3 – Destinação das Receitas originadas
O quadro 4 abaixo nos aponta que, nos seis municípios da amostra, para cada R$ 1,00 de receita corrente obtida (Própria+Transferências+Royalties), R$ 0,35 gastou-se com Pessoal, R$ 0,46 com os demais custeios da máquina, R$ 0,17 com Investimentos e R$ 0,02 com outras destinações.
Nos seis municípios analisados, em média, caso a administração municipal decidisse por alterar a composição dos gastos, somente poderia fazê-lo sobre 65% dos recursos, posto que 35% já estão comprometidos com pessoal. Se a decisão fosse aumentar, por exemplo, os investimentos, evidente que algum outro gasto deverá ser extinguido ou reduzido.
Quadro 4
CONTAS |
Búzios |
Campos |
R.Ostras |
Quissamã |
Macaé |
C.Frio |
Média |
Custeio com Pessoal (1) |
36,3 |
31,6 |
40,9 |
35,1 |
33,1 |
33,2 |
35,0 |
Outros Custeios (2) |
54,3 |
47,0 |
24,5 |
52,6 |
45,0 |
49,7 |
45,6 |
Investimentos (3) |
6,9 |
16,3 |
35,2 |
11,5 |
17,5 |
14,6 |
17,0 |
Outras destinações (4) |
2,3 |
5,1 |
1,7 |
0,8 |
4,4 |
2,5 |
2,8 |
Total |
100,0 |
100,0 |
102,3(*) |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,4 |
Investimentos/Royalties(5) |
0,14 |
0,23 |
0,50 |
0,17 |
0,36 |
0,29 |
0,28 |
Custeio/investimentos (6) |
13,2 |
4,3 |
1,8 |
7,6 |
4,7 |
5,6 |
6,2 |
Fonte: Relatórios LRF e "Estudos Sócio-Econômicos TCE-RJ
(*) Despesa maior que Receita
No período da análise, a relação entre custeio e investimentos é de, para cada R$ 1,00 gasto em investimentos públicos, gastou-se R$ 6,02 no custeio da máquina, ou, de outra forma, os gastos com custeio foram, 6,2 vezes maiores que os gastos com investimentos. No município de Búzios, por exemplo, a relação entre custeio e investimentos é de R$ 13,20 de custeios para R$ 1,00 de investimentos, já no município de Rio das Ostras a relação é de R$ 1,85 de custeio para cada R$ 1,00 de investimentos. Ainda no município de Rios das Ostras em 2006 arrecadou-se R$ 320,5 milhões com royalties e aplicou-se em investimentos públicos R$ 251,6 milhões, entretanto em R$ 2008, se arrecada R$ 344,7 milhões com royalties e os investimentos foram de pífios R$ 85,8 milhões, ou seja, mais de 75% dos royalties daquele ano foram para o custeio da máquina.
Ainda no quadro 4, nota (5), podemos constatar que 72% dos valores arrecadados com royalties NÃO foram aplicados em Investimentos e sim em sua maioria no custeio. O que isso está a nos dizer? A situação já é crítica e não será a proibição de pagamento de pessoal que irá aumentar ou diminuir a gravidade do problema, pois o "problema" é uma fonte de recursos volátil e finita que desde 1997 foi incorporada, sem direcionamentos e limites e, desse jeito, o que deveria ser uma exceção acabou se transformando em regra.
Voláteis e/ou finitos, os recursos dos royalties são receitas públicas, enquadráveis como receitas orçamentárias, as quais, portanto integram o orçamento do ente público. Por isso podem ser considerados PROPRIEDADE do Estado.
