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Sistema Interamericano de Direitos Humanos

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01/02/1999 às 00:00

Resumo:


  • A Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada após a Segunda Guerra Mundial para promover a paz e os direitos humanos, substituindo a Liga das Nações.

  • A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948 pela Assembleia da ONU, reafirma a importância dos direitos fundamentais e da dignidade humana.

  • O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, representado pela Convenção Americana de Direitos Humanos, é um dos sistemas regionais que busca garantir os direitos humanos na América.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. Corte Interamericana de Direitos Humanos

O art. 33. da Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece que são competentes para conhecer dos assuntos relacionados ao cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados-partes:

  • a) a Comissão Interamericana de Direitos Humanos; e

  • b) a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A Corte é o órgão jurisdicional do sistema regional, com competência consultiva e contenciosa, sendo composta por sete juízes nacionais de Estados-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), eleitos a título pessoal pelos Estados-partes da Convenção 12.

Nos termos do art. 52, § 1º, a Corte compor-se-á de sete juízes nacionais dos Estados-membros da OEA, eleitos a título pessoal dentre juristas de alta autoridade moral, reconhecida competência em matéria de direitos humanos e que preencham os requisitos necessários ao exercício das mais elevadas funções judiciais de acordo com a lei de seus Estados de origem ou do Estado que os indicar como candidatos. Dispõe ainda o art. 52, § 2º, que não poderá haver dois juízes da mesma nacionalidade.

Ao contrário da Comissão Interamericana, na qual todos os Estados-membros da OEA têm legitimidade para indicar candidatos, no caso da Corte apenas os Estados que subscreveram a Convenção possuem legitimidade para apresentar candidatos ao cargo de juiz, tendo em vista sua função jurisdicional.

Segundo Thomas Buergenthal, os membros da Comissão Interamericana são eleitos pela Assembleia Geral da OEA, composta por todos os Estados-membros da Organização, sejam ou não partes da Convenção Americana. Já os juízes da Corte Interamericana somente podem ser indicados e eleitos pelos Estados-partes da Convenção. Ressalte-se que os juízes não precisam ser nacionais de Estados-partes, mas obrigatoriamente devem ser nacionais de algum Estado-membro da OEA 13.

Os juízes da Corte são eleitos por seis anos, permitida uma única reeleição. O mandato de três juízes designados na primeira eleição expirará após três anos, cabendo à Assembleia Geral, por sorteio, determinar os nomes desses magistrados. O juiz eleito para substituir outro cujo mandato ainda não tenha expirado completará o período restante, conforme prevê o art. 54, § 2º.

Os juízes permanecerão em suas funções até o término de seus mandatos, mas continuarão atuando nos processos já iniciados e em fase de sentença, em respeito ao princípio da identidade física do juiz, previsto na teoria geral do processo, não sendo substituídos pelos novos juízes eleitos.

Além da competência contenciosa, na qual julga violações aos preceitos da Convenção, a Corte exerce função consultiva, podendo emitir pareceres relativos à interpretação do Pacto de San José da Costa Rica ou de qualquer outro tratado referente à proteção dos direitos humanos no âmbito dos Estados americanos.

Conforme ensina Hector Fix-Zamudio, a Corte Interamericana possui duas atribuições essenciais: (i) a consultiva, relacionada à interpretação das disposições da Convenção e de outros tratados de direitos humanos nos Estados americanos; e (ii) a jurisdicional, atinente à solução de controvérsias sobre interpretação ou aplicação da própria Convenção 14.

No plano consultivo, qualquer membro da OEA — seja parte ou não da Convenção — pode solicitar parecer da Corte acerca da interpretação da Convenção ou de qualquer outro tratado relativo à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. A Corte também pode opinar sobre a compatibilidade de preceitos da legislação doméstica com os instrumentos internacionais 15.

Ressalte-se que nem todos os Estados americanos que depositaram a Carta de Adesão à Convenção Americana de Direitos Humanos — entre eles, Brasil e Estados Unidos — reconheceram a competência da Corte para o exercício de suas funções jurisdicionais.

Na lição da professora Jete Jane Fiorati:

“Em ambos os Sistemas Regionais de Proteção aos Direitos Humanos, dois são os atos que contêm as decisões das Cortes acerca das questões que lhes são submetidas: as sentenças e os pareceres. As sentenças decidem litígios envolvendo violações às Convenções, enquanto os pareceres são opiniões emitidas pelo Plenário das Cortes, quando consultadas pelos Estados signatários da Convenção (no sistema europeu) ou da OEA (no sistema interamericano).

As sentenças possuem caráter meramente declaratório, não tendo o poder de desconstituir um ato interno, como a anulação de ato administrativo, a revogação de lei ou a cassação de sentença judicial. A única exceção prevista ocorre quando a decisão da autoridade da Parte Contratante é oposta às obrigações derivadas da Convenção e o direito da Parte Contratante não puder remediar as consequências desta disposição, caso em que as Cortes deverão conceder ao lesado uma reparação razoável, conforme se deflui dos arts. 50. da Convenção Europeia e 63 da Convenção Americana. Quanto aos pareceres, é digno de menção o fato de serem mais comuns no âmbito americano, haja vista que poucos Estados-partes autorizam a jurisdição da Corte em casos em que estivessem em situação de Parte Demandada.” 16

O art. 56. da Convenção dispõe que o quórum para deliberação da Corte é constituído por cinco juízes, não podendo o colegiado decidir nenhuma matéria sem a observância desse requisito.

