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Prescrição da ação declaratória de nulidade de lançamento tributário

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29/05/2010 às 00:00

Resumo:


  • A ação declaratória de nulidade de lançamentos tributários é sujeita ao prazo prescricional quinquenal, conforme o art. 1º do Decreto nº 20.910/32, apesar de argumentos contrários dos contribuintes.

  • Existem diferenças entre ações declaratórias e anulatórias de lançamento tributário, com a primeira sendo imprescritível e a segunda sujeita a prazo para seu exercício, em respeito ao princípio da segurança jurídica.

  • O prazo aplicável à ação anulatória de lançamento tributário é quinquenal, iniciando-se a partir da notificação fiscal do lançamento, conforme entendimento do STJ e aplicação do Decreto nº 20.910/32.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Sumário: I. Noções de prescrição. II. Natureza Jurídica da Ação Declaratória de Nulidade de Lançamento Tributário. III. Prazo Aplicável à Ação Anulatória de Lançamento Tributário. IV. Conclusão. V. Bibliografia

O presente artigo pretende discutir a controvérsia quanto ao prazo prescricional qüinqüenal adotado em sede de ação declaratória de nulidade de lançamentos tributários (art. 1º do Decreto nº 20.910/32).

De fato, apesar de existir jurisprudência pacífica no STJ de ser a ação declaratória de nulidade de lançamentos tributários sujeita ao prazo qüinqüenal previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32, os contribuintes persistem em alegar os seguintes argumentos: (i) a demanda é declaratória e, portanto, imprescritível; ou (ii) aplica-se ao caso o art. 168, I, do CTN, sendo que o prazo de cinco anos começa a fluir com a extinção do crédito.

Ora, tendo em vista que o assunto diz respeito a prazo prescricional favorável à Fazenda Pública, e eventual decisão contrária afetaria diretamente todas as entidades públicas que se caracterizam como sujeito ativo de obrigação tributária, passa-se a analisar a questão com mais profundidade.


I Noções de Prescrição

A prescrição, segundo ensinamentos de Maria Helena Diniz, é instituto que "foi criado como medida de ordem pública para proporcionar segurança às relações jurídicas, que seriam comprometidas diante da instabilidade oriunda diante do fato de se possibilitar o exercício de ação por prazo indeterminado" [01].

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho ressaltam que "a prescrição é a perda da pretensão de reparação do direito violado, em virtude da inércia de seu titular, no prazo previsto pela lei" [02]. E, diante da clareza desses autores, transcreve-se parte de suas explicações acerca desse fenômeno, bem como sua distinção com a decadência:

[...] a prescrição não atinge o direito de ação – que sempre existirá –, mas, sim, a pretensão que surge do direito material violado.

E o que se entende por pretensão?

Pretensão é a expressão utilizada para caracterizar o poder de exigir de outrem coercitivamente o cumprimento de um dever jurídico, vale dizer, é o poder de exigir a submissão de um interesse subordinado (do devedor da prestação) a um interesse subordinante (do credor da prestação) amparado pelo ordenamento jurídico

.

[...]

Há direitos que, por sua própria natureza, possuem prazo determinado para o seu exercício.

O transcurso desse prazo, aliado à inércia do seu titular, caracteriza a decadência ou caducidade.

Esta última, portanto, consiste na perda efetiva de um direito potestativo, pela falta de seu exercício, no período de tempo determinado em lei ou pela vontade das próprias partes. Sendo, literalmente, a extinção do direito, é também chamada, em sentido estrito, consoante já se disse, de caducidade, não remanescendo qualquer sombra de direito e, favor do titular, que não terá como exercer mais, de forma alguma, o direito caduco.

Em estudo brilhante, Agnelo Amorim Filho [03] traçou analiticamente a distinção entre decadência e prescrição, assim como a identificação de ações imprescritíveis.

