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Notas iniciais sobre os procedimentos eletrônicos no anteprojeto do CPC

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Antes de adentrarmos ao tema, objeto do estudo já realizado até o presente momento, é importante que se registre o trabalho desenvolvido pela Comissão do Senado para um novo CPC. Sabemos do árduo trabalho desenvolvido por seus membros e não cabe, neste momento, críticas, em seu sentido filosófico. Compete-nos, contudo, e assim se espera da comunidade acadêmica, lançarmos comentários acerca de nossas pesquisas, com o fim de aprimorar o texto. O momento é de incentivarmos a pesquisa e debruçarmo-nos sobre um novo CPC que se apresenta.

Neste paper, fruto de uma ansiosa vontade de colaborar para uma informatização mais contundente em nosso sistema, está longe de ser conclusivo. Esperamos, contudo, que seja especulativo, aberto a sugestões e que em amplo debate, sem vaidades, possamos alcançar um objetivo maior. Adotando as idéias de Rawls, seria o momento de nossos olhos serem tampados pelo véu da ignorância e descortinados em verdadeiro equilíbrio de Justiça, para que os textos a serem produzidos, repetimos, contribuam para uma melhora do sistema processual.

O papel do pesquisador, nestas primeiras horas de euforia, será, sem dúvida, o de descortinar um novo código, despindo, devagar e com extremado cuidado, o véu da ignorância, porque somente com ele é que poderemos alcançar uma igualdade proposta pelo jusfilósofo anglo-saxão.


– I –

Após uma atenta leitura da exposição de motivos do anteprojeto, sentimos falta de uma atenção maior dada à informatização judicial. O novo CPC poderia surgir com o fim de eliminar diversos problemas ainda enfrentados pela Lei 11.419 de 2006, inclusive com a previsão de um procedimento especial para os feitos que tramitam eletronicamente. Uma utopia, talvez, a idealização de um procedimento especialíssimo. Mas, superado o idealismo, é preciso atentarmos para a redação proposta pelo novo CPC. É certo que em determinados momentos há uma confusão entre processo e procedimento eletrônico [01].

Em matéria de cooperação nacional e internacional, o novo Código adotou o envio, preferencialmente, de precatórias, cartas de ordem e rogatórias por meio eletrônico. Com o advento da Lei 11.419 o Brasil passou a ser considerado exemplo de informatização, e, como nasce uma legislação nova, poderíamos ter avançado e ampliado a nossa prática processual por meio eletrônico. E este, sem dúvida, foi um grande passo.

E, em matéria de recursos, poderia ser ousado o novo CPC e admitir a adoção do agravo formado eletronicamente, a partir do hipertexto [02], ou seja, com a indicação das peças e os respectivos endereços eletrônicos para acesso das mesmas. Além de reduzir o volume nos autos, a prestação jurisdicional poderia ser agilizada. Tratando-se de decisão proferida em audiência, por exemplo, e, que neste houvesse qualquer modalidade de gravação, bastaria a indicação do link na peça do agravo.

Mas é certo que a ansiedade para a leitura do texto causa, e sempre causará, impactos. Mesmo com estas breves considerações, o novo CPC não se desincumbiu de admitir atos por meios eletrônicos. E os analisaremos, de acordo com o texto recém divulgado.

O texto seguirá a ordem dos artigos que tratam dos atos processuais por meios eletrônicos, e, sempre que possível, indicando uma redação que pudesse ter um alcance mais próximo do que vivenciamos atualmente em matéria de informatização.


– II –

A procuração geral para o foro conferida por instrumento público ou particular assinado pela parte habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, exceto receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso, que devem constar de cláusula específica.

Parágrafo único. A procuração pode ser assinada digitalmente, na forma da lei.

Ao prever a possibilidade de procuração assinada digitalmente, o novo CPC impinge à parte o dever de portar certificado digital.

Apesar de o parágrafo único conter redação diversa daquela imposta pelo art. 20, da Lei 11.419, de 2006 [03], ou seja, não sendo tão ampla, não se duvida que a assinatura deva ser na modalidade digital, e, desta forma, nos termos da vigente Medida Provisória 2.200-2, de 2001.

Importante destacar que assinatura digital é modalidade que exige certificação digital, e, por esta razão, em matéria de procuração, não se poderá admitir outra forma a não ser esta.

