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Do cabimento do habeas corpus e do mandado de segurança nas prisões e detenções ilegais na Polícia Militar de Alagoas

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01/09/1998 às 00:00
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7. Controle Jurisdicional das Sanções Disciplinares - Atos Administrativos Ilegais

Mencionado que foi acima, quando discorreu-se sobre o princípio da igualdade, que o Poder Constituinte, constituído de representantes do povo brasileiro, insculpiu no Preâmbulo da Carta Política Cidadã, instituindo no País um novel Estado de Direito - Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar, garantir e manter a igualdade de todos, sem distinção de qualquer natureza ou qualquer discriminação, como um dos valores supremos da sociedade, inaugurou uma nova ordem jurídica.

A Constituição atual como E.C. nº 1 de 69, como a constituição de 67, como a de 46, a de 37, a de 39, a de 1891, não disseram "Todos os brasileiros são iguais perante a Lei", mas "todos são iguais." Logo, "Todos os seres humanos", "Todos os homens e mulheres", todos os brasileiros em pé de igualdade, são iguais "perante a Lei", por quê? Porque os homens nascem livres e iguais em direitos. "As distinções sociais não podem ser baseadas a não ser na utilidade comum (Art. 1º das declarações do direito do homem e do cidadão, 3 de Setembro de 1791)" (93).

E, mais ainda, ao lado da igualdade está a liberdade do homem, que consiste em "poder fazer tudo aquilo que não prejudicar a outrem", como por exemplo, o "exercício dos direitos naturais de cada homem, que tem por limites apenas aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos," (94) os quais só podem ser limitados e determinados por lei, é a ilação do Art. 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada pela Constituinte Francesa, de 3 de Setembro de 1791.

E, no dizer de Cretella Júnior, se a liberdade de ir e vir for tolhida ou ameaçada, a Constituição assegura os meios ou instrumentos processuais, como o habeas corpus, para que, de imediato, se suspenda a violação ou a ameaça da violação. Se ferido direito certo e líquido à prática de quaisquer dos direitos concernente à liberdade (de pensamento, de reunião, de manifestação do pensamento, etc.), a CF/88 assegura o uso do mandamus - Mandado de Segurança -, para a mantença da inviolabilidade, garantida por preceptivo claro e expresso.

Dessarte, em sendo Estado Democrático de Direito (Estado de Direito), neste, de certo, há de prevalecer o princípio-mor da legalidade e dos demais princípios retores da Administração Pública (Art. 37 da CF), onde o Poder Público Estatal submete-se, numa relação de não-contradição, às normas jurídicas do Direito Positivo, mais ainda, há, pois, uma relação de subsunção às leis, às normas jurídicas.

Em suma: "Estado de Direito"- é Estado subordinado a sua própria ordem jurídica, respeitador dos direitos humanos." (95) Esta subordinação do Estado à lei, no entender de Florivaldo Dutra de Araújo, há de ser "compreendida não como simples construção formal e abstrata, mas como expressão de Direito, para que o ideário de justiça se realize na vida concreta" (96).

Assim, como apoio em B. de Mello, continua o escólio do mestre acima citado,

"(...) nas relações jurídicas em que comparece a Administração Pública, esta só pode fazer aquilo que a LEI DETERMINA. Não basta, pois, que entre os atos e a lei haja simples relação de não contradição, como no direito privado. Mais que isso, há que se observar uma subsunção completa do comportamento da Autoridade pública à Lei" (97).

Seguindo-se, pois, os ensinamentos do preclaro publicista citado acima, ao referir-se a Hans Kelsen, autor da doutrina positivista mais "pura" do direito, que,

"teve também de levar em consideração esses fatores (sociais e revolucionários). Apenas querendo ser coerente com sua "pureza", levando em conta as mediações sociais, "admitiu então que: O princípio da legitimidade é limitado pelo princípio da efetividade. (1979. p. 292)." (98)

Tanto para Hans Kelsen, como para uma gama enorme de autores do Direito Administrativo, a expressão "legitimidade" é usada com o significado de respeito ao direito positivo, ou seja, como sinônimo de "legalidade". No entanto, é imprescindível distinguí-los. Legalidade, quer significar consoante às leis e normas de Direito positivo. Legitimidade, significaria aquilo que existe sobre o fundamento em o título justo . Daí, concluir José Afonso da Silva:

" (...) o princípio da legalidade de um Estado Democrático de direito só é tal quando a ordem jurídica emana de um poder legítimo. Fora disso, teremos possivelmente uma legalidade formal, mas não a realização de um princípio da legalidade." (1987. p. 570). (99)

Infere-se, portanto, que as idéias de legitimidade, justiça e eqüidade são induvidosa e inquestionavelmente, condicionantes ou pressupostos da legalidade, posto que, o Direito como fenômeno social, precisa ser visto e entendido desde as relações sociais concretas, onde ele nasce e tem aplicação. Por isso que, na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 - hoje expressamente reconhecida e inserida no Direito positivo brasileiro com força constitucional, ex vi do Art. 5º ‚ § 2º da CF/88 ao estabelecer e consagrar que:

"(...) No exercício de seus direitos e liberdades, todo homem estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido conhecimento e respeito dos direitos e liberdade de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem - estar de uma sociedade democrática." (Art. XXIX,2).

