1. INTRODUÇÃO
A revolução industrial provocou profundas transformações na Europa a partir do século XVIII. Ocorre que o artesão, que detinha os meios de produção e o produto de seu trabalho, naquele momento se tornava um membro da grande massa de operários a trabalhar nas oficinas e fábricas, privado de tudo. Isso porque as ferramentas e as matérias primas não eram mais suas, não sendo mais ele soberano de si mesmo e não mais se identificando com o produto de seu labor.
A industrialização engendrou uma crise social que atingiu níveis gigantescos. A permuta do homem pela máquina, na mesma medida em que majorava a produção, gerava uma grande quantidade de desempregados. Concorrendo com as fábricas, os artesãos faliam prontamente. Ademais, por ser o trabalho operário um exercício mecânico de alguma atividade, que não exige técnica, nem raciocínio, logo se constatou que a utilização de mulheres e crianças seria extremamente vantajosa, já que mais barata. A questão é que as horrendas condições em que trabalhavam só poderiam ter como consequência a enorme mortalidade infantil e sua desnutrição. Ademais, ao se processar a divisão social do trabalho, separam-se aqueles que pensam daqueles que agem. Daí que "a segmentarização do trabalho acabou por dividir também o saber do trabalhador" (Cotrim, 1999, p. 233-234).
A história da sociedade capitalista envolve, absolutamente, uma decisiva luta de classes. Enquanto os comerciantes organizam-se através do Estado Liberal, os proletários constituem-se em sindicatos e associações profissionais. Na primeira metade do século XIX, já se percebe esse enfrentamento através de greves e revoltas proletárias nos anos de 1830, 1848 e 1871 na França e sua intensa repressão pela burguesia. Com tais conflitos, verifica-se que as ilusões heroicas da Igualdade, Liberdade e Fraternidade da Revolução Francesa na verdade caem por terra. Isso porque todos os homens nasciam iguais, mas uns eram ricos e muitos, pobres. Ademais, todos eram livres, mas a massa de trabalhadores só tinha uma "liberdade": a de vender sua força de trabalho.
Em 1848 verifica-se um marco divisor. A partir daí, ou o pensamento sobre a sociedade se identifica com o movimento operário (pensamento social de Marx), ou se contrasta com ele (pensamento de veias restauradoras)1 .
A obra de Karl Marx não surge, portanto, na cultura e na história ocidentais por acaso. Ela é resultante desse contexto sócio-político determinado. É uma resposta aos problemas colocados pela sociedade burguesa e uma proposta de intervenção que tem como centro a classe operária. Com efeito, o autor pretende através da fusão de todo patrimônio cultural existente até ele com a intervenção política do proletariado, um modo novo de ver a sociedade burguesa: compreendê-la para suprimi-la! O conhecimento dessa sociedade é estreitamente relacionado ao projeto de destruição dela. E é esse projeto que imputa à filosofia de Marx um caráter essencialmente crítico. Para o autor, o filósofo não deve se restringir ao campo do pensamento e não lhe dar aplicação prática; e também não deve contentar-se com a mera constatação dos fatos. Ele deve proceder elaborando um pensamento que se sedimente num compromisso com o social, com a práxis, com a ação política transformadora da realidade existente (Marx e Engels, 1998).
2. O PENSAMENTO SOCIAL DE MARX
Marx, junto à colaboração essencial de Engels, produziu um julgamento do capitalismo jamais visto. Com o Manifesto do Partido Comunista (1848), conclamou todos os trabalhadores, independente de suas nacionalidades, à união contra o Capitalismo (sendo que o processo de sindicalização tomou grande impulso a partir daí) (Marx e Engels, 2000). O pensamento do autor visa armar ideologicamente o proletariado; demonstrar com rigor científico a injustiça essencial do sistema e incitar a classe dominada a lutar por reformas político-econômico-sociais.
