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Responsabilidade civil do advogado por perda de uma chance de um direito demandado em juízo.

Investigação à luz da legislação, da doutrina e da jurisprudência

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02/07/2010 às 03:00
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1.CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Projeta-se nesta investigação, que não tem o desiderato de esgotar o assunto, examinar, sob a ótica da legislação, da doutrina e da jurisprudência, a responsabilidade civil do advogado, que por incúria na atuação profissional, deixa transcorrer, in albis, prazos processuais, ocasionando, assim, ao seu constituinte a perda de uma chance de um direito demandado, cuja procedência já era notória na jurisprudência.

Antes de adentrarmos no cerne da questão posta a investigação, faremos uma breve incursão sobre a origem e a evolução da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance.

1.1.Origem e evolução da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance

1.1.1Na França

A teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance tem sua linhagem no direito francês, tendo despertado naquele ordenamento jurídico, exacerbados debates doutrinários, que contribuíram para a sua evolução, influenciando, desse modo, a Corte francesa a conceder indenizações a esse título.

1.1.2Na Itália

Na Itália, a responsabilidade civil por perda de uma chance tornou-se objeto de estudo com o professor da Universidade de Milão, Giovani Pacchioni, que, segundo Sérgio Savi (2006, p. 7), enfrentou o tema antes mesmo da entrada em vigor do atual Código Civil Italiano [01].

Relata esse Autor [02] que,

Pacchioni, em sua clássica obra intitulada de Diritto Civile Italiano, ao tratar, no capítulo 7, das formas de ressarcimento dos danos, partindo-se de alguns exemplos clássicos de responsabilidade civil por perda de uma chance, citados pela doutrina francesa, indagava o que ocorria nos casos em que alguém, mediante conduta culposa, fizesse com que outra pessoa ficasse privada de uma possibilidade de lucro.

Os exemplos citados por Pacchioni são os seguintes: um jóquei que deverá montar um cavalo de corrida que lhe foi entregue pelo proprietário não chega, por sua culpa exclusiva, a tempo de participar do Grande Prêmio; um pintor envia pelo correio um quadro a uma exposição, mas, por culpa do correio ou de outros, o seu quadro é destruído ou não é entregue a tempo de participar da exposição; um advogado deixa transcorrer in albis o prazo para interpor um recurso de apelação, privando o seu cliente da possibilidade de obter a reforma ou a cassação da sentença que lhe foi desfavorável.

Segundo Pacchioni, em todas essas hipóteses as vitimas – o proprietário do cavalo, o pintor e o cliente do advogado – teriam sem dúvida razão para se queixar. Todavia, afirma ser muito controverso se as vitimas teriam interesse jurídico para ajuizar uma ação de indenização, tendo em vista que não se poderia falar em um dano certo.

Adriano de Cupis [03], assumindo posição contrária aos autores italianos, reconheceu a existência de um dano passível de indenização nos mesmos casos citados por Pacchioni, sendo considerado, por isto, como o responsável pelo início da correta percepção da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance no Direito Italiano, visto que conseguiu visualizar um dano independente do resultado final e, por conseguinte, ajustar a chance perdida no conceito de dano emergente e não de lucro cessante, como vinha sendo feito pelos seus antecessores.

1.1.3.No Brasil

No Brasil, poucos foram os doutrinadores que se dedicaram e se aprofundaram no exame desta teoria. Dentro desse restrito grupo, podemos destacar, na literatura mais tradicional, JOSÉ DE AGUIAR DIAS, MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES, J. M. CARVALHO SANTOS, dentre outros. Na literatura atual, JUDITH MARTINS-COSTA, SÍLVIO DE SALVO VENOSA, SÉRGIO NOVAES DIAS, RAFAEL PETEFI DA SILVA, que examinou a responsabilidade civil por perda de uma chance no direito francês [04] e, mais recentemente, SÉRGIO SAVI (op. cit.), que analisou o tema, com espeque na doutrina nacional e estrangeira e em fontes jurisprudenciais, que deram substrato à sua dissertação. Como visto, trata-se de um tema que não tem despertado um maior interesse aos doutrinadores pátrios, sendo, por conseguinte, escassas, na literatura jurídica brasileira, as obras dedicadas ao assunto.