Ao fazer remissão "na forma da lei", o novo CPC está indicando a aplicação da Lei 11.419 de 2006 e à já referida medida provisória. Contudo, como a intenção do texto é provocar uma reflexão, propomos a seguinte redação:

Parágrafo único: a procuração pode ser assinada digitalmente pela parte, com adoção de assinatura digital na forma da ICP-Brasil, e, quando digitalizada, poderá ser assinada digitalmente pelo advogado, atestando a integridade do instrumento de mandato, sob as penas da lei.

Justificativa: seguindo o modelo do atual agravo, o advogado, ao inserir a sua assinatura digital na procuração, atestaria que a peça é autêntica, após a sua digitalização. Isto porque nem sempre a parte possui certificado digital e a redação do artigo determina a assinatura daquele ator no processo. Em autos que tramitam integralmente eletronicamente, a exigência poderá ser um empecilho para a adoção da informatização.


IIa –

ara que a prática dos atos processuais pudesse ser, efetivamente, adequada à informatização judicial, o novo CPC deveria ter previsto a assinatura dos atos das partes, dos procuradores, dos auxiliares da justiça e do juiz na modalidade digital. Contudo, omisso está o novo CPC.

As omissões ocorreram também em matéria de cooperação, mas esta questão será abordada adiante. O art. 20 da Lei 11.419 de 2006, conforme lançado em seguida, previu alterações no CPC de 1973. Contudo, com o advento do novo CPC, à falta de adequação do anteprojeto, restarão prejudicados diversos atos que podem, hoje, ser praticados por meio eletrônico:

Art. 20.  A Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 38.  ...........................................................................

Parágrafo único.  A procuração pode ser assinada digitalmente com base em certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma da lei específica." (NR)

"Art. 154.  ........................................................................

Parágrafo único.  (Vetado). (VETADO)

§ 2º  Todos os atos e termos do processo podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico, na forma da lei." (NR)

"Art. 164.  .......................................................................

Parágrafo único.  A assinatura dos juízes, em todos os graus de jurisdição, pode ser feita eletronicamente, na forma da lei." (NR)

"Art. 169.  .......................................................................

§ 1º  É vedado usar abreviaturas.

§ 2º  Quando se tratar de processo total ou parcialmente eletrônico, os atos processuais praticados na presença do juiz poderão ser produzidos e armazenados de modo integralmente digital em arquivo eletrônico inviolável, na forma da lei, mediante registro em termo que será assinado digitalmente pelo juiz e pelo escrivão ou chefe de secretaria, bem como pelos advogados das partes.

§ 3º  No caso do § 2º deste artigo, eventuais contradições na transcrição deverão ser suscitadas oralmente no momento da realização do ato, sob pena de preclusão, devendo o juiz decidir de plano, registrando-se a alegação e a decisão no termo." (NR)

"Art. 202.  .....................................................................

.....................................................................................

§ 3º  A carta de ordem, carta precatória ou carta rogatória pode ser expedida por meio eletrônico, situação em que a assinatura do juiz deverá ser eletrônica, na forma da lei." (NR)

"Art. 221.  ....................................................................

....................................................................................

IV - por meio eletrônico, conforme regulado em lei própria." (NR)

"Art. 237.  ....................................................................

Parágrafo único.  As intimações podem ser feitas de forma eletrônica, conforme regulado em lei própria." (NR)

"Art. 365.  ...................................................................

...................................................................................

V - os extratos digitais de bancos de dados, públicos e privados, desde que atestado pelo seu emitente, sob as penas da lei, que as informações conferem com o que consta na origem;

VI - as reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular, quando juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos ou privados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização.

§ 1º  Os originais dos documentos digitalizados, mencionados no inciso VI do caput deste artigo, deverão ser preservados pelo seu detentor até o final do prazo para interposição de ação rescisória.

§ 2º  Tratando-se de cópia digital de título executivo extrajudicial ou outro documento relevante à instrução do processo, o juiz poderá determinar o seu depósito em cartório ou secretaria." (NR)

"Art. 399.  ................................................................

§ 1º  Recebidos os autos, o juiz mandará extrair, no prazo máximo e improrrogável de 30 (trinta) dias, certidões ou reproduções fotográficas das peças indicadas pelas partes ou de ofício; findo o prazo, devolverá os autos à repartição de origem.

