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Do cabimento do habeas corpus e do mandado de segurança nas prisões e detenções ilegais na Polícia Militar de Alagoas

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01/09/1998 às 00:00
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8. Habeas Corpus: Concessão versus Exceção

8.1. Considerações preliminares e doutrinárias

Nesse sentido, após rebuscada pesquisa e esforço hercúleo, a ilação de doutos e renomados publicistas e jurisconsultos, leva-se a crer na admissibilidade do heróico remedium juris em casos que tais, a despeito da vedação do § 2º Art. 142 da CF/88 e de uma corrente contrária.

No entanto, dentro do espírito liberal da CF/88 e dos propósitos, objetivos e fundamentos a que se destina o Estado Democrático de Direito, grassa erro crasso e incorre em ledo engano aquele que achar ser incabível o habeas corpus em caso de punição disciplinar militar (Policial-Militar), consoante tais regulamentos.

O habeas corpus, como vimos de ver do bojo desta tese, sem ser nenhuma novidade atual e com alguma variação, de há muito, tem sido tratado nas Constituições brasileiras. A de 1967 dizia:

"dar-se-á Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares não caberá Habeas Corpus" (§20, do Art.150, da CF/67). A EC/69 repete a mesma redação no § 20, do Art. 153.

É de se ver que, então, já era feita a ressalva, colocando-se um impedimento para que, nas transgressões disciplinares, não houvesse a possibilidade de aplicação do heróico remedium juris constitucional.

Assim, transgressões disciplinares seriam aquelas resultantes de regulamentos disciplinares, militares ou não. "Incluídas estavam as transgressões disciplinares cometidas por funcionários civis." (128)

E, consoante já asseverado nesta monografia, na CF/88 esta expressão foi alterada para "punições disciplinares militares" e passou a constar, não mais junto às disposições da regra de garantia do habeas corpus, e sim no Capítulo das Forças Armadas, bem por isso a flagrante imprecisão do Constituinte, pois ora chama de transgressão militar (Art. 5º, LXI) - que é o ato, e ora denomina como punição disciplinar (§ 2º. Art. 142) - que é o resultado desse ato.

Expressa, pois, realmente e de fato, a CF/88 no dispositivo sub examine litteris: "não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares"(§ 2º Art. 142), o que leva ao intérprete, prima facie, entender o não cabimento do habeas corpus, pelo menos, assim, transparece que a questão estaria definitivamente resolvida, i.e., quando se tratar de punição disciplinar, conforme os RD, no interior das casernas, aplicadas a PM, o conhecido "remédio heróico", não poderia ser usado em favor do prejudicado ou do assim punido. Entrementes - reitere-se - não é isso que se deve entender.

E por quê insiste-se, reiteradamente, de que tal entendimento não deve prosperar? Por quê é que não se deve interpretar tal preceito de forma literal e isoladamente? Ora, exata e justamente porque a simples leitura do inciso LXVIII, do Art. 5º da CF/88 não permite tal entendimento, ou essa conclusão primeira, haja vista que este dispositivo trata justamente do habeas corpus: "Conceder-se-á Habeas Corpus SEMPRE que ALGUÉM sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ILEGALIDADE ou ABUSO DE PODER."

Aliás, sobre ilegalidade e abuso de poder, a despeito da farta e exaustiva doutrina colimada no seio desta obra (129), não é despiciendo ou inoportuno trazer a lume o escólio de TUCCI & TUCCI (130), - citado por Univaldo Corrêa -, que sobre aquela assim expressa: "desconformidade de atuação ou omissão, do agente do Poder Público, com a lei, qualquer que esta, formalmente considerada, seja", e sobre este (abuso de poder), diz:

"(...) representa a atividade descognitiva da lei; enquanto a ilegalidade revela ação ou inação ao arrepio desta, com abuso de poder o ato é praticado como se lei não houvesse, vale dizer, como se a autoridade legislasse e criasse uma situação não prevista nem autorizada anteriormente."

Ademais, sobre ilegalidade, Pontes de Miranda, (131) ao estudar profundamente a figura do Habeas Corpus, assevera: "Não poderia entender senão o que exclusivamente exprime esse vocábulo", entendendo o abuso de poder como equivalente a excesso de poder, e, arrimado em Pimenta Bueno, define essa expressão: "ato de autoridade que, por mau uso da jurisdição, que a lei lhe conferiu, ordena ou permite o que ela proíbe, ou posterga as condições que a lei mandava observar em seu ato."

Dando seguimento ao iluminado escólio de Pontes de Miranda, este afirma:

"(...) em qualquer caso de abuso de poder, sofrendo o indivíduo coação ou violência à liberdade de ir, ficar e vir, ESTÁ INDICADO, CONSTITUCIONALMENTE, O USO DO HABEAS CORPUS. Não decorrendo de abuso de poder, e sim de ato ilegal, que em tanto não orce, mas que, praticado, motive a violência ou coação individual, também SERÁ DADA A ORDEM, COMO PRECEITO IRRETORQUÍVEL DA CONSTITUIÇÃO." (132)- g.n.

Desse modo, induvidoso e inquestionável, pois, que o habeas corpus protege o direito à liberdade de locomoção.