E, justamente, com o fito de assegurar e garantir o exercício desses pressupostos (legitimidade, justiça e eqüidade) da legalidade e dela mesma, é que a nossa Carta Política atual estabelece os meios aptos a garantir os direitos dos administrados diante do Poder Público, sendo uns de maior conhecimento e divulgação, aí se destacando o direito de petição, os recursos hierárquicos e os instrumentos de natureza jurisdicional

7.1 Writs constitucionais - garantias de controle

Resta claro, portanto, que apreciação é revisão, controle, contraste. Assim, cabe ao Poder Judiciário, no policiamento e fiscalização da legalidade, apreciar mediante provocação do interessado, a ameaça ou a lesão de direito ocorrida. Se se tratar de direito líquido e certo, é cabível o mandamus. Se essa lesão for dirigida à liberdade de locomoção - direito de ir, ficar e vir -, cabível é o Habeas Corpus.

E, sobre o mister, vejamos o escólio de José Cretella Júnior.

"Ao lado do Habeas Corpus, o mandado de segurança ergue-se como verdadeiro direito subjetivo público constitucional, cujo titular é não só o administrado, cidadão ou funcionário, como também a pessoa jurídica, pública ou privada, e até em certos casos ‘quem quer que, mesmo destituído de personalidade jurídica, tenha capacidade para ser parte em juízo, por ter capacidade judiciária (...) a responsabilidade do Estado, a quem cabe a tutela do direito, e o repúdio a toda vis inquietativa atentatória ao equilíbrio que deve presidir às relações hominis ad hominem, na sociedade.’ " E acrescenta ainda mais, "O ato administrativo lesivo de direitos outorga ao lesado o direito subjetivo público de ir a juízo e exigir do Estado o cumprimento de prestação que lhe devolva a situação existente antes da edição do ato" (100)

Vale dizer: antes da lesão ao direito.

Decorre, pois, se o Estado é tutor de Direito, submetido que é, e sempre deve ser, à máxima jurídica suporta a lei que fizeste (patere legem quam fecisti), expressão do princípio da legalidade, qualquer ato do poder público que atente contra direito do cidadão, funcionário, particular e do cidadão PM, é passível de censura jurisdicional, tendente à volta do status quo ante, interrompido ou ameaçado de interromper-se pela medida coatora (= ato administrativo).

Assim, verificada a ilegalidade ou o abuso de poder, o poder judiciário, mediante o juízo a quo ou ad quem, a depender do caso, expede ordem de soltura, se o paciente estiver preso, ou lhe fornecerá salvo-conduto assinado, caso a ordem tenha sido concedida, para evitar ameaça de violência ou coação ilegal.

E o primeiro é o habeas corpus, de emprego amplíssimo, no início, até que em 1934, por via constitucional, é criado o segundo writ, o mandado de segurança, fundado e influenciado nos direitos do Commow Law e também no direito mexicano, conhecido por juicio de amparo, ficando então, o habeas corpus restrito à proteção da liberdade de ir, vir e ficar e o mandado de segurança à proteção dos demais direitos líquidos e certos, dos administrados e dos cidadãos em geral. Ademais, a Constituição de 88 conserva-os e inova, criando o habeas-data e o mandado de injunção; mas tratar-se-á apenas dos dois primeiros.

Veja-se, então, dando seguimento ao controle jurisdicional do ato administrativo ilegal ou arbitrário, mormente se se tratar de ato constritor do direito inalienável de ir e vir, i.e., do direito de liberdade.

7.2 Controle jurisdicional do ato administrativo ilegal

Sendo o Estado o tutor do Direito, submetido pois, à máxima "suporta a lei que fizeste," (101) expressão que reflete o Princípio da legalidade, qualquer ato do poder público que atente contra direito do cidadão, funcionário ou particular, é passível de censura jurisdicional, tendente à volta ao status quo ante, interrompido ou ameaçado de interromper-se pela medida coatora.

O controle jurisdicional, no lapidar entender de ilustres publicitas da feitura de Marino Pazzaglini Filho, et alii (102) - in ‘Improbidade Administrativa - aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público’,

"atento às garantias constitucionais segundo as quais nenhuma pessoa poderá ser paciente de condenação ou restrição de direitos sem o devido processo legal perante o juiz natural."

O controle jurisdicional não acontece, pois, espontaneamente. É mediato, dependente de provocação, nos termos da lei instrumental civil (Art. 2º do CPC) e incide diretamente sobre a legalidade da atividade administrativa questionada.

A Justicialidade é precisamente o controle judicial dos atos praticados pelo Poder Público, militando ao lado da legalidade e da igualdade, como seu sucedâneo operacional.

No Brasil, funciona o sistema de jurisdição única ou exclusiva, alicerçada no Art. 5º, inciso XXXV da C.F., ao dispor que a "lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito." Assim sendo, todas as eventuais incursões indevidas nos bens públicos deverão ser coibidas e punidas sob a égide do devido processo legal, mediante exercício do direito de ação.

