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Domicílio eleitoral, a questão de Collor

01/05/2000 às 00:00
Leia nesta página:

Os jornais vêm acompanhando o pedido de transferência de domicílio eleitoral do ex-presidente FERNANCO COLLOR.

O DIÁRIO DE PERNAMBUCO, edição de 23.03.2000, destacou a seguinte manchete: "TRE nega pedido de Fernando Collor" e o subtítulo diz que "Ex-presidente solicitou mudança de domicílio eleitoral para São Paulo, onde pretende ser candidato", no texto da matéria está dito que "a transferência do domicílio eleitoral foi negada, porque Baccarat entendeu que os documentos e dos depoimentos indicados pela defesa não comprovaram a residência mínima de três meses no novo domicílio. Essa exigência consta do Art. 55 do Código Eleitoral".

PEDRO LUIZ BACCARAT, segundo o jornal, é o Juiz da 346.ª Zona Eleitoral do Estado de São Paulo e, numa análise permitida para um comentário à distância e sem o conhecimento dos autos, peço venia para discordar de seu entendimento.


Na verdade tal decisão é fruto de caráter restritivo da legislação eleitoral, pois embora se discuta o conceito de domicílio eleitoral, sabe-se que o conceito de domicílio, neste caso, não deve se confundir com o restrito conceito esposado pelo Código Civil (local em que a pessoa fixa sua residência com ânimus definitivo de morar), e, que inclusive, já foi expressamente adotado pelo Código Eleitoral de 1935.

Domicílio eleitoral é um dos requisitos exigidos pela legislação para que algum cidadão possa se candidatar a cargo eletivo das nossas entidades federativas.

O requisito mais importante e amplo é exatamente o da cidadania brasileira, afunilando-se em outros tais como idade mínima, filiação partidária e domicílio eleitoral, tendo sido este formulado com o objetivo de impedir as chamadas candidaturas oportunistas. Foi com esta finalidade que se introduziu o conceito de domicílio eleitoral em nossa legislação eleitoral, sendo de bom alvitre esclarecer que em democracias mais estáveis há uma maior liberalidade no estabelecimento de limites e restrições aos cargos eletivos, a exemplo dos Estados Unidos onde é possível candidatar-se à presidência da república independentemente de filiação partidária.

A jurisprudência vem reconhecendo que o conceito de domicílio eleitoral é amplo a ponto de que o exercício de função pública em determinada localidade é suficiente para caracterizar tal situação.

Pergunto a todos se o fato de uma pessoa haver nascido em determinada cidade, embora resida e tenha negócios em outra, atende ao conceito de domicílio eleitoral. A resposta, a rigor, é negativa, porém, considerando que a cidadania é o principal elemento e requisito do direito de votar e ser votado, é inegável que tal pessoa tem legitimidade, pois o vínculo – neste caso – transcende à questão legal, posto que é político, assim como o próprio conceito de cidadania. Pois bem, partindo do princípio de que o direito de cidadania é mais que um vínculo jurídico, entendo que há pessoas que tem uma atividade pública e/ou política de caráter nacional, que têm legitimidade para se inscrever como eleitor ou candidato em qualquer lugar do país, como são os casos dos ex-presidentes da República. Não é demais lembrar que a exigência de domicílio eleitoral guarda estreita relação com a preocupação do legislador de 1965 (e de antes) de evitar a duplicidade de inscrições eleitorais e até mesmo de candidaturas, o que não tem sentido nos dias atuais, pois o cadastro eleitoral encontra-se informatizado em todo o país e nenhum eleitor tem condições de permanecer inscrito em mais de uma zona eleitoral concomitantemente.

É bom relembrar, também, que há decisões que reconhecem que se atende ao conceito de domicílio eleitoral o fato da pessoa possuir bens, comércio ou indústria em determinada localidade, pois tais circunstâncias garantem que o interesse do indivíduo, nestes casos, não se limita apenas a disputar uma eleição.

A interpretação que deve ser feita, no meu modesto entendimento, é ampla, assim como se tem feito em relação à exigência de alfabetização dos candidatos.

O fundamento principal da decisão denegatória foi o fato de que o ex-presidente não comprovou que já se encontrava domiciliado há mais de 03 meses na capital paulista. Do ponto de vista fático, parece que esse é um obstáculo intransponível às pretensões de COLLOR, mas voltando ao princípio basilar do direito eleitoral ouso em dizer que o mais importante seria verificar o vínculo político da cidade de São Paulo com o ex-presidente, local no qual o mesmo obteve milhões de voto, assegurando, assim, por toda a sua vida, vinculação política com aquela cidade, o que legitima sua pretensão e supre às exigências de domicílio eleitoral, restando ao pretenso candidato comprovar filiação partidária, ser indicado por seu partido e provar que se encontra no livre exercício de seus direitos políticos, cabendo, ao final, ao povo julgar conveniente, ou não, elegê-lo prefeito de São Paulo.

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Sobre o autor
Augusto N. Sampaio Angelim

juiz de Direito em Caruaru (PE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANGELIM, Augusto N. Sampaio. Domicílio eleitoral, a questão de Collor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1506. Acesso em: 4 nov. 2024.

Mais informações

O presente artigo foi citado pela Procuradora do TRE-SP, no parecer exarado sobre o recurso impetrado em favor do ex-presidente Fernando Collor, mencionando o Jus Navigandi como fonte. A sentença, proferida em maio de 2000, acolheu a tese defendida neste artigo.

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