De um lado, o autor faz a classificação dos direitos subjetivos em direitos a uma prestação (objeto é um bem da vida a ser obtido por meio de uma ação ou abstenção do sujeito passivo) e direitos potestativos (insuscetíveis de violação, uma vez que não correspondem a qualquer prestação), os quais se subdividem em: (i) exercitáveis mediante simples declaração de vontade (independente de se recorrer ao Poder Judiciário) [04]; (ii) exercitáveis mediante de declaração de vontade do titular, com exigência judicial no caso de resistência (a via judicial, porém, é subsidiária) [05]; e (iii) exercitáveis mediante ajuizamento obrigatório de ação judicial (não há campo para disponibilidade).

De outro lado, classifica as ações em condenatórias (objeto é uma prestação), constitutivas (objeto é obter judicialmente a criação de um estado jurídico ou a modificação/extinção do estado anterior); e meramente declaratórias (objeto é obtenção de certeza jurídica).

Por fim, o célebre doutrinador faz a relação de correspondência entre a prescrição e decadência com a tutela jurisdicional pretendida da seguinte forma: tendo em vista que a prescrição é a perda da pretensão de reparação do direito violado, somente se aplica às ações condenatórias, pelas quais se objetiva uma prestação; como a decadência é a perda de um direito pelo não exercício deste no prazo, está relacionada com direito potestativo exercitável mediante ajuizamento obrigatório de ação judicial, sendo esta constitutiva [06]. No caso, porém, de ações declaratórias, que visam apenas o reconhecimento de certeza jurídica, sem a intenção de modificar o estado das coisas, está-se diante de situação de imprescritibilidade, por independer de prazo esse pleito.

Assim, seja para o particular, seja para o Poder Público, a prescrição tem como base o princípio da segurança jurídica, que garante ao indivíduo, bem como à Fazenda Pública, não ficar à mercê da outra parte por tempo indeterminado, como se constata do art. 37, § 5º, da CF [07]. Outrossim, como exceção a esse princípio, somente estão as ações declaratórias que visam o reconhecimento de certeza jurídica, sem alterar o estado das coisas, bem como as ações constitutivas ajuizadas subsidiariamente para pleitear direitos potestativos exercitáveis mediante simples declaração de vontade, que não tenham prazo especial em lei.


II Natureza Jurídica da Ação Declaratória de Nulidade de Lançamento Tributário

Com base nas classificações alinhavadas acima, é oportuno consignar que existe profunda diferença entre as demandas, em matéria tributária, que podem ser propostas pelo contribuinte (particular) em face do Fisco (Fazenda Pública).

Com efeito, dentre outras ações, como ação de repetição de indébito e mandado de segurança, o particular pode ajuizar uma ação declaratória da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica tributária, pela qual se pede exclusivamente o reconhecimento de uma certeza jurídica (pedido é a afirmação da existência ou inexistência de uma relação jurídica) [08], ou uma ação anulatória de lançamento tributário, pela qual se pleiteia, por meio da intervenção judicial, a modificação ou extinção de um estado jurídico anterior (pedido é a anulação de ato praticado no procedimento administrativo), sendo, portanto, de natureza constitutiva negativa.

Em outras palavras, a ação anulatória pressupõe um lançamento tributário, ou seja, o contribuinte se insurge contra um crédito tributário definitivamente constituído, enquanto pela ação meramente declaratória negativa da existência de uma relação jurídica tributária não se pretende desconstituir um crédito, mas sim antecipar-se a ele, a partir da obtenção de um título judicial que afirme não existir sequer uma obrigação tributária, por ser indevido o tributo.

Essa diferença foi perfeitamente apreendida pelo STJ, como de depreende do julgado abaixo:

AgRg no AgRg no REsp 1025893/RJ

Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS

SEGUNDA TURMA

Data de julgamento: 17/02/2009

Data de publicação: DJe 24/03/2009

AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL. IPTU. PRETENSÃO DE ANULAÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. –PRESCRIÇÃO QUINQUENAL A PARTIR DA NOTIFICAÇÃO. –ART. 1º DO DECRETO N. 20.910/32.