A rigor, qualquer arrecadação, seja ela tributária, serviços, patrimoniais etc, estão sujeitas a uma certa volatilidade, mas com um desvio padrão (variabilidade) muito, muito menor que aquele obtido a partir de uma série histórica das receitas com royalties. O ICMS quando diminui é fruto de um principal fator, que é atividade econômica, mas os royalties não, e pior: a queda ou a subida das receitas de royalties é normalmente abrupta, porém, nos tributos é em degraus (na maioria das vezes, não muito altos). E isso faz toda a diferença para comprometimento, por exemplo, com folha de pessoal qualquer que seja a condição dessa folha se permanente ou temporária. Daí a necessidade de limites. Além do que a condição de folha de pessoal permanente ou temporária é outra falácia, isto porque se analisarmos as contas públicas nos últimos 10 anos constata-se sempre a existência de rubricas contábeis equivalentes a pessoal temporário. Ora, se em 10 anos, há uma média com pessoal temporário, cabe o seguinte questionamento: Que "temporário" é esse, que em média, durante 10 anos, 20 anos, existe? Oscila no valor, mas que produz um valor médio e portanto "fixo". Há um valor "fixo" ou constante o qual, na essência, é tratado como temporário, temos assim outra tese para discutirmos quanto à fonte de pagamentos dos royalties.
A discussão aqui levantada sobre pagamentos de pessoal temporário, não considera efeitos jurídicos e desembolsos futuros com aposentadorias, limites etc, considera apenas o desembolso efetuado e seu impacto no Caixa da prefeitura. No que tange ao Caixa há saídas constantes, tratadas como temporárias, na verdade, as pessoas é que são temporárias, os gastos são fixos e constantes independentemente das vinculações jurídicas de seus contratos de trabalho.
Um fato é cristalino: não há critérios para se destinar a aplicação das participações governamentais oriundas dos royalties pelos Estados e assim deu-se oportunidade para o uso discricionário por parte dos gestores públicos, o que propiciou gastos, em sua maioria, que apenas transferiram renda, mas não geraram (ainda) a tal sustentabilidade.
Os que defendem a impossibilidade de pagamento de pessoal com recursos dos royalties tratam aquelas receitas como receitas vinculadas a projetos, programas e inexiste a possibilidade de discricionariedade da administração pública. Contudo, há aqueles que defendem exatamente o contrário, tratam os royalties como receitas não vinculadas, podendo assim, ser utilizadas pelos critérios que orientam a discricionariedade da Administração Pública. Os royalties são transferências correntes e, por óbvio, destinam-se a aplicações correntes e independem da contraprestação direta em bens e serviços e se transformaram, por força das circunstâncias, oriundas mais de fatos econômicos do que políticos, na principal fonte de recursos de vários municípios e alguns Estados da federação.
Sobre essa questão de vínculo e não-vínculo, sobre discricionariedade ou não, vamos nos ater somente ao artigo 53, inciso I, anexo III da Lei de Responsabilidade Fiscal. Imaginemos um município na seguinte situação:
Quadro 5 |
Ano 1 |
|
A |
Royalties |
600 |
B |
Outras |
420 |
C |
(-)FUNDEB |
-20 |
D |
RCL |
1000 |
E |
(-) DP |
400 |
F=E/D |
LIMITE CR |
40,00% |
G=E/B-C |
LIMITE SR |
100,00% |
Ano 2 |
||
A |
Royalties |
500 |
B |
Outras |
420 |
C |
(-)FUNDEB |
-20 |
D |
RCL |
900 |
E |
(-) DP |
400 |
F=E/D |
LIMITE CR |
44,44% |
G=E/B-C |
LIMITE SR |
100,00% |
Ano 3 |
||
A |
Royalties |
400 |
B |
Outras |
420 |
C |
(-)FUNDEB |
-20 |
D |
RCL |
800 |
E |
(-) DP |
400 |
F=E/D |
LIMITE CR |
50,00% |
G=E/B-C |
LIMITE SR |
100,00% |
CR – LIMITE COM ROYALTY E SR – LIMITE SEM ROYALTY
Pelas regras atuais, no ano 1, 60% (600/1000) da base NÃO PODE ser utilizado para pagamento de pessoal. Para a sociedade, tem-se que somente 40% das receitas estão comprometidas com pessoal (400 de 1000, letra E). O que a sociedade não sabe é que dos 1.020 arrecadados, somente 400 (1020-600-20) podem ser utilizados para pagamento de pessoal. Se 600 (royalties) estivessem fora da base para o cálculo da RCL, então o limite de pessoal iria para 100% (400/(420-20)
Vamos supor que no ano 2 as receitas com royalties diminuam de 600 para 500, são voláteis, era de se esperar. As demais Receitas e as Despesas com Pessoal não se alteram. Os limites oficiais apontam agora que o comprometimento das receitas é de 44,4%, (400/900), mas o limite da receita utilizável, se fora da base, continuaria em 100% (400/(420-20).
