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A Súmula 370 do STJ altera a contagem do prazo prescricional do Cheque Pré-datado?

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Introdução

O presente artigo visa abordar o efeito extensivo atribuído à Súmula 370 do Superior Tribunal de Justiça, Dje 25 de fevereiro de 2009, por uma parte dos tribunais a quo, no sentido de que essa não apenas caracteriza o dano moral em caso da apresentação do título de crédito Cheque "pré-datado", mas também altera o marco inicial da contagem do prazo prescricional para o exercício do direito de cobrança do crédito, mesmo não estando expresso em seu teor.

Súmula 370 do STJ.

"Caracteriza dano moral a apresentação antecipada do cheque pré-datado".

1. Considerações Gerais

Na busca da resposta para a indagação suscitada no tema, cabe fazer uma breve analise separadamente dos dispositivos da Lei n° 7.357/85 (Lei do Cheque) e da Súmula 370 do STJ, haja vista serem de origem e eficácia distintas, e posteriormente confrontar com a jurisprudência com fito de tentar homogeneizá-los diante do instituto da prescrição.

1.1. Da Lei n° 7.357/85 ("Lei do Cheque")

Ab inito, não se pretende adentrar na questão da admissão ou não do cheque "pré-datado", pois a prática comercial se encarregou de admitir tal possibilidade, embora a Lei n° 7.357/85 disponha em seu artigo 32: "O cheque é pagável a vista. Considera-se não escrita qualquer menção em contrário."

Feita tal consideração, pertine verificar o artigo 33 da norma em voga [01], que declara o momento da apresentação da cártula de crédito junto à instituição financeira, a contar da data da emissão, o prazo de 30 (trinta) dias para os cheques da "mesma praça" ou 60 (sessenta) dias para aqueles emitidos em lugar diverso, também denominados de "praça diversa".

Expirado o período citado, abre-se o lapso temporal de 6 (seis) meses para o portador do cheque ingressar com a medida judicial de cobrança mais favorável ao credor, no caso, a Ação de Execução de Título Extrajudicial – (art. 59 [02] c.c. art. 47, caput [03], ambos da Lei n° 7.357/85), exercendo, assim, a sua pretensão executória.

1.2. Da Súmula 370 do Superior Tribunal de Justiça

Conforme analisado, embora não prevista na Lei nº 7.357/85, a prática econômica admitiu a "pré-datação" do cheque, mediante o denominado "acordo de cavalheiros", que recentemente ganhou a proteção da Súmula 370 do STJ, enfatizando a aplicabilidade de danos morais ao portador do título que promover a apresentação junto ao sacado (instituição financeira) para pagamento antes da data acordada.

A exegese do Tribunal Superior acerca do descumprimento do avençado em comento perfaz em ato ilícito, por violar o princípio da boa-fé objetiva exigível nas relações contratuais, conforme NELSON ROSENVALD, in Código Civil Comentado, de coordenadoria do eminente Ministro CEZAR PELUSO. Ed. Manole. 2008. p. 411.

Nos precedentes ensejadores da Súmula em questão: Resp. 213940/RJ. DJ:29/06/2000, Resp. 557505/MG. DJ:04/05/2004, REsp 707272/PB, DJ:03/03/2005, Resp. 921398/MS. DJ: 09/08/2007, sustentou-se, em síntese, que o mero aborrecimento acometido ao emitente pela apresentação antecipada do cheque "pré-datado" é autosuficiente para ensejar o dano moral, independentemente se houve conseqüências mais graves, como exemplo, o encerramento da conta ou o cadastramento junto aos órgãos de proteção ao crédito, como sem observa: "Ademais, o fato haverá de ficar registrado junto à instituição financeira. Eventual inscrição junto ao SPC ou SERASA, encerramento de conta corrente ou recusa ao fornecimento de talonário seriam apenas circunstancias agravantes, mas não determinantes." (Resp. 213940/RJ)

Do precedente Resp. 557.505/MG, urge extrair o seguinte trecho: "a apresentação extemporânea do cheque pré-datado pressupõe o dever de indenizar, seja pelo fator surpresa, seja porque capaz de ensejar uma série de aborrecimentos".

Com efeito, há que se fazer a seguinte ponderação: embora num primeiro instante, o beneficiário tenha aceitado o pagamento futuro do seu crédito, não está adistrito pela lei à chegada da data convencionada, pois se o cheque havendo fundos, não lhe será negado pagamento anterior à data consignada, uma vez tratar-se de uma ordem de pagamento à vista. No entanto, é plenamente passível de ensejar uma responsabilização civil a título de danos morais, que, notadamente, deverá ser postulada judicialmente, respeitando-se o devido processo legal, juntamente com o contraditório e a ampla defesa.