Na elaboração de sua doutrina social, o autor recebeu influência de três "teorias" em voga na Europa:
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a) A Economia Política, destacando-se os nomes de Adam Smith e David Ricardo. Dela, Marx recupera a noção de trabalho-valor, observando, porém, que a realização do capital, a acumulação de riquezas não é produzida pelo trabalho em qualquer de suas formas, mas pelo trabalho não-pago;
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b) O Socialismo Utópico, que denunciou a miséria da vida sob o capitalismo, a exploração do homem pelo homem. Deste, o autor retoma a exploração, mas não sob uma óptica pretensora de conciliação, numa sociedade ideal, dos princípios liberais com as necessidades emergentes do operariado e sim sob uma perspectiva de constatação de que, em verdade, os desacordos entre os interesses da burguesia e os do proletariado constituem uma mola que move o sistema capitalista e que é essencial à sua existência, conforme ensinamentos de Gilberto Cotrim (1999). Marx afirma que as tentativas de união de tais ideias são meramente ilusórias, restando, portanto, à prole a alternativa revolucionária de modo a interromper as contradições brutais do capitalismo;
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c) A Filosofia Clássica Alemã, representada principalmente por Feurbach e Hegel. Daquele, Marx incorpora o materialismo. Entretanto, não em sentido filosófico, mas sob uma perspectiva histórica, porque "a sociedade, o Estado e o Direito não surgem de decretos divinos, mas dependem da ação concreta dos homens na História" (Chauí, 2001, p. 409). Já com relação a Hegel, o autor recupera a sua dialética, que diz ser o mundo movido por contradições (natureza/homem, capital/trabalho, campo/cidade), sendo que em vez da natureza circular da dialética de Hegel, formada por tese, antítese e síntese, Marx propõe uma espiral, na qual a "síntese" seria também uma "tese" para uma nova "antítese". Além disso, ao contrário de Hegel, que era um filósofo idealista ou especulativo, o autor era materialista. Este dizia ser a ação anterior ao pensamento e que o trabalho seria material, transformador da realidade, da natureza, em oposição ao trabalho espiritual de Hegel.
Marx propõe, através do Materialismo Histórico, que os homens não são meros seres contemplativos do mundo, não são apenas produto do meio (refutando, portanto, as teses deterministas), mas são também produtores da História. Para ele, como já foi dito, o modo de produção capitalista é sustentado por inúmeras contradições, sendo que elas se dão essencialmente no plano das classes sociais. Estas são a burguesia, aqui como classe detentora dos meios de produção e, portanto, dominante; e o proletariado, que tem como única riqueza o seu trabalho, tendo que o vender para sobreviver. Afirma também que as forças produtivas estão em constante desenvolvimento. Isso geraria uma competição entre os próprios capitalistas, na qual o vencedor seria o burguês que detivesse as mais avançadas técnicas produtivas. Como resultado, ter-se-ia uma redução do número de capitalistas e o aumento do montante da classe dominada, isto é, nos dizeres de Marx e Engels (2000), o capitalismo estaria criando o seu próprio coveiro. Esse desequilíbrio numérico cresceria tanto que seria inevitável uma revolução, pela qual a classe dominada chegaria ao poder e depois de um período de transição (o socialismo), instalar-se-ia uma sociedade sem classes.
A exploração dos trabalhadores seria essencial à ordem capitalista. Ela é caracterizada através da mais-valia. O professor Cláudio Vicentino (1997) explica que a mais valia corresponde ao valor da riqueza produzida pelo operário além do valor remunerado de sua força de trabalho. Tal diferença seria apropriada pelos capitalistas, sendo ela um fator crescente e imprescindível de capitalização da burguesia.
O autor analisa a sociedade dividindo o esqueleto social em duas partes: a infraestrutura, na qual surgiriam as classes sociais, a que ele chama de base material e dentro da qual desenvolver-se-iam todas as relações sociais de produção através das forças produtivas.
Para a compreensão da infraestrutura, é necessário entender que o acontecimento das lutas de classe nesta constituem o motor do modo de produção. Este é concebido como o meio através do qual os indivíduos produzem suas condições materiais de existência. Outro termo necessário definir são as forças produtivas. Segundo Augustin Cueva (1974), estas denotam as ferramentas por intermédio das quais poder-se-ia obter produtividade, isto é, a força de trabalho + tecnologia + terras + conhecimento. Ademais, as interações entre os indivíduos, ou destes com a natureza, ocorridas na infraestrutura, chamam-se relações sociais de produção.
Sobre essa infraestrutura material levantar-se-ia a superestrutura. Esta seria a reprodutora da dominação estabelecida naquela e seria composta por duas instâncias: uma delas é a jurídico-política, que tem por função mediar as relações materiais e tem como expressões máximas: o Direito (demonstração da luta de classes, sendo a lei vista como a consagração da ideologia burguesa) e a Burocracia, definida como um corpo de funcionários orientados a perpetuar as condições vividas na infraestrutura. A outra instância é a ideológica, na qual seriam construídos valores, ideias e representações que afirmariam as discrepâncias entre as classes sociais.