Resta claro, portanto, que cabe o habeas corpus, que pode ser impetrado por qualquer pessoa e em favor de qualquer um, independente da sua nacionalidade, sempre que alguém encontre-se privado de sua liberdade de locomoção, ou seja ameaçado de ver-se privado e tolhido dessa liberdade, por violência ou coação fruto da ilegalidade ou abuso de poder. Dúvidas, portanto, não há! Pode, entretanto, ser preventivo o habeas corpus.

Em qualquer caso, como já visto, é a ilegalidade, lato sensu, da privação ou de sua ameaça que funda o pleito do habeas corpus, porquanto, de fato, o abuso de poder, i.e., o uso abusivo de um poder legítimo, resulta, pois, em uma ilegalidade.

Em síntese, o habeas corpus é, pois, uma ordem judicial para que se deixe de cercear, ou para fazer cessar ameaça à liberdade de ir, ficar, e vir de determinado indivíduo, que deve ser dirigida a quem quer que restrinja ilegalmente a locomoção da pessoa humana. É a lei quem ordena, pois. Não é favor ou caridade. O judiciário tem, pois, o dever de expedir tal ordem, posto que apenas cumpre a lei que houvera sido pelo coator desacatada.

8.2 Inadmissibilidade e admissibilidade de concessão nas punições disciplinares militares ilegais - doutrina

Como é próprio do direito, há sempre diversas correntes sobre determinados temas, mormente quando se trata de tema inusitado ou polêmico, como in casu, pois, sempre há os negativistas e os positivistas. E, quanto à admissibilidade ou não do habeas corpus em punições disciplinares traz-se a lume as posições de alguns renomados publicistas.

Pinto Ferreira, (133) exemplitia gratia, retrata que "o preceito de que não cabe o habeas corpus em transgressões disciplinares foi retirado do nível constitucional." É o que se infere, pois, do que este autor expressamente declara: "Os militares estão sujeitos a punições disciplinares contra as quais não cabe Habeas Corpus." (134) Não percebeu este autor ou, pelo menos, não atentou para o fato de que os constituintes apenas trocaram a sua posição, passando-o para o Art. 142 em que tratam das Forças Armadas.

José Cretella Júnior, (135) parece enveredar pelo mesmo equivocado raciocínio, posto que assim se posiciona: "o habeas corpus é writ concedido a todo aquele que sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder", mas, ainda assim, admite exceção a esta regra jurídica constitucional ao afirmar: "sofre exceção em relação a punições disciplinares militares, insuscetíveis de serem garantidas por este remedium iuris, ao dispor dos cidadãos civis, em geral." E por declarar expressa e peremptoriamente: "Exceptuam-se, pois, da proteção pelo habeas corpus, todos os casos em que o constrangimento ou a ameaça de constrangimento à liberdade de locomoção resultar de punição disciplinar."

Entrementes, a despeito dessas posições antagônicas ao nosso entendimento, vejamos, então, a posição doutros doutrinadores e publicistas.

O primeiro deles é Edgar Maia Luz, (136)que, ao comentar o mister na constituição vigente de então (CF/67) aduzia: "A carta ... reproduziu, no Art. 153, § 4º, o princípio fundamental de que a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer, lesão de direito individual." E observa: "No entanto, esta mesma certa (...), no mesmo artigo citado, e no seu § 20, in fine, estabelece que ‘nas transgressões disciplinares não caberá Habeas Corpus’." E, diante destes preceitos comenta: "Estamos, como se infere exegeticamente frente a duas indagações jurídicas: 1º) a lesão de direito referida no §4º e c/c o dispositivo no §20, circunscreve-se às transgressões disciplinares? 2º) o instituto do Habeas Corpus é o único remédio legal e jurídico conferido para a reposição do direito violado? Ele mesmo responde: ‘Ambas indagações podem ser respondidas negativamente’. E explica: "No que tange à inaplicabilidade do habeas corpus para as transgressões disciplinares, isto é pacífico, mas não constitui este remédio jurídico o único para reparação da lesão de direito."

Evidentemente, pois, como já vimos no capítulo do mandamus, à época, nem este remédio constitucional era admitido (Art. 5º, I e III, da lei 1533/51), o que já foi esclarecido e dirimido pelo Ministro Carlos Mário Velloso, apoiado em fundamentado acórdão do TFR (MS - 85.850 - DF), ao qual renderam-se Hely Lopes Meirelles e toda doutrina e jurisprudência pátria - Mas voltemos ao autor:

"(...) Quando a transgressão disciplinar ocorre, poderá uma de duas hipóteses ocorrer ou, mesmo, também ambas: a não configuração perfeita do tipo ou na inadequada cominação da pena ou, ainda, dentro deste último caráter, o excesso (...) isto responde à primeira indagação de que não está esgotado a esfera de competência do Poder Judiciário na consideração da lesão de direito oriundo de uma transgressão disciplinar, e, implicitamente, à afirmação de que o instituto do Habeas Corpus seja o único remédio jurídico circunscrito às transgressões disciplinares, impedido de ser apreciado pelo Poder Judiciário como para recompor o status alterado por uma lesão de direito individual."