§ 2º  As repartições públicas poderão fornecer todos os documentos em meio eletrônico conforme disposto em lei, certificando, pelo mesmo meio, que se trata de extrato fiel do que consta em seu banco de dados ou do documento digitalizado." (NR)

"Art. 417.  ...............................................................

§ 1º  O depoimento será passado para a versão datilográfica quando houver recurso da sentença ou noutros casos, quando o juiz o determinar, de ofício ou a requerimento da parte.

§ 2º  Tratando-se de processo eletrônico, observar-se-á o disposto nos §§ 2º e 3º do art. 169 desta Lei." (NR)

"Art. 457.  .............................................................

.............................................................................

§ 4º  Tratando-se de processo eletrônico, observar-se-á o disposto nos §§ 2º e 3º do art. 169 desta Lei." (NR)

"Art. 556.  ............................................................

Parágrafo único.  Os votos, acórdãos e demais atos processuais podem ser registrados em arquivo eletrônico inviolável e assinados eletronicamente, na forma da lei, devendo ser impressos para juntada aos autos do processo quando este não for eletrônico." (NR)

Parece-nos uma falha que poderá ser corrigida quando da aprovação do novo CPC pelo Congresso. Ou seja, o art. 20 da Lei 11.419 de 2006, repita-se, altera artigos do CPC, que, pela nova redação, retroagem em matéria de informatização. A redação do art. 151 não é suficiente, sob nossa ótica, para suprir as inserções inseridas no CPC de 1973 e não contemplados no anteprojeto.


III –

Os atos e os termos processuais não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.

§ 1º Quando o procedimento ou os atos a serem realizados se revelarem inadequados às peculiaridades da causa, deverá o juiz, ouvidas as partes e observados o contraditório e a ampla defesa, promover o necessário ajuste.

§ 2º Os tribunais, no âmbito de sua competência, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade estabelecidos pelo órgão competente, nos termos da lei.

§ 3º Os processos podem ser, total ou parcialmente, eletrônicos, de modo que todos os atos e os termos do processo sejam produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico, na forma da lei, cumprindo aos interessados obter a tecnologia necessária para acessar os dados, sem prejuízo da disponibilização nos foros judiciários e nos tribunais dos meios necessários para o acesso às informações eletrônicas e da porta de entrada para carregar o sistema com as informações.

§ 4º O procedimento eletrônico deve ter sua sistemática unificada em todos os tribunais, cumprindo ao Conselho Nacional de Justiça a edição de ato que incorpore e regulamente os avanços tecnológicos.

A redação do art. 151 amplia a discussão acerca de processo e procedimento. Há, ainda, um prejuízo no que tange à determinação de disciplina pelos Tribunais, para, ao final, delegar ao CNJ uma normatização para unificação do procedimento.

Sem dúvida, a redação é confusa! Como mencionado anteriormente (IIa), o novo CPC eliminou as alterações inseridas pela Lei 11.419 de 2006, e, em matéria de procedimento eletrônico e atos processuais por meios eletrônicos, restringiu, em muito, o que havia sido ampliado. Há, sem dúvida, uma derrogação do art. 20 da referida lei.

Parece-nos que não se sabe quem é a autoridade competente para definir o que venha a ser "requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade", uma vez ser a mesma decorrente da lei. Ou nos termos da lei.

Quando fazemos uma leitura acerca de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade, estamos nos referindo a que norma, especificamente? E quem é a autoridade na forma desta lei? Não é pela Lei 11.419 de 2006 que teremos a prática do ato processual com a garantia de integridade, autenticidade e validade. Nem tampouco nos termos da Medida Provisória 2.200-2, de 2001. Em verdade, estamos diante de delegação, em matéria processual, a autoridade estranha ao comando da lei.

Fica a questão: quem é o órgão competente, nos termos da lei? A fim de pretender sanar a dúvida, poderíamos ampliar o raciocínio nos termos da referida MP e afirmar que é o Conselho Gestor da ICP-Brasil o órgão competente. Contudo, a situação se agrava, diante do PL 7316, de 2002 [04].

O § 3º necessita, apenas, de adequação de redação. Os termos adotados soam de forma "semi-técnica", podendo gerar interpretações diversas.

