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Do cabimento do habeas corpus e do mandado de segurança nas prisões e detenções ilegais na Polícia Militar de Alagoas

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01/09/1998 às 00:00
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6. Regulamento Disciplinar da PMAL face à lei est. nº. 5346/92 e às Constituições Estadual e Federal.

6.1. O RDPMAL face à lei est. nº 5346/92. Estatuto dos Policiais-Militares do Estado de Alagoas

Com efeito, consoante foi visto do poder regulamentar, o regulamento tem por desiderato o auxílio à LEI. Visa, portanto, complementar ou subsidiar esta mesma LEI. Nesse sentido, é de se ressaltar que há, na PMAL, uma situação inusitada e sui generis, qual seja, a Lei Est. nº 5346/92, de 26 de maio, é posterior ao decreto, que é de 23 de janeiro de 1981, em onze anos, quatro meses e três dias, adquiriu o condão de ser regulamentada por decreto pretérito e inexistente, posto que, em seu Art. 35 caput, § § 1º e 2º, estabelece, "As transgressões disciplinares são especificadas no regulamento disciplinar (...)" e que este "(...) estabelecerá as normas para sua aplicação e amplitude das punições disciplinares" (§ 1º), e que "(...) as punições disciplinares de prisão e detenção não poderão ultrapassar de 30 (trinta) dias".(§ 2º). Logo, é de se ver, que o auxílio, complemento e subsídio à Lei, a que se presta o regulamento, antecede à própria lei, em mais de onze anos.

Ora, ressabido que a lei opera efeitos ex nunc, i.e., de sua edição para à frente, para o futuro, pois que destina-se aos fatos presentes e futuros. Mas, em relação ao RDPMAL, operou efeitos ex tunc, ou seja, os fatos pretéritos foram ultra-ativados. O RDPMAL passou a ter eficácia futura, antes mesmo da lei dar-lhe existência, porquanto os planos da "existência, validade e eficácia", de que trata Pontes de Miranda, foram e são, aqui, derrogados, posto que o Art. 135 da lei em comento estabelece,

"Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação (26 de maio de 1992), ficando revogada a Lei 3696 de 28 de dezembro de 1976 (antigo estatuto), e toda legislação que lhe é complementar e demais disposições em contrário" - g.n.

É mister trazer a lume o teor do decreto de aprovação do RDPMAL, o qual regulamentava o Art. 46 da Lei 3696/76, de 28 de dezembro de 1976 - estatuto revogado, senão vejamos:

"Decreto nº 4598 de 23 de Janeiro de 1981:

Dispõe sobre o regulamento disciplinar da Polícia Militar do Estado de Alagoas e dá outras Providências.

O Governador do Estado de Alagoas, usando das atribuições que lhe confere o inciso III do Art. 59, da Constituição Estadual, e tendo em vista o disposto no Art.46 da Lei nº 3696, de 28 de dezembro de 1976.

Decreta:

Art. 1º - Fica aprovado o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Alagoas, que com este baixa.

Art. 2º - Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Palácio Marechal Floriano, em Maceió, 23 de Janeiro de 1981 - 93º da República." - g.n.

Deflui, pois, por ilação lógica, que essa novel lei, ao revogar a lei 3696/76 e "toda legislação que lhe é complementar"- em cuja legislação estava inserido o RDPMAL, aprovado pelo Dec. Est. nº 4598/81,- que lhe era complementar - "e demais disposições em contrário", revogou também o RDPMAL - Dec. Est., nº 4598/81, face o princípio "Lex posterior derrogat priori"- a lei posterior derroga a anterior, e, óbvia e evidentemente, também os decretos regulamentares desta, pelo que, revogada a lei, o regulamento desta também o é, o que ocorreu expressa e claramente.

Logo, os dispositivos do "atual" RDPMAL, foram e estão revogados, pelo Art. 135 do novo Estatuto - não há negar! Assim, inexistente no mundo jurídico, sua aplicação inquina-se de ineficácia e nulidade porquanto, a rigor técnico-jurídico, o Art. 35, caput, § § 1º e 2º, não tem o condão de revigorá-lo e ultrativá-lo ou dar-lhe efeito repristinatório, posto que o Regulamento "estabelecerá" - aqui o verbo é aplicado no futuro do presente -, logo prescinde esta Lei de um novo regulamento, diante da revogação da Lei 3696/76 e de sua legislação complementar, cujo RDPMAL estava inserido.