As classes sociais constituem a base de todo o pensamento do autor. Elas são determinadas pela posição que um grupo de indivíduos possui nas relações sociais de produção. Essa posição seria determinada pela propriedade ou não de bens. O grupo que os possuísse seria a classe dominante e o que não os detivesse, a classe dominada. As relações entre essas classes nascem na infraestrutura, sendo afirmadas, mantidas e reproduzidas pela esfera superestrutural (que também tem o papel de reprimir ataques ao status quo). Em última instância, Marx considera que as relações econômicas (infraestrutura) determinam o corpo superestrutural (Cueva, 1974).
Envolvendo ainda o tema das classes sociais, o autor desenvolve os conceitos de classe em si e classe para si. No momento em que um grupo de pessoas tem interesses comuns, um peculiar modo de vida, uma cultura característica, é formada uma classe em si, resultante da divisão social do trabalho, da matriz econômica. Quando esse grupo é capaz de lutar pelos seus interesses, atuando sobre a infraestrutura, e transformando-a, ele se torna classe para si, sujeito histórico da práxis. É essa transformação que Marx quer para o proletariado. Isso porque, como se pode abstrair dos ensinamentos de José Murilo de Carvalho, em sua obra Cidadania no Brasil, "não adianta haver uma grande massa de trabalhadores, se estes não pensam como proletários, mas como burgueses"2 (Carvalho, 2001, p. 228-229).
3. MARX E A IDEOLOGIA
É bom que se compreenda a análise que Marx e Engels fizeram na Ideologia Alemã sobre a alienação, modificando algumas considerações de Hegel. Enquanto este falava em ideologia do espírito, Marx concebia a ideologia material. Marilena Chauí (1984) relata que para o primeiro, a ideologia acontece quando o indivíduo não se reconhece como sujeito produtor da realidade.
Entretanto, para Marx essa seria apenas um reflexo de algo superior que existe por trás: a alienação material (econômica). Nesse contexto, Marx argumentava que, paralelamente às ideias materiais, deveriam nascer as ideias dos homens. O problema é que à maioria deles não é dado o direito de saber que são produtores de ideias. Esta maioria apenas aceita e interioriza as da classe dominante. Isso porque há uma separação entre o produtor de ideias e as ideias propriamente ditas. A divisão social do trabalho, ao invés de gerar harmonia social, criou a ideologia, e esta, a alienação. Assim, um trabalhador de uma fábrica de parafusos, por exemplo, que é responsável apenas por pregar a cabeça dos mesmos, não conseguirá interiorizar ao entrar numa loja que aquilo é produto de seu trabalho. Isso porque a divisão social do trabalho divide o saber do trabalhador!
Ademais, Marx fala em reificação. Ele afirma que processos inteiros são transformadas em meras coisas alheias aos homens e às suas relações (por exemplo, o capital que é uma relação, aparece como dinheiro, equipamentos, etc.). O autor conecta, portanto, à alienação e à reificação, o fetichismo da mercadoria, explicando que elas são instrumentos de dominação, exploração e de opressão burgueses (Chauí, 1984). A classe dominante inventa uma realidade (de pensamentos, representações) universal, quando na verdade se sabe que ela não é homogênia. Isso porque cada classe possui seus anseios. A questão é que a burguesia expõe de maneira sutil que suas ideias são úteis para toda a sociedade. O pensamento ideológico é abstrato, imediato e aparente. Os objetos são vistos como se tivessem vida própria, não sendo questionados de onde vêm (é importante notar que o capitalismo tira o homem do centro das relações e põe o capital). Assim, até sentimentos humanos pertencem ao mundo financeiro. Quando se acorda pela manhã e se liga a televisão, a primeira notícia que se vê é: a bolsa acordou em choque, ela sofreu uma queda, está em crise, ou mesmo cambaleia. Só o que falta é ela amar, chorar ou sonhar!
Ele é abstrato porque se afasta de como as ideias deveriam ser, é um produto da consciência. É imediato porque é o que se vê primeiro, como se fosse um cartão de visitas3. A ideologia se opõe, então, ao concreto, real, e mediato. Ela é um processo de separação entre o saber intelectual e a produção da vida real. Isto porque o trabalhador não consegue pensar sobre o que tem por trás daquilo que é posto como verdade. Ela inverte e abstrai a realidade, omitindo a base real da história (a divisão social) ou invertendo-a; troca-se a causa pelo efeito, ou o sujeito pelo objeto (Chauí, 1984).
