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Urna eletrônica mal projetada agride direitos do eleitor

01/05/1999 às 00:00
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Observação inicial: Eu NÃO sou contra a Urna Eletrônica, apenas quero aperfeiçoá-la.

Os conceitos de República, Democracia e Voto foram inventados na Grecia Clássica há mais de 2500 anos e têm evoluindo desde então. No principio ainda não existia o "voto universal" e era uma democracia onde haviam escravos.

Com a Revolução Francesa, a primeira república moderna foi criada agora com uma novidade: o fim das classes com direitos diferenciados, a democracia plena!

Para se exercer a tal da Democracia Plena, criou-se o Direito do Voto (que no Brasil é obrigação!). Foram sendo criados uma série de conceitos e ritos para garantir o Direito de Voto que é um dos pilares da República Democrática.

Exemplo de conceitos que foram sendo criados (evoluidos), nos últimos 200 anos, para dar segurança ao voto:

  • Voto universal: para que todos pudessem votar com votos de peso igual
  • Zonas e seções eleitorais: para dar todo alcance ao voto universal
  • Voto impresso secreto: voto escrito no lugar do voto declarado, para evitar a pressão dos poderosos e o "voto de cabresto"
  • Inviolabilidade do voto: para garantir que o voto continuará secreto
  • Urna lacrada: para receber os votos impressos secretos
  • Cabine indevássavel: para garantir o direito ao voto secreto
  • Apuração fiscalizada: por fiscais independentes, para impedir o desvio de votos
  • Apuração conferível: é possível recontar os votos de uma urna
  • Totalização conferível: qualquer pessoa pode conferir se a soma dos votos das urnas está correta
  • Mesários e juizes eleitorais: para impor o respeito as regras de garantia dos direitos do eleitor e se auto-fiscalizarem.

Outras formas de eleição podem ser imaginadas. Veja só um modelo de eleição majoritária que apresenta seu resultado muito rápido, mas que tem lá suas fraquezas quanto a confiabilidade do voto: 

O eleitor vai a sua seção eleitoral, se identifica como eleitor valido (para votar apenas uma vez), declara o seu voto a um honesto e recatado contador que não saberia o seu nome (voto secreto). Após o último eleitor votar o contador já teria o resultado da apuração daquela seção, passaria o resultado por telefone ao honesto totalizador que vai recebendo os números e uma hora depois do encerramento da votação seria divulgado o resultado da eleição.

Substitui-se o voto impresso pelo voto declarado, elimina-se a urna lacrada, a apuração fiscalizada e a possibilidade de recontagem de votos, se recorre a meios eletronicos inseguros (telefone) mas obtem-se um modelo de eleição extremamente simples e rápido quando comparado aos procedimentos cheios de firulas da eleição "normal". Vou chamar a este modelo de Modelo Rápido.

Bom, eu não gostaria de votar numa eleição assim, que é rápida mas insegura!

Se o honesto e recatado contador não for tão honesto e recatado poderia desviar votos (você declara o voto para um candidato ele diz "muito bem" mas computa para outro) e poderia violar votos (declarando depois que se lembra que fulano votou para sicrano).

Se o totalizador for desonesto tambem pode desviar votos...

Enfim, se algum agente envolvido no processo eleitoral for desonesto perde-se a garantia de lisura no processo eleitoral.

Isto quer dizer que se todos fossem honestos poderiamos acelerar muito o processo de uma eleição, mas uma das regras que se descobriu necessária é:

Inconfiabilidade do fator humano: não se pode contar com a honestidade do homem envolvido no processo

É por isso, e só por isso, que todo aquele rito foi criado!

O voto impresso, não declarado, depositado pelo proprio eleitor numa urna lacrada, a apuração fiscalizada e conferível foram desenvolvidos para garantir os direitos do eleitor.

Mas isto tudo tem uma consequência. Não dá para divulgar o resultado de eleição de forma tão rápida quanto seria o desejo de muitos. Os ritos de voto universal secreto e inviolável, apuração fiscalizada e totalização conferível demandam tempo para serem executados um de cada vez, pois a apuração NÃO pode ir ocorrendo simultaneamente com a votação, como ocorre no Modelo Rápido.

Finalmente chegamos a urna eletrônica. Esta foi desenvolvida com uma única razão: acelerar o processo de apuração dos votos de cada urna, pois o tempo de votação (das 8:00 as 17:00 h) e de totalização não foram alterados.

Mas no afã de acelerar a apuração, os projetistas da urna eletrônica deixaram de lado uma porção daqueles procedimentos de seguranca do voto. Com a Urna Eletrônica atual foi:

  • Eliminada a urna e o voto impresso: este voltou a ser declarado, agora para uma máquina preparada por honestos e recatados programadores que se encarrega de "computar" os votos.
  • Eliminada a apuração fiscalizada e conferível: a apuração agora é feita simultaneamente a com votação tornando impossível a fiscalização e a recontagem dos votos

O que a Urna Eletrônica fez foi utilizar exatamente o Modelo Rápido apresentado acima. Eliminando alguns passos do rito de votação segura a nossa Urna Eletrônica sofre do mesmo mal do Modelo Rápido: não é confiável contra o ataque de um agente interno desonesto.

Ao contrário do que o TSE e seus contratados tem afirmado, a Urna eletrônica não acelerou o processo de apuração porque é "moderna e eletrônica" e sim porque deixou de lado uma série de procedimentos de segurança do voto!

É bom salientar que seria perfeitamente possível "modernizar com computadores" a eleição e acelerar a apuração sem se abandonar as regras de segurança.

Enfim, a Urna Eletrônica, da forma como foi projetada, longe de ser um avanço tecnológico é uma verdadeira INVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA.

  • EU QUERO VER MEU VOTO! Para ter certeza de uma apuração honesta.
  • EU NÃO QUERO SER IDENTIFICADO num terminal conectado a urna! Para ter certeza da inviolabilidade do meu voto.
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Sobre o autor
Amilcar Brunazo Filho

Engenheiro em Santos (SP), programador de computadores especializado em segurança de dados, moderador do Fórum do Voto Eletrônico, membro do Comitê Multidisciplinar Independente - CMind.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRUNAZO FILHO, Amilcar. Urna eletrônica mal projetada agride direitos do eleitor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 31, 1 mai. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1540. Acesso em: 5 nov. 2024.

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