3 A CONFIGURAÇÃO DOS DISSÍDIOS COLETIVOS E DO PODER NORMATIVO À LUZ DA EMENDA CONSTITUCIONAL N° 45/2004.
A Emenda Constitucional n° 45/2004, que consubstanciou parte da reforma do Poder Judiciário, foi a responsável por alterar, drasticamente, a estrutura da redação do art. 144 da CRFB, e, conseqüentemente, atribuir nova configuração aos dissídios coletivos, com o nítido propósito de incentivar o manejo da negociação coletiva, como principal técnica de resolução dos conflitos coletivos de trabalho.
Neste particular, foram alterados os § 2° e § 3° do art. 114, conferindo-lhes a seguinte redação:
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito."
A redação anterior do § 3° do mencionado artigo, que previa a execução de ofício das contribuições sociais, foi incluída no inciso VII do mesmo dispositivo legal.
Há que se explicitar, inicialmente, que não são poucos os questionamentos levantados pelos juristas pátrios acerca da alteração constitucional supracitada. Também foram muitas as divergentes interpretações doutrinárias e jurisprudenciais surgidas, razão pela qual as incertezas que permeiam a matéria, sob seus variados ângulos, são significativas.
A fim de tornar mais didático o enfrentamento de todas as questões levantadas sobre a matéria em comento, agrupar-se-á as mesmas em três grupos: dissídios coletivos econômicos, dissídios coletivos jurídicos e dissídios coletivos de greve, analisando as alterações provocadas pela Emenda a cada uma das espécies de dissídios.
3.1O NOVO PANORAMA DOS DISSÍDIOS COLETIVOS ECONÔMICOS
3.1.1Supressão X redução do poder normativo - retirada da expressão "estabelecer normas e condições de trabalho".
A primeira divergência doutrinária quanto aos dissídios coletivos econômicos é a que separa os que defendem que a alteração constitucional em questão extirpou de nosso ordenamento jurídico a figura do poder normativo, daqueles que sustentam ter havido simples restrição ao mesmo.
Tal objeção surgiu da omissão da expressão "podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições de trabalho" na nova redação do § 2° do art. 114 da CRFB, que apenas autoriza a Justiça do Trabalho a "decidir o conflito".
Neste particular, em que pesem as alegações de abalizados juristas, como Walter Wiliam Ripper (2005), Marcos Neves Fava (2005, p. 288-290) e José Augusto Rodrigues Pinto (2005, p. 243), inclino-me ao defendido pela maioria da doutrina e consagrado jurisprudencialmente, em virtude de entender que a interpretação literal por aqueles atribuída à nova redação do dispositivo legal em comento é insatisfatória.
O primeiro sustenta que:
A exclusão da expressão estabelecer normas e condições, ao nosso entender, exclui qualquer possibilidade de manutenção do poder normativo da Justiça do Trabalho e limita suas decisões aos mínimos preceitos legais e às cláusulas anteriormente negociadas, mas, ainda assim, desde que o conflito coletivo seja fundado no conteúdo e não na existência dessas cláusulas, bem como seja proposto de comum acordo das partes e na forma de arbitragem judicial irrecorrível, como anteriormente. O poder criativo da Justiça do Trabalho foi banido quando o legislador propositadamente substituiu a expressão estabelecer normas e condições por decidir o conflito.
José Augusto Rodrigues Pinto, por sua vez, enfatiza que a decisão de um conflito significa o julgamento de pretensões deduzidas em juízo atendo-se aos limites da controvérsia, "[...] o que é muito diferente de quem pode, em face de uma pauta de propostas unilateralmente apresentada pelo suscitante, estabelecer (criar) normas e condições"
Fico com os que defendem que a Emenda Constitucional ora analisada contribuiu apenas para restringir o poder normativo através da fixação de condição para o ajuizamento do mesmo, o que será posteriormente verificado.
Na esteira do sustentado por Arion Sayão Romita (2005, p. 35), entendo que ao autorizar a Justiça do Trabalho a decidir os conflitos coletivos de trabalho, a mencionada alteração constitucional reconheceu sua competência normativa, uma vez que tal ação coletiva só é decidida mediante a fixação de normas e condições de trabalho.
Edson Braz da Silva (2005, p. 1039-1040) também caminha nesta direção, lembrando que nas discussões manifestadas no Fórum Nacional do Trabalho, já citado, apesar de as representações de empregadores e empregados pugnarem pela simples extinção do poder normativo, tal providência não foi a adotada pela reforma constitucional, que apenas condicionou o exercício deste ao comum acordo entre as partes.
Interpretando o processo histórico de elaboração da EC n° 45/2004, em especial os discursos dos blocos congressistas de oposição de idéias, André Luis Spies (2005, p. 300-301) também chega à mesma conclusão, defendendo a permanência do caráter criativo do poder normativo.
Por fim, merece ser apontada a sustentação do Eminente Ministro do TST José Luciano de Castilho (2005, p. 32-34), que fundamenta a manutenção do poder normativo na possibilidade de fixação, por parte do Poder Judiciário Trabalhista, de direito superior ao que está previsto em lei, ainda que sem prévio ajuste em norma coletiva anterior.
É bem de se ver, pois, que a lei é piso e não teto para o exercício do poder normativo.
3.1.2Condições de trabalho anteriormente ajustadas em negociação coletiva
Essas assertivas nos levam, inexoravelmente, à análise de outra modificação da redação original do § 2° do art. 114 da CRFB, através da substituição da expressão "respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho", pela "respeitadas as disposições legais mínimas de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente".