Em outras palavras, os trabalhadores não só não se reconhecem como autores ou produtores das mercadorias, mas ainda acreditam que elas valem o preço que custam e que não podem tê-las porque valem mais do que eles.
4. O ESTADO E O DIREITO NA VISÃO DE MARX
O autor concebe o Estado não como curador social que tem por função obter o bem comum da sociedade e proteger os interesses universais, como pensou Durkheim, nem também como o Estado ético-racional, perene, sem história, superior a sociedade civil, como propunha Hegel. Ele analisa-o relacionado à realidade política como reflexo da sociedade civil e, portanto, como decorrente de uma luta de classes. O Estado, para o autor, localiza-se na esfera superestrutural, sendo seu surgimento necessário para ordenar essa luta de classes, amenizando-a. Fazendo isso, o Estado atende aos interesses dos proprietários4, já que a intensificação dos conflitos pode gerar uma superação da realidade e à classe dominante interessa a permanência da situação vigente.
Para ele, o Estado é o braço repressivo da burguesia. Ele utiliza-se da coerção para garantir a ordem infraestrutural. Marx teoriza que as forças produtivas do modo de produção capitalista deveriam ser desenvolvidas ao máximo até as contradições entre as classes tornarem-se insuportáveis. Nesse momento, o povo chegaria ao poder e as decisões seriam tomadas pela própria massa popular. Dentre essas decisões, estaria a socialização das propriedades, enquanto que o Estado, e consequentemente o Direito (já que este é produto daquele) iriam perdendo as suas funções até se extinguirem completamente. Isso porque tais institutos não seriam mais necessários numa sociedade na qual todas as pessoas estariam numa mesma situação diante da base material (não existiriam mais classes sociais, então não haveria mais necessidade de algo que regulasse as contradições entre elas).
O Estado é a expressão legal – jurídica e policial – dos interesses de uma classe social particular, a classe dos proprietários privados dos meios de produção ou classe dominante. Ele "não é uma imposição divina aos homens nem é o resultado de um pacto ou contrato social, mas é a maneira pela qual a classe dominante de uma época e de uma sociedade determinadas garante seus interesses e sua dominação sobre o todo social" (Chauí, 2001, p. 411).
O Direito configura-se como fenômeno social, produto também das contradições provenientes da base material. Seu estudo, desse modo, há de ser feito relacionado a outras ciências (especialmente a Economia), porquanto incorpora valores sociais. Essa tese é veementemente contraposta por Hans Kelsen, eminente jurista austríaco, de formação positivista, que defendeu a teoria pura do Direito, sob o fundamento de que para a construção de um conhecimento consistentemente científico o Direito deve abstrair-se dos aspectos políticos, morais, econômicos e históricos (Kelsen, 2000). No entanto, um pensamento coerente e estruturado não admite um estudo do Direito isolado das demais ciências, de maneira que a teoria pura do Direito de Kelsen sucumbiu ante a clareza com que a palavra Direito designa um acontecimento que tem conexão com outro conjunto de fenômenos sociais que se inscrevem no contexto do exercício do poder em uma sociedade.
Karl Marx organizou uma tese em que o Direito, como regra de conduta coercitiva, nasce da ideologia da classe dominante, que é precisamente a classe burguesa. O Direito é percebido como síntese de um processo dialético de conflito de interesses entre as classes sociais, que Marx denominou de luta de classes.
O autor acreditava existir uma influência incrivelmente forte do poder econômico sobre o Direito, atingindo também a cultura, a história e as relações sociais. Assim, a dominação econômica de uns poucos sobre tantos outros se legitima por intermédio de um Estado de Direito, cujo princípio capital é a lei.
Em suma, "tanto as relações jurídicas quanto as formas de Estado não podem ser compreendidas nem por si mesmas, nem pela chamada revolução geral do espírito humano, mas antes têm suas raízes nas condições materiais de existência" (Marx e Engels, apud Bobbio, 2000, p. 129). Ademais, o Direito não nasce espontaneamente dessas relações, mas é posto pela vontade. O problema que se verifica é que tal vontade é somente aquela dos que possuem o poder estatal, ou seja, a vontade da classe dominante, sendo o Direito expresso de um lado pela lei e, de outro, como o conteúdo determinado dessa lei.