Feito este escorso introdutório, cumpre, ainda, como dito alhures, para que se tenha uma percepção mais aguçada da responsabilidade civil do advogado, que, por incúria, deixa transcorrer in albis o prazo do recurso de um direito inquestionável, ou de alguma diligência processual, examiná-la, à luz do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei 8.906, de 04 de julho de 1994), da Constituição Federal de 1988, do Código Civil (Lei n 10.406, de 10 de janeiro de 2002), do Código de Processo Civil (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 e suas alterações), do Código de Defesa do Consumidor (Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), da Doutrina e da Jurisprudência cristalizada dos egrégios tribunais pátrios. Se não, vejamos:


2.RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO

Rezam, textualmente, o art. 32 e seu parágrafo único, do aludido Estatuto, in verbis:

Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.

Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.

Por seu turno, o art. 34, do mesmo Estatuto, que cuida das infrações e sanções disciplinares, estabelece, dentre outros preceitos, o contido no seu inciso IX, ipsis verbis:

Art. 34. Constitui infração disciplinar:

(...)

IX – prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio;

Neste contexto, calha asseverar, que não é qualquer erro que se indeniza. O erro que se indeniza é o erro irrecusável, também, denominado na doutrina de erro grosseiro, que, na lição de RUY DE AZEVEDO SODRÉ, citado por RUI STOCO (1997, p. 171) "é fruto da ignorância do causídico e importa na sua obrigação de indenizar o cliente dos prejuízos que lhe causou em razão de sua manifesta incompetência, o mesmo ocorrendo se o dano for causado por negligência".

De um modo geral, os deveres contratuais do advogado consistem na defesa, em juízo ou fora dele, do interesse que lhe foi confiado por seu constituinte, dando-lhe conselhos profissionais e pareceres. Assim, se as obrigações de meios forem executadas com competência, não é licito imputar-lhe nenhuma responsabilidade pelo insucesso da demanda.

2.2.À luz do Código de Ética e Disciplina da OAB

Dispõe o art. 8º, do Código de Ética e Disciplina da OAB, in verbis:

O advogado deve informar o cliente, de forma clara e inequívoca, quanto a eventuais riscos de sua pretensão, e das conseqüências que poderão advir da demanda.

Por força do caráter de múnus público que tem a função advocatícia, ao advogado se impõe uma correção especial no exercício da profissão. Portanto, deve informar ao seu constituinte, eventuais possibilidades de riscos de sua pretensão, bem assim das conseqüências que poderão ocorrer do litígio. Cabendo-lhe, ainda, o dever de após o término da causa, com ou sem extinção do mandato, devolver os bens, valores e documentos recebidos no exercício do mandato e fazer, detalhadamente, prestação de contas, sem prejuízo de outras solicitadas, a qualquer momento, pelo seu constituinte (CED, art. 9º). Por fim, o advogado deve desempenhar com zelo e dedicação o encargo que lhe foi confiado, para que o seu cliente se sinta protegido e possa nutrir a esperança de regular desenvolvimento da demanda.

2.3.À luz da Constituição Federal de 1988

Art. 5º (...)

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem [05] (gn);

Observe-se que a própria Lei Maior assegurou a todos, sem distinção de qualquer natureza, o direito de indenização por dano material e moral ou a imagem. Resultando deste comando, a máxima de que aquele que causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo na proporção da ofensa.

2.4.À luz do Código Civil

Diz o artigo 186, do mencionado Código:

Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito [06].

Veja-se que, na definição do art. 186, o comportamento que leva o agente a ser responsabilizado civilmente pelo dano, é a ação ou a omissão voluntária, que viola direito e causa dano a outrem. Portanto, o elemento nuclear do ato ilícito é a conduta humana voluntária e contrária ao Direito. Assim, para a caracterização genérica do ato ilícito absoluto, faz-se necessário a conjugação de dois grupos de elementos. Uns são objetivos, consistentes na conduta humana antijurídica, dano e nexo causal entre a conduta humana e o dano. Outros, subjetivos, consistentes na imputabilidade e na culpa em sentido lato (dolo ou culpa em sentido estrito).