E, ainda nesse sentido, o autor dá a seguinte lição de cientificidade jurídica:

"(...) Há, neste Brasil afora, verdadeiros tabus que precisam ser enfrentados com clarividência e coragem, e se recomendamos, insistentemente, aos nossos alunos, que frente a uma fenomenologia qualquer devemos assumir atitude filosófica da indagação das causas primeiras dos fins últimos, não podemos e não devemos temer a mesma atitude de enfrentar o problema jurídico tão relegado a segundo plano, pela comodidade ou pela ignorância(...) Impõe-se, portanto, a consideração de que a carta constitucional apenas e tão somente excepciona a concessão do Habeas Corpus que é o remédio jurídico típico para restaurar o direito da liberdade de ir e vir, ESTANDO LONGE, MUITO LONGE, DE AFIRMAR que a transgressão disciplinar NÃO PODE SER APRECIADA PELO PODER JUDICIÁRIO, como determina, no sentido lato, o disposto no § 4º do citado artigo 153 (...) Então, ainda insistimos, se nesta ordem de idéias está o resguardo do direito individual, ESTE SEMPRE SERIA PRESERVADO PELO QUE A PRÓPRIA CARTA.... ESTABELECE no (...) ARTIGO 153, AO DESTACAR A FIGURA DA DEFESA, § 15, desta forma:‘§ 15. A Lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os recursos a ela inerentes. Não haverá foro privilegiado nem Tribunais de Exceção." - gn

Antonio Pereira Duarte, (137) quanto à questão do cabimento ou não do habeas corpus quando de punição militar, assim se expressa:

"Parece-nos, à primeira vista, que a questão não oferece maiores dificuldades, visto que o não cabimento do habeas corpus nos casos de punições disciplinares NÃO SE AMPLIA PARA AS SITUAÇÕES EM QUE AS PUNIÇÕES SEJAM ILEGAIS E APLICADAS COM O ABUSO DE PODER. QUANDO HOUVER por parte do aplicador da sanção disciplinar DESCUMPRIMENTO À LEI OU ABUSO, NÃO PODE PAIRAR DÚVIDAS QUANTO À LEGITIMIDADE DO EMPREGO DO REMÉDIO HERÓICO" - gn

Este autor ainda observa:

"(...) De qualquer modo, na hipótese de haver imposição de sanção disciplinar, em ato administrativo punitivo eivado de vício de legalidade ou com abuso de poder, caso não se admita o habeas corpus por interpretação puramente literal do disposto no inciso II do Art.142, ENTENDEMOS QUE CABÍVEL SERÁ (...) o mandado de segurança, nos termos do inciso LXIX do mesmo Art. 15, já que, nesta situação, poder-se-ia concluir que o direito à liberdade de locomoção não estaria protegido pelo Habeas Corpus, não inviolabilizando o uso do mandado de segurança." - (sic) - g.n.

Ainda dando seguimento ao autor suso citado, que fundado no:

"(...) Habeas Corpus nº 550/92, os eminentes Juízes do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul entenderam de não conhecer do pedido em razão de a prisão disciplinar imposta ao paciente ter sido aplicada por autoridade competente e dentro dos limites legais.", faz o seguinte comentário conclusivo: "Ora, a ilação que se extrai de tal decisum é a de que se a autoridade aplicadora da sanctio disciplinar é incompetente ou se o castigo é imposto sem observância dos parâmetros legais, RAZÃO NÃO EXISTE PARA QUE NÃO SE PERMITA O USO DO REMEDIUM JURIS SUB EXAMINE" - g.n.

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Mauro Cunha et Roberto Geraldo Coelho da Silva, (138) os quais, fundados em Espíndola Filho e Pontes de Miranda, ao comentarem o "não cabimento, em princípio, nas prisões disciplinares," assim se expressam:

"A vedação ao Habeas Corpus haverá de ser, porém compreendida em sua real limitação, e razão cabe ao já citado Espínola Filho quando confere realce à lição de Pontes (...) Não se queira, porém, entender que, em se tratando de transgressão disciplinar, esteja afastado para sempre a hipótese do cabimento do Habeas Corpus. Na verdade, o que não comporta discussão judicial (...) é a justiça ou injustiça da pena aplicada; mas a legalidade ou a constitucionalidade da punição jamais poderão deixar de ser objeto de apreciação judicial, seja o processo administrativo civil ou militar" - g.n.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, (139) com espeque também em Pontes de Miranda (Comentários, cit.. Art. 141. § 23), quanto aos quatro pressupostos do ato administrativo punitivo, que ele denomina de "transgressão disciplinar" ao que, na verdade, constitui-se em punição disciplinar, e enumera esses pressupostos:

"(...) 1º) ‘ hierarquia’: o transgressor deve estar subordinado a quem o pune; 2º) ‘poder disciplinar’: a lei deve atribuir poder de punir a esse superior; 3º) ‘ato ligado a função’: o fundamento da punição tem de ligar-se à função do punido;4º) ‘pena’: ou seja, sanção prevista em lei." - g.n.

E conclui o mestre citado:

"Se faltar qualquer desses pressupostos, NÃO HOUVE, na verdade, TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR" - diríamos punição disciplinar -. "Daí decorre que o cerceamento da liberdade de locomoção É ILEGAL, DONDE DEVE SER CONCEDIDA A ORDEM JUDICIAL." - g.n.

