Ensaiada há anos e aguardada há muito mais tempo, encontra-se tomando forma no nosso Poder Legislativo a aniquilação de um dos mais controvertidos procedimentos previdenciários dos últimos dez anos.
Criado pela Lei 9.876 de 26 de novembro de 1999 – a qual, dentre outras novidades, reestruturou o cálculo dos salários de benefício, alterando a média dos últimos 36 meses para a das 80% maiores contribuições (Art. 3°) – o fator previdenciário, em verdade, objetiva desestimular os requerimentos das aposentadorias, criando uma eficiente, ainda que discutível, relação inversamente proporcional entre as aposentadorias recentes e o cálculo do salário de benefício requerido.
Exposto no art. 29, §7°, da lei acima mencionada, e esmiuçado em uma intricada miscelânea de letras e números, o cálculo do fator previdenciário leva em consideração o tempo de contribuição dos segurados multiplicada por uma alíquota fixa de 0,31 sobre a expectativa de sobrevida do segurado na data de aposentadoria, previsão esta disposta pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nos meses de agosto, considerando-se a média única nacional para ambos os sexos.
O resultado acima ainda resta multiplicado a uma soma da idade do segurado na data da aposentadoria mais o seu tempo de contribuição multiplicado pela alíquota fixa, sobre cem, nos termos do exposto em um imprescindível anexo da referida Lei 9.876/99.
Em verdade, a complicação da fórmula é o menor dos problemas para aqueles que sofrem os seus efeitos devastadores; ainda que tenham sido poupadas as aposentadorias especiais (as quais dependem de exposição a agentes nocivos por 15, 20 ou 25 anos) e utilizadas nas aposentadorias por idade apenas quando passíveis de beneficiar o segurado, o fator previdenciário, após 1999, tornou-se persona obrigatória, ainda que non gratta, nas aposentadorias por tempo de contribuição, reduzindo-as, muitas vezes, a confusos e injustos percentuais do total.
Em resposta a diversas tentativas legislativas de solucionar o problema, uma emenda do Deputado Fernando Coruja, do Estado de Santa Catarina, interposta no âmbito da Câmara, mudou a opinião do Presidente da Casa, Michel Temer, para se manifestar a favor do fim do referido fator, já que este considerou, inicialmente, que tal matéria restaria estranha ao texto da Medida Provisória n° 475, de 23 de dezembro de 2009, a qual, em sua essência, reajusta as aposentadorias de quem recebe mais de um salário mínimo por mês.
A emenda, aprovada por 323 votos favoráveis, 80 contrários e 2 abstenções, também acresceu o índice de reajuste dos aposentados de 6,14% para 7,72%.
Em respeito aos trâmites constitucionais, as alterações na referida Medida Provisória, efetivadas pela Câmara, foram enviadas ao Senado para apreciação e mantidas no último 19 de maio.
Após quatro horas de reunião com a equipe econômica governista, o Presidente da República bateu o seu martelo em decisão final, reajustando em 7,7% as aposentadorias daqueles que ganham acima de um salário mínimo e, sem maiores surpresas, vetando o fim do fator previdenciário.
Em adendo, é útil lembrar que apesar do fator só passar a não mais existir apenas para as aposentadorias e pensões concedidas após a consolidação da referida medida – em respeito à já clássica contemporaneidade da legislação previdenciária – foi comunicado que o deferido reajuste já será processado na folha de benefícios de julho de 2010 dos já aposentados, e pago em agosto deste ano, com efeito retroativo ao último janeiro, segundo informações do Ministro da Previdência Social, Carlos Eduardo Gabas.
Aliado às comemorações e aos brasileiríssimos compromissos pré-assumidos, garantidos em nome do novo montante adicionado, o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que Lula orientou a equipe econômica a fazer os cortes necessários em outras despesas para compensar os gastos com o reajuste. Ele voltou a afirmar que não haverá redução em investimentos, mas em custeio e em emendas parlamentares: "Além dos cortes que já fizemos, de R$ 10 bilhões, cortaremos R$ 1,6 bilhão para não alterar o Orçamento".
Em que pese a pouca simpatia do "aposentável" acerca do caso, nem tudo resta indiscutivelmente maniqueísta, é inegável que a existência do fator em si economiza muitas divisas para a Previdência Social. Nas palavras do Senador Paulo Paim, "mais de R$ 10 bilhões em dez anos".
Contudo, questiona-se de que forma está sendo utilizada a economia alcançada, quando o segurado é desafiado por uma profusão de indeferimentos, suspensões e cancelamento de benefícios provenientes do Instituto Nacional de Seguridade Social, muitas vezes inexplicáveis, sendo necessária a intervenção judicial para o cumprimento do óbvio por parte da Previdência Social.
Sendo assim, antes de comemorar qualquer espécie de milagrosa alteração positiva na sua renda mensal, é imprescindível que o segurado leve em consideração os lacônicos pesos e medidas tributários, expostos na Lei de Responsabilidade Fiscal; e que atente para a inafastável compensação, surgida com o objetivo, ou a desculpa, de reequilibrar as balanças fiscais do país.
Analisando as alternativas com parcimônia e discernindo os seus reflexos de forma realista, alcançaremos uma transição financeira segura e eficiente; uma emenda tão eficiente quanto o soneto.