Por outro lado, o caput do art. 667, do Código citado, estabelece, ipsis verbis:

O mandatário é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente. [07]

Ressalte-se, por oportuno, que o advogado não é obrigado a aceitar qualquer mandato. É, portanto, livre para recusá-lo. Todavia, na dicção do artigo supra, se o aceita, assume a obrigação de desempenhar com todo zelo e dedicação a incumbência que lhe foi confiada, não podendo, desse modo, se afastar dos poderes que lhe foram outorgados e das instruções que lhe foram dadas pelo seu constituinte, ficando, por conseguinte, compelido a indenizá-lo por eventuais prejuízos causados, por sua própria culpa ou interposta pessoa a quem substabeleceu, sem permissão, poderes que devia exercer pessoalmente.

2.5.A luz do Código de Processo Civil

Dispõe o artigo 45, do CPC, in verbis:

Art. 45. O advogado poderá, a qualquer tempo, renunciar ao mandato, provando que cientificou o mandante a fim de que este nomeie substituto. Durante os 10 (dez) dias seguintes, o advogado continuará a representar o mandante, desde que necessário para lhe evitar prejuízo.

Veja-se que na dicção deste artigo, embora o advogado possa, a qualquer tempo, abdicar do mandato, ele se obriga a dar ciência de sua renúncia ao seu cliente [08] e a continuar a representá-lo, a partir dessa comunicação, pelo prazo de dez dias, desde que tal patrocínio seja necessário para lhe evitar danos. Caso não o faça, será responsabilizado por eventuais prejuízos causados.

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De outro giro, os artigos 264, 267, I e 295, I, V, VI, do mencionado Código, dispõem que:

Art. 264. Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º. 10.1973)

Parágrafo único. A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

Art. 267. Extingue o processo, sem resolução de mérito:

I – quando o juiz indeferir a petição inicial

(...)

Art. 295. A petição inicial será indeferida:

I – quando for inepta;

(...)

V – quando o tipo de procedimento, escolhido pelo autor, não corresponder à natureza da causa, ou ao valor da ação: caso em que só não será indeferida, se puder adaptar-se ao tipo de procedimento legal;

VI – quando não atendidas as prescrições dos arts. 39, parágrafo único, primeira parte, e 284.

Note-se que, na delimitação dos dispositivos, em foco, a extinção do processo, sem resolução de mérito, ocorrerá quando a petição inicial for indeferida por inépcia, ou seja, faltar-lhe pedido ou causa de pedir, da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão, o pedido for juridicamente impossível ou contiver pedidos incompatíveis entre si (CPC, art. 295, parágrafo único e seus incisos); ou, ainda, quando o tipo de procedimento, escolhido pelo autor, não corresponder à natureza da causa, ou o valor da ação; quando não atendidos os regramentos contidos na primeira parte do parágrafo único do enunciado do artigo 39 [09] e do enunciado do artigo 284 [10], do Código. Releve-se que, sob o pálio do CPC, o advogado é quem elabora e subscreve as peças processuais [11], portanto, tem o sacrossanto dever de conhecer o tecnicismo e a complexidade do direito, para que, na representação processual do seu constituinte, possa defender os seus interesses com a correção e a precisão que o processo exige.

Como é cediço, a petição inicial é a peça mais importante para o autor. É, por assim dizer, o projeto da sentença. Assim, se elaborada a petição inicial e o advogado, por descuido, deixar de postular pedido(s) essencial (is) para o desiderato da pretensão do seu cliente, poderá corrigir a omissão antes da citação do réu. Feita a citação, o autor só poderá aditá-la, com o assentimento do réu (CPC, art. 264). E se já ultrapassada a fase do saneamento do processo, não mais será possível reparar tal omissão (CPC, art. 264, parágrafo único), podendo, nesta hipótese, o advogado ser responsabilizado, se provado que o autor teria possibilidade de êxito se o(s) pedido(s) fosse(m) formulado(s).

A mesma responsabilidade pode suportar o profissional do direito que contestando a demanda, deixa de argüir, na peça, bloqueio, em benefício de seu cliente, a prescrição ou decadência do direito do autor, não impugna o valor dos juros de mora requerido num valor diverso do contratado, ou ainda, se omite sobre termo inicial para incidência de juros e correção monetária, acarretando para o seu cliente majoração do valor a ser pago no processo.

