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Polícia Militar e violência: reflexão

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01/08/1999 às 00:00
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2. Aspectos Conceituais: ordem pública, segurança pública e defesa nacional

Antes de adentrarmos ao cerne da questão: aplicação do paradigma ou Estratégia e/ou Política de Segurança Pública, é mister compulsar a acurada doutrina dominante, porquanto até mesmo o doutrinador mais cauteloso e estudioso minudente da temática não consegue discorrer sobre segurança pública dissociada da ordem pública, posto ser praticamente impossível falar sobre uma sem se referir à outra, haja vista o estreito inter-relacionamento existente entre ambas, pois que "são valores etéreos, de difícil aferição..."(11). Vale dizer, imensurável, inatingível, indistintamente inseparáveis face ao tênue, tíbio e imperceptível liame que as separam, e por serem ambas abstratas.

Dentre esses abnegados estudiosos, destaque-se o renomado publicista Álvaro Lazzarini, que assevera: "igualmente a festejados administrativistas pátrios e europeus, entendo que a segurança pública é um aspecto da ordem pública, concordo até que seja um dos seus elementos, formando a tríade ao lado da tranqüilidade pública e salubridade pública, como partes essenciais de algo composto."(12)- aqui dever-se-ia acrescentar também a " incolumidade das pessoas e do patrimônio" (Art. 144. caput, parte final, da CF/88).

Entrementes, para o eminente Diogo de Figueiredo Moreira Neto(13), "Segurança Pública é o conjunto de processos políticos e jurídicos destinados a garantir a ordem pública na convivência de homens em sociedade" - g.n., entendendo que a relação entre ordem pública e segurança pública não é de todo para a parte, porém "efeito para causa". Contudo, Lazzarini, melhor analisando o conceito supra, assim se expressa: "A divergência não é tão profunda quanto parece, pois o todo é mesmo sempre efeito de suas partes, e a ausência de uma delas já o descaracteriza. Assim não há conflito ao afirmar-se que a ordem pública tem na segurança pública um dos seus elementos e uma de suas causas, mas não a única"(14)- grifos do autor in op. cit.

Para Lazzarini, o autor citado ao afirmar que "a segurança pública é um conjunto de processos" superdimensiona e aproxima o conceito doutrinário, é a série ordenada de atos sucessivos, entremeando-o com o conceito de defesa pública: "conjunto de atitudes, medidas e ações adotadas para garantir o cumprimento das leis e de modo a evitar, impedir ou eliminar a prática de atos que perturbem a ordem pública"(15)(segurança pública) deveria ater-se ao competente campo do Poder Judiciário - Sistema de Justiça Criminal, aliado e com o apoio irrestrito do Ministério Público, face exercer a fiscalização e garantia das leis e, inclusive, competir-lhe o controle externo dos policiais e de sua atividade (Art. 129, VII. CF/88).

"A ordem pública - ainda para Lazzarini - é sempre efeito de uma realidade nacional que brota da convivência harmônica resultante do consenso entre a maioria dos homens comuns variando no tempo e no espaço em função da própria história. O arcabouço jurídico que o Estado proporciona à sociedade é simples tradutor dessa ordem(...)- gn; e ainda afirma: "Com certeza a solução do problema está na sensibilidade dos políticos em aferir corretamente os anseios do povo e atendê-los na formulação e implementação de políticas públicas." Máxima venia, ainda que houvesse sensibilidade ou preocupação dos políticos com o mister, no nosso entender, a solução está no arcabouço jurídico...simples tradutor dessa ordem pública ... no seu aspecto da segurança, onde está inserida a criminalidade, "sendo bastante seguir-se o "ciclo de polícia e o de persecução criminal completo, aliados aos juizados de instrução criminal, tão bem definidos e delineados pelo citado autor.