1. "Considerando que na ação anulatória de débito fiscal ocorre o efeito constitutivo, são diferentes os reflexos provocados pela ação declaratória negativa e pela ação anulatória de débito fiscal. Como já foi assinalado, a ação anulatória demanda um lançamento contra o qual é voltada, enquanto a ação declaratória pode ser proposta, entre outros casos, visando declarar a inexistência de obrigação tributária; declarar a não incidência de determinado tributo; declarar a imunidade tributária; declarar isenção fiscal; declarar ocorrência de prescrição etc. Quando outorga a feição de declaratória negativa ao seu pedido, o autor não está pretendendo desconstituir o crédito tributário, mas, antecipando-se à sua constituição, requer uma sentença que afirme não ser devido determinado tributo.

Como afirma Carreira Alvim, a ''distinção que se há de fazer entre ação anulatória e declaratória é que a anulatória pressupõe um lançamento, que se pretende desconstituir ou anular; a declaratória não o pressupõe. Através desta pretende-se declarar uma relação jurídica como inexistente, pura e simplesmente.'' (in O Processo Tributário, Ed. Revista dos Tribunais, 4ª ed., p. 495/496).

Conseqüentemente, afasta-se a tese do acórdão recorrido acerca da imprescritibilidade da presente demanda, posto que, conforme evidenciado, trata-se de hipótese cuja sentença é constitutiva negativa. Assim, na ausência de norma específica a regular a matéria, o prazo prescricional a ser observado é qüinqüenal, nos moldes do art. 1º do Decreto 20.910/32

." (EDcl no REsp 894.981/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 6.11.2008, DJe 27.11.2008).

2. O termo a quo para se questionar a constitucionalidade e legalidade do IPTU, e das taxas a ele vinculadas, é a notificação fiscal do lançamento, que, no presente caso, deu-se em período anterior a cinco anos, contados do ajuizamento da ação.

Agravo regimental provido.

Oportuno trazer à baila os ensinamentos de Cândido Rangel Dinamarco [09] acerca das tutelas jurisdicionais:

A mais simples dessas situações da vida, que o sujeito lamenta ao demandar em juízo, é a crise de certeza, representada por dúvidas objetivas criadas no meio social no tocante a direitos e obrigações ou à existência, inexistência ou modo-de-ser das relações jurídicas [...]. A tutela jurisdicional adequada para dirimir essa situação da vida das pessoas é a que a ordem processual outorga mediante as sentenças meramente declaratórias. Essas sentenças de mérito não alteram situações jurídicas nem mandam pagar, entregar, fazer ou não fazer – nem preparam alguma futura execução. Simplesmente afirmam ou negam a existência de direito, obrigações etc, caracterizando pois a tutela meramente declaratória. [...]

[...]

Para a solução de situações da vida caracterizadas como crises das situações jurídicas a ordem processual oferece a tutela constitutiva, que consiste na criação, modificação ou extinção de alguma relação jurídica entre os litigantes [...]. Essa categoria de tutela jurisdicional tem cabimento quando o direito material estabelece o direito do litigante a uma modificação jurídica dessa ordem.

Portanto, a qualquer momento o contribuinte pode ajuizar uma ação declaratória de inexistência de relação jurídica tributária, visando declarar por, exemplo, a inexistência de obrigação tributária em razão de inconstitucionalidade do tributo, ou pleiteando a afirmação da existência de uma imunidade ou isenção tributária, para se precaver de eventuais lançamentos indevidos. Esse tipo de demanda, por ser absolutamente declaratória e não pretender desconstituir qualquer ato (como o lançamento), de fato, é imprescritível.