Quanto ao § 4º, a questão relativa a processo e procedimento se amplia [05]. Ou se está diante de verdadeiro processo, com princípios processuais próprios, ou diante de procedimento. E se admitirmos procedimento, estamos tratando de rito. Se estamos tratando de rito, a competência é estabelecida pelo art. 24 da Constituição e não se pode delegar ao CNJ a uniformização do procedimento, por fugir-lhe a competência legislativa.

Nossa proposta para uma nova redação:

- Art. 151.

(...)

§ 1º (...)

§ 2º Os tribunais, no âmbito de sua competência, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, que serão praticados com adoção da ICP-Brasil e assinados digitalmente, nos termos da lei.

§ 3º Os autos [06] podem ser total ou parcialmente, eletrônicos, e [07] todos os atos e termos processuais [08] sejam produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico, na forma da lei.

§ 4º Os Tribunais, nos termos da lei [09], deverão disponibilizar equipamentos com o fim de atender ao comando do parágrafo anterior, competindo aos interessados obter a tecnologia necessária para acessar os dados e praticar os atos processuais que dependam de certificação digital [10].

§ 5º O procedimento eletrônico deve ter sua sistemática unificada em todos os tribunais, cumprindo ao Conselho Nacional de Justiça a edição de ato que incorpore e regulamente os avanços tecnológicos.


– IV –

Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos: (...) § 2º O processo eletrônico assegurará às partes sigilo, na forma deste artigo.

A redação do parágrafo segundo deixou o texto deslocado e sem a atenção merecida para a necessária eliminação da publicização excessiva dos atos processuais por meio eletrônico. Ao que nos parece, da leitura do anteprojeto, o texto privilegia o processo constitucional. Da exposição de motivos se vê, com clareza, a preocupação da Comissão.

A nossa proposta de redação encaminhada, inclusive ao Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, encontra-se assim redigida:

"Exmo. Sr. Dr. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil,

o momento é histórico. Um novo CPC, com uma comissão de juristas de elevado conhecimento jurídico.

Vivenciamos, ainda, a informatização judicial. Desta forma, proponho a relativização do princípio da publicidade, já consagrado no atual art. 155, do CPC, para que o mesmo seja ampliado.

Estou copiando a mensagem à Comissão de Jusristas e a grupos de estudos do Direito.

Em matéria de publicização dos atos processuais na Internet, a sua divulgação está sendo extremamente prejudicial às partes. Logo a seguir, no modelo de proposta da redação, indico o motivo (transcrição de estudo anteriormente realizado).

Desta forma, far-se-ia a inserção de incisos na redação do atual art. 155 do CPC, da seguinte forma:

Redação atual -

Art. 155.  Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos:

I - em que o exigir o interesse público;

II - que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores. (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 1977)

Parágrafo único.  O direito de consultar os autos e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e a seus procuradores. O terceiro, que demonstrar interesse jurídico, pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e partilha resultante do desquite.

Art. 155…

III-  nos feitos que tramitam eletronicamente, o acesso aos atos processuais são restritos às partes e seus procuradores, mediante cadastro prévio, nos termos da Lei 11.419 de 2006 e com certificação digital, sendo vedada a inserção de depoimentos, atas de audiência e demais termos e atos, na íntegra, na Internet, observando-se os termos do parágrafo único deste artigo;

IV - em caso de necessidade de vista dos autos, por terceiros alheios ao feito, deverá haver prévio requerimento da parte, justificando seu interesse, competindo ao Juiz decidir sobre sua pertinência;

V- nos autos parcialmente eletrônicos, observar-se-á, em matéria de veiculação nos portais dos Tribunais, o disposto no inciso III.

(V.3.10. Princípio da Publicidade. Necessidade de Relativização [11])

O princípio da publicidade, conforme leciona o Prof. Luiz Rodrigues Wambier, [12] "existe para vedar o obstáculo ao conhecimento. Todos têm o direito de acesso aos atos do processo, exatamente como meio de se dar transparência à atividade jurisdicional". Para Pellegrini, Dinamarco e Cintra, [13] "o princípio da publicidade do processo constitui uma preciosa garantia do indivíduo no tocante ao exercício da jurisdição". É preciso, todavia, comungarmos princípio de tamanha importância com outro, também de natureza constitucional, mas hierarquicamente superior: o princípio da dignidade da pessoa humana.