Noutras palavras, os "braços fortes" da justiça integrar-se-ão interativamente ao corpo desta, tendo no arcabouço jurídico a "cabeça", a linha mestra a ser seguida, sendo desnecessária políticas públicas dependentes da "sensibilidade" dos políticos, que têm a sensibilidade sim, mas apenas de se perpetuarem no poder - fim de todo partido político, segundo Max Weber . Logo, pouca ou nenhuma "sensibilidade" dispensarão na solução ou minimização desses problemas, menos ainda na aferição correta dos anseios do povo, que, hoje, clama por segurança, impelidos pela mídia, e responsabiliza a PM pela insegurança pública porque passamos.


3. Aspectos legais

Todavia, grassa erro crasso culpar a polícia militar por essa expansão da violência, como dito, esta tem suas raízes na fome, na impunidade, no tráfico de armas e drogas, que minam as defesas do Estado - o Estado de Defesa da Nação: fazendo proliferar a criminalidade em verdadeiras ações organizadas, cujas precisam ser combatidas. É fato!

Nesse seguimento, a continuar incólume o tráfico de drogas e de armas, este extinguirá a ordem pública e minará, por conseguinte, a Defesa Nacional, posto que suas ações são extremamente organizadas e globalizadas, assim, poderão fincar suas bases em todo território brasileiro. Por isso mesmo, esses fatores exógenos devem ser combatidos efetivamente pelas Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) em combinação conjunta com a Polícia Federal e respetivas policias militares. As primeiras responsáveis que são pela Defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes (Executivo, Legislativo e Judiciário), da Lei e da Ordem (pública, evidentemente), consoante estabelece o Art. 142, parte final, da CF/88; enquanto esta destina-se ao combate e apurações das infrações legais decorrentes de tráfico de drogas e de armas, consoante Art. 144, § 1º da CF/88 e as PM pela preservação da ordem pública.

Ademais, a defesa da Pátria, que é defesa nacional e não defesa interna, como queiram alguns, não se presta apenas às ações beligerantes ou invasões armadas ao nosso território, há de ser entendida, antes de tudo, no seu aspecto preventivo - o de preservação dessa defesa nacional (ordem pública), porquanto se o narcotráfico e de armas estabelecerem suas bases em território brasileiro, desde de logo, minado estará o estado de defesa nacional.

Bem por isso, é imprescindível estrategicamente ter a visão de futuro visando antecipar-se e preceder às ações dessas organizações mafiosas internacionais que, paulatina e subrepticiamente, estão a invadir nossa Nação. Tem-se, pois, também nesse fator exógeno a causa do recrusdecimento da violência, como, por exemplo, o narcotráfico ( "crack", a cocaína, etc.), roubo de veículos e cargas, e o tráfico de armas, - fica o alerta, portanto.

Atribui-se, pois, às Forças Armadas e Polícia Federal por deterem a competência de controle, fiscalização, patrulhamento e a guarda de nossas fronteiras terrestre, marítima e aérea. Essas forças deveriam estar distribuídas, articuladas e desdobradas estratégica e basicamente ao longo da extensão da imensa fronteira e do vasto limite territorial do País e região amazônica, posto que o Brasil é fronteiriço com 10 países latinos e, dentre eles, Bolívia e Colômbia - fontes permanentes do tráfico de drogas -, e não nas regiões sudeste e centro-oeste, e D.F., vez que as ações dessas organizações mafiosas internacionais (cartéis de Cali e Meddelin, máfias sicciliana, coreana, chinesa, etc.) se manifestam através das fronteiras, portos e aeroportos. Ademais, não é despiciendo trazer a lume que "a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos é exercida para a preservação da ordem pública."...(Art. 144 caput, CF/88).