Note-se que, neste diapasão, caso o advogado não elabore as peças processuais com o esmero e o tecnicismo que a lei requer e, em razão disto, vier a causar danos ao seu cliente, será responsabilizado por tais prejuízos.

2.6.À luz do Código de Defesa do Consumidor

Rezam, textualmente, o caput do art. 14 e seu § 4º, do Código citado, in verbis:

Art. 14 O fornecedor de serviços responde, independentemente de existência de culpa, pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos (gn);

(...)

§ 4º A responsabilidade pessoal do profissional liberal será apurada mediante a verificação de culpa (grifamos para destacar).

À luz do CDC, o profissional liberal, enquadra-se na exceção do § 4º, e não na regra do caput do artigo 14, ou seja, sua responsabilidade decorre de culpa e não da inexistência desta, como preceitua o caput deste artigo. Assim, à luz do CDC, o profissional liberal só será responsabilizado, quando, por dolo ou manifesta intenção de prejudicar ou locupletar-se, cause prejuízo ao seu cliente.

Malgrado o contido no dispositivo supra, o advogado, embora seja um profissional liberal, não se enquadra na exceção do indigitado parágrafo, portanto, não está sujeito, a nosso ver, ao regramento contido em tal dispositivo, haja vista que a advocacia é uma atividade que está subjugada ao regramento das normas dispostas na Lei nº 8.906/94. Destarte, por não configurar a atividade profissional desempenhada por advogado relação de consumo, não há incidência, desta forma, do Código de Defesa do Consumidor nas ações que tratam de trabalho advocatício. Neste sentido, já decidiu, por unanimidade, o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quarta Turma, tendo como voto condutor o do Ministro César Asfor Rocha, cujo acórdão está assim ementado:

Processo CIVIL. AÇÃO DE CONHECIMENTO PROPOSTA POR DETENTOR DE TÍTULO EXECUTIVO. ADMISSIBILIDADE. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR [12].

Não há relação de consumo nos serviços prestados por advogados, seja por incidência de norma especifica, no caso a Lei nº 8.906/94, seja por não ser atividade fornecida no mercado de consumo.

As prerrogativas e obrigações impostas aos advogados – como, v.g., a necessidade de manter sua independência em qualquer circunstância e a vedação à captação de causas ou à utilização de agenciador (Arts. 31/§ 1º E 34° III e IV, da Lei nº 8.906/94) – evidenciam natureza incompatível com a atividade de consumo.

Recurso não conhecido [13].

2.7.À luz da doutrina pátria

Na doutrina brasileira, em que pese a superficialidade com que o tema foi tratado, a responsabilidade civil por perda de uma chance foi objeto de estudo por alguns autores do passado e do presente. Assim, dentro desse reduzido grupo de tratadistas, merecem destaques as reflexões de Aguiar Dias, Carvalho Santos, Judith Martins-Costa e Sérgio Sávio:

Escreve Aguiar Dias (2006, p. 410). O advogado responde contratualmente perante seus clientes. Nem seria possível negar o contrato existente entre ambos como o autêntico exemplo de mandato. Tanto que é indiferentemente chamado mandatário ou procurador judicial. Suas obrigações contratuais, de modo geral, consistem em defender as partes em juízo e dar-lhes conselhos profissionais.

No direito francês e em outras legislações, que lhe adotam o regime, assevera Aguiar Dias, observa-se que o mandato judicial não encerra feição puramente contratual.

Ele é confiado, continua esse autor, citando Savatier, a um oficial público, a quem a lei impõe, independentemente mesmo da vontade das partes, certos deveres legais. O primeiro desses deveres é não recusar seus serviços ao cliente que lhe pede para representá-lo em juízo. A simples recusa de contratar poderia constituir, pois, para o advogado, um princípio de responsabilidade.

E deduz:

Em nosso direito não é bem assim. O exercício da advocacia, se bem que a nosso ver participe do caráter de múnus público, tem regulamentação diferente. O advogado não é oficial público e assim, sua responsabilidade é puramente contratual, salvo o caso de assistência judiciária.