Sendo certo que o princípio da publicidade vedará julgamentos por tribunais de exceção e impedirá que abusos de autoridade sejam praticados, [14] torna-se necessário repensarmos a forma como este princípio deverá ser levado a cabo em meio a uma sociedade dita da informação. Na clássica obra dos mestres paulistas, [15] como analisamos anteriormente, há o exemplo do náufrago Robson Crusoé, que se encontra perdido em uma ilha. Inexiste sociedade até o momento em que o índio Sexta-Feira passa a fazer parte de sua convivência. Basta que haja sociedade, para que se possa conceber conflito de interesses, e, a partir de então, a necessidade de pacificá-los. Mas será que as partes gostariam de ver seus nomes estampados na Internet? Será que imagens utilizadas nos autos podem ser apresentadas, sob o argumento do princípio da publicidade?

Sendo o princípio da publicidade uma garantia constitucional, constituindo-se, nas lições de Egas Dirceu Moniz de Aragão, [16] autoritarismo o ato do juiz que restringe o livre acesso às informações contidas nos autos, é preciso entender o alcance subjetivo dos textos legais.

Para Moniz de Aragão, "ou o caso se enquadra entre os que correm em segredo de justiça, ou nenhuma autoridade pode interferir na publicidade dos atos processuais". Enfrentamos, por outro lado, um grave problema a ser equacionado, no que diz respeito à intimidade, à privacidade e, em especial, ao Processo Eletrônico.

Como conciliar a dicotomia entre publicidade e intimidade? Somente adotando critérios de ponderação de princípios. Todavia, o que nos causa grande preocupação, ao tentarmos defender uma relativização do princípio da publicidade, é o excesso de poder que se conferirá ao magistrado e a possibilidade de os mesmos não atentarem para a valoração dos princípios em questão.

Mas a questão que se traz à baila é justamente ponderar princípios constitucionais e dar-lhes o devido valor. Vale mais a informação (e aqui tratamos de informação, porque o judicial passou a ser venda de mídia) do que a intimidade? Se entendemos que a publicidade é um princípio universal, pouco importa a forma como ela é realizada. Mas e se concebermos a intimidade como um princípio constitucional superior? E o DIREITO DA PERSONALIDADE? Existe por si só ou possui suas variáveis?

Dentre os princípios da personalidade podemos admitir, assim como a Profª lusitana Catarina Sarmento e Castro, [17] ao fazer remição a Murilo de la Cueva, [18] o direito ao esquecimento e "sabemos que, nas condições tecnológicas actuais, os sistemas informáticos não esquecem".

A sociedade da informação tecnológica se apresenta de tal forma inserida no contexto pessoal, que é preciso refletir até que ponto podem os sistemas estar sobrepujando o direito à intimidade e até que ponto este mecanismo interfere ou interferirá no Direito Processual? O tema que envolve Direito e Tecnologia da Informação, vez por outra, nos obriga ao recurso da casuística, notadamente em termos de divulgação e do direito ao esquecimento. No sítio do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, v.g., contém uma notícia, na íntegra, narrando fatos ocorridos em um estupro praticado por um promotor contra uma defensora pública. Até que ponto a publicidade processual e, mais, a própria informação, estão acima dos direitos da personalidade? [19] Não teria esta Defensora Pública o direito ao esquecimento? Seu sofrimento por passar por todo um processo deste jaez não estaria superado? A sociedade já não teria esquecido?

Esta questão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em particular, nos traz à baila a questão entre a publicidade dos atos processuais e a divulgação pela mídia dos atos praticados no processo. Há uma diferença sutil entre publicidade e divulgação da informação. Mas é certo que a adoção ampla do princípio da publicidade gera esta dicotomia inaceitável.

Para Pellegrini, Dinamarco e Cintra, [20] "... toda precaução deve ser tomada contra a exasperação do princípio da publicidade. Os modernos canais de comunicação de massa podem representar um perigo tão grande como o próprio segredo."

A publicidade excessiva, como vem ocorrendo hodiernamente e se ampliará com a inserção do Processo Eletrônico em nosso sistema processual, viola princípios constitucionais de relevante importância, como o da intimidade e o da própria personalidade.