Demais disso, vejamos nesse sentido o escólio de Pedro de Oliveira Figueiredo(16)- chefe de Divisão de Assuntos políticos do Escólio Superior de Guerra - "Assim, a criminalidade comum, notadamente a macro-criminalidade organizada, pode ferir a esfera da segurança interna stricto sensu - e ser objeto de ações de defesa interna (= Defesa da Pátria = Defesa Nacional) se e, quando, ainda que não queiram diretamente, ponham esse risco tais objetivos"(sic) - parêntesis nosso e grifo do autor. Deve-se entender defesa nacional, e não defesa interna, consoante ensinamento do Cel PM R/R Nelson Freire Terra, instrutor da disciplina sistemas de Segurança Pública, na CSP/II-96, CAES -, e continua aquele autor: "Ninguém mais pode duvidar de que, por exemplo, a atuação dos narcotraficantes na Colômbia, tenha de há muito tempo ultrapassado os limites da segurança pública e constitua questão de segurança nacional, interna." (sic) g.n., tanto lá quanto cá.

A CF/88 trata do título V - da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas do Art. 136 usque 144, "atribui poder ao Presidente da República, após ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional ( não mais defesa interna ), de decretar estado de defesa nacional para preservar... a ordem pública..."(Art. 136 - caput). Se, contudo, houver ineficácia das medidas tomadas durante o estado de defesa, poder-se-á instituir o Estado de Sítio, que será solicitado pelo Presidente da República, após oitiva dos referidos conselhos, ao Congresso Nacional autorização para tal. (art. 137, CF/88).

É, pois, no Capítulo III do título sub examine que a Carta Política de 88 trata da Segurança Pública, "capítulo específico, que se abre com um conceito e sua caracterização como "dever do Estado, direito e responsabilidade de todos" (art. 144), nomeando-se, em seguida, os órgãos através da quais o Estado deve cumprir seu dever: três polícias federais (polícia rodoviária, polícia ferroviária e a polícia federal propriamente dita) e as polícias estaduais, subdivididas em dois ramos: civil e militar às vezes em três, com acréscimo dos corpos de bombeiros militares."(17) grifos do autor. E para a "preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio" a CF/88 estabelece o exercício de ações policiais, ostensivas ou não: preventivo dissuasórias, repressivo-operativas e repressivo-investigatórias, também chamada de polícia judiciária - segundo escólio do autor suso citado.

Entrementes, para melhor desempenho e efetividade de atuação dos órgãos responsáveis pela Segurança Pública, é mister regulamentar o § 7º do sobredito art. 144. "Por princípio de lógica, a regulamentação... deve preceder a feitura das leis orgânicas das Polícias em geral, fixando parâmetros úteis à compatibilização entre essas leis, impedindo normas superpostas ou conflitantes e ainda padronizando a terminologia."(18), para redução dos atritos e ampliação da harmonia desses mesmos órgãos elencados no Art. 144. da CF/88.


4. Aplique o paradigma estratégico à PMAL - propostas.

Diante do exposto, ainda que de modo perfunctório, é de se ressaltar que o paradigma estratégico de combate à violência, e, esta que, como vimos de ver ut supra, tem origens multivariadas, globalizadas e, principalmente, pela inexistência de estratégias sistemática e/ou políticas de segurança e ordem públicas, para a efetividade da eficiência e eficácia de controle ou minimização desta violência, bem por isso não pode se restringir tão só e somente só à PMAL, é mister um urgente e imediato plano estratégico sistêmico nacional e globalizante, onde haja a interação de todos os órgãos, instituições e poderes constituídos do Estado em parceria conjunta com toda a sociedade e também do campo econômico (= empresarial), posto que as estratégias e políticas deste setor estão voltadas para as regiões sul, sudeste e parte da área amazônica ou até mesmo outros países e quase nunca (ou sempre nunca) à região nordestina, donde partem as grandes massas de migrantes e legiões de desempregados, que fazem recrudescer os bolsões de misérias e de favelização das grandes urbes e metrópoles do sul e sudeste.

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Essas massas migram para essas regiões (sul e sudeste) porque nelas há a esperança de um subemprego ou um emprego de um salário-mínimo, que faz com que essa massa seja descartável e reciclável ou de capacidade laborativa ativa, desqualificada, fácil e barata. Eles migram em busca de um eldorado utópico e encontram a dura, cruel, perversa e nefasta realidade da miséria em favelas gigantescas, que cercam os feudos da exacerbada riqueza, e cercados estão pelos narcotraficantes.

