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Despesas com pessoal e os royalties do petróleo.

A legislação e o efeito no caixa dos municípios do Estado do Rio de Janeiro

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14/06/2010 às 00:00
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3 – Destinação das Receitas originadas

O quadro 4 abaixo nos aponta que, nos seis municípios da amostra, para cada R$ 1,00 de receita corrente obtida (Própria+Transferências+Royalties), R$ 0,35 gastou-se com Pessoal, R$ 0,46 com os demais custeios da máquina, R$ 0,17 com Investimentos e R$ 0,02 com outras destinações.

Nos seis municípios analisados, em média, caso a administração municipal decidisse por alterar a composição dos gastos, somente poderia fazê-lo sobre 65% dos recursos, posto que 35% já estão comprometidos com pessoal. Se a decisão fosse aumentar, por exemplo, os investimentos, evidente que algum outro gasto deverá ser extinguido ou reduzido.

Quadro 4

CONTAS

Búzios

Campos

R.Ostras

Quissamã

Macaé

C.Frio

Média

Custeio com Pessoal (1)

36,3

31,6

40,9

35,1

33,1

33,2

35,0

Outros Custeios (2)

54,3

47,0

24,5

52,6

45,0

49,7

45,6

Investimentos (3)

6,9

16,3

35,2

11,5

17,5

14,6

17,0

Outras destinações (4)

2,3

5,1

1,7

0,8

4,4

2,5

2,8

Total

100,0

100,0

102,3(*)

100,0

100,0

100,0

100,4

Investimentos/Royalties(5)

0,14

0,23

0,50

0,17

0,36

0,29

0,28

Custeio/investimentos (6)

13,2

4,3

1,8

7,6

4,7

5,6

6,2

Fonte: Relatórios LRF e "Estudos Sócio-Econômicos TCE-RJ

(*) Despesa maior que Receita

No período da análise, a relação entre custeio e investimentos é de, para cada R$ 1,00 gasto em investimentos públicos, gastou-se R$ 6,02 no custeio da máquina, ou, de outra forma, os gastos com custeio foram, 6,2 vezes maiores que os gastos com investimentos. No município de Búzios, por exemplo, a relação entre custeio e investimentos é de R$ 13,20 de custeios para R$ 1,00 de investimentos, já no município de Rio das Ostras a relação é de R$ 1,85 de custeio para cada R$ 1,00 de investimentos. Ainda no município de Rios das Ostras em 2006 arrecadou-se R$ 320,5 milhões com royalties e aplicou-se em investimentos públicos R$ 251,6 milhões, entretanto em R$ 2008, se arrecada R$ 344,7 milhões com royalties e os investimentos foram de pífios R$ 85,8 milhões, ou seja, mais de 75% dos royalties daquele ano foram para o custeio da máquina.

Ainda no quadro 4, nota (5), podemos constatar que 72% dos valores arrecadados com royalties NÃO foram aplicados em Investimentos e sim em sua maioria no custeio. O que isso está a nos dizer? A situação já é crítica e não será a proibição de pagamento de pessoal que irá aumentar ou diminuir a gravidade do problema, pois o "problema" é uma fonte de recursos volátil e finita que desde 1997 foi incorporada, sem direcionamentos e limites e, desse jeito, o que deveria ser uma exceção acabou se transformando em regra.

Voláteis e/ou finitos, os recursos dos royalties são receitas públicas, enquadráveis como receitas orçamentárias, as quais, portanto integram o orçamento do ente público. Por isso podem ser considerados PROPRIEDADE do Estado.