Mas a ideia de relativização do princípio não se apresenta distante da doutrina. Em capítulo intitulado A imperfeita percepção da publicidade como garantia do processo democrático, o Prof. Roberto José Ferreira de Almada, [21] após discorrer sobre temas relevantes e a concepção sócio-cultural de nosso povo, observa que "... exceto em situações muito particulares em que a privacidade e o interesse público possam efetivamente recomendar a restrição do direito de informação e de acesso irrestrito aos acontecimentos do processo, por parte das pessoas do povo."

O texto legal e a doutrina já relativizam a publicidade dos atos processuais e a nossa intenção é procurar critérios objetivos e constitucionais que não deixem ao arbítrio dos magistrados ou ao dissabor dos jurisdicionados a relativização.

Admitimos que a análise de dois casos envolvendo a publicidade excessiva dos atos processuais e a colisão com o direito à intimidade e personalidade possa ilustrar a ideia de relativização do princípio processual.

Nossa ideia não é a de se abolir o princípio da publicidade, torná-lo menor ou mesmo provocar uma relativização tão absurda quanto o próprio excesso de informação que vem sendo perpetrado em nosso sistema judicial. As notícias judiciais passaram a ocupar os jornais e com o advento da Internet, sequer se pode admitir o direito ao esquecimento, porque os dados podem ficar por anos instalados nos servidores – senão perpetuamente –, com a possibilidade de serem requisitados a qualquer tempo.

Em meados de 2005, um jovem estudante de uma determinada Universidade foi indiciado por crime de interceptação de dados telemáticos e a matéria foi veiculada em apenas dois jornais que possuem sítios na Internet. Até a presente data [22] sequer houve aforamento do inquérito policial. Contudo, a partir de buscas na Internet pelo nome do indiciado, que antes contava com seus artigos etc., hoje há uma centena de páginas afirmando ser o mesmo criminoso virtual.

Nos termos do art. 20 do Código de Processo Penal, [23] mesmo no inquérito policial, há disposição reservando o sigilo, a fim de atender aos interesses da sociedade. Seguindo-se a redação do art. 20 do CPP, em seu parágrafo único, a autoridade policial se encontra totalmente impossibilitada de mencionar em atestado de antecedentes o indiciamento:

"Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que Ihe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes à instauração de inquérito contra os requerentes, salvo no caso de existir condenação anterior."

Sendo certo que não pode a autoridade divulgar dados do inquérito [24] policial, a inserção em mídia [25] – atualmente a digital – é uma forma de afrontar o texto legal e, assim, causar sérios prejuízos à honra e à dignidade da pessoa humana. Não se pode inserir em atestado de antecedentes a abertura de inquérito, mas como forma de dar visibilidade a ato ilegal, divulga-se na imprensa que é pior que uma FAC.

A divulgação do indiciamento se encontra na Internet até hoje, ainda que não se tenha ajuizado o inquérito. Estigmatizada, está a parte sendo violada em seu Direito Fundamental da personalidade.

Um segundo caso, referente ao sítio do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, como exemplo, possibilita que as partes tenham conhecimento de ações propostas contra as pessoas, mesmo em casos de Direito de Família. Há, por exemplo, divulgação de ação de investigação de paternidade onde sequer o nome do menor foi abreviado. [26]

Temos que adotar critérios objetivos para a aplicação do princípio da publicidade. A adoção, por exemplo, de princípios como os da proporcionalidade e razoabilidade ainda são praticados com enorme subjetividade e não nos parece a melhor solução. Mas ponderar princípios constitucionais e prestigiar a nova redação conferida pela Emenda Constitucional n. 45/2004 é a alternativa mais segura.

Contudo, vigorando o Processo Eletrônico, entendemos que o princípio da publicidade deva ser repensado, porque o direito ao esquecimento, como uma das garantias ao direito da personalidade, não estará tão a salvo. Se em termos de inquérito policial a mídia já afronta o art. 20 do CPP, a inexistência de mecanismos capazes de coibir a busca na Internet de dados e petições se agravará.