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Porém, caso exista o lançamento tributário do crédito definitivamente constituído, e o contribuinte pretenda não somente a declaração de inexistência de relação jurídica tributária, mas também a desconstituição desse ato, necessitando da manifestação judicial tanto, deve ingressar com uma ação anulatória, de natureza constitutiva negativa, que está sujeita a prazo para seu exercício, em respeito ao princípio da segurança jurídica.


III Prazo Aplicável À

Na concepção de Agnelo Amorim Filho, diante do pleito de anulação de lançamento tributário pretende-se a extinção desse ato administrativo com modificação do estado das coisas, o que envolve direito potestativo (que não corresponde a qualquer prestação) exercitável mediante ajuizamento obrigatório de ação judicial, em razão do reflexo que gera à ordem pública, que tem natureza constitutiva negativa. Assim, estaria essa demanda sujeita a prazo decadencial.

Entretanto, a legislação não é uniforme quanto à nomenclatura utilizada para designar prescrição e decadência, como se observa em diversos dispositivos legais [10], o que não demonstra boa técnica.

Ademais, em matéria tributária, o tratamento dado ao tema é ainda mais peculiar, tendo em vista que o legislador, de fato, diferenciou os prazos do Fisco, como prazo decadencial do direito de lançar e prazo prescricional da ação de cobrança, porém não teve a mesma preocupação com os prazos extintivos do direito do contribuinte, apenas especificando o prazo para restituição do indébito.

Luciano Amaro [11] faz a seguinte observação:

Todavia, certamente influenciado pelas construções teóricas formuladas sobre decadência e prescrição, e, fundamentalmente, condicionado pelo fenômeno do lançamento (anomalia da pretensão tributária, que não se faz presente na dinâmica do exercício de direitos na esfera de outros ramos do direito), o Código Tributário Nacional optou por cindir a problemática dos prazos extintivos do direito do credor da obrigação tributária, fixando dois prazos, sendo o primeiro o lapso de tempo dentro do qual de ser "constituído" o crédito tributário, mediante a consecução do lançamento, e o segundo, o período no qual o sujeito ativo, se não satisfeita a obrigação tributária, deve ajuizar a ação de cobrança.

O Código chamou de decadência o primeiro prazo e designou o segundo como prescrição. [...]

Observe-se que essas várias fases da dinâmica de atuação do direito do Fisco têm sua origem no fato gerador da obrigação e põem-se como estágios conducentes à satisfação do direito do credor fiscal.

Com efeito, o lançamento, segundo o art. 142 do CTN, é a atividade administrativa pela qual se "constitui" o crédito tributário, por meio da verificação da ocorrência do fato gerador, apuração do montante devido e identificação do sujeito passivo, o que demonstra sua natureza constitutiva positiva, com alteração do estado das coisas. Assim, conforme classificação de Agnelo Amorim, o prazo do Fisco para efetuar o lançamento realmente seria decadencial.

Por outro lado, após o lançamento, com o crédito definitivamente constituído, restaria ao Fisco o direito de cobrar esse valor, sendo que essa pretensão "executória" demanda uma "prestação" em pecúnia por parte do devedor. Desta feita, estar-se-ia diante de um prazo realmente prescricional.

Portanto, até lavratura do auto de infração, quando se consuma o lançamento, fala-se em "decadência", porém, após a constituição definitiva do crédito passa a fluir a "prescrição".

De qualquer modo, apesar da diferença existente entre a ocorrência de decadência – extinção do próprio direito material, em virtude do seu não exercício dentro do prazo estabelecido em lei ou convencionado pelas partes, o que indiretamente extingue a ação a ele correspondente – e de prescrição de um crédito – o qual, apesar de ser instituto de direito processual, atinge de forma indireta o direito material, que não mais poderá ser exercido judicialmente (perda da pretensão de reparação do direito violado) –, esses institutos, em virtude do decurso do tempo e da inércia do titular do direito, direta ou indiretamente, acarretam a perda de um direito material.