A rigor, qualquer arrecadação, seja ela tributária, serviços, patrimoniais etc, estão sujeitas a uma certa volatilidade, mas com um desvio padrão (variabilidade) muito, muito menor que aquele obtido a partir de uma série histórica das receitas com royalties. O ICMS quando diminui é fruto de um principal fator, que é atividade econômica, mas os royalties não, e pior: a queda ou a subida das receitas de royalties é normalmente abrupta, porém, nos tributos é em degraus (na maioria das vezes, não muito altos). E isso faz toda a diferença para comprometimento, por exemplo, com folha de pessoal qualquer que seja a condição dessa folha se permanente ou temporária. Daí a necessidade de limites. Além do que a condição de folha de pessoal permanente ou temporária é outra falácia, isto porque se analisarmos as contas públicas nos últimos 10 anos constata-se sempre a existência de rubricas contábeis equivalentes a pessoal temporário. Ora, se em 10 anos, há uma média com pessoal temporário, cabe o seguinte questionamento: Que "temporário" é esse, que em média, durante 10 anos, 20 anos, existe? Oscila no valor, mas que produz um valor médio e portanto "fixo". Há um valor "fixo" ou constante o qual, na essência, é tratado como temporário, temos assim outra tese para discutirmos quanto à fonte de pagamentos dos royalties.

A discussão aqui levantada sobre pagamentos de pessoal temporário, não considera efeitos jurídicos e desembolsos futuros com aposentadorias, limites etc, considera apenas o desembolso efetuado e seu impacto no Caixa da prefeitura. No que tange ao Caixa há saídas constantes, tratadas como temporárias, na verdade, as pessoas é que são temporárias, os gastos são fixos e constantes independentemente das vinculações jurídicas de seus contratos de trabalho.

Um fato é cristalino: não há critérios para se destinar a aplicação das participações governamentais oriundas dos royalties pelos Estados e assim deu-se oportunidade para o uso discricionário por parte dos gestores públicos, o que propiciou gastos, em sua maioria, que apenas transferiram renda, mas não geraram (ainda) a tal sustentabilidade.

Os que defendem a impossibilidade de pagamento de pessoal com recursos dos royalties tratam aquelas receitas como receitas vinculadas a projetos, programas e inexiste a possibilidade de discricionariedade da administração pública. Contudo, há aqueles que defendem exatamente o contrário, tratam os royalties como receitas não vinculadas, podendo assim, ser utilizadas pelos critérios que orientam a discricionariedade da Administração Pública. Os royalties são transferências correntes e, por óbvio, destinam-se a aplicações correntes e independem da contraprestação direta em bens e serviços e se transformaram, por força das circunstâncias, oriundas mais de fatos econômicos do que políticos, na principal fonte de recursos de vários municípios e alguns Estados da federação.

Sobre essa questão de vínculo e não-vínculo, sobre discricionariedade ou não, vamos nos ater somente ao artigo 53, inciso I, anexo III da Lei de Responsabilidade Fiscal. Imaginemos um município na seguinte situação:

Quadro 5

Ano 1

A

Royalties

600

B

Outras

420

C

(-)FUNDEB

-20

D

RCL

1000

E

(-) DP

400

F=E/D

LIMITE CR

40,00%

G=E/B-C

LIMITE SR

100,00%

Ano 2

A

Royalties

500

B

Outras

420

C

(-)FUNDEB

-20

D

RCL

900

E

(-) DP

400

F=E/D

LIMITE CR

44,44%

G=E/B-C

LIMITE SR

100,00%

Ano 3

A

Royalties

400

B

Outras

420

C

(-)FUNDEB

-20

D

RCL

800

E

(-) DP

400

F=E/D

LIMITE CR

50,00%

G=E/B-C

LIMITE SR

100,00%

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CR – LIMITE COM ROYALTY E SR – LIMITE SEM ROYALTY

Pelas regras atuais, no ano 1, 60% (600/1000) da base NÃO PODE ser utilizado para pagamento de pessoal. Para a sociedade, tem-se que somente 40% das receitas estão comprometidas com pessoal (400 de 1000, letra E). O que a sociedade não sabe é que dos 1.020 arrecadados, somente 400 (1020-600-20) podem ser utilizados para pagamento de pessoal. Se 600 (royalties) estivessem fora da base para o cálculo da RCL, então o limite de pessoal iria para 100% (400/(420-20)

Vamos supor que no ano 2 as receitas com royalties diminuam de 600 para 500, são voláteis, era de se esperar. As demais Receitas e as Despesas com Pessoal não se alteram. Os limites oficiais apontam agora que o comprometimento das receitas é de 44,4%, (400/900), mas o limite da receita utilizável, se fora da base, continuaria em 100% (400/(420-20).