Por seu turno, Carvalho Santos (1986, p. 320/21) nos dá da sua lavra a seguinte lição, ipsis verbis:

Como é sabido, o exercício da profissão de advogado se resume em duas funções: a) defender as partes perante os tribunais, no exercício do mandato: b) dar-lhe conselhos e pareceres, quando invocados.

Quanto ao primeiro ponto, convém lembrar, esclarece esse autor, que o advogado não é obrigado a aceitar o patrocínio de nenhuma demanda, a não ser em casos especialíssimos, em que ele figura antes como representante da Assistência Judiciária. Como advogado propriamente dito, é-lhe livre aceitar ou recusar o patrocínio de qualquer causa. Nem podia deixar de ser assim, pois de outra forma, como já disse PEYRONNET, deixariam os advogados de inspirar confiança, e, mesmo, de merecê-la, exercendo sem honra uma profissão desprestigiada.

Por outro lado, manda á ética profissional que o advogado antes de aceitar o patrocínio da causa, deve estudá-la e examinar se ela é justa ou, só a aceitando se se convencer da possibilidade de sustentar o direito de seu constituinte com êxito, perante a justiça. É preciso, pois, que os advogados, entes de exercerem a sua profissão, exerçam as funções de juiz. Aqueles que acreditarem com mais vagar, mudarem de opinião, achando-a má, devem aconselhar ao constituinte não prosseguir no processo.

Ao fazer alusão sobre as conseqüências da aceitação ou recusa da causa pelo advogado, argumenta Carvalho Santos:

a) não sendo obrigatória a assistência do advogado, a este fica sempre livre aceitar ou recusar o concurso do seu saber e de sua experiência a favor da pessoa que o procura, sem que lhe deva satisfações das razões que o levam a não aceitar o patrocínio da causa;

b) mas, se o advogado aceita a causa, por isso mesmo que não era obrigado a aceitá-la, deve haver-se na execução do mandato com todo zelo, empregando o máximo de seu esforço na defesa dos direitos de seu constituinte.

Em regra, continua esse autor, o advogado não pode ser responsabilizado pelo fato de perder a demanda. Só o deverá ser se a perda tiver resultado de culpa sua, como, por exemplo, da perda de um prazo em que devesse ser oferecida uma prova decisiva, etc.

São ainda do eminente Carvalho Santos (op. cit. p. 321/22) estas concludentes reflexões:

Obrigado, como fica, a empregar todos os seus esforços na defesa de seu constituinte, há quem deduza daí resultar sua responsabilidade no caso de não recorrer de qualquer decisão desfavorável ao seu constituinte, sempre que dessa decisão haja recurso cabível. Mas, evidentemente, há nesse modo de ver algum tanto de exagero. Assim como é lícito ao advogado, ao convencer-se da falta de direito de seu constituinte, aconselhá-lo a desistir da demanda, com maioria de razão dever-lhes-á ser permitido não interpor recurso, que venha onerar ainda mais o seu constituinte, quando se convencer que os fundamentos da sentença que lhe foi contrária são juridicamente certos, não havendo a mínima probabilidade de reforma. Somente quando haja possibilidade de reforma da sentença é que o advogado ficará obrigado a recorrer, a não ser que o seu constituinte se oponha. Mas, ainda aí, parece duvidoso o direito do constituinte de poder exigir qualquer indenização, precisamente porque não lhe será possível provar o dano, de vez que lhe será impossível provar que a sentença seria efetivamente reformada. Somente em casos excepcionais poder-se-á admitir a possibilidade dessa prova e é quando espécie, na mesma ocasião, isto é, julgada pelos mesmos juízes que deveriam julgar a sua causa, tiver sido decidida no sentido que o recurso, que não foi interposto, visaria conseguir.

E pondera esse Autor:

No exercício do mandato, o advogado não pode nem deve afastar-se das instruções do constituinte (...). Se se afasta dessas instruções, resultando daí qualquer dano ao constituinte, fica obrigado a indenizar os prejuízos.