Convém realizar, preliminarmente à perquirição das conseqüências da alteração do dispositivo legal supra apontado, uma análise do alcance atribuído pela doutrina e jurisprudência pátrias à sua redação original.
A interpretação literal da norma em comento, que exigia que a competência normativa da Justiça do Trabalho respeitasse as disposições convencionais mínimas de proteção ao trabalho, levava muitos ao entendimento equivocado de que as cláusulas das convenções e acordos coletivos e individuais deveriam se incorporar aos contratos de trabalho.
Em que pese o argumento acima descrito, prevaleceu, tanto em doutrina, quanto em jurisprudência, o posicionamento contrário, negando a possibilidade de incorporação aos contratos de trabalho das disposições convencionadas anteriormente, entendimento que foi, inclusive, sumulado, no Enunciado n° 277 do TST e consagrado pela OJ n° 322 da SDI-I do TST.
Admitir o oposto consistiria em atribuir a tais instrumentos normativos vigência indeterminada, contrariando o período estipulado pelas próprias partes para duração dos mesmos, e, conseqüentemente, violando tal ato jurídico perfeito.
Como bem observa Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2005, p. 85), a matéria tratada pela regra em comento "[...] não é propriamente a respeito de integração ou não das normas coletivas nos contratos individuais de trabalho, mas sim o critério estabelecido, pela Constituição Federal, para o julgamento do dissídio".
Trata-se não de disposição relativa ao direito individual do trabalho, e sim, de regra de julgamento, fixando limites mínimos ao poder normativo da Justiça do Trabalho, que deverá observar no julgamento do dissídio coletivo de natureza econômica as disposições de norma coletiva anterior, não podendo reduzir vantagens alcançadas por determinada categoria em negociação passada.
É bem de se ver, pois, que as cláusulas constantes dos acordos ou convenções coletivas anteriores só podem ser modificadas em sentido mais favorável aos trabalhadores. A redução dos benefícios alcançados só tem cabimento, excepcionalmente, quando se demonstre que, em face do caráter dinâmico da sociedade e da economia, a cláusula que os estabelece se tornou excessivamente onerosa ou inadequada.
Em consonância com o acima descrito está o posicionamento adotado pelos tribunais regionais trabalhistas e pelo TST.
Caso se defendesse a incorporação de tais normas aos contratos de trabalho, seria forçoso concluir que as mesmas também não poderiam ser alteradas por novos acordos ou convenções coletivas de trabalho, o que não ocorre.
Manoel Antônio Teixeira Filho, com a precisão de raciocínio que lhe é peculiar, enfatiza que a finalidade da norma constitucional em comento reside em
[...] preservar, no julgamento do dissídio coletivo, as cláusulas consensuais, como providência destinada a prestigiar o que se poderia denominar de vontade jurígena (fonte formal do direito), das partes, impedindo, dessa forma, de vir a ser desconsiderada por ato da jurisdição (2005, p. 206).
Por fim, é importante ressaltar que somente se exige da sentença normativa a observância ao mínimo estabelecido por acordo ou convenção coletiva de trabalho, do que se conclui que as disposições constantes de sentença normativa anterior não vinculam o a autoridade julgadora.
Feitas essas considerações acerca do alcance dado à expressão constante do texto originário do art. 114 da CRFB, urge ressaltar que a doutrina, quase que de forma unânime, se pronunciou no sentido de que a nova redação, imposta pela EC n° 45/2004, não difere, substancialmente, da anterior, se apoiando no fundamento de que apenas houve alteração nas fontes formais (disposições legais e disposições convencionadas) a serem respeitadas quando do julgamento do dissídio coletivo de natureza econômica.
É este também o entendimento adotado pelo Colendo TST, como se extrai da leitura do julgado a seguir:
Nesse sentido, segue a decisão ementada: DISSÍDIO COLETIVO - ACORDO PARA SEU AJUIZAMENTO - MANUTENÇÃO DE CLÁUSULAS SOCIAIS ANTERIORMENTE AJUSTADAS EM NEGOCIAÇÃO COLETIVA. A) Na Delegacia Regional do Trabalho a Suscitada diz que retirava suas propostas para aguardar o Dissídio Coletivo. Ajuizado o Dissídio, em 26/1/2005, na audiência de conciliação foi dito pelo Ministro Instrutor que o processo se encontrava devidamente formalizado pela legislação atual e em seguida deu a palavra à Suscitada, que nada disse sobre a necessidade de acordo e foi iniciada uma negociação que, entretanto, não se concretizou. Mas, apresentando a sua resposta, a Suscitada disse que não concordava com o ajuizamento do Dissídio. Não poderia mais manifestar a sua oposição, pois, até então, comportara-se como se concordasse com o mesmo. B)Cláusulas Sociais conquistadas em negociações anteriores devem ser mantidas pela Sentença Normativa por aplicação do § 2º do art. 114 da Constituição Federal com as modificações feitas pela EC nº 45/2005. (Processo: DC - 150085/2005-000-00-00.3 Data de Julgamento: 09/06/2005, Relator Ministro: José Luciano de Castilho Pereira, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DJ 27/06/2005).
3.1.3Exigência do "comum acordo" para ajuizamento do dissídio coletivo
A despeito de terem sido muitas as modificações na redação dos parágrafos do artigo 114 da CRFB, é imperativa a conclusão de que a introdução da exigência de "comum acordo" entre as partes do dissídio coletivo para o ajuizamento do mesmo foi a que gerou o mais significativo debate doutrinário.