É de se ver, do texto sub examine, que prescinde de LEI (em sentido formal, legítimo, portanto), e que haja uma relação hierárquica de subordinação direta e funcional entre o subordinado e seu superior hierárquico, que a LEI lhe dê poderes para aplicar a sanctio, e que esta deve estar "prevista em LEI", ao que acrescentaríamos, também e antes dessa etapa, o due process of law, o devido processo legal, a apuração regular da falta com o contraditório e a garantia da ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes, pena da ilegalidade e abuso de poder dessa sanctio disciplinar por flagrante desobediência e descumprimento aos preceitos do Art. 5º LIV e LV da CF/88, mormente se se tratar de sanctio restritiva da liberdade de locomoção, de que as prisões e detenções arbitrárias são só exemplos.

Nesse sentido, ou seja, quanto ao direito fundamental da liberdade de locomoção, do contraditório e da ampla defesa, oportune tempore, não é despiciendo trazer a lume o escólio de Edgar Silveira Bueno Filho, (140) que leciona assim:

"Portanto, a cláusula due process of law só tem sentido e efetividade se a garantia do processo não for meramente formal, mas real, com uma série de regras assecuratórias da defesa e presidido por um juiz revestido das garantias pré-faladas. Assim, a ordem constitucional brasileira não tolera qualquer decisão que envolva a liberdade (...) dos indivíduos que não provenha de um processo regido por regras claras permissivas do exercício do direito à defesa (...) onde se privilegie a busca da verdade real, e não se contente com o alcance da verdade formal."

E dando seguimento ao ensinamento supra, enfatiza o autor:

"(...) Quando haja leis processuais que não garantam um procedimento justo, pode-se, com base na cláusula due process of law, argüir a sua inconstitucionalidade ou pleitear-se a sua interpretação de acordo com o desejo constitucional, eis que do contrário estariam elas plenas da irrazoabilidade e irracionalidade faladas por Carlos Roberto de Siqueira Castro (...) O entrelaçamento do exercício da ampla defesa com o do contraditório é tão gritante que não se pode imaginar a existência de um sem outro (...) tem-se que o contraditório começa (...) só depois de ter tomado conhecimento do teor da acusação - e aí - é que o litigante ou acusado pode pensar em se defender."

Celso Rodrigues da Silva, (141) 1º Ten. PMESP, Bel em Direito e Oficial de Justiça e Disciplina da 22 BPM/I, admite a impetração do habeas corpus, apoiado em Pontes de Miranda, posicionando-se da seguinte maneira:

"o ‘status libertatis’ do indivíduo é, depois da vida, o seu maior bem, logo, ocorrendo a sua privação indevidamente, mesmo que a sentença seja reformada, ninguém vai devolver os dias de agruras pelos quais passou (...) Todavia, esgotados todos os Recursos, CABE EXTRAORDINARIAMENTE, através da via judicial, UM ÚLTIMO REMÉDIO O ‘HABEAS CORPUS’. Nota-se que, pelo writ, não se apreciará o mérito, mas sim REQUISITOS LEGAIS que não foram observados." - g.n.

E arremata:

"(...) Esse óbice (proibição constitucional do ‘Habeas Corpus’ em punição disciplinar militar) há de ser admitido em termos, ou seja, o que se veda é a concessão do ‘Habeas Corpus’ nos casos de punição disciplinar regular", fundado em Diomar Ackel Filho - "Writs constitucionais".

Entrementes, como visto, todos eles se arrimam no mestre Pontes de Miranda, para comentar a vedação ou a exceção sub examine, e, nesse sentido, quem melhor traduz o pensamento do mestre é Univaldo Corrêa, (142) senão vejamos.

"(...) Volta-se a Pontes de Miranda (13) para, com ele, dizer-se que a prisão administrativa - e a prisão decorrente de uma transgressão militar é administrativa - ‘é sem justa causa, como se o funcionário público não é responsável por dinheiros, segundo a lei, se a prisão excedeu ao prazo legal, se incompetente a autoridade que a ordenou, se o processo é incompetente a autoridade que a ordenou, se o processo é manifestamente nulo, se já extinta a punibilidade, etc.’ é evidente que cabe o HABEAS CORPUS. Este, tomado como direito, pretensão, ação, remédio jurídico constitucional, garantia constitucional, nas formas que Pontes de Miranda (14) usou para considerar o que seja HABEAS CORPUS"

(sic) - Os nºs 13 e 14 referem-se à notas de referências bibliográficas citadas pelo autor em comento.(g.n.)

Continuando com Univaldo Corrêa, após análise do que PINTO FERREIRA, baseado em PONTES DE MIRANDA, ensina sobre os quatro pressupostos da transgressão disciplinar, acentuando que ele:

"(...) Completa, dizendo que o HABEAS CORPUS é possível em três situações: quando a sanção for determinada por autoridade incompetente, quando ela estiver em desacordo com a Lei ou os limites da lei forem extrapolados." (143) - grifos do autor.

E, assim, continuando o mestre Univaldo Corrêa, desta feita, fundado em Magalhães Noronha:

"(...) Magalhães Noronha (19), que aceita admitir-se o Habeas Corpus contra ato de particular, afirma que é mister: ‘haver hierarquia, poder disciplinar, falta funcional e pena própria, pois faltando um destes pressupostos, é cabível o HABEAS CORPUS, já que se trata do meio ‘MAIS EXPEDITO QUE A LEI DISPÕE CONTRA A VIOLAÇÃO EFETIVA OU AMEAÇA À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO DA PESSOA’." - g.n.