Com efeito, é mister deixar patente que o problema não pode ser enfocado e tratado apenas a nível de um estado-membro isoladamente, i.e., simplesmente pela Polícia Militar do Estado de Alagoas, posto que a violência assola o país em todos os níveis e setores, sendo, portanto, de causa e origens sistêmicas, bem por isso prescinde de um outro sistema para o seu efetivo combate, o sistema legal de segurança pública consoante vimos de ver nos itens suso adscritos.

Nesse sentido, concordamos com as sugestões propostas pelo festejado publicista Álvaro Lazzarini - in op. cit. p.p. 73 usque 76, mas sugere-se ao item 3.a. a regionalização do órgão colegiado federal, com vistas à descentralização, desconcentração e otimização das ações; bem como também instituição de um sistema de dados criminais a nível nacional, estadual e local, integrado e interativo; além das que se seguem, a saber:

a) regulamentação do art. 129, VI da CF;

b) instituir programa de proteção às testemunhas, vítimas e familiares destes;

c) ampliar e disseminar, por todos os Estados - membros, os juizados de instrução criminal e de juizado especial civil de pequenas causas, para agilizar a justiça;

d) subordinar, operacionalmente e num primeiro momento, as Policias-Militares ao Poder Judiciário, e as polícias civis ao M.P., complementando o ciclo de polícia, o ciclo de persecução criminal e os juizados de instrução criminal, posto serem as Polícias Civil e Militar subsistemas dos sistema de justiça criminal, e, ao depois, também administrativamente;

e) articular e desdobrar o efetivo das Forças Armadas ao longo de nossa fronteira até a extinção da potencial e permanente ameaça dos narcotraficantes e organizações criminais internacionais, posto integrarem o sistema de Defesa da Pátria (Defesa Nacional), e também dos Sistemas de Segurança e da Ordem Pública, por conseguinte ;

f) o estabelecimento de políticas e de meios de proteção especial à família dos policiais ameaçados em virtude de suas atividades no cumprimento de dever;

g) proibir o comércio, a venda e a fabricação de armas de fogo, e não apenas criminalizar o porte ilegal de armas - A criminalização combate o efeito; não a causa.

h) instituir o policiamento ostensivo integrado e interativo - POII, para melhor desempenho das atividades de polícia ostensiva - ver, pois, nesse sentido nosso Trabalho "Melhoria de Desempenho da PM", apresentado ao instrutor de Doutrina e Emprego da Corporação - Cel PMESP - Carlos Alberto Camargo.

i) investir em cursos e estágios para aperfeiçoamento técnico-profissional em segurança pública, com vistas à preservação da ordem pública e dos direitos humanos do homem e do cidadão.

j) implementar sistema de recursos humanos aos PM, com assistências jurídicas, psicossocial, médico, hospitalar, odontológica, habitacional, religiosa, previdenciária e financeira, com vista à motivação profissional do PM, inclusive, promovendo sua ascensão vertical promocional fundado na meritocracia, competência, dedicação, empenho, etc.

g) implementação imediata e urgente de uma política salarial respeitável, condigna e compatível ao grau de risco dos policiais militares em sua árdua e sofrida missão

i) implementação de estratégias no campo econômico que possibilitem a fixação do camponês no campo e no interland do Nordeste brasileiro.

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Sobre o autor
Joilson Gouveia

Bacharel em Direito pela UFAL & Coronel e Transferido para Reserva Remunerada da PMAL.Participou de cursos de Direitos Humanos ministrados pelo Center of Human Rights da ONU e pelo Americas Watch, comendador da Ordem do Mérito Municipalista pela Câmara Municipal de São Paulo. Autor, editor e moderador do Blog D'Artagnan Juris

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Joilson. Polícia Militar e violência: reflexão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 34, 1 ago. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1588. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho elaborado para exame final da disciplina Política e Estratégia, ministrada pelo Prof. Dr. Bráz José de Araújo, no CSP-II/96

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