Abre-se, inicialmente, parênteses para enfatizar a deficiente redação do § 2° do artigo supracitado, que além de fazer menção ao "comum acordo", como se algum acordo pudesse não ser comum, como se algum acordo não exigisse o consenso entre as partes, utiliza a expressão "dissídio coletivo econômico", nomenclatura que, conforme já analisado, é imprecisa, é mais abrangente do que pretende ser.
É forçoso concluir, preliminarmente ao enfrentamento dos argumentos levantados para a defesa ou a crítica à modificação constitucional em comento, que a implementação da exigência do "comum acordo" ou "mútuo consentimento" foi uma solução moderada que o legislador constituinte encontrou entre o banimento do poder normativo, o que era defendido ardorosamente por muitos e, sua manutenção integral. E, ao entender de alguns juristas, posicionamento ao qual me filio, foi a medida acertada, tendo em vista a realidade das lideranças sindicais de nosso país, que não pode, de modo algum, ser olvidada, conforme de explicitará mais profundamente.
A toda evidência, distintas teses jurídicas já foram levantadas a respeito do requisito em questão, inclusive a de estar o mesmo eivado de inconstitucionalidade, o que fundamentou o ajuizamento de várias Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Até o presente momento, transitam no Supremo Tribunal Federal cinco ADIs contrárias à exigência do "comum acordo", a saber: ADI n° 3392, ADI n° 3423, ADI n° 3431, ADI n° 3432 e ADI n° 3520, todas pendentes de julgamento.
A defesa da inconstitucionalidade acima mencionada se apóia, primordialmente, na ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição ou do livre acesso ao Judiciário, consagrado no art. 5°, inciso XXXV da CRFB, que assim dispõe: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Ainda foram alegadas, em algumas das ações constitucionais citadas, violação ao direito adquirido, ao devido processo legal e ao princípio da razoabilidade.
Abalizados juristas, como Manoel Antônio Teixeira Filho (2005, p. 201-206) e Arnaldo Süssekind (2005, p. 1031-1032), sustentam que a impossibilidade de que o ajuizamento da ação coletiva econômica se dê de modo unilateral pela parte interessada inibe o direito constitucional de ação, direito este que além de ter sido produto do Poder Constituinte Originário, se inclui no rol dos fundamentais, razão pela qual não pode ser atingido pela reforma constitucional.
A ofensa ao mencionado direito se justificaria na presunção de que a convergência de interesses em classes antagônicas para ajuizamento do dissídio dificilmente ocorre, quando já restaram frustradas as tentativas de negociação coletiva ou de arbitragem extrajudicial.
Afastando a exigência do "comum acordo" se manifesta Wilma Nogueira (2005, p.1035), ao defender que a mesma configura a imposição de uma condição impossível e potestativa ao ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica. A seu ver, a condição obriga ao impossível, uma vez que pressupõe o utópico assentimento entre partes discordantes em momento de absurda conflituosidade, uma vez que já fracassaram as tentativas de negociação e de arbitragem voluntária. Além de ser impossível, trata-se de condição potestativa, uma vez que ocasiona a "[...] distribuição, entre as partes litigantes, de um requisito de admissibilidade que, se não satisfeito, prejudicará apenas uma delas, e precisamente aquela que fica submetida ao exclusivo arbítrio da outra [...]".
Os defensores da inconstitucionalidade do requisito em questão sustentam ainda que a inviabilidade do alcance do "mútuo consentimento" será responsável por estimular a deflagração de greves, como instrumento de pressão ao alcance das condições de trabalho almejadas.
Márcio Ribeiro do Valle (2005, p. 103-104) também entende que a imposição do mútuo consentimento seria inconstitucional, em virtude dos motivos explicitados. Por tal razão, realiza uma interpretação da norma em comento conforme a Constituição, concluindo que o intuito do legislador foi apenas o de tornar o "comum acordo" faculdade das partes que pretenderem ajuizar o dissídio coletivo de interesses. Argumenta, por tal razão, que nas hipóteses em que a conciliação não fosse alcançada, seria possível o ajuizamento sem o "comum acordo".
A nosso ver, com o devido respeito aos defensores, trata-se de defesa equivocada. Indubitavelmente, o que a norma constitucional faculta é o ajuizamento do dissídio coletivo, como já fazia em sua redação anterior, e, não, o "comum acordo" para o ajuizamento. Diante da clareza do novo texto constitucional, não há como se negar a exigência de tal requisito.
Em que pesem as alegações de inconstitucionalidade, não parece ser este o entendimento prevalecente tanto em sede doutrinária, quando jurisprudencial. Nesse sentido, colacionam-se posicionamentos de ilustres juristas, bem como recentes decisões dos TRTs e do TST.
A consistência da defesa da constitucionalidade da exigência do comum acordo se funda em diversos argumentos. O principal deles é o de que o princípio da inafastabilidade da jurisdição não se aplica aos dissídios coletivos, uma vez que o exercício do poder normativo não visa ao julgamento de lesão ou ameaça a direitos e sim, à criação de normas que novas condições de trabalho que modificam a relação jurídica existente.
Em virtude de não se tratar o julgamento de dissídios coletivos de natureza econômica de exercício de atividade jurisdicional pelo Estado, a exigência de "comum acordo" para a sua instauração não representa violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.
