Após a criação e a intensificação das funções institucionais do Conselho Nacional de Justiça – CNJ a partir de 2004, a sociedade brasileira passou a tomar conhecimento e a conviver com uma realidade até então impensável, isto é, o crescimento e a divulgação de casos envolvendo Magistrados condenados administrativamente à pena de aposentadoria compulsória.
Apesar da legislação brasileira já estabelecer essa punição desde o advento da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN, criada pela Lei Complementar nº 35 em 14 de março de 1979, somente nos anos recentes passamos a observar a apuração eficaz e efetiva das falhas de condutas praticadas por maus Magistrados, até então protegidos por um corporativismo obtuso e ultrapassado, que deteriorava paulatinamente a imagem e a credibilidade do Poder Judiciário, maculando perante a opinião pública uma das mais honrosas e importantes carreiras do ramo do Direito, a Magistratura.
A título de esclarecimento ao leitor, a aposentadoria compulsória é a mais grave pena aplicável a um Magistrado por meio de processo administrativo. A perda do cargo e de todas as prerrogativas somente ocorrerá se esse Magistrado afastado administrativamente também for definitivamente condenado em um processo judicial a essa pena.
A pena de aposentadoria compulsória está prevista no artigo 56 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que estabelece, in verbis: "O Conselho Nacional da Magistratura poderá determinar a aposentadoria, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, do Magistrado: I – manifestamente negligente no cumprimento dos deveres do cargo; II – de procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções; III – de escassa ou insuficiente capacidade de trabalho, ou cujo proceder funcional seja incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário."
Simultaneamente à divulgação das condenações à aposentadoria compulsória, aplicadas a Magistrados integrantes de vários tribunais do país, inclusive aqui do Amazonas, a sociedade começou a questionar e a condenar o injusto privilégio conferido a esses maus Magistrados, que mesmo condenados administrativamente e penalizados com a aposentadoria compulsória, ainda continuam sendo remunerados, de forma integral ou proporcional ao tempo de serviço, com base nas remunerações recebidas enquanto estavam em atividade.
Sobre essa questão, a sociedade, e vários meios de imprensa, passaram a comentar que a punição de aposentadoria compulsória, na realidade, representa uma premiação ao mau Magistrado, que mesmo afastado de suas funções, poderá tranquilamente gozar o resto de sua vida sem precisar trabalhar, pois será sustentado pelos cofres públicos, com uma confortável remuneração, calculada com base nos vencimentos recebidos enquanto laborava.
Como esclarecido acima, essa confortável remuneração somente será interrompida no momento em que o Magistrado aposentado administrativamente também for condenado judicialmente à perda do cargo por decisão definitiva e irrecorrível, isto é, transitada em julgado. Infelizmente, seja por culpa do Ministério Público, que deixa de promover oportunamente a denúncia ao Poder Judiciário, seja pela morosidade deste na apuração e no julgamento, ainda hoje se tem conhecimento de apenas um caso em que o Magistrado perdeu seu cargo, seus vencimentos e o direito à aposentadoria, o do ex-Juiz federal Rocha Mattos.
Apesar do aparente paradoxo, entre ser condenado administrativamente à aposentadoria compulsória, e mesmo assim ainda permanecer recebendo uma remuneração de Magistrado, há também que se analisar essa questão sob o seguinte ponto de vista:
- o Magistrado condenado à aposentadoria compulsória, pelo menos durante todos os anos em que se manteve na ativa, teve descontado de todos os seus vencimentos os encargos previdenciários;
- não é razoável, depois de anos contribuindo para a previdência, o Magistrado condenado à aposentadoria, ou à demissão do cargo, perder todos os seus direitos previdenciários, sendo relegado a uma situação financeira, no mínimo, insegura e indigna do ponto de vista humano;
- não é justo o órgão previdenciário receber as contribuições, descontadas durante anos da remuneração do Magistrado, ser desonerado de sua obrigação de pagar o benefício previdenciário a um contribuinte pelo fato deste ser supervenientemente condenado;
- viola o princípio da dignidade humana retirar de qualquer cidadão, seja do trabalhador oriundo da iniciativa privada, seja proveniente do serviço público, o direito adquirido a um benefício previdenciário, sob o argumento de haver este praticado um ato ilícito que não tem qualquer relação com seus direitos e obrigações previdenciárias;
- comparativamente, o cidadão que não seguiu a carreira da Magistratura, e contribuiu para a previdência durante sua carreira na iniciativa privada, não perderia seus direitos previdenciários se posteriormente condenado por alguma conduta ilegal;
Apesar de concordar com a opinião que considera ser um privilégio injusto e anacrônico manter a remuneração do Magistrado condenado nas mesmas bases dos vencimentos recebidos enquanto este estava em atividade, entendo que a forma mais razoável e sensata de encontrar um equilíbrio para essa questão seria garantir a ele o direito a um benefício previdenciário de acordo com as mesmas regras aplicáveis ao contribuinte da iniciativa privada, isto é, levando em consideração o tempo e o valor da contribuição, o teto legal do valor do benefício, o sexo, a idade e as condições de trabalho.
Em razão do exposto, opino que a todos os agentes públicos, que forem afastados das funções, com a perda do cargo por condenação administrativa ou judicial, devem ser aplicadas as mesmas regras previdenciárias adotadas para o contribuinte oriundo da iniciativa privada, como forma de equalizar uma situação que para a sociedade ainda parece um privilégio indevido e aristocrata, incompatível com um Estado Democrático de Direito.