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A urna eletrônica e a legítima vontade popular

01/08/2000 às 00:00
Leia nesta página:

Temos discutido muito no Congresso e no Senado a reforma política, a reforma partidária, mas o fundamental no processo eletivo é que a vontade popular seja expressada da forma mais pura, intangível e legítima. Nesse sentido, apresentei no Senado um projeto que altera a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, e que estabelece normas para as eleições, no sentido de ampliar a segurança e a fiscalização do voto eletrônico.

Faço uma justificação desse projeto bastante sucinta. Não obstante o voto eletrônico tenha tornado bem mais ágil o processo de apuração e também ter eliminado a possibilidade da prática de alguns tipos de fraude eleitoral, a segurança do voto deixa a desejar, pois a fiscalização partidária não tem meios que permitam conferir se os votos apurados em uma determinada urna correspondem realmente à vontade dos eleitores.

Portanto, os partidos políticos e seus dirigentes, por entenderem pouco de segurança de sistemas, estão submetidos às regras impostas pelos técnicos que implantaram os programas de recepção e apuração de votos, passivamente aceitos, a meu ver, pela Justiça Eleitoral.

Diante dessa situação, é tecnicamente factível inserir um programa fraudulento na urna eletrônica ou no sistema de totalização de votos, que não deixe "pegadas" após executar a sua tarefa, até mesmo antes de encerrada a votação, tornando, desse modo, inútil os procedimentos de segurança atualmente adotados e conhecidos pelos partidos.

Por sua vez, o Tribunal Superior Eleitoral - TSE, ao excluir o voto impresso emitido pela urna eletrônica, adotado na eleição de 1996, eliminou, juntamente, a possibilidade de recontagem dos votos da urna eletrônica, propiciando, assim, as condições para prática da fraude "limpa" - sem impressões digitais, como admitiu o próprio Secretário de Informática do TSE, Sr. Paulo César Camarão.

Os sistemas de segurança, propostos pelo TSE, foram avalizados pelos partidos para a votação eletrônica e resumiram-se à análise dos programas-fonte do sistema de totalização e ao teste de urna, previamente preparado com essa finalidade.

Os especialistas consultados sobre o assunto chamam a atenção para a fragilidade da segurança do aludido sistema.

Entendemos que a recontagem obrigatória de algumas urnas eletrônicas substitui, com amplas vantagens, o teste que hoje é feito antes da lacração das urnas, como método de controle da exatidão e honestidade do programa da urna, pois trata-se de um controle sobre votos efetivamente emitidos por eleitores, durante o processo de votação e não um teste montado sobre dados fictícios, em urnas especialmente preparadas para o ato de demonstração de funcionamento da urna eletrônica.

Ademais, cuidamos de evitar que o voto do eleitor seja identificado quando da digitação do número de seu título eleitoral, em um terminal conectado à urna eletrônica, pois essa situação permite que seja gravada a ordem de entrada do número do eleitor no terminal e sua associação, com a seqüência de votos inseridos na urna eletrônica.

Portanto, a nossa iniciativa visa impedir e prevenir as práticas ilícitas apontadas, as quais, não há dúvida, podem ser adotadas sem deixar qualquer indício, enodoando, assim, a democracia eleitoral que queremos ver efetivamente implantada no Brasil, mediante a simples exigência de que o próprio eleitor tenha certeza em quem votou, com a emissão do seu voto impresso, previamente rubricado pelos mesários, e que será depositado em urna convencional, de modo a permitir a recontagem dos votos em caso de suspeitas de fraude.

Chamo a atenção para um fato: outro dia, como tem acontecido inúmeras vezes ao tentar acessar a internet, via servidor do Senado, pelo terminal da minha casa, o sistema estava bloqueado. Por uma pane do sistema, 196 e-mails não puderam ser entregues porque a Central do Senado não conseguiu identificar determinados endereços eletrônicos dos senadores. Os erros das máquinas são corriqueiros e não podemos nos submeter, apenas sob o pretexto da velocidade da apuração, à possibilidade concreta de que eleições sejam fraudadas.

Para encerrar, um exemplo pessoal. Em Curitiba, na Sociedade Thalia, tínhamos 18 urnas nas eleições para o governo do Estado, em 1998. Duas máquinas quebraram. Perdi as eleições para o atual Governador Jaime Lerner em 16. Nas duas urnas que tiveram eleição manual realizada, a vantagem que eu obtive foi simplesmente extraordinária. Tratava-se de uma mesma amostragem, porque uma seção eleitoral se dá no mesmo bairro, no mesmo distrito, e essa defasagem me deixou deveras preocupado. Não estou aqui para chorar o leite derramado. O que tinha que fazer a respeito da eleição já fiz por meio de medidas judiciais pertinentes, mas estou cuidando de evitar que fraudes possam ocorrer.

Quero chamar a atenção para a pertinência desse projeto que foi discutido amplamente pela Internet, num diálogo entabulado por uma série de técnicos que estão assessorando o meu gabinete. Transcrevo aqui o texto do projeto, que já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e hoje encontra-se na Coordenação Legislativa do Senado, para ser encaminhado ao Plenário.


PLS /99 PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 194 , DE 1999

Altera a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, que "estabelece normas para as eleições" para ampliar a segurança e a fiscalização do voto eletrônico.

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O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Acrescente-se aos arts. 59 e 61 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de

1997, os seguintes parágrafos:

Art. 59.

......................

§4º - A urna eletrônica imprimirá o voto em cédula individualizada, previamente rubricada pelo Presidente da Mesa e mesários, para conferência do eleitor, que o depositará em urna convencional, se não reclamar de qualquer divergência de dados entre a tela da urna e o voto impresso.

O §5º passa a ter a seguinte redação:

§5º - Se, ao conferir o seu voto impresso, o eleitor não concordar com os dados, solicitará a anulação do seu voto e repetirá a votação. Caso persista a divergência entre os dados da tela da urna eletrônica e o voto impresso, a urna será submetida a teste por, pelo menos, dois fiscais de diferentes partidos ou coligações concorrentes, os quais, se verificarem a existência do problema, solicitarão ao Presidente da Mesa que comunique imediatamente ao juiz eleitoral da respectiva Zona para tomar as medidas cabíveis à continuação da votação e providenciar a abertura do competente inquérito criminal para apurar o fato e punir os infratores.

§ 6º - Os votos impressos de pelo menos três por cento das urnas eletrônicas deverão ser recontados mediante processo manual.

§ 7º - As urnas a serem submetidas à recontagem prevista no parágrafo anterior serão escolhidas em quantidades iguais pelos partidos ou coligações participantes do pleito eleitoral.

§ 8º - Para cada urna recontada que for constatada discrepância com o resultado da contagem eletrônica outras dez terão os seus votos impressos recontados manualmente, observada a escolha das urnas do parágrafo anterior.

Art. 61:.....................................................

Parágrafo único. A identificação do eleitor não poderá ser feita em equipamento que tenha qualquer tipo de ligação ou comunicação com a urna eletrônica, nem que permita a gravação da ordem de votação dos eleitores.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor após sua publicação observado, no entanto, o disposto no art. 16, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 4, de 1993.

Senador ROBERTO REQUIÃO
PMDB-PR

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Sobre o autor
Roberto Requião

governador do Paraná, ex-senador, advogado e jornalista, autor do projeto de lei para ampliar a segurança do voto eletrônico

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REQUIÃO, Roberto. A urna eletrônica e a legítima vontade popular. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1542. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Texto inédito, elaborado a convite do Jus Navigandi.

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