Assim sustenta Edson Braz da Silva, para quem:
Não há conflito real entre as normas dos artigos 114, §2° e art. 5°, XXXV simplesmente porque cuidam de matérias diferentes. Enquanto na ação normal se objetiva a proteção de direitos, no dissídio coletivo o escopo é a satisfação de interesses que, se acolhidos judicialmente, mediante sentença normativa, transmutam-se em direitos. Portanto, se o art. 5° XXXV proíbe a lei de excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito previamente constituído, esse "é proibido proibir" não [...] refletiria sobre a exigência do comum acordo para o ajuizamento de dissídio coletivo, porque nesse tipo de ação não se invoca direito lesionado ou ameaçado de lesão, somente se pede uma sentença dispositiva para a satisfação de interesses contrariados. (2005, p. 1041)
No mesmo caminho segue o entendimento do Procurador-Geral da República, consubstanciado em parecer prolatado na ADI n° 3432, a seguir descrito:
Ação direta de Inconstitucionalidade em face do § 2° do art. 114 da Constituição, com redação dada pelo art. 1° da Emenda Constitucional n° 45, de 8 de dezembro de 2004. O poder normativo da Justiça do Trabalho, por não ser atividade jurisdicional, não está abrangido pelo âmbito normativo do art. 5°, inciso XXXV, da Constituição da República. Assim sendo, sua restrição pode ser levada a efeito por meio de reforma constitucional, sem que seja violada a cláusula pétrea que estabelece o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário.
Há ainda, aqueles que defendem a constitucionalidade do pré-requisito do "comum acordo", sob outros argumentos, como o de que o princípio de livre acesso ao Judiciário impõe a impossibilidade de a lei excluir a apreciação do Poder Judiciário, e, não, de a Constituição fazer o mesmo. Trata-se de comando impeditivo da atividade da lei, não limitando a atuação constitucional.
Gustavo Filipe Barbosa (2005, p. 80) defende essa posição, comparando a mencionada exigência, com o condicionamento também feito pela Constituição Federal, em seu art. 217, § 1°, ao acesso à jurisdição estatal em ações relativas à disciplina e às competições desportivas após prévio esgotamento das instâncias da justiça desportiva.
Outro argumento que não passa despercebido é o de que o requisito do "mútuo consentimento" não afasta o princípio da inafastabilidade da jurisdição, não exclui a apreciação do dissídio coletivo pelo Poder Judiciário, mas apenas a condiciona ao adimplemento de uma exigência, o que é comumente encontrado na legislação processual.
Tal medida visa, simplesmente, a restringir a possibilidade de ajuizamento do dissídio coletivo econômico, de modo a incentivar o desenvolvimento da negociação coletiva, com o desfecho da controvérsia pelos próprios atores sociais nela envolvidos.
Foi esse o entendimento apresentado na 1ª Jornada de Direito Material Processual da Justiça do Trabalho, realizada em novembro de 2007, consagrado no Enunciado n° 35, que assim dispõe:
Dadas às características das quais se reveste a negociação coletiva, não fere o princípio do acesso à Justiça o pré-requisito do comum acordo (§ 2°, do art. 114 da CRFB) previsto como necessário para a instauração da instância em dissídio coletivo, tendo em vista que a exigência visa a fomentar o desenvolvimento da atividade sindical, possibilitando que os entes sindicais ou a empresa decidam sobre a melhor forma de solução dos conflitos.
Novamente com precisão de raciocínio, Gustavo Filipe Barbosa (2005, p. 80-81) pondera que se na significativa maioria dos sistemas jurídicos sequer existe a figura do dissídio coletivo de natureza econômica, razão não há para se considerar inadmissível o estabelecimento de restrição, por nosso ordenamento jurídico, ao ajuizamento do mesmo.
Fixada a premissa da constitucionalidade de tal alteração constitucional, outro questionamento surgiu em sede de doutrina, acerca da natureza jurídica do requisito do "mútuo consentimento. Urge salientar que não se trata de debate meramente acadêmico, uma vez que são diversas as conseqüências práticas que podem advir da adoção de um ou outro posicionamento, conforme se demonstrará a seguir.
Nesse tocante, houve quem defendesse que a exigência em questão constitui pressuposto processual e quem a caracterizasse como condição da ação coletiva, sustentação que prevaleceu, tanto no âmbito doutrinário, quanto no jurisprudencial.
Os pressupostos processuais são definidos como requisitos de existência e desenvolvimento válido do processo, dividindo-se, conseqüentemente, em dois grupos: de existência e de validade.
As condições da ação, por sua vez, consistem, conforme Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco (2002, p. 258), em requisitos necessários para que legitimamente se possa exigir a prolação de provimento jurisdicional de mérito. São exigências a serem observadas depois de estabelecida regularmente a relação processual. Ainda que esteja ausente alguma condição da ação, terá havido exercício de função jurisdicional.
São reconhecidas em nosso ordenamento jurídico, pela doutrina, três condições da ação, a saber: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade das partes.
Parte considerável dos juristas vem considerando o requisito do "comum acordo" como condição específica da ação de dissídio coletivo econômico, na modalidade interesse de agir.
Também é este o entendimento que vem sendo adotado pela jurisprudência, conforme se extrai do julgado prolatado pelo TST, a seguir descrito:
Ementa:
DISSÍDIO COLETIVO. PARÁGRAFO 2º DO ART. 114 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. EXIGIBILIDADE DA ANUÊNCIA PRÉVIA. Não demonstrado o -comum acordo-, exigido para o ajuizamento do Dissídio Coletivo, consoante a diretriz constitucional, evidencia-se a inviabilidade do exame do mérito da questão controvertida, por ausência de condição da ação, devendo-se extinguir o processo, sem resolução do mérito, à luz do art. 267, inciso VI, do CPC. Preliminar que se acolhe.