Judith Martins-Costa, ao comentar o art. 403, do Código Civil (2003, p. 360/362), assim se expressou sobre a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance, in verbis:

As chances devem ser "sérias e reais", como no caso de alguém que ingressa em juízo, mas, no curso da lide, o advogado incorre em negligência grave (p.ex., perde o prazo para recorrer), extinguindo, assim, qualquer chance de a ação vir a ser julgada procedente. Nesse caso, não se trata de uma mera e subjetiva "esperança de vencer a causa", nem se indeniza o fato de ter perdido a causa: o que se indeniza é, justamente, a chance de o processo vir a ser apreciado por uma instância superior.

E conclui essa autora:

Embora a realização da chance nunca seja certa, a perda da chance pode ser certa. Por estes motivos não vemos óbice à aplicação, criteriosa, da Teoria. O que o art. 403 afasta é o dano meramente hipotético, mas se a vítima provar a adequação do nexo causal entre a ação culposa e ilícita do lesante e o dano sofrido (a perda da probabilidade séria e real), configurados estarão os pressupostos de dever de indenizar.

Sérgio Savi (op. cit., p. 102/103), ao fazer suas ilações sobre a responsabilidade civil por perda de uma chance, assim se posicionou:

Em determinados casos, a chance ou oportunidade poderá ser considerada um bem integrante do patrimônio da vítima, uma entidade econômica e juridicamente valorável, cuja perda produz um dano, na maioria das vezes atual, o qual deverá ser indenizado sempre que a sua existência seja provada, ainda que segundo um cálculo de probabilidade ou por presunção.

E pondera

A perda de chance, como visto, ao contrário do afirmado por alguns doutrinadores, deve ser considerada em nosso ordenamento uma subespécie de dano emergente.

Ao se inserir a perda de chance no conceito de dano emergente, elimina-se o problema da certeza do dano, tendo em vista que, ao contrário de se pretender indenizar o prejuízo decorrente da perda do resultado útil esperado (a vitória na ação judicial, por exemplo), indeniza-se a perda da chance de obter o resultado útil esperado (a possibilidade de ver o recurso examinado por outro órgão de jurisdição capaz de reformar a decisão prejudicial).

Ou seja, não estamos diante de uma hipótese de lucros cessantes em razão da impedida futura vitória, mas de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que restou frustrada.

E conclui:

Por tudo o que foi exposto, entendemos que o ordenamento jurídico brasileiro, assim como o fez o italiano, deve admitir a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance. Isto porque, assim como naquele país, o Brasil possui uma cláusula geral de responsabilidade civil que utiliza um conceito aberto de dano, no qual se insere o dano da parda da chance. Além disso, o Código Civil brasileiro possui expressa disposição a favor da indenização dos danos emergentes [14], espécie de dano no qual se enquadra o dano da perda da chance.

O acolhimento da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance se deve, ainda, à existência, no ordenamento jurídico brasileiro, do princípio da plena reparação dos danos [15].

Por fim, a própria evolução da responsabilidade civil impõe o acolhimento da teoria, uma vez que, por força dos princípios constitucionais, a vítima de um dano injusto passou a ser o foco de atenção do julgador. Na maioria dos casos, aquele que perdeu uma chance séria de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo será considerado vítima de um dano injusto e, por este motivo, deverá ser indenizado.

2.8.À luz da jurisprudência pátria

2.8.1.Civilista

Nesta esteira de entendimento, é pacífica a jurisprudência civilista dos tribunais pátrios, conforme se depreende da ementa do acórdão da lavra do Desembargador, José Arnaldo da Costa Telles, do 1º Tribunal de Alçada Cível [16] do Estado de São Paulo, anotada por Sérgio Savi (op. cit. p. 49), que condenou ex-advogado, por incúria na atuação profissional, a indenizar, por danos morais, ex-constituinte, em virtude de só ter intentada a ação após o decurso do prazo prescricional, que, pela sua similitude, servirá de paradigma a este enfoque, in verbis:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. NEGLIGÊNCIA NA ATUAÇÃO PROFISSIONAL. CARACTERIZAÇÃO. AÇÃO TRABALHISTA PROPOSOTA SÓ APÓS O DECURSO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE, ENTRETANTO, DE AVALIAR O DIREITO DO RECLAMANTE. INDENIZAÇÃO PELA PERDA DA CHANCE DE VER O PLEITO EXAMINADO PELO JUDICIÁRIO. MODALIDADE DE DANO MORAL. RECURSO PROVIDO PARA JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO.