Assim, no luminar publicista Cretella Júnior (103), quando a atividade da Administração lesa interesse, cabe ao prejudicado a faculdade e iniciativa de impugná-la, na via administrativa, fundada na eqüidade, justiça, razoabilidade, ou outra razão qualquer. Se a pretensão do interessado coincidir com o da Administração, poderá esta atendê-lo, ao lhe ser deferido o pleito em despacho aos vários recursos de que possa utilizar-se. Porém, se exaurida as várias esferas e não atendido haverá de conformar-se, posto que o interesse é desprotegido da competente norma jurídica, - vale salientar que este não interessa ao objeto desse estudo.

Entrementes, revestindo-se o ato administrativo de ilegalidade ou de abuso de poder, a lesão atinge direito - não interesse, apenas - causando danos ao destinatário alcançado pela medida, o que lhe faculta o acionamento de todos os meios que o Estado de Direito lhe assegura, quer seja na esfera administrativa (recursos hierárquicos) quer seja na via judicial, mediante os remédios processuais comuns e especiais (extraordinários). Nesta última, o controle jurisdicional do Ato da Administração resolverá, em definitivo a pendência, dando razão ao interessado ou ao poder público.

Via de regra, havendo ilegalidade ou abuso de poder no Ato Administrativo, a própria Administração, motu proprio, fundada na autotela, poderá restabelecer o equilíbrio violado, e, quando provocada pelo interessado, deverá, consoante se viu do teor da Súmula do STF nº. 473. Contrario sensu, o interessado violado poderá bater às portas do judiciário, que detém o Poder - Dever de coibir o arbítrio havido na ilegalidade ou abuso de poder, para o restabelecimento do status quo ante e consecução dos seus direitos.

Dessarte, o controle jurisdicional da Administração está aberto ao Poder Judiciário, sempre que qualquer ação ou medida de autoridade administrativa, eivada de ilegalidade ou abuso de poder, traga ou ameace trazer prejuízos ao administrado, mormente num Estado de Direito como o nosso estribado no princípio da legalidade.

Logo, se o ato administrativo, com pecha de ilegalidade ou de abuso de poder, traz prejuízos a alguém - cidadão, funcionário ou servidor - permitindo-lhe a impugnação, perante a Administração ou perante o Poder Judiciário, porquanto a CF/88 e as leis do Brasil lhes oferecem inúmeras garantias de proteção contra tal e tais lesões a direito proveniente do Estado, e, consoante o affair, recorrer ao habeas corpus, interditos, à ação ordinária, e ao mandamus, etc., cabendo ao Poder Judiciário decidir a lide respectiva.

Se tolher ou ameaçar tolher a liberdade de locomoção, o habeas corpus é o remédio processual específico de que alguém pode lançar mão, cuja liberdade física se encontre em risco ou violada. Examinando-se este sob todos os aspectos formais e substanciais, havendo ilegalidade ou abuso de poder, imperiosa é a concessão do writ do habeas corpus, expedindo-se ordem de soltura (alvará) ou salvo-conduto, conforme tenha sido para evitar a violência (ameaça) ou coação ilegal.

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No direito brasileiro, a despeito doutros instrumentos de controle jurisdicional dos atos administrativos, ao desiderato desta monografia, interessa-nos, apenas o habeas corpus e o mandamus, mormente como sendo instrumento ou writ de exercício eficiente e eficaz de controle das punições disciplinares assinaladas de vícios, erros, formal e/ou material, por conseguinte, inquinado de ilegalidade e abuso de poder.

Ademais, a própria Constituição de 1988, estabelece de forma clara e hialina, que "A Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça ao direito." (Art. 5º, XXXV, da CF/88), fazendo exsurgir, portanto, o controle jurisdicional dos Atos da Administração e do Poder Público.

O preceito sub examine torna, portanto, nula e não executável, toda e qualquer disposição legal que exclua do pronunciamento judicial de certas e determinadas situações jurídicas, mormente e principalmente, aquelas que envolvem a proteção dos direitos individuais. Ou seja, caso em que ocorre, quando se pretende alijar e excluir tal direito do PM de postular em juízo e perante este os direitos assegurados a todos os outros cidadãos, in casu, o direito ao habeas corpus et mandamus quando derivar de prisão ilegal ou abuso de poder, de autoridade ou de excesso deste na sanção punitiva.

Nesse sentido, Seabra Fagundes (cf. o Controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, 5º ed. Editora Forense, 1979), assinala:

"(...) que manifestar-se o Judiciário, no exame do conteúdo intrínseco da lei, cabendo-lhe declará-la lesiva ao princípio da igualdade, privá-lo, em suma, do poder de ‘rechaçar as leis arbitrárias, pela violação do princípio da isonomia’ (...) "todos são iguais perante a lei. (...) ‘Aqui lei é a lei ordinária em sentido amplo, ou seja, ‘toda lei que não se confunda com dispositivo constitucional, sendo esta lei constitucional’." (104)

A regra ou princípio da inarredabilidade ou inafastabilidade do controle jurisdicional do ato ilegal, ou eivado de abuso de poder.