(Processo: DC - 165049/2005-000-00-00.4 Data de Julgamento: 21/09/2006, Relator Ministro: Carlos Alberto Reis de Paula, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DJ 29/09/2006)
Enquadrando-se o "comum acordo" como condição da ação, há de se concluir que o mesmo não precisa ser prévio, sendo absolutamente desnecessária a exigência de petição conjunta das partes litigantes do dissídio coletivo econômico. Pode o acordo se manifestar de modo expresso, ou até mesmo tácito, no curso do processo.
Isto porque as condições da ação podem ser preenchidas no curso do processo. Destarte, ainda que não estejam presentes quando do ajuizamento da ação, podem ser obtidas até o julgamento.
Edson Bráz da Silva (2005, p.1042) é um dos que consideram dito requisito como condição da ação, defendendo que o suscitado deve manifestar a sua objeção ao dissídio na primeira oportunidade de falar nos autos, o que se verifica, em tal procedimento especial, no início da audiência de conciliação e instrução, sob pena de ter sido suprido, tacitamente, o requisito do comum acordo.
Por sua vez, Amauri Mascaro Nascimento (2005, p. 193-194) aplaude a decisão de alguns tribunais, no sentido de admitir a configuração do comum acordo quando a empresa ou o sindicato patronal não tiver impugnado as pretensões do sindicato dos trabalhadores durante a negociação coletiva ou o procedimento de mediação ocorrido no Ministério do Trabalho e Emprego.
É bem de se ver, pois, que apenas a hipótese de recusa formal ao dissídio caracteriza a carência da ação e, conseqüentemente, o julgamento da mesma sem a resolução de seu mérito.
Posicionamento contrário teria como efeito a redução drástica dos dissídios ajuizados e do exercício do poder normativo e, conseqüentemente, a deflagração significativa de greves, como único recurso para forçar a análise das reivindicações, o que não é nada conveniente, uma vez que as mesmas, por vezes, não atingem apenas o patronato, mas também necessidades inadiáveis da população.
Tal alegação se justifica em virtude de que em situações nas quais já fracassaram as tentativas de solução pacífica do conflito, os ânimos das partes envolvidas se acirram, razão pela qual dificilmente será alcançado acordo prévio ao ajuizamento do dissídio.
Por tal motivação, Edson Braz da Silva (2005, p. 1043) alerta-nos para a urgente necessidade de os magistrados perquirirem a moderação e legitimidade do uso do direito de recusa por parte da categoria econômica e, em constatando ser tal recusa injustificada, atuarem no sentido de buscar o "comum acordo" entre as partes.
Em virtude de sua abrangência acerca das variadas questões relativas à exigência do comum acordo para a propositura do dissídio coletivo de natureza econômica, entendemos por bastante relevante a transcrição do julgado prolatado pelo TST a seguir:
Ementa:
EXIGÊNCIA DE COMUM ACORDO PARA INSTAURAÇÃO DE DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. CONSTITUCIONALIDADE DA INOVAÇÃO INTRODUZIDA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº45/2004. OPOSIÇÃO DA PARTE ADVERSA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. I - A Emenda Constitucional nº 45/2004 não aboliu o poder normativo da Justiça do Trabalho, nem lhe subtraiu sua função jurisdicional, desautorizando assim a tese sustentada aqui e acolá de que teria passado à condição de mero árbitro, extraída da exigência de comum acordo para instauração do dissídio coletivo. II - A atividade jurisdicional inerente ao poder normativo da Justiça do Trabalho qualifica-se como atividade jurisdicional atípica, na medida em que, diferentemente da atividade judicante exercida no processo comum, não tem por objeto a aplicação de direito preexistente, mas a criação de direito novo, detalhe a partir do qual se pode divisar situação sui generis de ela, na sua atividade precípua como órgão integrante do Judiciário, desfrutar ainda que comedidamente da atividade legiferante inerente ao Poder Legislativo. III - Tendo por norte essa singularidade da atividade jurisdicional cometida à Justiça do Trabalho, no âmbito do dissídio coletivo, mais a constatação de o § 2º, do art. 114, da Constituição ter erigido a negociação coletiva como método privilegiado de composição dos conflitos coletivos de trabalho, não se divisa nenhuma inconstitucionalidade na exigência de comum acordo, para a instauração do dissídio de natureza econômica, no cotejo com o princípio constitucional da inderrogabilidade da jurisdição. IV - Não sendo necessário que a instauração do dissídio de natureza econômica seja precedida de petição conjunta dos contendores, como a princípio o poderia sugerir a locução -comum acordo-, interpretando-a teleologicamente pode-se chegar à conclusão de ela ter sido identificada como pressuposto de válido e regular desenvolvimento do processo de que trata o art. 267, inciso IV, do CPC. V - Descartada a exigência de que os contendores, para provocação da atuação do poder normativo da Justiça do Trabalho, assim o tenham ajustado previamente, cabe apenas verificar se o suscitado a ela se opõe expressamente ou a ela consinta explicita ou tacitamente, no caso de não se insurgir contra a instauração do dissídio de natureza econômica, circunstância que dilucida a não-aplicação, no processo coletivo do trabalho, da ortodoxia do processo comum de se tratar de matéria cognocível de ofício pelo juiz, a teor do § 3º, do art. 267, do CPC, pelo que o seu acolhimento dependerá necessariamente da iniciativa da parte adversa. VI - Como a suscitada expressamente manifestou-se contrária ao ajuizamento do dissídio coletivo, depara-se com a ausência do pressuposto de válido e regular desenvolvimento do processo de que trata o art. 267, inciso IV, do CPC, indutora da sua extinção sem resolução do mérito, a teor do caput daquele artigo. Processo extinto sem resolução do mérito.