5. CONCLUSÃO
A obra de Marx é inegavelmente de suma importância para a Idade Contemporânea, seja na Filosofia, Economia Política, na Sociologia ou no Direito. Ela não constituiu apenas um grito de dor do proletariado, já que sua dialética econômica da história denunciou "uma guerra ininterrupta entre homens livres e escravos, patrícios e plebeus, burgueses e operários, enfim, entre dominantes e dominados" (Marx e Engels, 2000, p. 45), mas não se restringiu a isso. Propôs uma mudança através da revolução proletária. É então, impossível desconsiderar o pensamento de Marx em seu profundo papel modificador e crítico da sociedade.
De seus ensinamentos não se pode abstrair uma teoria sistêmica sobre o Direito. Apesar disso, através de seus escritos, evidencia-se um direito de papel decisivo na fixação das contradições do Sistema Social Ocidental. O Direito coloca-se muito mais que um instrumento pacificador dos conflitos sociais. Isso porque sob sua perspectiva ideológica verifica-se que o Direito representa um discurso do Poder.
De fato, o Direito, assim como a Justiça, não é um fenômeno universal, conforme a classe dominante insiste em afirmar. Como bem ressalta o professor Roberto Aguiar, in verbis:
as normas jurídicas e os ordenamentos jurídicos, como todos os atos normativos editados pelo poder de um dado Estado, traduzem de forma explícita, seja em seu conteúdo, seja pelas práticas que o sustentam, as características, interesses, e ideologia dos grupos que legislam. (Aguiar, 1999, p. 115).
Assim, o Direito não pode ser entendido como um acontecimento neutro e desinteressado nas lutas de classes. Ele não é idealista, mas vinculado à práxis. Prova disso é que quando ocorre uma revolução, a primeira mudança ocorre na esfera jurídica. Esta irá traduzir outros interesses. Afinal: "ninguém legisla contra si mesmo" (Aguiar, 1999, p. 116).
Ora, as leis beneficiam muito mais os proprietários. Isso se verifica, por exemplo, quando o Ordenamento Jurídico reprime mais os crimes contra as coisas, que aqueles contra as pessoas, demonstrando que aquelas são mais importantes que os seres humanos.
É preciso recolocar o homem no centro das relações sociais; conceber o Direito como fenômeno parcial e comprometido sim, mas não com as minorias. Isto significa perceber uma ordem jurídica respaldada nos interesses das maiorias. Tal sistema transformador há de ter uma chance muito grande de ser justo, haja vista que configuraria uma antítese para a tese do sistema opressor em que vivemos. Até a sua concepção, a postura do conformismo é que não deve ser adotada. Isso porque a imagem do direito justo pode aparecer na aplicação das leis burguesas, desde que se utilize uma ideia renovadora, envolta ao viés do uso alternativo do Direito.
REFERÊNCIAS
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COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e Geral. 1. ed. Vol único. São Paulo: Saraiva, 1999.
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SPINDEL, Arnaldo. O que é Comunismo?. Coleção Primeiros Passos. 7. ed. São Paulo: Braziliense, 1981.
VICENTINO, Cláudio. História Geral. 8. ed. São Paulo: Spione, 1997.
Notas
1 Os restauradores lamentavam a "anarquia" e a destruição das sagradas instituições advindas com o capitalismo e os românticos, que idealizavam a idade Média, refugiavam-se num passado idílico.
2 Poder-se-ia comparar esta situação com o que aconteceu recentemente no RJ. Lá, um grupo de sem-teto reivindicava - ao invadir um shopping - o direito de consumir. Ora, eles não queriam ser cidadãos, mas consumidores! Não queriam o fim do sistema opressor, mas desejavam apenas a cidadania pregada pelos novos liberais.
3 Quando se vai a uma loja de roupas, não se vê quantos operários foram explorados, quanto se poluiu a natureza, ou quantos trabalhadores morreram em acidentes de trabalho. Vê-se apenas as mercadorias.
4 Sobre o mesmo assunto: "O poder político sempre foi a maneira legal e jurídica pela qual a classe economicamente dominante de uma sociedade manteve seu domínio. O aparato legal e jurídico apenas dissimula o essencial: que o poder político existe como poderio dos economicamente poderosos, para servir seus interesses e privilégios e garantir-lhes a dominação social." Chauí (2001, P. 411).