Dessarte, o mestre citado arremata sua ilação exata e justamente do mesmo modo que Antonio Pereira Duarte (op.cit), i.e., admitindo

"(...) exatamente na forma como defendemos os termos da Carta Magna de 1988, em seu Art. 142 § 2º, c/c o Art. 5º, inciso LXVIII: Cabe Habeas Corpus nos casos de punições disciplinares, se ocorrer ilegalidade ou abuso de poder." (144) - g.n.

Demais disso, ainda sobre o mister, Eulálio Pereira Filho, (145) em excelente monografia abordando os "Aspectos do Processo Penal Militar ante a Nova Constituição de 1988" expendeu o seguinte raciocínio por nós também adotado, à guisa da interpretação dos dispositivos constitucionais que tratam do habeas corpus (inciso LXVIII do Art. 5º e § 2º do Art. 142), apaertis verbis:

"Se a própria Constituição garante a qualquer pessoa o recurso ao Judiciário, sempre que se sentir ameaçado ou lesado nos seus direitos, não estabeleceria ela outra forma, fora dos direitos e garantias fundamentais, que viesse a confrontar seus próprios princípios. Entendemos que as duas formas devem ser interpretadas considerando-se que, só fica fora da apreciação do Judiciário o mérito administrativo, no que se refere ao poder administrativo-disciplinar em termos da conveniência e oportunidade, critério exclusivo da Administração Pública" (sic)- g.n.

Mais adiante, assevera o ilustre monografista que:

"(...) sob o aspecto formal haveria possibilidade do controle via habeas corpus, visto que em tal circunstância as punições disciplinares militares não passariam de meros atos administrativos oriundos do poder disciplinar, de modo que nos casos em que tais atos administrativos punitivos forem editados com vícios quanto aos elementos de sua formação, vale dizer, quanto à competência da autoridade para infligir a punição; quanto à finalidade de interesse público norteado pelo acatamento às regras disciplinares e hierárquicas; e, por derradeiro, quanto a forma prescrita em lei, com respeito ao due process of law, propiciando o contraditório e ampla defesa ao acusado de infrigência transgressional, DEFLUI-SE QUE, INAFASTÁVEL SE TORNA O EMPREGO DO HABEAS CORPUS, em que pese a regra constitucional contida no § 2º do Art. 142, que, diga-se de passagem, DEVE SER INTERPRETADA DE FORMA SISTEMÁTICA, COM A CONJUGAÇÃO DOS DEMAIS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS." (sic) - g.n.

Aos doutos ensinamentos suso adscritos, aditar-se-ia o cabimento do habeas corpus nas punições disciplinares de prisão e/ou detenção, haja vista que são estas medidas que restringem o direito de locomoção, ao qual o instituto do habeas corpus presta-se a garantir, proteger e assegurar, desde que hajam os vícios de que trata o supracitado autor, posto que, em assim sendo, resultam na ilegalidade ou no abuso de poder: pressupostos do habeas corpus et mandamus.

Se é assim e assim é, induvidoso o cabimento do Habeas Corpus nas punições disciplinares militares (prisão e/ou detenção) ilegais! Entrementes, restaria uma indagação: sua impetração dar-se-á perante à Justiça Castrense ou Comum? Qual a competente ao feito? - O tema objeto é demonstrar o cabimento do habeas-corpus et mandamus, mas contudo, não podemos nos furtar ao questionamento. Senão vejamos, ainda que de modo perfunctório.

E, para tanto, vai-se buscar assoalho e espeque em Univaldo Corrêa, que, a respeito das questões suscitadas, assim leciona:

"(...) O assunto está sendo abordado sob o enfoque da JUSTIÇA MILITAR, porém, o magistrado, qualquer que ele seja, tem poderes para receber HABEAS CORPUS e decidir a respeito do que nele constar, seja Juiz da Justiça Comum, seja Juiz da JUSTIÇA MILITAR (...) o poder que os MAGISTRADOS têm de aplicar o DIREITO decorre da JURISDIÇÃO, os limites desta concernente à matéria e ao lugar, é a COMPETÊNCIA (...) o objetivo maior do PODER JUDICIÁRIO é FAZER JUSTIÇA, DISTRIBUIR JUSTIÇA (...) Desta forma, pode a JUSTIÇA MILITAR, e deve, conhecer de Habeas Corpus, apesar de aparente expressa vedação contida no § 2º, do Art. 142 (...) Assim, se tal punição disciplinar militar tenha sido aplicada segundo um dos requisitos que a mesma LEI MAIOR estipula para a ocorrência desse tipo de petição, que acabou se tornando na ação de maior e mais rápido efeito em nossas CORTES DE JUSTIÇAS, a alternativa do HC é cabível"

- Veja-se, pois, sobre o mister ob. cit. in Revista de Direito Militar, Ed. nº 01. Ago/Set 1996.(g.n)

8.3 Razões finais: aspectos fundamental, político, jurídico e deontológico

8.3.1 Aspectos fundamentais, políticos, jurídicos e deontológicos

Ressabido, pois, que uma boa interpretação constitucional não pode ser obtida se o exegeta examina a norma de forma isolada. Contrario sensu, o êxito dessa árdua tarefa de hermenêutica só se alcança quando ela for sistemática e levar na devida consideração as demais normas do mesmo nível, e, em especial e principalmente, as que encerrem os princípios fundamentais de direitos constitucionais, comparando-se aquela cláusula particular com as outras partes da Constituição.