(Processo: DC - 165941/2006-000-00-00.4 Data de Julgamento: 14/12/2006, Relator Ministro: Antônio José de Barros Levenhagen, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DJ 16/02/2007).
Por fim, não se pode olvidar acerca da situação dos empregados pertencentes a categorias profissionais representadas por sindicatos frágeis, desprovidos de condições de barganhar benefícios trabalhistas com a categoria econômica correspondente.
Indubitavelmente que sobre eles o efeito da fixação da exigência do "comum acordo" será ainda mais perverso, uma vez que a recusa injustificada da categoria econômica em participar do dissídio coletivo levaria à absoluta falta de proteção a tais trabalhadores.
Por tal razão, a alteração constitucional em questão deveria ter sido precedida de uma reforma sindical efetiva, indispensável para uma alteração significativa de nossa realidade sindical.
A fim de solucionar tal celeuma, pelo menos até que um novo panorama sindical se verifique em nosso país, entendo como acertada a proposição de Enoque Ribeiro dos Santos (2005) e Júlio Bernardo do Carmo (2005, p. 596), no sentido de se admitir o suprimento da falta do "comum acordo" por declaração judicial, em se tratando de dissídio no qual figure sindicato profissional desprovido de força de persuasão. O sindicato deverá, ao instaurar o dissídio, requisitar o suprimento judicial do "comum acordo", por meio da tutela específica, prevista no art. 461 do CPC.
Essa sugestão se fundamenta no argumento de que na hipótese em comento a recusa deve ser considerada abusiva, razão pela qual a condição do "comum acordo" corresponderá à imposição de cláusula potestativa e, portanto, proibida pelo art. 122 do Código Civil de 2002.
3.1.4 Instituição de juízo arbitral
Diante da fixação da exigência do "comum acordo" para o ajuizamento dos dissídios coletivos de natureza econômica, foi levantada doutrinariamente a sustentação de que a EC n° 45/2004 os transformou em exercício de juízo arbitral público ou oficial.
Isto porque ao consentirem em ajuizar o dissídio coletivo econômico, as partes litigantes acabam por eleger um terceiro, o Estado-juiz, transmitindo a este a possibilidade de decidir o conflito e impor-lhes a decisão.
Em que pesem tais argumentos, filiamo-nos à corrente que defende posicionamento em sentido contrário. A toda evidência, a EC n° 45/2004 não extinguiu o poder normativo, mas apenas condicionou o ajuizamento dos dissídios coletivos de natureza econômica, reduzindo o âmbito de exercício do mesmo.
A simples fixação da exigência do "comum acordo" não é condicionante da transformação da espécie de dissídios supramencionada em juízo arbitral, uma vez que a arbitragem pressupõe outros elementos.
Arion Sayão Romita (2005, p. 30-31) elenca significativas diferenças entre a atividade do árbitro, desempenhada na arbitragem e o exercício do poder normativo, manifestado nos dissídios coletivos econômicos.
A principal delas reside na circunstância de que, enquanto a decisão arbitral não constitui fonte de direito, nos dissídios coletivos econômicos se verifica a criação de normas jurídicas aplicáveis a dada categoria por meio de sentença normativa, cujos efeitos se projetam para o futuro.
Conforme Gustavo Filipe Barbosa (2005, p. 82-83), a própria Carta Magna distingue os dissídios coletivos econômicos, forma jurisdicional de solução dos conflitos, da arbitragem, uma vez que menciona esta última de modo específico, facultando, nos §§ 1° e 2° do art. 114, a eleição de árbitros pelas partes envolvidas.
Além disto, cumpre observar que a nova redação de tal dispositivo constitucional ao fazer referência a "ajuizar o dissídio coletivo", reitera expressamente o caráter de ação judicial dos dissídios coletivos, pois somente as ações judiciais são ajuizadas.
Tal discussão, novamente, não é meramente acadêmica, uma vez que o consentimento com a tese que defende a transformação do poder normativo em arbitragem enseja a aplicação, aos dissídios coletivos de natureza econômica, de procedimento absolutamente distinto do anteriormente utilizado. Deverão ser observadas as disposições da Lei n° 9307/96, a norma responsável por regulamentar a arbitragem no sistema jurídico pátrio, que prevê, dentre outras regras, a impossibilidade de interposição de recurso em face da sentença arbitral.
A irrecorribilidade da mencionada decisão se sustenta na inexistência de lógica em se admitir a interposição de recurso em face de decisão prolatada por alguém livremente escolhido pelas partes para tanto, por meio de convenção de arbitragem.
Ocorre que nos dissídios coletivos econômicos, o "comum acordo" pressupõe apenas o consentimento das partes de submeter o conflito à apreciação do Estado-juiz, enquanto na arbitragem, o compromisso arbitral consiste na concordância com a decisão que será prolatada pelo árbitro.
Em razão de entendermos que a ação coletiva em questão não foi transformada em arbitragem, a despeito de ter dela se aproximado, ressaltamos que as disposições relativas ao procedimento a ser adotado na mesma não foram alteradas pela emenda constitucional em questão.