A virtualização [27] do processo não se preocupa, como deveria, com o respeito ao tratamento de dados pessoais. A diretiva da Comunidade Europeia nos mostra quão frágeis serão os argumentos para se manter rígido o princípio da publicidade diante do formato do processo eletrônico no Brasil. Nos termos do art. 5º, X, da Constituição da República Federativa do Brasil a intimidade e a vida privada são amparadas pelo direito. [28] A violação será reparada, seja material ou moralmente, após justo e regular processo. Estamos carentes de legislação que trate objetivamente de um direito material eletrônico.

No Brasil, a regulamentação da privacidade de dados se encontra regulamentada pelo Decreto 3.505/2000, que institui a Política de Segurança da Informação nos órgãos e entidades da Administração Pública Federal. Em seu art. 1º, observamos:

"Art. 1º Fica instituída a Política de Segurança da Informação nos órgãos e nas entidades da Administração Pública Federal, que tem como pressupostos básicos:

I – assegurar a garantia ao direito individual e coletivo das pessoas, à inviolabilidade da sua intimidade e ao sigilo da correspondência e das comunicações, nos termos previstos na Constituição;

II – proteção de assuntos que mereçam tratamento especial;

III – capacitação dos segmentos das tecnologias sensíveis;

IV – uso soberano de mecanismos de segurança da informação, com o domínio de tecnologias sensíveis e duais;

V – criação, desenvolvimento e manutenção de mentalidade de segurança da informação;

VI – capacitação científico-tecnológica do País para uso da criptografia na segurança e defesa do Estado; e

VII – conscientização dos órgãos e das entidades da Administração Pública Federal sobre a importância das informações processadas e sobre o risco da sua vulnerabilidade."

Os riscos de vulnerabilidade de qualquer sistema computacional devem ser bem avaliados, sob pena de haver violação a princípios basilares do processo, dentre eles a do sigilo em determinadas demandas, como, nos casos de Direito de Família, v.g.

Para a idealização de uma teoria, ou ao menos uma política para os atos processuais por meios eletrônicos, é necessário que tenhamos em mente questões como segurança, sigilo e respeito à intimidade e à vida privada.

Admitindo-se que a coisa julgada vem sendo relativizada, [29] exatamente para garantir a eficácia dos Direitos Fundamentais, não nos parece absurda a ideia de relativizarmos a publicidade dos atos processuais praticados por meios eletrônicos. Há princípios constitucionais conflitantes quando se admite publicidade de ato e intimidade à vida privada.

A intimidade se encontra no rol dos Direitos Humanos (art 5º), ao passo que a publicidade dos atos se encontra nos deveres do Judiciário (93, IX). Analisando o próprio texto constitucional, verifica-se que é possível a mitigação da publicidade dos atos às partes e seus procuradores quando se está diante de possibilidade de violação à intimidade. E esta é a atual redação adotada pela Emenda Constitucional n. 45/2004, na esteira do que há de mais moderno em termos de direito da personalidade.

Como estamos tratando de Processo Eletrônico – mas a questão que aqui se expõe também se aplica ao processo ordinário, diante da inserção dos dados processuais na Internet –, é importante que os atos se restrinjam às partes e seus procuradores, sendo, contudo, possível a extração de certidão. Esta restrição possui dois caráteres: a) o de preservar a intimidade; b) o de dar publicidade a quem desejar certidão de algum ato processual.

A questão não se apresenta exagerada e experimentos no sentido de se verificar possível violação de determinados atos processuais já se mostraram possíveis. Os sistemas de alguns Tribunais possuem filtros que impedem a busca através de robôs. [30] Entretanto, não é necessário que se divulgue um determinado feito na Internet para que o mesmo possa ser divulgado. O exemplo que trazemos demonstra a propriedade da mitigação – até mesmo em respeito ao preceituado no art. 93, IX, da Constituição, com redação conferida pela Emenda Constitucional n. 45 – da publicização dos atos processuais.

É possível que se indique, em determinado sítio na Internet, que A, tendo processado B, saiu vitorioso. Admitindo-se que ocorreu o trânsito em julgado da decisão, não há que se discutir quanto ao fato. Mas vamos às fases do processo, onde as decisões se encontram publicadas nos portais dos Tribunais. Durante o trâmite processual, a informação foi prestada, mas apenas indicando haver um litígio e indicando o objeto, sem que se apresente o nome das partes. O simples fato, contudo, de se criar um link da página do Tribunal à mensagem, já viola qualquer segurança e, desta forma, se poderá ter acesso, através dos robôs de busca, dos nomes das partes etc. Em casos de "segredo de justiça", a questão se amplia e se complica.