2. Da divergência jurisprudencial

A discussão ganha mais espaço quando o foco passa a ser a repercussão desse entendimento jurisprudencial sedimentado, frente ao prazo prescricional do cheque "pré-datado". Teria a Súmula 370 do STJ força para modificar o marco inicial da contagem da prescrição?

In casu, denota-se que o artigo 32 da Lei nº 7.357/85 segue destoado do comumente realizado nas relações comerciais, restando ao Poder Judiciário a "tarefa" de promover a adequação do comportamento prático por meio da orientação jurisprudencial diante da inércia da adequação legislativa, redundando, assim, no surgimento de entendimentos divergentes entre alguns tribunais ou mesmo internamente acerca da matéria.

Conforme o artigo 59 da "Lei do Cheque", o prazo prescricional da pretensão executiva inicia-se com a "expiração do prazo para apresentação", a qual esta atrelada à data da emissão da cártula, com fulcro no artigo 33 do mesmo instituto legal.

Dos diversos precedentes do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão analisada, há que se destacar o julgado:

"Cheque. Prescrição. Art. 59 da Lei nº 7.357/85. Dissídio. 1. Já assentou a Corte que a prescrição do art. 59 da Lei nº 7.357/85 pressupõe que o cheque haja sido apresentado no prazo legal, "caso contrário, a prescrição passa a correr da data da primeira apresentação" (REsp nº 45.512/MG, Relator o Senhor Ministro Costa Leite, DJ de 09/5/94). No caso, porém, o especial não tem trânsito porque ausente a necessária similitude fática dos paradigmas, com os termos do julgado recorrido. 2. Recurso especial não conhecido. (REsp nº 435.558/MG. Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. DJ 16/09/2003."

Em decisão recente, o Tribunal Superior, pós edição da Súmula 370, manteve o prazo legal como marco inicial para fim de contagem da prescrição:

"AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TÍTULO DE CRÉDITO. CHEQUE PÓS-DATADO. PRAZO PARA APRESENTAÇÃO COM REFLEXÃO NO PRAZO PRESCRICIONAL. DILAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO EXECUTIVA. PRESCRIÇÃO. INTERPRETAÇÃO. ARTS. 32, 33 E 59 DA LEI N. 7.357/85. RECURSO IMPROVIDO. 1. O cheque é ordem de pagamento à vista a ser emitida contra instituição financeira (sacado), para que, pague ao beneficiário determinado valor, conforme a suficiência de recursos em depósito, não sendo considerada escrita qualquer cláusula em contrário, conforme dispõe o art. 32 da Lei n. 7.357/85 2. Cheque pós-datado. Modalidade consagrada pela prática comercial. Dilação do prazo de apresentação. Impossibilidade. A pós-datação da cártula não altera as suas características cambiariformes. O ajuste celebrado não tem o condão de modificar preceito normativo específico de origem cambial, sob pena de descaracterizar título de crédito. 3. Nos termos dos arts. 33 e 59 da Lei n. 7.357/85, o prazo prescricional para propositura da ação executiva é de 6 (seis) meses, a partir do prazo de apresentação que, por sua vez, é de 30 (trinta) dias, a contar do dia da emissão, quando sacado na praça em que houver de ser pago. 4. A alteração do prazo de apresentação do cheque pós-datado, implicaria na dilação do prazo prescricional do título, situação que deve ser repelida, visto que infringiria o artigo 192 do Código Civil. Assentir com a tese exposta no especial, seria anuir com a possibilidade da modificação casuística do lapso prescricional, em razão de cada pacto realizado pelas partes. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 1159272 / DF. Ministro Vasco Della Giustina. DJ: 13/04/2010). (grifo)

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O julgado supra-apresentado contém de forma ampla os elementos embasadores do entendimento de que a "pós-datação" do cheque não altera o cômputo da prescrição, perfazendo nos seguintes: a) o fato do cheque ser uma ordem de pagamento à vista, não se considerando qualquer declaração em contrário; b) a impossibilidade de alterar a particularidade cambiária; c) a aplicabilidade do prazo legal com observância à data da emissão do título; d) irrelevância da vontade das partes frente o prazo prescricional (art. 192 do C.C).

"Artigo 192. Os prazos prescricionais não podem ser alterados por acordo das partes."