Brilhantemente, Wilma Nogueira da Silva (2005, p. 1036) observa que as restrições presentes no sistema de arbitragem, como a irrecorribilidade das decisões e a impossibilidade do emprego da defesa indireta, em virtude dos elementos de perpetuação história presentes na essência do sistema processual brasileiro, "[...] não se aplicam à ação coletiva, que não prescinde do direito ao contraditório e à ampla defesa e tampouco alija as partes do acesso ao duplo grau de jurisdição".
A única modificação implementada no trâmite dos dissídios coletivos de natureza econômica pela fixação da exigência do requisito do "comum acordo", foi ter tornado prejudicada a possibilidade de extensão das decisões neles proferidas aos integrantes da categoria profissional, se os empregadores respectivos não tiverem sido parte no processo. É bem de se ver, pois, que não foram recepcionados pela EC n° 45/2004 os arts. 869 e 870 da CLT.
3.2 O NOVO PANORAMA DOS DISSÍDIOS COLETIVOS JURÍDICOS
A alteração do art. 114 da Constituição Federal também gerou polêmica no que diz respeito à figura dos dissídios coletivos jurídicos, especialmente quanto à sua manutenção em nosso ordenamento jurídico.
Tal dúvida surgiu, simplesmente, em virtude de na nova redação do artigo constitucional modificado ter sido acrescentado o termo "de natureza econômica", ao lado da expressão "dissídio coletivo", sem fazer menção ao dissídio coletivo de natureza jurídica.
Quase que de forma unânime a doutrina se manifestou no sentido de que os dissídios coletivos de natureza jurídica não sofreram alteração, uma vez que o anterior art. 114 da CRFB/88, assim como as Constituições anteriores também não lhes fizeram referência expressa. Ora, se sua existência jamais foi questionada, não há razões para o ser agora. A nova ordem constitucional, de modo algum, é incompatível, inconciliável com os mesmos.
Além disso, há que se ressaltar que a possibilidade de proposição dos dissídios coletivos de natureza jurídica se encontra tacitamente inserida na competência genérica atribuída à Justiça do Trabalho para julgar as lides decorrentes da relação de trabalho, prevista no art. 114, inciso I da CRFB.
Ora, tal figura consiste na ação judicial destinada a fixar a interpretação de dado texto normativo, de modo a solucionar o conflito coletivo de trabalho surgido da relação empregatícia. Por tal razão, não haveria necessidade de a mesma ter sido mencionada pelo § 2° do artigo supracitado.
Soma-se a tal argumento a circunstância de que esta espécie de dissídio coletivo, a despeito de não ser expressamente prevista na Constituição, foi consagrada em sede infraconstitucional, pela Lei n° 7.701/88, em seu art. 1°.
Outra dúvida surgida diz respeito à possibilidade de extensão da exigência do "comum acordo" aos dissídios coletivos jurídicos. Também neste particular, inicialmente parece prevalecer, tanto em sede doutrinária quanto jurisprudencial, o entendimento de não ter havido modificação, sendo o mútuo consentimento entre as partes desnecessário para o ajuizamento desta modalidade de dissídio.
Isto porque o novo art. 114, quando exige o "comum acordo", refere-se expressamente ao dissídio coletivo de natureza econômica. Como se trata de uma restrição ao acesso à jurisdição, deve a mesma ser interpretada restritivamente, sem alargamento a outras espécies de dissídios.
Argumenta-se ainda que como a estipulação do requisito do mútuo consentimento teve nítido propósito de estimular a negociação coletiva, não há razão para exigi-lo também para o ajuizamento dos dissídios coletivos de natureza jurídica, uma vez que estes não exigem a negociação prévia. Neste particular, cumpre observar que OJ 06 da SDC do TST, que exigia a negociação coletiva prévia ao ajuizamento do dissídio coletivo de natureza jurídica, foi cancelada em 2000.
Ressalte-se, por fim, que tal entendimento vem sendo adotado significativamente pelos tribunais regionais pátrios, bem como pelo TST.
3.3 O NOVO PANORAMA DOS DISSÍDIOS COLETIVOS DE GREVE
Por fim, cumpre analisar as modificações impostas aos dissídios coletivos de greve pela EC n° 45/2004, que atribuiu ao § 3° do art. 114 de nossa Constituição Federal a seguinte redação: "Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito".
Apenas a fim de atribuir uma visão sistêmica ao dispositivo legal indicado, salienta-se que a matéria pertinente à execução de ofício das contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças prolatadas no âmbito da Justiça do Trabalho, anteriormente por ele tratada, passa, coma EC n° 45/2004, a ser abordada no inciso VIII do mesmo artigo.
Inicialmente, questiona-se o efeito da mencionada alteração na competência do Ministério Público do Trabalho para o ajuizamento do dissídio coletivo de greve. O entendimento majoritário é o que defende que apesar de ter tal legitimidade sido erigida a nível constitucional, foi a mesma, indubitavelmente, reduzida.
Isto porque, se antes da EC n° 45/2004, o Parquet laboral possuía, à luz do art. 8°, Lei 7783/89, atribuição para o ajuizamento dos dissídios coletivos de greve, independentemente do tipo de atividade exercida pela categoria profissional envolvida no conflito coletivo, agora o panorama se modificou.
A nova norma disposta no parágrafo em questão, além de elevar ao patamar constitucional a legitimidade do MPT para ajuizamento dos dissídios coletivos de greve, expressamente a restringe às situações nas quais a greve se verifique em atividade essencial à sociedade, com possibilidade de lesão ao interesse público.