O preceito em comento explicita não somente que a "a lei ordinária não poderá excluir da apreciação judicial as próprias leis, ou quaisquer outras regras jurídicas da Constituição" como também indica ou estatui que "a lei ordinária, lato sensu, não pode excluir da apreciação judicial os direitos individuais que se fundam em leis ordinárias"(cf. Pontes de Miranda, "Comentários", 3º ed., 1987, Rio de Janeiro, Ed. Forense, v.V. p. 105) (105), porquanto lesão (ou ameaça de lesão) é sempre infração a texto de lei. Logo, "nenhuma lesão a texto de lei poderá ser excluída de apreciação judicial ou jurisdicional."

7.3 Ilegalidade e abuso de poder (pressupostos do mandamus et habeas corpus)

Como visto de ver, do retrodito parágrafo e da ilação do inciso LXVIII, do Art. 5º da CF/88, a concessão do habeas corpus dar-se-á sempre (sem postergação) que houver a incidência dos seus pressupostos validantes e eficazes, quais sejam: a) ilegalidade, e; b) abuso de poder; porquanto havendo cerceamento, ou lesão, violação ou ameaça ao direito inalienável da liberdade de locomoção (ir, ficar, permanecer, estar e vir) de alguém (qualquer pessoa física ou ser humano, portanto) dar-se-á o remedium juris ou habeas corpus, desde que, óbvia e evidentemente, haja ou possa haver ilegalidade do ato constritor ou abuso de poder dele dimanado. Esta, pois, é a regra assegurada naquele preceptivo normativo constitucional, não há negar!

Havendo ilegalidade ou abuso de poder, que lese ou ameace violar o direito de liberdade de locomoção de alguém (qualquer pessoa humana), é imperiosa a concessão do heróico e constitucional remedium juris do habeas corpus. É, pois, regra e princípio de direito fundamental, que garante e assegura a todos, sem exceção, sua concessão. Inadmissível e inaceitável, portanto, qualquer exceção ao direito-garantia suso adscrito.

Resta claro que a ilegalidade e o abuso de poder constituem-se pressupostos do Habeas Corpus. Assim sendo, reprime-se o ilegal e o abusivo. Vejamos, pois, o que vem a ser e ilegalidade, posto que o "responsável pela "ilegalidade" ou "abuso de poder" - arbítrio - é a autoridade, a autoridade coatora, id.est., a "autoridade pública" ou "agente de pessoa jurídica", no exercício de atribuições do poder público." (106)

7.3.1. Ilegalidade

Assim, como ensina o luminar José Cretella Júnior (107) , se o ato de autoridade fere direito líquido e certo de alguém, então, configurado está o arbítrio, que consiste na lesão frontal a texto de lei. "O ato arbitrário, é ato ilegal." E continua o mestre, em sua ótica: "ilegalidade é gênero de que o abuso de poder é espécie".

No entanto, pode haver ilegalidade em que não figure, necessariamente, o abuso de poder, exemplitia gratia, nos casos de incompetência de agente, porquanto seu ato fere direito líquido e certo, mas não há abuso de poder, posto que incompetente para fazê-lo, i.e., editar o ato. Contudo, não há um só caso de abuso de poder que não se configure em ilegalidade. Conclui o festejado publicista:

"Em, suma ilegalidade ‘em razão do agente’ ou em ‘razão da forma’ pode dar origem a lesão de direito líquido e certo e, neste caso, não ocorre o denominado abuso de poder. Por isso, a lei foi sábia em separar as duas figuras: a da ilegalidade e a do abuso de poder.

Portanto, sábio o direito brasileiro, e agora a nossa Carta Maior, como se encontra no Art. 5º, LXIX, que, ao tratar do direito - garantia do Mandado de Segurança, sempre distinguiu a ilegalidade e o abuso de poder. Assim, reprime-se o ilegal e o abusivo, bem como também se condena o ato ilegítimo, quanto a execução de ato válido ou ilegal, com abuso de Poder.

E, nesse sentido, outra não é a lição de Manoel de Oliveira Franco Sobrinho (Atos administrativos) (108) , que assevera "o problema, na sua origem, é constitucional, porque a lei maior, ao mesmo tempo que fala de ilegalidade, condena igualmente o abuso de poder." A ilegalidade, portanto, diz respeito ao ato em si mesmo. O ato ilegal é aquele que não se conforma com a lei que o autoriza, posto que há um flagrante descompasso e desarmonia entre um (ato) e outra (lei), enquanto o abuso de poder diz respeito à execução do ato. Esta execução é que é viciada ou irregular, para caracterizar o abuso de poder.

7.3.2 Abuso de Poder

Este, como consoante demonstrado acima, é espécie do gênero ilegalidade. É, pois, no dizer do luminar José Cretella Júnior (109), "o exercício irregular do poder. Usurpa poder quem, sem o ter, procede como se o tivesse. A falsa autoridade usurpa-o; a autoridade incompetente exerce poder que compete a outrem, usurpa; a autoridade não usurpa."

