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A imunidade às contribuições sociais das receitas decorrentes de exportação.

Análise legística do processo que resultou na edição da Emenda Constitucional nº 33/2001

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21/06/2010 às 00:00
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3. CONCLUSÃO

A ciência jurídica tradicional privilegia, em suas investigações, o momento aplicativo do Direito, relegando a um segundo plano as indagações acerca de como são engendrados os atos normativos que integram o ordenamento jurídico; ou seja, os juristas, em regra, reduzem, às vezes inconscientemente, o campo da jurisprudência à interpretação do Direito posto, deixando de tecer, assim, maiores reflexões sobre como estas mesmas normas passam a vigorar.

A teoria de legislação se propõe a analisar, numa perspectiva transdisciplinar, os processos de justificação dos atos normativos legais e infralegais, visando contribuir, desta forma, para a melhoria dos mesmos, através da racionalização e da sistematização dos processos de positivação do Direito. Trata-se, pois, de um saber voltado ao incremento da qualidade dos atos normativos, que devem ser confeccionados não só de maneira formalmente correta, mas também sobre uma base consistente de legitimidade democrática, num contexto de transparência e de uso responsável do poder.

A detecção dos discursos de justificação que embasaram a edição de um determinado ato legal produz impactos na aplicação do mesmo, na medida em que o influxo de tais das informações no processo interpretativo do ordenamento jurídico (denotando os motivos que conduziram à edição do ato), integrado num amplo feixe argumentativo, viabiliza a constituição de uma situação adequada de aplicação, propiciando a construção uma solução simultaneamente justa e segura para os problemas jurídicos apresentados ao intérprete.

A Emenda Constitucional n. 33/01 introduziu no ordenamento jurídico uma imunidade tributária até então inexistente. Inaugurou-se, incontinenti, ampla controvérsia acerca dos limites desta exoneração. Neste contexto, nos propusemos a extrair, do processo legislativo que resultou na edição da citada emenda constitucional, os discursos que justificaram a sua elaboração, através da utilização do instrumental teórico fornecido pela legística. Mais precisamente, procuramos identificar os impulsos para legislar que ocorreram na espécie, e detectar, no bojo daquele procedimento, análises prospectivas acerca do impacto da imunidade tributária que vinha sendo criada; poder-se-ia, de posse de tais dados, conhecer a justificação da edição da Emenda Constitucional n. 33/01, colaborando, assim, para a sua correta interpretação, através da constituição completa da sua situação de aplicação.

Todavia, surpreendemo-nos com a quase total ausência de debates documentados no processo legislativo que resultou na citada emenda, o que frustrou inteiramente o intento inicial aqui buscado a nos conduziu a uma conclusão diversa: a de que o dispositivo que inseriu a imunidade tributária aqui analisada na Constituição não foi alvo de maiores reflexões quando de sua elaboração, revelando a quase total ausência de preocupação e esmero pelos agentes então envolvidos no processo legislativo.

Estudiosos já salientavam que a falta de preocupação com a qualidade dos atos legislativos poderia redundar em grandes prejuízos para a sociedade. Vitor Nunes Leal, há muito, comparava o cuidado que se deveria ter na confecção de atos normativos com o manejo de explosivos. No presente caso, a conclusão que se chega, a partir da análise do processo legislativo que redundou na EC 33/01 e da controvérsia judicial que a ela se seguiu, é que cuidados mínimos no estabelecimento dos contornos da imunidade tributária aqui tratada poderia ter evitado o conflito hoje pendente de solução. Em suma, parece-nos que o conflito estabelecido em torno dos limites da imunidade das receitas decorrentes da exportação, às contribuições sociais, é fruto de um verdadeiro acidente legislativo, ocasionado pelo descaso e pela absoluta falta de esmero na elaboração do texto da Emenda Constitucional n. 33/01.


4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. Fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 427p.

CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Os impulsos modernos para uma teoria da legislação. Legislação – Cadernos de Ciência de Legislação, Oeiras, INA, n. 1, abr/jun. 1991. p. 7-13.

CHEVALIER, Jacques. A racionalização da produção jurídica. Legislação – Cadernos de Ciência de Legislação, Oeiras, INA, n. 3, jan./mar. 1992. p. 09-23.

MADER, Luzius. A avaliação legislativa: uma nova abordagem do direito. Legislação – Cadernos de Ciência de Legislação, Oeiras, INA, n. 1, abr/jun. 1991. p. 39-49.

MENDES, Gilmar. Teoria da legislação e controle de constitucionalidade: algumas notas. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 48, dez. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/107>. Acesso em: 07 jul. 2009.

OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de (coordenador). Jurisdição e hermenêutica constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos. 2004. 587p.

SOARES. Fabiana de Menezes. Teoria da legislação. Formação e conhecimento da lei na idade tecnológica. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2004. 317p.

SOUSA, Marcelo Rebelo de. A decisão de legislar. Legislação – Cadernos de Ciência de Legislação, Oeiras, INA, n. 1, abr/jun. 1991. p. 15-37.