Bem por isso, aos critérios suso adscritos deve-se hoje acrescentar a leitura dos Art. 1º ao 4º da CF/88, que positivaram os fundamentos sobre os quais se assentam o Estado Democrático de Direito.

Dessarte, induvidosa e insofismavelmente, tornou-se imperativa a qualquer estudioso, intérprete ou exegeta do direito a leitura refletida, acurada e esmerada desses artigos, porquanto o Constituinte de 1988 outorgou-lhes o título "DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS", sem se olvidar da imprescindível identificação dos demais princípios espalhados no interior do sistema jurídico constitucional de nossa Carta Cidadã. Sem isto, qualquer trabalho restará incompleto, imperfeito e inóxio em relação à finalidade colimada.

Ora, os artigos ut supra revelam, com transparência hialina, que "a República Federativa do Brasil ... constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: ... II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana ..." (Art. 1º, II e III), não deixando de declarar que "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes diretos ou indiretamente..." (Art. 1º, parágrafo único). Ademais, ressalta que é objetivo do Estado a construção de "uma sociedade livre, justa e solidária", capaz de "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais... sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação." (Art. 3º caput, I a IV), acrescentando que, nas relações internacionais, rege-se com a "prevalência dos direitos humanos." (Art. 4º, II).

É de se ver, portanto, que a simples leitura desses dispositivos informa ao intérprete o conteúdo e norte que devem ser observados e respeitados pelas normas e princípios constitucionais positivados no texto, cujo significado pode ser assim resumido, consoante asserto de Edgar Silveira Bueno Filho, ob. cit. in verbis:

"(...) O Brasil é um Estado cuja legitimidade se aure de uma Constituição aprovada pelo representante do povo, povo este que é o titular do poder, o qual, por força da opção democrática que fez, GARANTE A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS INDIVÍDUOS ou os da coletividade." (146) - g.n.

Demais disso, é de supina valia ressaltar, ainda com espeque no autor em epígrafe, o seguinte:

"(...) devemos considerar que os direitos e garantias instalados logo a seguir, no Art. 5º, constituem-se em cláusulas pétreas no atual texto. Com efeito, o Art. 60, § 4º, afirma serem eles insuscetíveis de modificação até mesmo por meio de emendas constitucionais. Este status - ou imodificabilidade - alça as regras relativas ao direito à defesa contidas de modo especial no rol do Art. 5º, ao nível de princípio constitucional dotado da qualidade, referida por Celso Antônio, de vetor para soluções interpretativas." (147)

De mais a mais, não é despiciendo lembrar que constituem cláusulas pétreas os direitos e garantias individuais (Art. 60. § 4, IV. da CF/88), entendendo-se como "direitos-garantias" ou "garantias-institucionais", consoante vimos de ver no capítulo I, item 1.2. desta tese, dentre os quais se inserem o habeas corpus et Mandamus (Art. 5º LXVIII e LXIX), além dos direitos-garantias: "XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão e ameaça a direito ", "XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória a direitos e liberdades fundamentais", "LIV - ninguém será privado da liberdade... sem o devido processo legal", "LVII - ninguém será considerado culpado...", "LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente ...", etc., e, principalmente, "II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de LEI."

Se é assim e assim é, diante do exposto e suso adscrito, mediante o uso de uma exegese e hermenêutica sistemáticas, face à vedação do § 2º do Art. 142 e havendo os vícios do ato punitivo disciplinar - ato administrativo - que o inquine de ilegalidade ou abuso de poder, pode o intérprete inadmitir os remédios heróicos do habeas corpus et mandamus nas prisões e detenções disciplinares militares ilegais? O Status Castrenses, i.e., a Administração Policial Militar superaria em valor axiológico ao próprio Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil? É aquele, juridicamente falando, de valor superlativo a este? As "normas disciplinares" especificadas e descritas em meros Regulamentos Disciplinares, aprovados por simples decretos (atos administrativos), teriam o condão de espezinhar e fazer menoscabo aos Princípios de Direitos e Garantias Fundamentais da Lex Magna? Os RD, e as sanções disciplinares dele decorrentes, são inferiores ou superiores à LEI MAIOR, que é o ápice de todo ordenamento jurídico-positivo e legal, i.e., das normas jurídicas?

Se, às questões suscitadas, obtiverem respostas afirmativas por parte do intérprete e exegeta, através de uma análise sistemática, então justificar-se-á a inadimisibilidade dos remédios heróicos do habeas corpus e do mandamus de segurança nas prisões e detenções disciplinares militares ilegais, i.e., mesmo que incidam os pressupostos que os legitimam: ilegalidade e abuso de poder. Logo, evidenciar-se-á a hipótese teratológica e esdrúxula de o PM não ser pessoa humana, não ser cidadão mesmo, apenas subespécie da raça humana . Então pra quê direitos !?