Para o festejado Diógenes Gasparini (110), o uso anormal do poder é circunstância que torna ilegal, total ou parcialmente, o ato administrativo ou irregular sua execução. Na primeira hipótese, há desvio de finalidade ou excesso de poder. Veja-se, pois, abaixo seu quadro sinóptico:

Uso ilegal do poder torna:

  1. ilegal o ato:

    • parcial: excesso de poder;

    • total: desvio de finalidade.

  2. irregular a execução do ato: abuso de poder.

Entende o autor citado que as expressões (desvio de finalidade, excesso de poder e abuso de poder), a par de outras (desvio de poder, abuso de direito e abuso de autoridade) referidas e citadas por outros autores especializados, quase sempre indicam e denotam a mesma realidade, ou seja, o "uso anormal do poder", ou como afirma Celso Antonio Bandeira de Melo - citado pelo autor acima - "um defeito do ato administrativo em face da legalidade," que no nosso entendimento, portanto, vicia o ato, do qual não pode dimanar nenhum direito ou eficácia. - Vide, pois, nesse sentido, para um melhor e mais aprofundado estudo sobre o tema, a obra do autor suso citado e bem como também Hely Lopes Meireles em suso obra citado.

Abuso de poder, para o citado autor, é todo a ação que torna irregular a execução do ato administrativo, legal ou ilegal, e que propicia, contra seu autor, medidas disciplinares, civis e criminais. Acrescentando que o remédio contra o abuso de poder cabe o mandado de segurança, posto que a nossa Carta Política, no inciso LXIX, Art. 5º, prescreve, litteris: "Conceder-se-á Mandado de Segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por Habeas Corpus ou Habeas Data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público." A medida pode ser preventiva quando se predispõe a evitar o abuso de poder, ou suspensiva quando preordenada a obstar à continuidade do procedimento abusivo do agente administrativo.

Para Hely Lopes Meirelles (111), o abuso de poder é sempre uma ilegalidade invalidadora do ato que o contém. E acrescenta: entre nós, o abuso de poder tem merecido sistemático repúdio da doutrina e da jurisprudência, e para seu combate o constituinte armou-nos com o remédio heróico do mandado de segurança, cabível contra ato de qualquer autoridade (Constituição da República, Art. 5º, LXIX, e Lei 1.533/51) e assegurou a toda pessoa o direito de representação contra abuso de autoridade (Art. 5º, XXXIV, a), complementando esse sistema de proteção contra os excessos de poder com a Lei 4.898, de 30.11.1964, que pune criminalmente esses mesmos abusos de autoridade.

Diógenes Gasparini, sobre o mister, acrescenta ainda que: "não se exclui, e em certas situações é a medida mais indicada, o Habeas Corpus para inibir o abuso de poder", que até admite a responsabilidade do agente por atos de abuso de poder, se a execução do ato causar dano ou prejuízo para o ofendido, cabe ao Estado (União, Estado federado ou Município) restaurar o patrimônio diminuído. Fundado no § 6º, Art. 37 da CF/88, que é regra geral da responsabilidade objetiva, diz ser uma obrigatoriedade do Estado de indenizar o prejudicado ou lesado se, o dano advier do ato de funcionários, nessa qualidade.

De mais a mais, ainda sobre o Art. 5º, LXVIII, da Lei Maior, não é despiciendo trazer a lumeo lapidar escólio de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, (112) ao tratar do habeas corpus na atual Carta Política, discorrendo ponto a ponto, ao asseverar que "o habeas corpus protege exclusivamente a liberdade de locomoção: o direito de ir e vir" - e ficar. "Entende-se - acrescenta o autor - que todas as pessoas físicas têm o direito de impetrar o habeas corpus, em favor de qualquer pessoa física, seja o impetrante ou não."

Ressaltando que "justifica a impetração a violação, ou ameaça, do direito de locomoção. Portanto, cabe o habeas corpus como medida preventiva para impedir cerceamento da liberdade de ir e vir." E mais:

"(...) este cerceamento, porém, para ensejar o Habeas Corpus deve ser ilegal. O texto é enfático e didático, mas não reclama mas do que isso. De fato, fala em ilegalidade, ou abuso de poder, mas este não passa de uma forma - ainda que sutil - de ilegalidade. Igualmente, havendo ilegalidade, pouco importa que haja violência ou não, pois, sempre haverá coação (ilegal) (...) o Habeas Corpus é uma ordem judicial, ordem para que se deixe de cercear, para que não se ameaçe cercear a liberdade de ir e vir de determinado indivíduo. Ordem que pode ser dirigida a quem que restrinja ILEGALMENTE a locomoção alheia." - gn.

7.4 Do mandamus - mandado de segurança

O mandado de segurança, no dizer de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (113), é uma criação brasileira. "Foi ele instituído pela Constituição de 1934, Art. 113, ignorado pela Carta de 1937, mas restaurado à dignidade Constitucional pela Lei Fundamental de 1946 e nela mantida pela de 1967 e pela atual."