Entrementes, para que dúvidas não pairem sobre a revogação do RDPMAL, bem como assim de sua inexistência jurídica, não é despiciendo lembrar que in casu, não se aplica o princípio "Lex posterior generalis non derrogat legi priori speciali", i.e., a lei geral posterior não derroga a especial anterior, posto que a Lei Especial nova revogou a especial anterior, por tratar-se de Estatuto da PMAL (Lei Especial).

Vale dizer, uma Lei Especial revogou outra especial, portanto deu-se a máxima do princípio "Lex posterior derrogat priori"- reitere-se. E, mais ainda, se a lei revogada possuía algum regulamento, este foi revogado juntamente com ela, posto que lhe era apêndice, acessório e subsidiário. Logo, inexistindo o principal; inexiste o acessório, o secundário, por conseguinte.

6.2 O RDPMAL face à Constituição Estadual de 1989

Outrossim, senão bastantes os argumentos suso adscritos sobre a inexistência do RDPMAL no mundo jurídico, i.e., na fenomenologia jurídica - consoante escólio de Pontes de Miranda a respeito da existência, validade e eficácia - quanto à revogação expressa pela Lei Est. nº 5346/92 (Art. 135) e pela afronta à CF/88 (Art. 5º II. c/c Art. 68. § 1º, II), verificar-se-á que também na esfera constitucional estadual ele não poderia, e nem deveria, ter prosperado ou ser "reativado", diante da regra insculpida do Art. 80,X da C.E./89, in fine:

"Art. 80 - Cabe à Assembléia Legislativa, com a sanção do Governador do estado, dispor sobre todas as matérias de competência do estado, especialmente:

X - direitos, deveres, garantias dos servidores civis e militares do Estado". - g.n.

Tal preceito deflui da obediência irrestrita e consonância aos Art. 5º. II, c/c Art. 68, § 1º., II, da CF/88, e, aliás, a iniciativa da lei nesse sentido é privativamente de competência do Governador do Estado, face ao disposto no Art. 86, § 1º., II, "c" da C.E./89, litteris :

"Art. 86 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado (...) e aos cidadãos, na forma prevista nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privada do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem o efetivo da Polícia Militar;

II - disponham sobre:

a) ...

b) ...

c) Servidores públicos do Estado, seu regime jurídico (...), reforma e transferência de militares para a inatividade." - g.n.

Desse modo, infere-se da exegese sistemática que o Dec. Est. nº 4598/81, que aprovou o RDPMAL, malgrado sua revogação expressa, não deveria prosperar, por que não é o instrumento hábil, suficiente, válido e eficaz para disciplinar as liberdades fundamentais, as liberdades públicas, as garantias-limites, os direitos, os abusos e as sanções, consoante o luminar escólio de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, (92) que assevera:

"É reservado à Lei a disciplina das liberdades. E, sobretudo, deve ser reservada à lei a definição das sanções que hão de punir os abusos no exercício dos direitos (...) as sanções em que pode incidir somente podem estar definidas em lei - insista-se - adotada pelo Poder Legislativo (...)" - g.n.

E enfatiza o autor: "Tal lei - sublinha-se - deve ser a lei formal, editada pelo Poder Legislativo. Mesmo postos de parte os argumentos da doutrina, a reserva à lei formal pragmáticamente se justifica."

6.3 O RDPMAL face à Constituição Federal de 1988

Ademais, como se infere do Art. 35 caput e seus §§ 1º e 2º, da lei ut supra, as transgressões especificadas e estabelecidas nas normas para aplicação e amplitude das punições, dentre elas as detenções e prisões - portanto medidas restritivas de direito (do direito inalienável à liberdade de locomoção) -, que, em sendo assim, não poderiam, nem deveriam ser previstas em atos inferiores à Lei, atos infralegais (decretos, portaria, resoluções, etc.), consoante já asseverado supra, mormente por tratar-se de direitos e garantias individuais, pelo que, desde logo, se antolha afrontar aos prescritores normativos constitucional (Art. 5º, II c/c. Art. 68, § 1º, II, da CF/88); - de lembrar que a Constituição Federal é de 05 de outubro de 1988, posterior ao regulamento disciplinar, e que a lei (EPMAL) é posterior ao RDPMAL e à própria Constituição Federal, logo não poderia ter cometido tal deslize - diga-se assim.