A Justiça Federal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro não insere na Internet os andamentos dos feitos que tramitam sob segredo de justiça. Esta prática não é adotada pela maioria dos Tribunais e se podem acompanhar decisões, despachos, nome de partes etc., pela Internet.

A preocupação, em verdade, diz respeito à possibilidade que as pessoas têm, nos dias de hoje, de consultarem a Internet e, com isto, vasculharem a vida íntima do cidadão. Se uma destas pessoas solicitar emprego em uma empresa, poderá o empregador fazer uma busca na Internet, por exemplo, e identificar se ele possui ações cíveis, como uma execução, de Direito de Família etc. [31] Sendo o direito de ação garantido a todos, pode até mesmo ocorrer a possibilidade de ajuizamento de demanda totalmente inapropriada. Ainda que, no futuro, seja julgado, improcedente pedido infundado e o abuso do Direito Processual seja devidamente repugnado pelo Judiciário, a parte em questão já se encontra em prejuízo moral e material, porque não almejou um emprego ou mesmo uma promoção.

(...)

a relativização da publicidade dos atos processuais, em matéria de Processo Eletrônico, deve ser vista com cautela e em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Em termos de ponderação de princípios, admitimos que a dignidade da pessoa humana se encontra em nível hierárquico superior ao da publicidade dos atos.

É preciso estarmos abertos ao novo, para aceitarmos a relativização. A teoria da segurança jurídica, em muitos casos, justifica uma preocupação de proteção estatal, ao contrário de se consolidar em uma segurança para o cidadão.

O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, vem entendendo ser possível a divulgação de atos de processo administrativo pela Internet.

O entendimento do STJ, nos estreitos termos do acórdão proferido, não pode ser ampliado quando se estiver diante de pessoas naturais. Em verdade, ao obscurantismo da lei e à necessidade de o juiz julgar (art. 126 do CPC), podemos estar criando juízes legisladores, o que não é prudente.

Nesta esteira, em decisão do STF, na ADI 1517, há um importante debate acerca de princípios e prevalece a ideia de restrição ao princípio da publicidade.

Ao contrário do que possa parecer, repetimos, não defendemos a exclusão do princípio da publicidade, mas a ideia de que princípios maiores devem ser enfrentados e ponderados, notadamente diante da atual redação inserida pela Emenda Constitucional n. 45/2004:

"IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;"

A redação do inciso IX do art. 93 exige que a ponderação de princípios seja respeitada e entendemos que esta questão deva ser mais debatida a partir de agora, com a adoção do Processo Eletrônico. Isto porque haverá a possibilidade de violação de direitos e garantias individuais em contraposição a princípios. A decisão proferida em sede de liminar na ADI proposta pela ADEPOL bem adequou estes princípios. Pode o juiz, sem dúvida, restringir a publicidade.

O Processo moderno não deve se intimidar diante das novas tecnologias, ao mesmo passo em que as novas tecnologias não podem suplantar princípios seculares consagrados. Desde a Proclamação da Revolução Francesa e seguindo a linha histórica, com a Declaração dos Direitos do Homem, o direito da personalidade sempre foi – e deverá continuar sendo – um princípio sagrado, que poderá sobrepor-se a outros de inferioridade hierárquica no sistema constitucional pátrio.

Esperamos, assim, que a ideia de publicidade em matéria eletrônica seja adotada com o máximo critério de legalidade. Contudo, entendemos que não se trata de política pública ou legislativa a questão da publicidade, mas de verdadeira experimentação ética e comprometida com os ideais do Processo. Não precisamos criar conflitos em uma ciência tão bela quanto a processual."

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Poderíamos ter avançado em matéria de publicidade processual, com sua necessária relativização. O próprio CNJ lançou sua preocupação em relação ao tema, com consulta pública amplamente defendida. Contudo, s.m.j., admitimos ter o novo CPC retroagido em matéria de informatização.

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Sobre o autor
José Carlos de Araújo Almeida Filho

advogado no Rio de Janeiro, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA FILHO, José Carlos Araújo. Notas iniciais sobre os procedimentos eletrônicos no anteprojeto do CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2542, 17 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15033. Acesso em: 26 abr. 2024.

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