8.3.2 Legitimidade: aspectos jurídico - legal e constitucional das prisões e detenções - punições disciplinares

Doutra parte, as prisões e detenções - espécies, portanto, de punições disciplinares -, medidas cerceadoras da liberdade física, individual e pessoal do cidadão PM, para serem legais, legítimas e lidimamente justas, necessária e urgentemente, prescindem ser definidas, especificadas, estabelecidas e tipificadas em LEI FORMAL e LEGÍTIMA, id. est., em lei originada do povo, através dos seus legítimos representantes parlamentares (Poder Legislativo), mormente por tratarem-se essas restrições às liberdades públicas, ou seja, a direitos e garantias individuais (o inalienável, impostergável, imprescritível e fundamental direito à liberdade de locomoção livre), face à imperatividade e à inamovibilidade do cerne petreo dessas cláusulas previstas no Art. 60, § 4º, IV em combinação conjunta com o Art. 68, § 1º, II e com Art. 22, XXI, todos da CF/88, numa exegese e hermenêutica sistemáticas.

Aliás, nesse sentido, a CE/89 estabelece que é a Assembléia Legislativa competente para dispor sobre todas as matérias de competência do Estado, especialmente, direitos, deveres e garantias dos servidores civis e militares (Art. 80, X). Logo, descartada está a figura do decreto como "norma regulamentar" de direitos e garantias e deveres; é, pois, imprescindível uma LEI DISCIPLINAR.

Entretanto, não basta apenas ser Lei Disciplinar, há de ter-se, no seu bojo, assegurado, respeitado, cumprido e disciplinado o due process of law, a apuração regular da falta, qualquer que seja esta, com o contraditório e a garantia da ampla defesa, com todos seus meios e recursos e, principalmente, sendo esta exercida por alguém habilitado e capacitado para assim proceder, i.e., por um advogado, face ao disposto no art. 5º, LIV, LV c/c os Arts. 133 e 134 da CF/88.

Demais disso, se à sanctio disciplinar militar (ato administrativo que é) faltar qualquer de seus requisitos ou pressupostos deste, inquina-a de ilegalidade ou abuso de poder (excesso, desvio ou arbítrio), mormente se houver incompetência da autoridade ou exorbitância do poder punitivo, posto que, desse modo, há a incidência dos pressupostos do mandamus e, in casu, tratando-se de prisão ou detenção arbitrárias, do habeas corpus. Exemplificando: a) Um Capitão PM Cmt. de Cia pune um PM, seu subordinado, com 10 (dez) dias de prisão, quando é ressabido que só poderia puni-lo com até 08 (oito) dias de prisão; b) pune subordinado hierárquico pertencente a outra OPM, ou; c) ainda, quando o PM foi punido, mas, no local de confinamento em que está recolhido, sofre ou está para sofrer qualquer tipo de violência etc.

Entrementes, é mister frisar - reitere-se - que o mandado de segurança, in casu, prestar-se-á a coibir as punições disciplinares militares outras que não as restritivas de liberdade, como vimos de ver supra -, desde que haja a eiva de ilegalidade ou abuso de poder; enquanto o habeas corpus, é o remedium juris adequado às detenções e prisões de que decorram ilegalidade ou abuso de poder, porquanto inexistindo estas não há falar em mandamus ou habeas corpus. Só assim e somente assim, justificar-se-á a exceptio contida § 2º do Art. 142, da CF/88.

Vale dizer: se a aplicação da punição disciplinar decorre do devido processo legal, due process of law, do contraditório e da ampla defesa, com todos seus meios e recursos, dentre dos limites do poder punitivo e sendo competente o aplicador da punição e atento às formas prescritas em lei, não há falar em mandamus ou habeas corpus. Fora disso, é cabível o uso dos remédios jurídicos, pena de antinomia e conflito de normas entre o Art. 5º LXVIII, LXIX versus § 2º Art. 142, todos da CF/88.

Todavia, é mister trazer a lume que, quanto à legalidade e legitimidade das sanções disciplinares, como visto supra no caso da PMAL, diante da expressa revogação in totum do RDPMAL, todas as sanctios impostas de 26 de maio de 1992 até a presente data, padecem da eiva de legalidade, face à ineficácia e inexistência jurídica do respectivo instrumento disciplinar, pelo que urge reparação e remediação imediatas com base na súmula STF 473, por direito e por justiça.

Demais disso, vale salientar que o atual Comandante Geral da PMAL, mediante Portaria nº. 033/96 - CG/EMG, (148)

"considerando que o Regulamento Disciplinar da Corporação em vigor, aprovado pelo Dec. nº4598, de 23Jan81 não atende mais às exigências da Instituição (...) se encontra defasado em relação à Constituição Federal de 1988..." (sic)

Desse modo, designou uma comissão "para elaborar ante projeto de Regulamento Disciplinar da PMAL", tomando por base "a monografia do Cap. PMAL Antônio Olímpio Felisberto, oficial-aluno do CAO/96/PMAL." (149) Entrementes, ainda assim, não atentou para os dispositivos da CF/89 e da CF/88 (Art. 80, X c/c Art. 60, § 4º, IV e Art. 68, § 1º, II, respectivamente), e, por conseguinte, incorrerá no mesmo erro: regulamentará direitos, deveres e garantias dos servidores militares via "Decreto", quando só a Lei deverá fazê-lo.