Demais disso, o RDPMAL, além de não "especificar" as transgressões - posto que especificar é dar a espécie do gênero, é definir e tipificar os atos e fatos e, concomitantemente, estabelecer o grau de sanção e a sanção aplicável a cada tipo específico de falta disciplinar -, não estabelece as normas para aplicação e amplitude das sanções, consoante assevera a lei (EPMAL) a que se destinaria regulamentar, complementar, subsidiar e tornar exeqüível sua aplicabilidade, porquanto, em nenhum dispositivo do RDPMAL - supondo-se em vigor -, estão asseguradas as garantias constitucionais do due process of law (devido processo legal), do contraditório e da ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes, pelo que, nesse sentido, se nos afigura não "recepcionado" pela Constituição Federal.

Aliás, pelo que se pode entender, não é a Lex Magna que deve recepcionar a norma infraconstitucional. Contrario sensu, esta é que deve se conformar e se adequar a Lex Magna, pena de inversão do princípio de direito da Hierarquia das Normas Jurídicas. É o "menor" que deve obediência ao "maior".

Se é assim e assim é, senão bastantes os argumentos suso adscritos, ainda assim, não é despiciendo trazer a lume alguns dispositivos do inquinado diploma legal "sub examine", senão veja-se:

"Art. 11 - Todo policial-militar que tiver conhecimento de um fato contrário à disciplina deverá participar ao seu chefe imediato por escrito ou verbalmente. Neste último caso, deve confirmar a participação, por escrito, no prazo máximo de 48 horas.

§ 1º ...

§ 2º - Quando, para a preservação da disciplina e do decoro da Corporação, a ocorrência exigir uma pronta intervenção mesmo sem possuir ascendência funcional sobre o transgressor, a autoridade policial-militar de maior antigüidade que presenciar ou tiver conhecimento do fato deverá tomar medidas imediatas e enérgicas providências, inclusive, prendê-lo "em nome da autoridade competente" dando ciência a esta, pelo meio mais rápido, da ocorrência e das providências em seu nome tomados."

§ 3º ...

§ 4º - A autoridade, a quem a parte disciplinar é dirigida, deve dar a solução no prazo máximo de quatro dias úteis podendo se necessário ouvir as pessoas envolvidas obedecidas as demais prescrições regulamentares. Na impossibilidade de solucioná-la neste prazo o seu motivo deverá ser necessariamente publicado em boletim e neste caso, o prazo poderá ser até 20 dias.

§ 5º ... (sic) - g.n;

Infere-se, portanto, do preceito ut supra e dos grifos, a flagrante inconstitucionalidade, ilegalidade e abuso de poder, onde infrator poderá passar até 20 dias ou mais aguardando uma "solução". Logo, espezinhados o devido processo legal, a apuração regular da falta, o contraditório e a ampla defesa. É o "Império da verdade sabida" que prevalece, o qual foi amplamente revogado pela atual Carta Política e proscrito do nosso ordenamento jurídico.

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Veja-se, então, as definições de detenção, prisão, local de cumprimento destas, etc., no "diploma legal" sub censura:

"Art. 26 - Detenção - Consiste no cerceamento da liberdade do punido, o qual deve permanecer no local que lhe for determinado, normalmente o quartel, sem que fique, no entanto, confinado.

§ 1º - o detido comparece a todos os atos de instrução e serviço.

§ 2º - Em casos especiais, a critério da autoridade que aplicou punição, o oficial ou aspirante o oficial pode ficar detido em sua residência.

Art. 27 - Prisão - consiste no confinamento do punido em local próprio e designado para tal.

§ 1º - Os policiais-militares dos diferentes círculos de oficiais e praças estabelecidos no Estatuto dos Policiais Militares não poderão ficar presos no mesmo compartimento.

