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A urna eletrônica e a democracia

01/05/1999 às 00:00
Leia nesta página:

A recente abertura no Senado Federal de uma CPI sobre o Judiciário reacendeu o debate democrático sobre a tripartição e independência dos Poderes na República. Entendo que um debate deste jaez só pode resultar no fortalecimento das instituições democráticas de uma nação que esteja tentando se construir.

Dentro deste mesmo espírito de debate conceitual sobre as bases de uma Democracia, proponho uma análise do sistema de eleição "eletrônica" adotado no Brasil.

Considere as questões:

Questão 1:

Das condições abaixo, quais devem ocorrer para que o regime político possa ser chamado de Democracia?

  1. Existência livre de partidos políticos de oposição.
  2. Haver eleições honestas, com voto universal e secreto.
  3. O orgão governamental responsável pela realização das eleições deve ser isento e equidistante dos partidos políticos.
  4. Permitir-se ampla fiscalização da apuração dos votos, inclusive pelos partidos de oposição.
  5. Todas as opções anteriores
Resposta do autor:

Eu entendo que a opção "e" é a resposta mais correta.

As condições acima não são as únicas mas devem todas estarem presentes num regime político que pretenda ser chamado de Democracia.

Questão 2:

Se uma pessoa lhe dissesse que, em seu país de origem, o orgão encarregado das eleições:

  1. Declara apoio ao partido da situação.
  2. Não permite que a oposição fiscalize a apuração dos votos.
  3. Não aceita ter o resultado das apurações contestado juridicamente.

Você chamaria tal regime político de Democracia?

Resposta do autor:

Eu sinto sincera dificuldade de classificar um regime com estas características como sendo uma Democracia.

Questão 3:

Você sabia que nas eleições de 1998, no Brasil:

  1. O Presidente do TSE declarou apoio ao partido da situação.
  2. Não se permitiu que os partidos políticos fiscalizassem a apuração.
  3. O resultado publicado da apuração de cada urna não pode ser contestado juridicamente.
Resposta do autor:

Sim, eu sabia…Mas também sei que poucos se deram conta disto.


A URNA ELETRÔNICA É 100% SEGURA?

A partir do momento que o eleitor se apresenta para votar, o processo de uma eleição pode ser dividido nas seguintes etapas:

    1. Identificação do Eleitor
    2. Votação Secreta
    3. Apuração de cada urna
    4. Totalização dos votos

Não confunda a APURAÇÃO (contagem dos votos de uma urna) com a TOTALIZAÇÃO (soma dos votos de todas as urnas).

São processos diferentes que ocorrem em momentos e locais diferentes.

Cada uma destas etapas tem seus próprios ritos de segurança, que foram criados ao longo de anos (séculos) de evolução. Assim, para que a eleição democrática tivesse sua legitimidade garantida sem depender da honestidade de seus operadores, foram desenvolvidos conceitos e ritos como:

  • Voto Universal
  • Inviolabilidade do Voto
  • Voto preenchido e conferido pelo próprio eleitor
  • Cabine Indevassável
  • Urna Lacrada
  • Urna larga para embaralhar os votos
  • Livre fiscalização da Apuração (de cada urna)
  • Livre conferência da Totalização
  • Direito a Recursos Legais

Para garantir a inviolabilidade do voto, um mesmo documento não pode conter a identificação do eleitor e o voto do eleitor.

A apuração dos votos de cada urna deve ser feita sob a fiscalização ampla dos partidos políticos e a legislação que regula este processo na urna convencional é bastante completa, regulando desde as condições para recontagem de uma urna até detalhes como a distância que os fiscais podem chegar da mesa apuradora e a cor da caneta dos mesários.

A totalização dos votos também deve ser muito bem cuidada e foi a primeira etapa a ser informatizada no Brasil. Como os partidos políticos recebem uma cópia impressa dos Boletins de Urna (que contém o resultado de cada urna) podem, se quiserem, fazer a conferência da totalização por conta própria, o que é um rito de segurança bastante forte. Foi desta maneira que se descobriu o erro de totalização que ficou conhecido como Caso Procunsult.


A URNA ELETRÔNICA E SUAS FALHAS DE PROJETO

Se com a urna tradicional, um grupo de agentes desonestos poderia, pela troca de votos, fraudar a apuração de algumas delas, com a urna eletrônica onde se eliminou o voto impresso conferido pelo eleitor, um grupo de agentes desonestos pode programar todas elas para FRAUDAREM A APURAÇÃO EM TODO O PAÍS SEM DEIXAR PISTAS.

Esta possibilidade foi reconhecida pelo Secretário de Informática do TSE, Sr. Paulo César Camarão, ao declarar em entrevista não contestada ao jornal Folha de São Paulo que:

"Quem for tentar fraudar (a apuração de todas as urnas) terá que subornar pelo menos uns 30 (agentes desonestos)".

Ou seja, a urna é fraudável e com apenas 30 pessoas se pode viciar a apuração em todo o país. Esta é uma nova modalidade de fraude sistemática que pode ocorrer na urna eletrônica e que não ocorria na urna tradicional.

Alerto para que não se confunda esta fraude por vício de programação na etapa de apuração (que é indectável por conferência, porque se eliminou o voto impresso) com as fraudes na etapa de totalização, tipo Proconsult, que são detectáveis pela conferência da soma dos Boletins de Urna.

