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Direito e marxismo

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12/06/2010 às 00:00
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Contribuição para uma nova visão marxista do direito

Anteriormente, apresentei os elementos que entendo importantes e que devem ser levados em consideração para uma real apreensão do direito, quais sejam: a) a infra-estrutura ou base econômica, na qual incluo o grau de desenvolvimento das forças produtivas internacionais e nacionais; b) as instituições políticas – que compreendem Executivo, Legislativo, Judiciário, funções essenciais à Justiça, etc.; c) as instituições sociais – que abrangem as entidades sindicais, estudantis, comunitárias, enfim, os movimentos sociais em geral; e, d) o grau de desenvolvimento da luta de classes, tanto internacional como nacional.

Para garantir a sobrevivência do ser humano e a execução de seus objetivos essenciais, é necessária a instauração de uma ordem que direcione e organize as relações sociais. Como ficou comprovado toda sociedade precisa de normas – por mais rudimentares que sejam -, não importa o grau de desenvolvimento ou o conteúdo destas relações. Para determinada sociedade – não importa se capitalista, socialista ou comunista - continuar existindo e alcançar seus objetivos, é necessário que os meios de adaptação social, notadamente o direito, garantam a continuidade dessa sociedade.

O direito é o instrumento que cumpre a função de dar estruturas a estas relações sociais, dando-lhes forma e condições de consolidar os objetivos de determinada sociedade. Ele funciona como estruturador e mediador das relações sociais, econômicas e políticas; portanto, relações de poder. O direito serve como amálgama e orientador da sociedade em desenvolvimento.

O espaço em que se dá a produção do direito é complexo e possui várias esferas, pois abrange o próprio produzir-se de determinada sociedade. O direito posto como está hoje, sob a hegemonia da burguesia, exerce um papel de freio do desenvolvimento social. Os entraves positivistas não permitem seu desenvolvimento pleno, não deixam que ele exerça seu potencial estruturador e mediador de determinada sociedade. Ou, como expõe o professor Herkenhoff:

"O positivismo reduz o direito a um papel mantenedor da ordem. Sacraliza a lei. Coloca o jurista a serviço da defesa da lei e dos valores e interesses que ela guarda e legitima, numa fortaleza inexpugnável".(Herkenhoff, 2001: 16).

O positivismo jurídico – não importa sua variável – que fundamenta e estrutura o nosso pensamento jurídico é limitado para a apreensão da complexidade social. De maneira simples, podemos dizer que o positivismo, tem por pressuposto que só é direito aquilo que emana do Estado; portanto, só leva em conta as leis escritas de determinado Estado. Em nome de uma pseudo neutralidade, deixa a complexidade da realidade social fora de seu horizonte.

Tendo em vista seu papel essencialmente político, o direito para fazer uma mediação que consiga apreender toda a complexidade social, precisa estar permeável a todos os elementos que compõem essa sociedade. O direito, como está estruturado, não leva em consideração a complexidade das relações sociais, ou seja, da experiência humana. A ciência e a filosofia marxista podem fazer com que o direito rompa com seus entraves positivistas. Defendendo a necessidade de um novo instrumental teórico para o direito. Esse instrumental teórico é o marxismo. Vários juristas já defendem uma nova concepção teórica para o direito, defendem um encontro do direito com a realidade social. Plauto Faraco de Azevedo defende claramente o encontro do direito com a realidade na qual está inserido:

"Não se pode considerar a norma jurídica isoladamente, sendo necessário buscar sua conexão com seu e fim, com seu conteúdo ético-jurídico e com sua repercussão social, com as condições históricas em que surge com seu desenvolvimento em nossa época. Donde ser indispensável ligar vários aspectos: O histórico, o sociológico e o sistemático, ou, como dizia o jovem Savigny, o filosófico. Só assim, com está visão ampla, pode a Ciência jurídica desempenhar de modo satisfatório a tarefa social que lhe incumbe." ( Azevedo, 1999: 58 e 59).

Esse papel - de aproximação do direito com a realidade – é tarefa do marxismo, só ele pode realizar uma revolução no direito, fazendo com que ele vá ao encontro da realidade social. Com o marxismo o direito pode livrar-se do positivismo, levando em conta a totalidade da experiência humana. Tornando-se um instrumento capaz de compreender e apreender os diversos componentes da sociedade, os fatores culturais dos diferentes grupos sociais, os interesses das diferentes classes.

A ideia de tornar o direito permeável à complexidade do produzir e do reproduzir-se da sociedade não é uma novidade, existe uma série de "movimentos" nesse sentido. A Nova Escola de Direito, o chamado "Direito achado na rua" ou Direito Alternativo, e os "Abolicionistas" são exemplos importantes dessas tentativas. Há, com relação a esses movimentos, um grande desconhecimento por parte dos marxistas. Nós temos um vezo antigo, qual seja, adoramos colocar um rótulo em pensamentos que não dominamos. Se determinado pensamento parece não estar dentro de nossa "cartilha", colocamos um rótulo e, do alto de nossa sabedoria, decretamos sua invalidade.