§ 2º - São lugares de prisão:

- para oficial - Aspirante a Oficial - determinado pelo comandante do aquartelamento;

- para subtenente - sargento - compartimento denominado "prisão de subtenente e sargento";

- para as demais praças - compartimento fechado denominado "xadrez".

§ 3º..."- grifei.

Art. 28 - A prisão deve ser cumprida sem prejuízo de instrução e dos serviços internos. Quando for com prejuízo, esta condição deve ser declarada em Boletim.

parágrafo único - O punido fará suas refeições no refeitório da OPM, a não ser que o comandante determine o contrário.

Art. 30 - O recolhimento de qualquer transgressor à prisão, sem nota de punição publicada em Boletim Interno da OPM, só poderá ocorrer por ordem das autoridades nos itens nº I, II, III e IV do Art. 10." - ressalte-se aqui, que, respectivamente, essas autoridades são: I - o governador; II - o Cmt. geral; III - o Ch. EMG, Cmt. do CPI, Cmt. de Policiamento de área, Diretos de órgãos de Direção Setorial (sic) e, IV - o subchefe do EMG, Ajd geral e comandante de OPM.

Parágrafo Único - omissis.

Art. 38 - O início do cumprimento da punição disciplinar deve ocorrer com a distribuição do Boletim da OPM que publica a aplicação da punição.

§ 1º - o tempo de detenção ou prisão, antes da respectiva publicação em BI, não deve ultrapassar de 72 horas."

§ 2º - ..." - g.n.

Depreende-se, pois, dos dispositivos sub oculis, sem diatribes ou meros estutilóquios, que, inegavelmente, há o cerceamento da liberdade de locomoção do cidadão PM, guindado ao qualificativo de transgressor mediante detenção e/ou prisão, pela simples vontade, livre alvedrio e talante das "autoridades" descritas acima.

E o que é mais grave: depende tão só e simplesmente de sua "discricionariedade" de autoridade e de "ordem" à viva-voz, oral e verbalmente, antes mesmo da publicidade do ato punitivo, ou seja, antes da edição da sanção disciplinar, cuja dar-se-á até 72 horas (três dias) de confinamento.

Vale dizer: o PM ficará preso ou detido por 72 horas, sem lhe ser oportunizada a apuração regular da falta, o devido processo legal, o contraditório e ampla defesa, e, mais ainda, sem sequer saber de que está sendo acusado ou de saber que "falta" cometeu. Exsurge, portanto, a ILEGALIDADE E O ABUSO DE PODER - pressupostos do habeas corpus et mandamus -, não há negar!

Demais disso, infere-se ainda o conflito entre os dispositivos (Art. 30 e 38), a desigualdade de tratamento e de aplicação da sanção, com privilégios de uns sobre os outros (Art. 26, § § 1º e 2º; 27, § § 1º e 2º e 28), e até mesmo a possibilidade de o punido não fazer suas refeições, não se alimentar, caso assim decida e determine o comandante (Art. 28. parágrafo único), que, inclusive, determinará o "local adequado de confinamento do punido"(Art. 27 caput e §§ 1º e 2º.). Ora, assim, há de perquirir-se: Onde a legalidade e a isonomia? Onde os direitos-garantias do cidadão PM? Há discricionariedade sem limites legais? O que fazer para proteger-se dessas "sanções disciplinares"? São elas legais ou ilegais? Até que podem ser admitidas como legais; mas com certeza ilegítimas !

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Sobre o autor
Joilson Gouveia

Bacharel em Direito pela UFAL & Coronel e Transferido para Reserva Remunerada da PMAL.Participou de cursos de Direitos Humanos ministrados pelo Center of Human Rights da ONU e pelo Americas Watch, comendador da Ordem do Mérito Municipalista pela Câmara Municipal de São Paulo. Autor, editor e moderador do Blog D'Artagnan Juris

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Joilson. Do cabimento do habeas corpus e do mandado de segurança nas prisões e detenções ilegais na Polícia Militar de Alagoas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. -1765, 1 set. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1594. Acesso em: 15 nov. 2024.

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