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, contempla-nos com duas formas de mandamus - mandado de segurança: a) o individual (Art. 5º., LXIX), e, do mesmo modo que o previram Constituições anteriores, desde a Carta Constitucional de 1934, como dito, decorrente do juicio de amparo, com o fito de assegurar e proteger direito subjetivo individual líquido e certo; b) o mandado de segurança coletivo (Art. 5º. LXX). Entretanto, ao desiderato desta tese tratar-se-á apenas do primeiro, garantia individual, quanto ao segundo, garantia coletiva. (114)

Dispõe a CF/88 no Art. 5º. LXIX, litteris:

"Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por ‘Habeas Corpus’ ou ‘Habeas data’, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público."

Decorre, pois, do dispositivo suso transcrito que o impetrante há de ser o próprio titular do direito, que, por sua vez, o impetrado deve estar investido de atribuições do poder público. O texto explicita claramente ponto sobre o qual muito se controverteu, ou seja, "se o pólo passivo do mandado de segurança poderia ser ocupado por quem não fosse autoridade pública, mas exercesse atribuição desta. Como se vê, a última tese é que prevaleceu." (115)

O fundamento validante do mandamus, i.e., os seus pressupostos jurídicos ou requisitos de admissibilidade têm fulcro, como no caso do habeas corpus, na ilegalidade lato sensu de que é espécie o abuso de poder. Vale dizer: reside na ilegalidade em sentido amplo, que compreende o abuso de poder, o fundamento do mandado de segurança.

O mandado de segurança serve para:

"(...) proteger todo e qualquer direito líquido e certo, constitucional ou não, outro que não o de locomoção e o de acesso ou correção de dados pessoais. Com efeito, o seu campo é definido por exclusão: onde não cabe habeas corpus, ou habeas data cabe Mandado de Segurança." (116)

Pressupõe, conforme visto acima, o mandado de segurança ser líquido e certo o direito violado. "Direito certo e líquido", ensina Pontes de Miranda, "é aquele que ... não precisa ser aclarado com exame de provas de dilações, que é, de si mesmo, concludente e inconcusso." (117)

Dessarte, ainda no sentido da proteção ao direito líquido e certo, vejamos o escólio de José Cretella Júnior (118)- "Para proteger" - diz o texto constitucional de 1988. Proteger o quê? Assim como o habeas corpus protege, tão-só, a liberdade de locomoção, o mandado de segurança, que entre nós é oriundo do habeas corpus, protege o direito líquido e certo, ameaçado ou violado por ato arbitrário (ilegalidade ou abuso de poder) da autoridade, desde que não protegido por habeas corpus e pelo habeas-data. Se não ocorrer ato de autoridade que incida de modo direto na liberdade de ir e vir, configurando nítida ‘prisão’, ou ‘detenção’, nenhum atentado ocorreu contra locomoção livre da pessoa física. "Se o constrangimento, por exemplo, for limitado exclusivamente ao serviço de identificação criminal, é isso que a Constituição veda. E, no caso, a ofensa é ao direito de não ser identificado"- grifos do autor.

E continua o ilustre autor:

"(...) O mandado de segurança é ação documental dirigida a finalidade bem clara: a proteção de direito líquido e certo, ameaçado ou violado. Se o indivíduo tem direito líquido e certo, garantido por expressa regra jurídica constitucional a não sofrer ou a não ser ameaçado a sofrer IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL, caso já tenha sido identificado civilmente (Art. 5º, LVIII), porque ‘ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (art. 5º. LVII), é o MANDADO DE SEGURANÇA - não o habeas corpus - o instrumento para coibir o abuso de autoridade" (sic) grifos do autor.

Deflui, pois, do escólio suso adscrito que, para o cabimento do mandamus, prescinde que a ilegalidade ou abuso de poder do Ato (Administrativo e/ou fato) lesione ou ameace lesionar outro direito que não o de locomoção ou de retificação de dado. Bem por isso, o mandamus não se presta, em nosso entender, a coibir o ato administrativo punitivo concernente às punições de prisão e/ou detenção - espécies do gênero punições disciplinares, ainda em voga hoje em dia na PMAL-, para estas o remedium é o heróico habeas corpus. O mandamus presta-se, assim, a coibir outras espécies de sanções disciplinares (advertência, repreensão verbal, repreensão escrita, licenciamento ex-officio a bem da disciplina, exclusão a bem da disciplina.), espécies de ATOS ADMINISTRATIVOS.

Desse modo, sendo as punições disciplinares espécies de atos administrativos, não é despiciendo trazer à tona que o Art. 5º, III, da Lei Fed. nº 1533/51 - Lei de mandado de segurança, estatui in verbis:

"Art. 5º - Não se dará mandado de segurança quando se tratar:

I. do ato de que caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independente de caução;

II. de ato disciplinar, salvo quando praticado por autoridade incompetente ou com inobservância de formalidade essencial." - g.n.