Em sentido similar, cita-se outros julgados: REsp nº 767.055/RS, Rel. Min. Hélio Quáglia Barbosa, DJ 17/05/2007; AgRg no Resp nº 1.135.262/DF. Rel. Min. Massami Uyeda, DJ 15/12/2009.

De outro lado, uma corrente jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem admito a modificação do termo a quo da prescrição do cheque "pós-datado", prevalecendo a data convencionada para o pagamento sobrepor à da norma, fundamentando na Súmula 370 do STJ:

"EXECUÇÃO CONTRA DEVEDOR SOLVENTE - Cheques "pós-datados" Prescrição - Inocorrência - Contagem do prazo a partir da data de apresentação convencionada pelas partes - Interpretação da Súmula 370, do E. STJ - Petição inicial adequada - Rito próprio - Partes legítimas - Presentes as condições da ação - Prescrição afastada - Recurso provido para determinar a citação. (Apelação n° 990.09.350290-9. Rel. Des. Sebastião Junqueira. DJ: 06/04/2010).

No mesmo sentido, outros julgados do mesmo Tribunal: Apelação nº 991050482174;, Rel. Des. Erson T. Oliveira, DJ:16/12/2009; Agr. Instr. 7.351.689-3. DJ: 29/07/09.


Conclusão

A existência de posicionamentos jurisprudenciais divergentes abordando a prevalência do prazo legal ou da convencionado pelas partes como determinante para contagem do prazo prescricional do cheque "pré-datado" deixa a questão ainda mais complexa de ser dirimida.

Destarte, pertine fazer algumas considerações e, em seguida, buscar a conclusão.

A norma consiste na principal fonte do direito.

Outro ponto, a Súmula 370 do STJ trata em seu teor acerca da responsabilidade civil (danos morais) do portador do cheque nas condições expostas, não abarcando a prescrição.

Não obstante, eventualmente se considere o instituto prescritivo na forma implícita na súmula em questão, data venia, seria como tornar o artigo art. 5º, II da Constituição Federal que declara: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;" em letra morta de lei, o qual na matéria prescritiva recebe regulamentação pelo art. 192 do Código Civil, que dispõe sobre a impossibilidade das partes alterarem o prazo legal prescricional.

Ademais, pertine observar que o próprio Tribunal Superior, guardião da norma infra-constitucional, quando submetido a decidir sobre a prescrição estudada, pós edição da Súmula 370, (AgRg no Ag 1159272, REsp nº 767.055/RS, AgRg no Resp nº 1.135.262/DF), manteve a regra do prazo legal, não se evidenciando uma interpretação extensiva. Caso contrário, o próprio poderia envocar a sua Súmula 83: "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida."

Não obstante, urge trazer à baila a Súmula 600 do Supremo Tribunal Federal, que declara: "Cabe ação executiva contra o emitente e seus avalistas, ainda que não apresentado o cheque ao sacado no prazo legal, desde que não prescrita a ação cambiária.

Embora se presuma a boa-fé dos indivíduos nas relações, não se pode olvidar o receio da hipótese do portador da cártula, estando de má-fé, acrescentar uma data futura para pagamento com o propósito de se socorrer da via executiva extrajudicial a mais benéfica, em detrimento do emitente, caso se atribua o efeito extensivo à Súmula 370 do STJ, o que geraria uma insegurança quando eventualmente questionada.

Face ao exposto, não se demonstra adequado a interpretação ampliativa atribuída ao entedimento sedimentado na súmula 370 do STJ com escopo de alterar o termo a quo do prazo prescricional do cheque "pré-datado". Além disso, não se pode ultrapassar a finalidade a qual a matéria Súmulada fora criada, haja vista ela decorrer de uma série de julgados específicos sobre um mesmo tema.


Notas

  1. Art. 33 O cheque deve ser apresentado para pagamento, a contar do dia da emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago; e de 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do País ou no exterior.
  2. Art. 59 Prescrevem em 6 (seis) meses, contados da expiração do prazo de apresentação, a ação que o art. 47 desta Lei assegura ao portador.
  3. Art. 47 Pode o portador promover a execução do cheque:
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Sobre o autor
Francisco Everton Gonçalves da Matta

Advogado. Bacharel (UNIMEP). Pós-graduado em Direito Processual Civil (PUC-Campinas). Membro da Comissão de Meio Ambiente e Jovem Advogado da OAB-Piracicaba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTA, Francisco Everton Gonçalves. A Súmula 370 do STJ altera a contagem do prazo prescricional do Cheque Pré-datado?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2512, 18 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14874. Acesso em: 22 dez. 2024.

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