Partindo, pois, da sistemática utilizada pelo Código Tributário Nacional para a diferenciação dos prazos do Fisco, é possível, por meio da analogia e da máxima ubi eadem ratio ibi idem ius, ou seja, onde há a mesma razão, deve-se empregar o mesmo direito, inferir a dinâmica dos prazos do contribuinte.

Ora, a qualquer tempo o contribuinte pode ajuizar uma ação declaratória quando pretende somente afirmar judicialmente uma certeza jurídica com a "declaração" da inexistência de uma relação jurídica tributária, pois essa demanda é imprescritível.

Porém, quando o contribuinte pretende anular o lançamento, com a desconstituição do crédito tributário, o que obviamente pressupõe este, deve ingressar com uma ação anulatória de lançamento e, apesar dessa tutela ter natureza constitutiva negativa – correspondendo a um prazo decadencial –, pela linha adotada no CTN e tendo em vista que essa ação ocorre "após" o lançamento, o prazo seria prescricional.

Outrossim, após a extinção do crédito tributário, por meio do pagamento pelo devedor, caso se constate uma das hipóteses do art. 165 do CTN, o contribuinte pode ajuizar a ação de repetição de indébito, dentro do prazo prescricional de cinco anos [12]. Nesse caso, não se pretende desconstituir o crédito tributário, mas sim restituir-se da quantia paga incorretamente ao Fisco como tributo (pretensão condenatória).

Fixadas essas diferenciações quanto às demandas do contribuinte, resta indagar qual o prazo da ação anulatória, uma vez que a ação declaratória é imprescritível e a ação de repetição de indébito é específica e tem prazo especial previsto em lei.

Passa-se, pois, a analisar qual o prazo que pode ser aplicado ao caso, na medida em que há omissão legislativa, ficando por conta da jurisprudência, por força de interpretação analógica, fixar tal prazo do contribuinte. Ressalte-se, demais disso, que inexistindo regra específica sobre prescrição, o operador jurídico de se utilizar da analogia e dos Princípios Gerais do Direito, como técnica de integração.

Assim, de início, é imperioso afastar a utilização de analogia dessa ação com a de repetição de indébito. Com efeito, o prazo prescricional da ação de repetição de indébito é de cinco anos, contados da data da extinção do crédito tributário, ou da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória, conforme art. 168, do CTN.

Ora, com a ação anulatória de lançamento se pretende desconstituir o crédito tributário, em que não houve pagamento e, portanto, não foi extinto. Já na ação de repetição de indébito, o contribuinte pagou o suposto tributo e, posteriormente, pretende restituir o valor pago indevidamente. Portanto, são diversas tanto a causa de pedir, quanto o pedido, não podendo, assim, o prazo de uma ser aplicado supletivamente à outra por absoluta incongruência das situações.

A esse respeito, o Ministro Luiz Fux, no bojo de seu voto no REsp 894.981/RJ (Primeira Turma, DJ de 18.06.2008), observou o seguinte:

Cinge-se a presente controvérsia à definição do termo a quo da prescrição em sede de ação anulatória de lançamento fiscal ou ação declaratória de nulidade de lançamento fiscal, cujo objetivo precípuo é a anulação total ou parcial de um crédito tributário definitivamente constituído, sendo este, portanto seu pressuposto.

Consoante cediço, com a finalidade de obstar a perenização das situações de incerteza e instabilidade geradas pela violação ao direito, e fulcrado no Princípio da Segurança Jurídica, o sistema legal estabeleceu um lapso temporal, dentro do qual o titular do direito pode provocar o Poder Judiciário, sob pena de perecimento da ação que visa tutelar o direito.

Dessa maneira, trata-se de hipótese em que o direito de ação contra a Fazenda Pública decorre da notificação do lançamento, posto estar-se diante de lançamento de ofício, e não da extinção do crédito tributário (art. 168, I, do CTN), conforme defendido pela recorrente, porquanto a atual demanda não encerra pleito de repetição do indébito, mas, consoante evidenciado, de anulação total ou parcial de um crédito tributário definitivamente constituído.