A teoria marxista pode fazer com que o direito dê um salto qualitativo frente à complexidade das relações sociais, tendo um papel importante na luta por uma sociedade realmente humana. Só o manancial teórico marxista está apto a captar toda a complexidade da realidade social, convertendo-a em uma verdadeira fonte de enriquecimento do direto. O marxismo pode utilizar todo o potencial que o direito – enquanto estruturador, mediador e orientador das relações políticas e sociais – pode oferecer em um processo longo de transição para uma sociedade socialista.

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O objetivo de Lênin – que entendia o marxismo com uma teoria revolucionária e não como um dogma - e de todos os grandes marxistas ao longo da história foi construir e aperfeiçoar a teoria marxista dentro de suas realidades. Não podiam - nem queriam - prever o futuro. Tampouco criaram uma religião com dogmas inquestionáveis.

Não pretendo determinar todos os elementos para uma nova visão marxista acerca do direito. Seria uma contradição. Pretendo iniciar esse debate e apresentar duas convicções, quais sejam: a de que o marxismo tem importante papel para a transformação do direito e a de que o direito tem um grande papel na luta de classes e na transição para uma sociedade socialista

Entendo que nós marxistas temos um grande caminho a percorrer e muito que construir no campo do direito, mas para tanto, parafraseando Stucka, precisamos parar de mudar de nome as ruas do marxismo, bem como parar de pintar suas velhas paredes de vermelho, precisamos é atualizá-lo.


Referencias Bibliográfica

- A via de desenvolvimento de orientação socialista. Anita Garibaldi. Janeiro. 2010.

Azevedo, Plauto Faraco de.

- Direito, Justiça social e Neoliberalismo. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 1999.

- Aplicação do direito e contexto social. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2000.

Baptista Herkenhoff, João.

- Para onde vai o Direito?. Livraria do Advogado. 2001.

Coelho Ulhoa, Fábio.

- Direito e poder. Saraiva. São Paulo. 2005.

Engels, Friedrich.

- A "Contribuição à Crítica da Economia Política" de Karl Marx. Obras Escolhidas volume 1. Vitória.

- A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Vitória Limitada. Rio de Janeiro.

Gramsci, Antonio.

- Cadernos do Cárcere. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2002.

Kosik, Karel.

- Dialética do Concreto. Paz e Terra. São Paulo. 1995.

Levi R., Madeleine e Tigar e. Michael.

- O Direito e a ascensão do capitalismo. Zahar. Rio de Janeiro. 1978.

Lyra Filho, Roberto.

- O que é Direito. Brasiliense. São Paulo. 1995.

Lumia , Giuseppe.

- Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Martins Fontes. São Paulo. 2003.

Martins Antunes, Marcus Vinicius.

- Engels e o Direito. Fios de Ariadne ensaios de interpretação marxista. UPF.

Mello, Marcus Bernardes de.

- Teoria do Fato Jurídico. Saraiva. São Paulo. 2007.

Pachukanis, Bronislavoviv Evgenij.

- A Teoria Geral do Direito e o Marxismo. Acadêmica. São Paulo. 1988.

Stucka Iva, Petr Ivanovich.

- Direito e Luta de Classes. Acadêmica. São Paulo. 1988.


Notas

  1. O positivismo jurídico advoga a possibilidade de se entender o direito e aplicá-lo independentemente de valorações éticas, políticas e sociais, não importando sua relação com a produção e reprodução da sociedade. Para essa concepção só importa a lei – como suporte de validade da própria lei– e o Estado – como o único criador do direito – como fator de legitimidade.
  2. Importante ressaltar que Pachukanis faz uma autocrítica acerca da teoria defendida por ele em sua principal obra. Nessa autocrítica ele assume a concepção de que o direito é fruto das relações sociais. Ele fala no direito como uma forma de regulação e consolidação das relações de produção e também de outras relações sociais. Não está muito clara essa mudança de entendimento por parte de Pachukanis, alguns escritores levantam a possibilidade de ele ter sido forçado a mudar de opinião face aos interesses do Estado Soviético – notadamente no período stalinista -. Outros dizem que essa autocrítica foi fruto de uma reflexão teórica, que o levou a reconhecer seu equivoco.
  3. Petr Ivanovitch Stucka (1865/1932), filho de camponeses, nasceu na Letônia, nas proximidades de Riga. Participante ativo das lutas revolucionárias, foi um dos articuladores da fusão do Partido Operário Social-democrático Letão com o Partido de mesma denominação russo, onde militou entre os bolcheviques e chegou a membro do comitê de Petrogrado. Comissário do Povo para a Justiça no primeiro governo revolucionário liderado por Lênin. Ocupou diversos cargos na URSS, dentre os quais o de Diretor do Instituto do Direito Soviético.
  4. Onde há sociedade, há direito.
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Sobre o autor
Leandro Alves Silva

Oficial Escrevente do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Leandro Alves. Direito e marxismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2537, 12 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15023. Acesso em: 23 dez. 2024.

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