Ademais, sobre a legislação disciplinar e nos aspectos suso citados, não é despiciendo trazer à baila o entendimento de José Francisco Profício, (150) ex Cmt. Geral da PMESP, que assim se posiciona e orienta:

"... não se deve desprezar a necessidade permanente de ajustes, sempre feitos por critérios científicos, ao ordenamento legal que rege a disciplina militar, tanto na esfera administrativa quanto na penal (...) sem entrar no mérito dos reparos, importa aqui expor as orientações gerais para inclusão de novos dispositivos disciplinares (...) que devem obedecer ao seguinte: a) respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto ao tratamento de presos e observância dos direitos individuais...". g.n.

8.3.3 Aspecto sistêmico - doutrinário e da boa técnica jurídico-legislativa

Dentro da organicidade sistêmica e posição "topográfica" dos dispositivos legais de qualquer legislação, diante da técnica jurídico-legal (título, capítulo, seções e subseções, artigos, parágrafos, incisos e alíneas), vamos encontrar a exceptio da regra de concessão do habeas corpus, exatamente no § 2º do Art. 142, do Capítulo II ‘Das Forças Armadas", Seção III "Das disposições gerais" do Título V, que trata da "Defesa do Estado e das Instituições Democráticas."

Ora, é de se ver do caput, do referido artigo, que este trata da definição do que é "Forças Armadas" e de suas "Competências." Logo, ab initio, o seu § 2º "Não caberá Habeas Corpus nas punições disciplinares", não atende à boa técnica jurisdico-legislativa, posto que o parágrafo visa explicitar o caput do artigo, dirimir as dúvidas ou esclarecer as porventura existentes, o que não é o caso, vez que, a permanecer com está, denota conflito de normas e antinomia, no nosso parco entender.

Aliás, sobre o mister, outro não é o entendimento do Sr. Cel. PM Res. Nelson Freire Terra, (151) , que, indagado sobre o assunto, assim asseverou como justificativa à regra sistêmica:

"houve a prática da ‘luzitaniedade’. O parágrafo citado, além de mal situado e deslocado, não reflete a boa técnica legislativa, deveria estar insculpido no inciso LXVIII do Art. 5º, que trata da regra de concessão do Habeas Corpus, onde deveria ser inserido esta exceção,"

Ademais, por outro lado, pode levar ao intérprete desatento a entender que tal exceção só se aplica aos integrantes das "Forças Armadas", que se vejam punidos disciplinarmente. No entanto, não é isso que se deve entender, ou seja, que tal exceção se destine a esses militares e, muito menos ainda, que os demais servidores militares estejam destituídos do direito-garantia institucional do Habeas Corpus.

Contrario Sensu, só se justifica a exceptio - como já asseverado - se a punição disciplinar se der em atenção aos seus quatro pressupostos, além dos requisitos essenciais de todo ato administrativo e nas formas prescritas em lei, sem, contudo, haver ilegalidade ou abuso de poder nesse ato, posto que se assim não se der, cabível os remédios constitucionais - como já averbado neste - pena de olvidar o preceito: "A Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito." (152)

8.3.4 Aspecto deontológico policial-militar

Nesse sentido, é de suprema valia trazer a lume o escólio de Álvaro Lazzarini, (153) que, indagado sobre como via e considerava as prisões e detenções impostas ao PM, sob a égide da deontologia policial militar, assim respondeu: "AVILTANTE"; pelo que se infere não assistir razão de tais punições nas instituições policiais militares, porquanto, como já se disse acima, o PM ao ser preso é nivelado por baixo se "igualando" ao delinqüente e ao marginal, que ele próprio tem o dever de prender quando do ato delitual, fato comprovado por este autor ao obter as respostas do questionário de pesquisa, na PMAL, cujos índices percentuais refletem o sentimento dos entrevistados (vide apenso) e nas pesquisas do Cap. PMAC Felizberto em sua monografia "Reforma e aplicação do RDPMAL", cujos dados se encontram em anexo.

Entrementes à guisa de sinopse ilustrativa, Felizberto, em sua monografia, obteve 46% de índice de revoltados à pergunta: "Qual seu estado de espírito após o cumprimento da punição ?"; 59% dos entrevistados afirmaram que a punição "não produz efeito recuperador"; 98% entenderam que a punição também atinge à família do punido e 60% sentiram-se humilhados com a punição de prisão. Entrementes, ao se perguntar, ao público alvo de oficiais, Sargentos, Cabos e Soldados como sentiu-se ao ser punido com prisão ou detenção no xadrez ? Este índice subiu assustadoramente: 80% sentiu-se igual ao marginal que ele prende; 10% humilhado e 05% revoltado; 1% consciente do erro e 4% não opinou.

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Sobre o autor
Joilson Gouveia

Bacharel em Direito pela UFAL & Coronel e Transferido para Reserva Remunerada da PMAL.Participou de cursos de Direitos Humanos ministrados pelo Center of Human Rights da ONU e pelo Americas Watch, comendador da Ordem do Mérito Municipalista pela Câmara Municipal de São Paulo. Autor, editor e moderador do Blog D'Artagnan Juris

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Joilson. Do cabimento do habeas corpus e do mandado de segurança nas prisões e detenções ilegais na Polícia Militar de Alagoas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. -1765, 1 set. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1594. Acesso em: 18 dez. 2024.

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