Aliás, a despeito de que os atos administrativos, em regra, são os que mais ensejam lesões a direitos individuais e coletivos; portanto, sujeitos à impetração do mandamus, muitos publicistas e doutrinadores, pátrios defendiam o descabimento do heróico remedium em caso que tais, e dentre eles, o próprio Hely Lopes Meirelles, até render-se aos irrefutáveis argumentos do culto Min. Carlos Mário Velloso, (119)

"(...) apoiado em fundamentado acórdão do TFR (MS 85.850-DF), (...), que considera a restrição da lei incompatível com a amplitude constitucional do mandamus. Realmente, se a Constituição vigente concede a segurança para proteger todo o direito líquido e certo não amparado por habeas corpus, qualquer que seja a autoridade ofensora (Art. 5º. LXIX), não se legitima a exclusão dos atos disciplinares, que, embora formalmente corretos e expedidos por autoridade competente, PODEM SER ILEGAIS E ABUSIVOS NO MÉRITO, a exigir pronta correção mandamental." - g.n.

- g.n.

E, ainda nesse sentido, Coqueijo Costa (120)- citado por Paulo Lúcio Nogueira, explica, "cabe mandado de segurança contra ato administrativo executório, de autoridade de qualquer dos três poderes, que violente a esfera jurídica do indivíduo, isto é, que revista uma ilegalidade ou um abuso de poder."

No entanto, consoante o inciso I do Art. 5º transcrito, que veda cabimento do mandamus contra "ato de que caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independente de caução", é de se ver que conflita a norma constitucional, "o que tem provocado controvérsias a respeito da questão pertinente ao cabimento de segurança, quando do ato caiba recurso..." (121)citado; a solução, mais uma vez, surge através do saudoso mestre Hely Lopes Meirelles (122), que afirma "Quando a lei veda ... (Art. 5º.I), não está obrigando o particular exaurir a via administrativa, para, após utilizar-se da via judiciária. (...)"

Desse modo, resta claro que é cabível o mandamus nas punições disciplinares (atos administrativos), mormente quanto àquelas não restritivas à liberdade física - liberdade de locomoção, vez que quanto a estas, i.e., as de prisão e detenção, o remedium juris é o heróico habeas corpus, posto que o mandamus protege todo direito líquido e certo não amparado por este e pelo habeas-data. Daí prestar-se àquelas outras sanções disciplinares militares, como vimos de ver acima.

Demais disso, o próprio rito do mandamus não teria o condão de, ab initio et a priori, coibir a lesão a liberdade física do punido e transgressor, que, ainda fosse concedido medida in limine, já teria ficado ou sofrido o constrangimento em sua liberdade, por no mínimo 48 horas, até a expedição da medida liminar; sem contar que a autoridade coatora, após notificada, tem o prazo de 10 dias para, querendo, prestar informações sobre o ato impugnado. Noutras palavras: o mandamus não fulmina de pronto e imediatamente o ato constritor e lesivo à liberdade de ir e vir.

Dessarte, consoante asseverado supra é que entende-se ser o habeas corpus o remedium juris a ser prescrito ao paciente de prisão e/ou detenção eivada de ilegalidade e/ou abuso de poder e que lesione (ou ameace lesionar) o seu direito universal imprescritível, impostergável e inalienável de liberdade de locomoção, a despeito da exceptio e vedação expressa do § 2º, do Art. 142 da Carta Política da República, como veremos de ver adiante.

7.5 Do Habeas Corpus

O Habeas Corpus é a primeira das garantias processuais extraordinárias que o direito brasileiro admite contra atos abusivos da Administração. "O Habeas Corpus configura uma garantia constitucional voltada à proteção da liberdade individual do direito de ir, vir e ficar. Em outras palavras, protege a liberdade desde que cerceada por ilegalidade ou abuso de poder" (123).

No que se refere à sua legitimidade ativa, o texto constitucional não traz qualquer especificação.

Por outro lado, o artigo 654 do CPP estipula que: "o ‘Habeas Corpus’ poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrém, bem como pelo Ministério Público".

Dessarte, qualquer pessoa (mesmo destituída de capacidade postulatória) ou o próprio paciente podem requerê-lo, sendo desnecessário, pois, a intervenção de advogado.

Quanto a sujeição passiva, deve ser ele ajuizado perante a autoridade superior àquela responsável pela ilegalidade ou abuso de poder.

É, pois, induvidosa e inquestionavelmente, o habeas corpus adequado e competente remedium juris heróico e constitucional a ser ministrado e prescrito quando houver cerceamento ou ameaça ao direito inalienável de liberdade, de locomoção, de ir, vir, estar ou permanecer, de qualquer que seja o cidadão, se, óbvia e evidentemente, estiver sofrendo ou na iminência de sofrer ameaça de prisão e/ou detenção arbitrária ou ilegal, consoante se depreende do inciso LXVIII do Art. 5º da CF/88, in verbis: "Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. "

Deflui, pois, por ilação lógica, do prescritor normativo suso transcrito, a imperatividade do princípio fundamental garantidor dos direitos e deveres individuais de qualquer pessoa humana (alguém) de sempre - não há condicionantes aqui - lhe ser concedido o habeas corpus, desde que esteja a sofrer ou até mesmo ameaçado de sofrer- iminência de sofrer - a violência ou coação em sua inalienável liberdade de ir, ficar, estar, permanecer e vir, quer seja pela Ilegalidade quer seja por Abuso de Poder. Aliás, nesse sentido, não é despiciendo trazer a lume o escólio de Paulo Dourado Gusmão: "Habeas corpus - medida judicial destinada a proteger a liberdade individual contra prisões arbitrárias. Instituído, em 1679, na Inglaterra" (124).