Não há como negar que a alteração constitucional regulou integralmente a legitimidade do MPT, nas hipóteses de greve. Nesse sentido entende o Ministro do TST José Luciano de Castilho (2005, p. 35), para quem: "Não pretendesse a Carta restringir a legitimidade do Ministério Público do Trabalho, ela não precisaria dizer nada, em face dos termos do citado art. 8° da Lei n° 7783/89".
Abre-se, neste momento, parênteses para observar que as atividades essenciais são as elencadas no art. 10, da supracitada lei, a saber: tratamento e abastecimento de água, produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis, assistência médica e hospitalar, distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos, funerários, transporte coletivo, captação e tratamento de esgoto e lixo, telecomunicações, guarda, uso e controle de substâncias radioativas, de equipamentos e de materiais nucleares, processamento de dados ligados a serviços essenciais, controle de tráfego aéreo e compensação bancária.
A finalidade da norma, indubitavelmente, foi a de limitar a legitimidade do MPT às ações coletivas de greve, quando estiver em jogo alguma das atividades acima descritas, se coadunando com as atribuições impostas a tal entidade de proteção à sociedade e ao interesse público.
Foi levada em consideração a circunstância de que nas greves em atividades essenciais, além das categorias econômicas, são prejudicados também os cidadãos, que são dependentes dos serviços essenciais prestados, razão pela qual há o interesse de que tais greves durem o mínimo possível, sendo plenamente justificada a intervenção do MPT.
Essa limitação da legitimidade se fundamenta, assim como as demais matérias objetos da alteração do art. 114, da CRFB, no estímulo à negociação coletiva.
Questionou-se, ainda, se a EC n° 45/2004 estabeleceu a exclusividade da legitimidade para ajuizamento dos dissídios coletivos de greve ao MPT, excluindo a possibilidade de as partes envolvidas no conflito proporem tais ações.
Nesse particular, a doutrina, de modo unânime, defendeu o último posicionamento, em virtude de a Carta Magna ter apenas consagrado a faculdade de ajuizamento de tal espécie de dissídio coletivo ao MPT, do que, indubitavelmente, não decorre a impossibilidade de as partes a ajuizarem. O silêncio do dispositivo constitucional analisado não pode significar a ilegitimidade das partes, tendo em vista que a Carta Magna anterior também não lhe fazia menção e nem por isso havia questionamento neste sentido.
Consentindo-se com a manutenção da legitimidade das partes para a ação coletiva de greve, torna-se fundamental a perquirição acerca da necessidade ou não de haver "comum acordo" entre elas para o ajuizamento da mesma.
Há quem defenda que deverá exigido o consenso entre as partes quando a ação coletiva de greve pretender, além da declaração da legalidade ou ilegalidade do movimento, o julgamento de parcela econômica reivindicada, sob o argumento de que o legislador foi bastante claro ao condicionar o ajuizamento dos dissídios coletivos econômicos ao mútuo consentimento.
É bem de se ver que em havendo pedido de julgamento da pauta de reivindicações grevistas, o dissídio coletivo de greve terá feição de dissídio coletivo econômico, buscando a satisfação de interesses econômicos. Assim sendo, imperioso seria o preenchimento do requisito do "comum acordo" entre as partes.
Em concordância com o alegado, entendem abalizados juristas como Edson Braz da Silva (2005, p. 1045), José Luciano de Castilho (2005, p. 36), Amauri Mascaro Nascimento (2005, p. 196), Arion Sayão Romita (2005, p. 28) e Manoel Antônio Teixeira Filho (2005, p. 211), que, apesar de entender pela inconstitucionalidade da exigência em questão, defende que em sendo a mesma considerada constitucional, deverá ser manifestada nos dissídios de greve.
Em sentido contrário já se posicionou Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2005, p. 81), para quem o requisito do consentimento entre as partes é exigível apenas para os dissídios coletivos econômicos "tradicionais", puros, típicos, e não para os dissídios de greve, que possuem regulamentação própria.
Argumenta que outro entendimento viola o princípio da razoabilidade, uma vez que na "[...] greve, normalmente os ânimos se encontram mais acirrados, dificultando o consenso entre as partes até mesmo a respeito do ajuizamento do dissídio coletivo, não sendo adequado eternizar o impasse e a paralisação coletiva do trabalho [...]".
A jurisprudência vem realizando uma interpretação sistemática do §3° do art. 114, da CRFB, com seu inciso II, que fixa a competência da Justiça do Trabalho para julgar todo conflito decorrente de movimentos grevistas.
A toda evidência, em sendo o dispositivo legal que estabelece o requisito do "comum acordo" um mero parágrafo do art. 114, não pode o mesmo restringir a norma estabelecida no caput do artigo. Trata-se, conforme argumentam José Eduardo Duarte Saad e Carlos Eduardo Souza Saad (2005, p. 1048-1051), de regra básica da interpretação, segundo a qual o contido em um parágrafo não pode limitar o estabelecido no caput de um artigo.
Impõe indicar a observação feita por André Luis Spies (2005, p. 302), no sentido de que o anteprojeto de lei relativo à reforma sindical encaminhado para votação prevê, em seu art. 182, que "[...] apenas mediante requerimento formulado em conjunto pelos atores coletivos envolvidos na greve, o Tribunal do Trabalho poderá criar, modificar ou extinguir condições de trabalho".
Em sendo tal modificação aprovada, será posto um ponto final nos questionamentos levantados acerca do alcance da exigência do "comum acordo" para o ajuizamento dos dissídios coletivos.