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A recontagem de votos e a urna eletrônica

01/09/2000 às 00:00
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A eleição para governador no Estado de São Paulo em 1988 foi muito disputada. Havia quatro candidatos com muitas chances de se elegerem, mas apenas dois iriam para o segundo turno. O interesse dos eleitores não era, no primeiro turno, definir o vencedor, mas sim quais seriam os dois que iriam para o segundo. As pesquisas de opinião sempre davam Paulo Maluf em primeiro lugar, mas empate técnico entre os outros três candidatos, Mário Covas, Marta Suplicy e Francisco Rossi, alternando-os ao longo da campanha. Paulo Maluf realmente saiu vitorioso no primeiro turno, mas a diferença entre Mário Covas e Marta Suplicy foi sempre muito pequena, deixando ora um, ora o outro em segundo lugar. Finalmente foi Mário Covas que levou a melhor, com uma vantagem sobre Marta Suplicy de 74.436 votos. Este dado, assim como todos os que aqui são mostrados, são do próprio TSE (www.tse.gov.br).

Resultados apertados como esses são comuns em eleições. E como democracia é isso, leva quem tem mais votos, nem que a diferença seja de apenas um. O que preocupa, entretanto, é que essa diferença, obtida nas urnas, nunca vai poder ser conferida.


A urna eletrônica concebida pelo TSE representa um avanço considerável sobre os métodos tradicionais, não apenas pela velocidade da apuração, quanto pelas fraudes que conseguiu eliminar. Mas, paradoxalmente, permite uma fraude bem maior, porque seu alcance pode ser nacional. Se um programa que a compõe estiver viciado e desviar um ou mais votos de algum candidato para outro, será impossível comprová-lo, visto que não há nenhum registro físico que permita recontagem, e o TSE impede, alegando motivos de segurança, a auditoria completa do hardware e do software.

Não se espera que alguém que tenha conseguido acessar os programas da urna venha provocar desvios de votos capazes de trazer para o primeiro lugar um candidato que está em quinto. As pesquisas e a opinião pública refutariam o resultado sem sombra de dúvida. Mas resultados como o de São Paulo são altamente questionáveis. Vejamos alguns números:

Havia em São Paulo 44.848 urnas em 1998, para um total de 23.321.034 eleitores, dando uma média, portanto de 523 eleitores por urna. Imaginemos que alguém com interesse de fraudar as eleições, conseguisse modificar o programa para desviar apenas 2 votos por urna para um determinado candidato. Isto representaria apenas 0,4% dos votos, algo totalmente desprezível, que nunca chamaria a atenção. Pois 2 votos por urna representa 89.696 votos, mais do que a diferença entre Mário Covas e Marta Suplicy!

E o grande problema: a dúvida é pertinente, principalmente se levarmos em conta que muitas pesquisas de opinião davam certo o segundo lugar para Marta Suplicy, porém não existe meio de comprovar que houve a fraude, ou pior, que a vitória de Mário Covas foi justa. Mais impressionante ainda é o conformismo do PT, que vê seu candidato perder por margem tão apertada e não se manifesta.

O TSE é intransigente quanto à impressão adicional do voto, como prevê o projeto de lei 194/99 do Senador Roberto Requião, que permite recontar os votos de modo alternativo em caso de dúvida, dizendo que se trata de um retrocesso. Retrocesso mesmo é voltar a uma era em que os resultados eram manipulados, ou passíveis de sê-los. O uso da eletrônica nas eleições é um avanço, sem dúvida, mas ele somente terá algum valor se ele for usado de modo seguro, que garanta que o resultado apurado corresponde à vontade popular.

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Sobre o autor
Roger Chadel

técnico em informática, presidente da Chadel Quality Software e da Chadel Internet Solutions, sócio da VirtualBiz

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHADEL, Roger. A recontagem de votos e a urna eletrônica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1550. Acesso em: 5 nov. 2024.

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