Infere-se, pois, que o Habeas corpus é o remédio de que se vale todo aquele, qualquer pessoa, inclusive o cidadão/PM, que já sofreu lesão efetiva do direito público, a liberdade pública de ir, estar e vir, posto que a violação da liberdade produz patente vis inquietativa no cidadão, a tal ponto que se vê impelido a proteger-se com writ preventivo, cujo se opera sempre que alguém se acha ameaçado de sofrer violação ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder, e, assim, ao paciente sempre será fornecido ou concedido o habeas corpus, o salvo-conduto, assinado pelo juiz, para evitar a concretização da ameaça de violência ou coação legal (Art. 660, § 4, do CPP) .

Nesse sentido, deflui-se ainda do inciso sub examine, que, havendo ilegalidade ou abuso de poder que faça sofrer ou ameace alguém de sofrer violência ao seu direito inalienável de liberdade, conceder-se-á sempre o remedium juris do habeas corpus. Ressalte-se que o texto diz sempre, e não talvez, ou depende ou poderá. Ademais, saliente-se ainda que, por ilação é destinado a alguém, cuja acepção denota toda e qualquer pessoa, todo ser humano, i.e., sujeito de direito.

De mais a mais, não é despiciendo trazer a lume o escólio do ilustre publicista José Cretella Júnior ao referir-se ao indefinido "ninguém" insculpido na Carta Atual:

"a exceção da Lei Magna de 1824, do Brasil Império, Art. 179, 1º que dizia ‘nenhum cidadão’, as demais mencionam ‘ninguém’, ‘alguém’, ‘qualquer’,"surgem dúvidas, sempre, porque ‘ninguém’, quer dizer ‘nenhuma pessoa’, ‘alguém’ tem o sentido de ‘toda pessoa’, ‘qualquer’ significa ‘qualquer pessoa’. Ora, no mundo jurídico, a pessoa pode ser física ou jurídica e, desse modo, nos vários textos, o intérprete se defronta com esse problema." (...) mas todos os textos constitucionais posteriores preferiram o indefinido "ninguém". (125)

Este princípio "está ligado às instituições democráticas que eliminaram o arbítrio e condicionaram as limitações à liberdade individual a pressupostos legais que não podem ser renunciados" (126).

Assim, desaparecendo o arbítrio, os direitos individuais ficam protegidos, mediante exame judicial das reclamações contra os abusos do poder público, porquanto há a prevalência da legalidade ínsita ao que prescreve a nossa Carta Magna: "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de LEI"(Art. 5º, II, da CF/88) - grifei; aqui o indefinido "ninguém" refere-se não apenas ao particular, ao cidadão, como também ao próprio Estado, ao governante, ao Poder Executivo e ao Poder Judiciário, que não podem criar obrigações novas, limitando-se a ação dos agentes desses Poderes ao cumprimento da Lei (suporta a lei que fizeste - patere legem quam fecisti); o princípio segundo o qual a Administração também está submetida à LEI.

A expressão "em virtude de lei" consta de todas as demais Cartas Políticas brasileiras e, principalmente, na atual. Lei é tomada aqui em sentido formal, "declaração solene da norma jurídica feita pelo poder competente". E, esse poder competente, outro não é senão o povo, porquanto "todo poder emana do povo" e em seu nome é e será exercido, haja vista que outorga aos seus legítimos representantes legais (parlamentares) poderes normativos primários para elaboração e promulgação das Leis.

Logo, "ato administrativo, qualquer valor que tenha, ato administrativo de qualquer hierarquia, não pode obrigar ninguém a ‘fazer’ ou ‘deixar de fazer’ alguma coisa". Do contrário, o texto constitucional teria dito: "em virtude de lei ou ato administrativo" (decreto, regulamento, instrução, circular, portaria, provimento, aviso). Pode ainda o termo lei ser tomado em sentido "material", ou seja, norma jurídica editada pelos Poderes Judiciário e Legislativo, como os regimentos Internos. Assim, se "provimento do Juiz Corregedor obrigar ao uso de gravata e a proibição não estiver fundada em lei, ou no Regimento Interno ou em Lei de Organização Judiciária, a proibição é ilegal." (127) - g.n.

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Sobre o autor
Joilson Gouveia

Bacharel em Direito pela UFAL & Coronel e Transferido para Reserva Remunerada da PMAL.Participou de cursos de Direitos Humanos ministrados pelo Center of Human Rights da ONU e pelo Americas Watch, comendador da Ordem do Mérito Municipalista pela Câmara Municipal de São Paulo. Autor, editor e moderador do Blog D'Artagnan Juris

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Joilson. Do cabimento do habeas corpus e do mandado de segurança nas prisões e detenções ilegais na Polícia Militar de Alagoas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. -1765, 1 set. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1594. Acesso em: 15 nov. 2024.

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