Além disso, o fato de num mesmo meio magnético estarem gravados os votos individuais e a ordem de chegada dos eleitores torna possível a implantação da fraude de violação sistemática dos votos, que também é uma nova fraude que não tinha como ocorrer no sistema tradicional. O mau projeto da urna eletrônica acabou por transformar o país inteiro num curral eleitoral.

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Tudo isto mostra que o mote propagandístico da urna eletrônica está "100% errado" pois:

          A urna eletrônica é fraudável e as fraudes que nela se pode perpetrar, a saber, a violação e o desvio sistemático de votos, são maiores e mais graves que no sistema tradicional!


QUEM PODE FRAUDAR A URNA ELETRÔNICA

Estas novas fraudes podem ser implantadas nos programas da urna eletrônica pelos tais "uns 30" que o Sr. Camarão sabe quem são.

São analistas ou programadores colocados em postos chaves do processo de produção do software da urna. São pessoas comuns, não togados, sem estabilidade de emprego, passíveis de pressão econômica e emocional e, principalmente, anônimas…

Alegando questionáveis razões de segurança, o TSE não revela quem são estas pessoas nem como elas poderiam fraudar a eleição, tornando-as ainda mais vulneráveis a pressão.

Pessoalmente eu acho que a quantidade de pessoas necessárias para perpetrar fraude com a urna eletrônica é menor que 30, mas como não tenho meios para provar isto, fiquemos com a estimativa do próprio TSE.


A DIFERENÇA ENTRE CONFIANÇA E SEGURANÇA

Reconhecendo que fraudes praticadas por agentes internos desonestos podem ocorrer, a legislação que regula o voto eletrônico impõe alguns ritos de segurança para tentar evitar a ocorrência de tais fraudes.

São as seguintes as DEFESAS LEGAIS contra vícios de programação na urna eletrônica. Elas dão aos eleitores e aos partidos políticos o direito de:

  1. Conhecer os programas de computador a serem utilizados na votação, apuração e totalização com 60 dias de antecedência, tendo 5 dias para contestá-los.
  2. Testar os programas de até 3% das urnas antes de sua lacração (que ocorre aproximadamente uma semana antes da votação).

Para um leigo em segurança de dados estas defesas podem parecer suficientemente fortes para garantirem a honestidade do programa da urna.

Mas não são…

Não são porque podem ser desvirtuadas na prática, como efetivamente ocorreu nas últimas eleições de 1998, quando NENHUMA DESTAS DEFESAS LEGAIS DE SEGURANÇA FOI POSTA EM PRÁTICA DE FORMA CORRETA, e o eleitor brasileiro acabou ficando sem garantia de que o programa da urna era honesto!


COMO SE BURLOU AS DEFESAS LEGAIS CONTRA FRAUDES

na urna eletrônica, mas o TSE apresentou para análise o programa-fonte de apenas uma parte do conteúdo da urna!

Quanto a segunda defesa (teste das urnas prontas para uso) o TSE a burlou simplesmente promovendo um arremedo de teste, um teste falso, onde a urna a ser testada tinha seu conteúdo alterado antes do teste e depois de testada voltava a ser "preparada" e recarregada para votação!

Enfim, nenhum eleitor ou partido político conheceu e analisou os programas reais contidos nas urnas eletrônicas, nem nenhuma urna preparada para votação foi testada!

Analisando esta situação no Fórum do Voto Eletrônico chegou-se à conclusão que o sistema estava inseguro e se propôs criar defesas reais contra as fraudes de violação e desvio sistemático de votos.


PARA IMPEDIR A VIOLAÇÃO DOS VOTOS

Basta testar 3% das urnas em funcionamento normal (não preparado para teste), com dados reais (os votos dos eleitores) e não fictícios.

Para isto se deve:

  1. Imprimir o voto (como ocorre no resto do mundo democrático).
  2. Mostrá-lo para o eleitor conferir (como ocorre no resto do mundo democrático).
  3. Depositar o voto impresso numa urna tradicional (como ocorria na urna de 1996).
  4. Proceder a apuração eletrônica de todas as urnas (como tem sido feito).
  5. Recontar os votos impressos de 3% das urnas eletrônicas para verificação.

O PROJETO DE LEI NO SENADO

Como entre um projeto de Lei e sua promulgação, muita água pode correr, os membros do Fórum do Voto Eletrônico que criaram o movimento URNA 2000 – Pelo Voto Seguro continuam sua luta para esclarecer a imprensa e o eleitor brasileiro para a necessidade de reforma da urna eletrônica para que possamos voltar a chamar o Brasil de DEMOCRACIA.

Se não houver uma conscientização de todos e não se criar uma pressão política para o andamento deste Projeto de Lei, ele poderá se tornar apenas mais uma boa idéia engavetada no Planalto Central do Brasil e você terá deixado de herança para seus filhos um país do qual se comenta:

— Democracia ?!


Se você quiser conhecer mais detalhes sobre as falhas da urna eletrônica, visite: http://www.votoseguro.org

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Sobre o autor
Amilcar Brunazo Filho

Engenheiro em Santos (SP), programador de computadores especializado em segurança de dados, moderador do Fórum do Voto Eletrônico, membro do Comitê Multidisciplinar Independente - CMind.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRUNAZO FILHO, Amilcar. A urna eletrônica e a democracia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 31, 1 mai. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1538. Acesso em: 5 nov. 2024.

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