No ano 3, os royalties diminuem mais ainda. As demais receitas e as despesas com pessoal não se alteram. O limite oficial sobe para 50% e o "limite" não oficial continua nos mesmos 100%.

Se a "emenda Ibsen" não for vetada, todos os Estados e municípios que dependem dos royalties não cumprirão a Lei de Responsabilidade Fiscal, abrindo assim um precedente enorme na legislação brasileira.

No quadro 5, observa-se que no ano 1, os royalties representavam 60% das receitas do município, 50% no ano 2 e 40% no ano 3. Se os royalties não estivessem na base, para cálculo da RCL, como seria de se esperar, já que tais recursos não podem ser direcionados para Despesas com Pessoal), o limite da LRF já estaria ultrapassado desde o ano 1 e assim permaneceria até o ano 3.

Estamos diante de um evidente paradoxo , pois a receita com royalties é "livre" para compor a base da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas não o é para se proceder a pagamentos como, por exemplo, pessoal.


IV – Considerações Finais

Ao analisar a estrutura de financiamento dos municípios brasileiros é fácil constatar a dependência destes pelas transferências intra e inter-governamentais, além das compensações financeiras, no caso de municípios e estados enquadráveis na Lei do Petróleo. Tais condições imediatamente nos induzem a pensar que os prefeitos daqueles municípios, fartos em transferências e royalties, não se interessam por aprimorar os mecanismos para arrecadar mais e melhor com "suas" receitas tributárias. Eles, os prefeitos, devem se questionar: Para quê cobrar mais de minha população, com todo o risco político envolvido, se "tenho" recursos fartos à mão, sem algum esforço maior? Mais IPTU, mais ISSQN para quê? Para gerar desafetos políticos?

Este é apenas um dos problemas causados pela entrada de recursos sem que haja muito esforço, digamos, produtivo, por parte da administração municipal e cada prefeito que assume, o faz com a certeza de que não há base tributária suficiente para garantir a sobrevivência do município.

Além do Caixa direto obtido, há ainda as industrias e as para-industrias ligadas ao petróleo que trazem outros setores da economia à região e acabam por elevar o PIB de cada município envolvido. No caso dos royalties a situação é mais complexa ainda, por isso há que se desenvolver mecanismos que permitam "carimbar" a entrada e a saída dos recursos. Um fato é cristalino: A situação como está não tem mais volta, todos os "danos" que poderiam ocorrer já ocorreram e os royalties não são mais (nunca o foram) complemento de arrecadações municipais, são a forma mais significativa de recursos e é esta realidade que precisa ser encarada. Limites de gastos, reserva de valor, poupança para o futuro, aplicar somente em programas enfim, plantar agora para que as futuras gerações desses municípios possam usufruir dos recursos que em 1997 eram de apenas R$ 80,6 milhões e hoje montam em mais de R$ 8,0 bilhões.

Não há dúvida, a sustentabilidade é a única solução para a "carta de alforria" que livrará, num futuro não muito distante, os municípios dessa dependência que poderá se tornar nefasta se não for dado tratamento adequado à situação atual.

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Sobre o autor
Raimundo Aben Athar

Contador pela Universidade Gama Filho- UGF-RJ, MBA em finanças pelo COPPEAD da Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ, pós graduado em administração financeira - Fundação Getúlio Vargas- FGV-RJ, pos graudado em didática do ensino pela Universidade Gama Filho UGF-RJ, assessor financeiro do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ATHAR, Raimundo Aben. Despesas com pessoal e os royalties do petróleo.: A legislação e o efeito no caixa dos municípios do Estado do Rio de Janeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2539, 14 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15019. Acesso em: 19 abr. 2024.

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