Vale dizer ainda que, igualmente, não parece possível a analogia com a lei civil que prevê prazos decadenciais específicos para a anulação de negócios jurídicos [13], diante da diferença gritante entre as situações de direito privado e de direito público, cujo vínculo é de natureza administrativa. Com efeito, o questionamento pelo contribuinte de ato da Administração Pública, no exercício do ius imperii, não pode se subsumir ao regime de Direito Privado [14], que regula relações entre particulares.

Esclarecido esses pontos, prosseguindo na análise, é oportuno relembrar que o Fisco tem cinco anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado ou da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado, para constituir o crédito tributário (art. 173, CTN) [15], e cinco anos, contados da data da constituição definitiva do crédito tributário para ajuizar a ação de cobrança (art. 174, CTN).

Nesse contexto, tem-se que o contribuinte, por sua vez, para ingressar com uma ação anulatória de lançamento, naturalmente precisa ter tido conhecimento deste por meio da notificação fiscal. Ademais, empiricamente, corresponderia a uma espécie de impugnação judicial ao direito de lançar do Fisco, previsto no art. 173, do CTN.

Nesse sentido, com fulcro no princípio da isonomia, corolário do princípio da simetria, conclui-se que o prazo para o contribuinte desconstituir o lançamento seria o mesmo que a Fazenda Pública tem para constituí-lo, porém contado a partir da notificação fiscal do lançamento, que é o "fato gerador" para o pedido de desconstituição deste.

Além disso, faz-se necessário consignar que existe uma previsão genérica de prazo prescricional qüinqüenal no art. 1º do Decreto nº 20.910, de 06 de janeiro de 1932 [16], referente às dívidas passiva da Fazenda Pública, e todo e qualquer direito ou ação contra esta, o qual é contado a partir da data do ato ou fato do qual se originam. Trata-se, pois, de diploma legal que fixa prazo prescricional de cinco anos para o administrado, nos casos em que a Administração assume a posição de devedora.

Assim sendo, na questão em análise, que não possui prazo específico em lei, aplica-se, por meio da técnica de integração, o prazo genérico do Decreto nº 20.910/32, sendo que o prazo qüinqüenal da ação anulatória do contribuinte contra a Fazenda Pública se iniciaria a partir de sua ciência do lançamento que intenciona desconstituir judicialmente (ato que origina a demanda).

Aliás, este vem sendo o entendimento do STJ em diversos julgados, dentre os quais o mais recente é contundente na afirmação de que na ausência de norma específica a regular a matéria, aplica-se o Decreto nº 20.910/32:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. IPTU, TIP E TCLLP. AÇÃO ANULATÓRIA. PRESCRIÇÃO. DECRETO 20.910/32.

1.

Esta Corte já se pronunciou no sentido de que o prazo prescricional adotado na ação declaratória de nulidade de lançamentos tributários é qüinqüenal, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/32, contado a partir da notificação fiscal do ato administrativo do lançamento. Precedentes: REsp 894.981/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ de 18.6.2008; REsp 892.828/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ de 11.6.2007.

2. Na espécie, constatado o decurso de cinco anos entre a notificação do lançamento e o ajuizamento da ação, há de se reconhecer a prescrição em relação aos lançamentos referentes ao exercício de 1999 e anteriores.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg nos EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 975.651 – RJ, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJ de 28.04.2009)

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Sobre a autora
Renata Espíndola Virgílio

Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001), especialização em Direito Processual Civil pela Unicsul (2007) e em Defesa da Concorrência pela Fundação Getúlio Vargas (2010). É Procuradora Federal (Advocacia Geral da União) e mestre em Direito, na linha de processo, pela UnB (2013).<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIRGÍLIO, Renata Espíndola. Prescrição da ação declaratória de nulidade de lançamento tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2523, 29 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14945. Acesso em: 22 dez. 2024.

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