Vejamos, ainda, em igual sentido, acórdão da 14ª Turma da Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que enquadrou a responsabilidade civil do advogado por perda de uma chance como dano moral, cuja ementa ostenta a seguinte redação:

MANDATO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS CAUSADOS EM VIRTUDE DE PERDA DE PRAZO. DANOS MORAIS JULGADOS PROCEDENTES [17].

A responsabilidade do advogado é contratual e decorre especificamente do mandato. Erros crassos como perda de prazo para contestar, recorrer, fazer preparo do recurso ou pleitear alguma diligência importante são evidenciáveis objetivamente. Conjunto probatório contrário à tese do Apelante. É certo que o fato de ter o advogado perdido a oportunidade de recorrer em conseqüência da parda de prazo, caracteriza a negligência profissional. Da análise quanto à existência de nexo de causalidade entre a conduta do Apelante e o resultado prejudicial à Apelada resta evidente que a parte autora da ação teve cerceado o seu direito de ver apreciado o seu recurso à sentença que julgou procedente a reclamação trabalhista, pelo ato do seu mandatário, o qual se comprometera ao seu fiel comprimento, inserido que está, no elenco de deveres e obrigações do advogado, aquele de interpor o recurso à sentença contra a qual irresignou-se o mandante. Houve para a Apelada a perda de uma chance, e nisso reside o seu prejuízo. Estabelecida a certeza de que houve negligência do mandatário, o nexo de causalidade e estabelecido o resultado prejudicial, demonstrado está o dano moral. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

2.8.2.Trabalhista

No âmbito do Direito do Trabalho, outro não é o escólio jurisprudencial, conforme se depreende da ementa do acórdão da 1ª Turma do TRT da 3ª Região, que condenou ex-advogado ao pagamento de indenização por danos morais, em razão de ter deixado transcorrer in albis o prazo de recurso cabível, ipsis verbis:

ADVOGADO – NÃO INTERPOSIÇÃO DE RECURSO CABÍVEL – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – CABIMENTO

Responsabilidade civil dos advogados perante seus constituintes. Ausência de interposição de recurso cabível. Indenização por danos morais e materiais. Controvertem-se doutrina e jurisprudência, sobre se a ausência de interposição de recurso cabível enseja a responsabilidade civil dos advogados perante seus constituintes, merecendo atenta análise cada caso concreto. Na hipótese que um sindicato, atuando como substituto processual, omite-se em recorrer de decisão desfavorável aos substituídos, em época na qual vigora jurisprudência favorável à tese por ele defendida, parece clara a obrigatoriedade de interposição do recurso, porquanto é dever do sindicato, na figura de seu advogado, esgotar todos os graus de jurisdição para atingir o êxito da ação por ele interposta, salvo se o contrato firmado entre o advogado e o cliente/associado possuir limitação expressa quanto à sua atuação. Ausente essa limitação e omitindo-se o advogado em recorrer, o dano ao sindicalizado é evidente, responsabilizando-se o sindicato por seus atos, por caracterizada a culpa in eligendo. Não obstante ser a obrigação do advogado de meio, e não de fim, essa circunstância não exime o dever de agir com a maior cautela, prudência e diligência no curso do processo, maximizando seus esforços no sentido de obter um resultado favorável ao cliente. Todavia, a responsabilidade civil decorrente da omissão só enseja a reparação por danos morais, por frustrar a expectativa dos substituídos em ver seu processo solucionado de forma favorável. Os danos materiais não se caracterizam, porquanto a interposição do recurso criaria somente uma expectativa de êxito, e não a certeza do êxito, não se podendo, na hipótese, cogitar de dano material passível de reparação pecuniária.

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Sobre o autor
Adenor José da Cruz

advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil, vice-diretor da Escola Superior de Advocacia Prof. Amilton de Castro (ESAD), em Ilhéus (BA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Adenor José. Responsabilidade civil do advogado por perda de uma chance de um direito demandado em juízo.: Investigação à luz da legislação, da doutrina e da jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2557, 2 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15102. Acesso em: 5 nov. 2024.

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