No ano 3, os royalties diminuem mais ainda. As demais receitas e as despesas com pessoal não se alteram. O limite oficial sobe para 50% e o "limite" não oficial continua nos mesmos 100%.
Se a "emenda Ibsen" não for vetada, todos os Estados e municípios que dependem dos royalties não cumprirão a Lei de Responsabilidade Fiscal, abrindo assim um precedente enorme na legislação brasileira.
No quadro 5, observa-se que no ano 1, os royalties representavam 60% das receitas do município, 50% no ano 2 e 40% no ano 3. Se os royalties não estivessem na base, para cálculo da RCL, como seria de se esperar, já que tais recursos não podem ser direcionados para Despesas com Pessoal), o limite da LRF já estaria ultrapassado desde o ano 1 e assim permaneceria até o ano 3.
Estamos diante de um evidente paradoxo , pois a receita com royalties é "livre" para compor a base da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas não o é para se proceder a pagamentos como, por exemplo, pessoal.
IV – Considerações Finais
Ao analisar a estrutura de financiamento dos municípios brasileiros é fácil constatar a dependência destes pelas transferências intra e inter-governamentais, além das compensações financeiras, no caso de municípios e estados enquadráveis na Lei do Petróleo. Tais condições imediatamente nos induzem a pensar que os prefeitos daqueles municípios, fartos em transferências e royalties, não se interessam por aprimorar os mecanismos para arrecadar mais e melhor com "suas" receitas tributárias. Eles, os prefeitos, devem se questionar: Para quê cobrar mais de minha população, com todo o risco político envolvido, se "tenho" recursos fartos à mão, sem algum esforço maior? Mais IPTU, mais ISSQN para quê? Para gerar desafetos políticos?
Este é apenas um dos problemas causados pela entrada de recursos sem que haja muito esforço, digamos, produtivo, por parte da administração municipal e cada prefeito que assume, o faz com a certeza de que não há base tributária suficiente para garantir a sobrevivência do município.
Além do Caixa direto obtido, há ainda as industrias e as para-industrias ligadas ao petróleo que trazem outros setores da economia à região e acabam por elevar o PIB de cada município envolvido. No caso dos royalties a situação é mais complexa ainda, por isso há que se desenvolver mecanismos que permitam "carimbar" a entrada e a saída dos recursos. Um fato é cristalino: A situação como está não tem mais volta, todos os "danos" que poderiam ocorrer já ocorreram e os royalties não são mais (nunca o foram) complemento de arrecadações municipais, são a forma mais significativa de recursos e é esta realidade que precisa ser encarada. Limites de gastos, reserva de valor, poupança para o futuro, aplicar somente em programas enfim, plantar agora para que as futuras gerações desses municípios possam usufruir dos recursos que em 1997 eram de apenas R$ 80,6 milhões e hoje montam em mais de R$ 8,0 bilhões.
Não há dúvida, a sustentabilidade é a única solução para a "carta de alforria" que livrará, num futuro não muito distante, os municípios dessa dependência que poderá se tornar nefasta se não for dado tratamento adequado à situação atual.