram, esperamos que o Poder Judiciário, o Ministério Público e as Egrégias Cortes de Contas, restabeleçam a normalidade ameaçada, enquadrando o nefasto procedimento do carona no seu lugar devido, o da ilegalidade, da inconstitucionalidade, e -por que não?-, da improbidade administrativa.

Para finalizar, trazemos novamente as palavras de Joel de Menezes Niebuhr, em lição que parece talhada para o término do presente trabalho:

"O carona é júbilo dos lobistas, do tráfico de influência e da corrupção, especialmente num país como o nosso, com instituições e meios de controle tão frágeis. Os lobistas e os corruptores não precisam mais propor o direcionamento de licitação; basta proporem o carona e tudo está resolvido." 19


REFERÊNCIAS

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REIS, Paulo Sérgio de Monteiro. O Sistema de Registro de Preços e o Pregão. Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC, n. 88, São Paulo, jun. 2001.

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Notas

  1. GASPARI apud SARMENTO, Daniel.(Org.). Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio da Supremacia do Interesse Público.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p.23.

  2. Escobar, j.c. Mariense. O Sistema de Registro de Preços nas Compras Públicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. p.21.

  3. Souto, Marcos Juruena Villela; GARCIA, Flávio Amaral. Sistema de Registro de Preços – O efeito "Carona". Boletim de Licitações e Contratos – BLC nº. 03, São Paulo, NDJ, mar.2007.

  4. Leão, Eliana Goulart. Sistema de Registro de Preços. Campinas: Bookseller, 1997. p.20.

  5. FILHO, Marçal Justen. Comentários a Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11ª ed. São Paulo: Dialética, 2005. p.148.

  6. GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p.495.

  7. NIEBUHR, Joel de Menezes. Pregão Presencial e Eletrônico. Curitiba: Zênite, 2004. p.29.

  8. CITADINI, Antônio Roque. Comentários e Jurisprudência sobre a Lei de Licitações e Públicas. São Paulo: Ed. Max Limonad, 200. p.89.

  9. RIGOLIN, Ivan Barbosa; BOTTINO, Marco Tullio. Manual Prático das Licitações. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p.227.

  10. FERNANDES, J.U.Jacoby. Sistema de Registro de Preços e Pregão Presencial e Eletrônico. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005. p.31.

  11. FERNANDES, J.U.Jacoby. Carona em sistema de registro de preços: uma opção inteligente para redução de custos e controle, Brasília. Disponível em: https://www.jacoby.pro.br/Carona.pdf. Acesso em 19 set.2007.

  12. MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p.841.

  13. NIEBUHR, Joel de Menezes. "Carona" em ata de registro de preços: atentado veemente aos princípios de direito administrativo. Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC, n. 143, p.13-19, jan. 2006.

  14. Ibid., p.17.

  15. O Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ tem a missão de elaborar políticas e harmonizar procedimentos e normas inerentes ao exercício da competência tributária dos Estados e do Distrito Federal, bem como colaborar com o Conselho Monetário Nacional - CMN na fixação da política de Dívida Pública Interna e Externa dos Estados e do Distrito Federal, e na orientação às instituições financeiras públicas estaduais.

  16. Niebuhr, op.cit, 41.

  17. Idem. Princípio da Eficiência: Dimensão Jurídico-Administrativa. Informativo de Licitações e Contratos. Curitiba: Zênite, dez.99. p.957.

  18. FILHO; ROSA; JÚNIOR apud José Maria P. Madeira. et al.Lei de Improbidade Administrativa: Coletânea de Textos CEPAD. Rio de Janeiro: Espaço Jurídico, 2004. p.11.

  19. NIEBUHR, op.cit. p.19.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Luiz Claudio. O sistema de registro de preços e o carona. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2508, 14 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14847. Acesso em: 22 nov. 2024.

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