3. CONCLUSÃO
A ciência jurídica tradicional privilegia, em suas investigações, o momento aplicativo do Direito, relegando a um segundo plano as indagações acerca de como são engendrados os atos normativos que integram o ordenamento jurídico; ou seja, os juristas, em regra, reduzem, às vezes inconscientemente, o campo da jurisprudência à interpretação do Direito posto, deixando de tecer, assim, maiores reflexões sobre como estas mesmas normas passam a vigorar.
A teoria de legislação se propõe a analisar, numa perspectiva transdisciplinar, os processos de justificação dos atos normativos legais e infralegais, visando contribuir, desta forma, para a melhoria dos mesmos, através da racionalização e da sistematização dos processos de positivação do Direito. Trata-se, pois, de um saber voltado ao incremento da qualidade dos atos normativos, que devem ser confeccionados não só de maneira formalmente correta, mas também sobre uma base consistente de legitimidade democrática, num contexto de transparência e de uso responsável do poder.
A detecção dos discursos de justificação que embasaram a edição de um determinado ato legal produz impactos na aplicação do mesmo, na medida em que o influxo de tais das informações no processo interpretativo do ordenamento jurídico (denotando os motivos que conduziram à edição do ato), integrado num amplo feixe argumentativo, viabiliza a constituição de uma situação adequada de aplicação, propiciando a construção uma solução simultaneamente justa e segura para os problemas jurídicos apresentados ao intérprete.
A Emenda Constitucional n. 33/01 introduziu no ordenamento jurídico uma imunidade tributária até então inexistente. Inaugurou-se, incontinenti, ampla controvérsia acerca dos limites desta exoneração. Neste contexto, nos propusemos a extrair, do processo legislativo que resultou na edição da citada emenda constitucional, os discursos que justificaram a sua elaboração, através da utilização do instrumental teórico fornecido pela legística. Mais precisamente, procuramos identificar os impulsos para legislar que ocorreram na espécie, e detectar, no bojo daquele procedimento, análises prospectivas acerca do impacto da imunidade tributária que vinha sendo criada; poder-se-ia, de posse de tais dados, conhecer a justificação da edição da Emenda Constitucional n. 33/01, colaborando, assim, para a sua correta interpretação, através da constituição completa da sua situação de aplicação.
Todavia, surpreendemo-nos com a quase total ausência de debates documentados no processo legislativo que resultou na citada emenda, o que frustrou inteiramente o intento inicial aqui buscado a nos conduziu a uma conclusão diversa: a de que o dispositivo que inseriu a imunidade tributária aqui analisada na Constituição não foi alvo de maiores reflexões quando de sua elaboração, revelando a quase total ausência de preocupação e esmero pelos agentes então envolvidos no processo legislativo.
Estudiosos já salientavam que a falta de preocupação com a qualidade dos atos legislativos poderia redundar em grandes prejuízos para a sociedade. Vitor Nunes Leal, há muito, comparava o cuidado que se deveria ter na confecção de atos normativos com o manejo de explosivos. No presente caso, a conclusão que se chega, a partir da análise do processo legislativo que redundou na EC 33/01 e da controvérsia judicial que a ela se seguiu, é que cuidados mínimos no estabelecimento dos contornos da imunidade tributária aqui tratada poderia ter evitado o conflito hoje pendente de solução. Em suma, parece-nos que o conflito estabelecido em torno dos limites da imunidade das receitas decorrentes da exportação, às contribuições sociais, é fruto de um verdadeiro acidente legislativo, ocasionado pelo descaso e pela absoluta falta de esmero na elaboração do texto da Emenda Constitucional n. 33/01.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. Fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 427p.
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Os impulsos modernos para uma teoria da legislação. Legislação – Cadernos de Ciência de Legislação, Oeiras, INA, n. 1, abr/jun. 1991. p. 7-13.
CHEVALIER, Jacques. A racionalização da produção jurídica. Legislação – Cadernos de Ciência de Legislação, Oeiras, INA, n. 3, jan./mar. 1992. p. 09-23.
MADER, Luzius. A avaliação legislativa: uma nova abordagem do direito. Legislação – Cadernos de Ciência de Legislação, Oeiras, INA, n. 1, abr/jun. 1991. p. 39-49.
MENDES, Gilmar. Teoria da legislação e controle de constitucionalidade: algumas notas. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 48, dez. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/107>. Acesso em: 07 jul. 2009.
OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de (coordenador). Jurisdição e hermenêutica constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos. 2004. 587p.
SOARES. Fabiana de Menezes. Teoria da legislação. Formação e conhecimento da lei na idade tecnológica. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2004. 317p.
SOUSA, Marcelo Rebelo de. A decisão de legislar. Legislação – Cadernos de Ciência de Legislação, Oeiras, INA, n. 1, abr/jun. 1991. p. 15-37.
Notas
(...)
Já discursos de aplicação se referem à adequabilidade de normas válidas a um caso concreto, nos termos do Princípio da Adequabilidade, sempre pressupondo um ‘pano de fundo de visões paradigmáticas seletivas’, a serem argumentativamente problematizadas:. .. ‘o critério formal da adequabilidade só pode ser a coerência da norma com todas as outras e com as variantes semânticas aplicáveis na situação’ (GUNTHER, Klaus. The sense of appropriatness. Trad. Jonh Farell. New York: State University of New York, p. 243 et seq). (2004: 62-63)
"2.3. Quais os instrumentos de ação que parecem adequados, considerando-se os seguintes aspectos: (...) entendimento e aceitação por parte dos interessados e dos responsáveis pela execução. Possibilidade de impugnação no Judiciário.
(...)
4.6. A disciplina proposta é adequada para consecução dos fins pretendidos?
(...)
8. A densidade que se pretende conferir ao ato normativo é a apropriada?
(...)
10.5. Podem os destinatários da norma entender o vocabulário utilizado, a organização e a extensão das frases e das disposições, a sistemática, a lógica e a abstração?
(...)
11.7. Com que conflitos de interesse pode-se prever que o executor das medidas ver-se-á confrontado?
(...)
11.9. Qual é a opinião das autoridades incumbidas de executar as medidas quanto à clareza dos objetivos pretendidos e à possibilidade de sua execução?" (grifei)