Notas

  1. Conforme expõe Jacques CHEVALLIER (1992: 18), racionalizar a produção jurídica é "o interrogar permanente sobre a eficácia das normas produzidas, sobre a pertinência do seu conteúdo, sobre a justeza dos processos e não hesitar em reconsiderá-los caso seja necessário."
  2. Segundo Marcelo Andrade Cattoni de OLIVEIRA, "os discursos de justificação jurídico-normativa se referem à validade das normas, e se desenvolvem com o aporte de razões e formas de argumentação de um amplo espectro (morais, éticas e pragmáticas), através das condições de institucionalização de um processo legislativo estruturado constitucionalmente (...).
  3. (...)

    Já discursos de aplicação se referem à adequabilidade de normas válidas a um caso concreto, nos termos do Princípio da Adequabilidade, sempre pressupondo um ‘pano de fundo de visões paradigmáticas seletivas’, a serem argumentativamente problematizadas:. .. ‘o critério formal da adequabilidade só pode ser a coerência da norma com todas as outras e com as variantes semânticas aplicáveis na situação’ (GUNTHER, Klaus. The sense of appropriatness. Trad. Jonh Farell. New York: State University of New York, p. 243 et seq). (2004: 62-63)

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  4. "A solução correta advém, pois, do desenvolvimento de um senso de adequabilidade normativa, de uma interpretação racional e argumentativamente fundada em cada situação, tendo em vista uma reconstrução paradigmática apropriada do Direito vigente." (OLIVEIRA, 2004: 65)
  5. Conforme expõe Marcelo Rebelo de SOUSA (1991: 23-24), dissertando sobre a decisão de legislar, "no momento em que se faz a filtragem dos impulsos, consciente ou inconsciente, é definido um certo conteúdo. E esse conteúdo há-de visar um de quatro objetivos, para além da bondade intrínseca da medida legislativa considerada: (...) b) reajustar para reagir contra factos adversos, factos negativos"
  6. Não há uma única vontade do legislador, perfeitamente distinguível. O que existe, na verdade, é um turbilhão argumentativo que justifica a edição da lei. É com esta realidade que lida a ciência da legislação. Conforme afirma Luzius MADER (1991: 47), "(...) regra geral, temos de lidar com um grande número de objectivos, com objectivos divergentes e contraditórios, demasiado abstractos, implícitos ou não confessados, simbólicos, etc., e mesmo objectivos que se transformam no decurso da sua realização."
  7. Segundo Luzius MADER [1991: 42], "A avaliação legislativa pode definir-se como uma análise metódica que incide sobre os efeitos das normas legais."
  8. A importância das avaliações prospectivas é indubitável. Jacques CHEVALIER (1992: 22), relatando os movimentos institucionais voltados à melhoria da qualidade da legislação na Grã-Bretanha durante a década de oitenta, expõe que ali se pretendia "encetar, como nos Estados Unidos, antes da produção de regulamentações, estudos de impacto acerca do efeito que estas terão nomeadamente sobre as empresas, bem como aligeirar os textos em vigor."
  9. O Decreto n. 4176/02, conquanto editado após os fatos aqui analisados, traz, em seu anexo I, um roteiro mínimo, na forma de questões, a ser seguido pelos envolvidos na elaboração de textos legislativos. Neste contexto, é interessante observar que várias noções básicas, que seriam inseridas ulteriormente naquele instrumento, não foram observadas, apesar de já se consubstanciarem então em princípios da legislação difundidos pela doutrina, por aqueles que redigiram e Emenda Constitucional n. 33/01, ou que auxiliaram parlamentares na tarefa de examinar o seu texto. Relacionamos, assim, apenas a título exemplificativo, para demonstrar a baixa qualidade do trabalho que redundou na criação da imunidade aqui tratada, alguns requisitos cruciais do "bem legislar" que foram deixados de lado pelos responsáveis pela inserção do §2º, I, no art. 149 do texto constitucional:
  10. "2.3. Quais os instrumentos de ação que parecem adequados, considerando-se os seguintes aspectos: (...) entendimento e aceitação por parte dos interessados e dos responsáveis pela execução. Possibilidade de impugnação no Judiciário.

    (...)

    4.6. A disciplina proposta é adequada para consecução dos fins pretendidos?

    (...)

    8. A densidade que se pretende conferir ao ato normativo é a apropriada?

    (...)

    10.5. Podem os destinatários da norma entender o vocabulário utilizado, a organização e a extensão das frases e das disposições, a sistemática, a lógica e a abstração?

    (...)

    11.7. Com que conflitos de interesse pode-se prever que o executor das medidas ver-se-á confrontado?

    (...)

    11.9. Qual é a opinião das autoridades incumbidas de executar as medidas quanto à clareza dos objetivos pretendidos e à possibilidade de sua execução?" (grifei)

  11. Associações de corporações poderosas de agentes públicos, por exemplo, induzem o parlamento a aprovar leis mal-redigidas, já com vistas à possibilidade de futuros questionamentos judiciais. Leis flagrantemente inconstitucionais, outrossim, são por vezes aprovadas apenas para que se possa colher dividendos políticos momentâneos.
  12. Assuntos relacionados
    Sobre o autor
    Luís Fernando Belém Peres

    Advogado em Belo Horizonte/MG

    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    PERES, Luís Fernando Belém. A imunidade às contribuições sociais das receitas decorrentes de exportação.: Análise legística do processo que resultou na edição da Emenda Constitucional nº 33/2001. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2546, 21 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15067. Acesso em: 24 abr. 2024.

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