Nos termos do art. 57, a Comissão, como responsável pela observância dos direitos disciplinados na Convenção, deverá comparecer em todos os casos perante a Corte.

O art. 58. estabelece que a sede da Corte será fixada no local determinado pela Assembleia Geral da OEA, podendo, contudo, realizar reuniões no território de qualquer Estado-membro, desde que haja decisão da maioria de seus integrantes e consentimento prévio do Estado anfitrião. A sede poderá ser alterada por deliberação da Assembleia Geral, aprovada por dois terços dos votos dos Estados-partes.

O art. 60. prevê que a Corte elaborará seu Estatuto, a ser submetido à aprovação da Assembleia Geral, e expedirá seu Regimento Interno.

Até 1993, a Corte havia julgado apenas oito casos contenciosos. Segundo a professora Jete Jane Fiorati:

“Em virtude de poucos julgamentos até o presente, torna-se complexo fazer referência a uma jurisprudência dominante da Corte Interamericana, tendo em vista que ainda não ocorreu a cristalização de decisões pontuais, com a repetição de determinadas tendências de interpretação e aplicação da Convenção aos casos concretos de violações aos direitos humanos. Tem-se, ainda, alguns pontos comuns entre as decisões que poderão tornar-se a futura jurisprudência do Tribunal. Atualmente, só é possível a ênfase em algumas tendências jurisprudenciais.” 17

No âmbito da jurisdição contenciosa, é referência obrigatória o caso Velásquez Rodríguez, atinente ao desaparecimento forçado de um indivíduo em Honduras. Nesse processo, a Comissão Interamericana encaminhou a comunicação, e, após análise das provas que confirmaram a violação dos direitos fundamentais de Ángel Manfredo Velásquez Rodríguez, a Corte condenou o Estado hondurenho ao pagamento de indenização aos familiares da vítima, em decisão publicada em 21 de julho de 1989 18. Situação distinta vivenciaram os familiares de presos políticos desaparecidos na Argentina, no Brasil e no Chile, que não obtiveram a mesma reparação.

Outro caso relevante foi encaminhado pela Comissão contra o Estado do Suriname, envolvendo o assassinato de sete civis pela polícia. Embora inicialmente o Estado tenha negado responsabilidade, posteriormente a reconheceu. Ao final, a Corte determinou o pagamento de justa e adequada compensação aos familiares das vítimas 19.

Os julgamentos da Corte Interamericana demonstram que a Convenção Americana vem se firmando como instrumento garantidor dos direitos humanos na região. Os Estados que não respeitam as garantias fundamentais de seus cidadãos e as autoridades que recorrem à arbitrariedade, em detrimento da lei, sujeitam-se a sanções, incluindo a obrigação de indenizar as vítimas ou seus familiares.

A jurisprudência consolidada evidencia que os magistrados que integram o Tribunal estão preparados para julgar violações aos direitos humanos e aplicar punições exemplares, de modo a evitar novas transgressões aos direitos fundamentais consagrados na Carta Americana.


5. Convenção Americana de Direitos Humanos no Sistema Constitucional Brasileiro

O art. 5º, § 2º, da Constituição Federal dispõe:

“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

O Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 27, de 26 de maio de 1992, aprovou o texto da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Posteriormente, em 25 de setembro de 1992, o Governo brasileiro depositou a Carta de Adesão à Convenção, determinando seu integral cumprimento pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, publicado no Diário Oficial da União de 9 de novembro de 1992, p. 15.562. e seguintes 20.

Em decorrência da manifestação de vontade do Congresso Nacional e do Poder Executivo, o Pacto de San José da Costa Rica passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro, no mínimo, com status de lei ordinária federal.

Assim, além dos direitos fundamentais previstos no art. 5º da Constituição Federal, o cidadão brasileiro também está sujeito às garantias e direitos fundamentais estabelecidos na Convenção Americana de Direitos Humanos.

Em caso de violação de algum desses direitos, o lesado poderá peticionar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos para que, nos termos do Pacto de San José da Costa Rica, sejam adotadas as providências cabíveis à correção da arbitrariedade suportada.

Cumpre observar que a Convenção Americana ainda não tem sido amplamente divulgada em nosso país, sendo pouco conhecida pela população, embora incorporada ao ordenamento jurídico por meio de atos legislativos e executivos do Estado brasileiro.

A manutenção da democracia e o fortalecimento dos direitos humanos, tanto no plano regional quanto no nível mundial, têm levado os países à assinatura de Cartas voltadas à proteção dos direitos fundamentais, entre os quais se destacam: a vida, a liberdade, o devido processo legal e a indenização pelo erro judiciário.

O Pacto de San José da Costa Rica constitui, nesse sentido, uma conquista do povo americano. A Constituição brasileira, ao prever no art. 5º, § 2º, a recepção desse diploma, demonstra a intenção do Brasil de respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana.

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Todavia, é necessário avançar para que a Convenção tenha aplicação efetiva, e não apenas limitada, alcançando plenamente o objetivo para o qual foi criada: evitar a violação dos direitos humanos pelo uso da força ou pelo desrespeito à lei. Nesse sentido, o Brasil deve reconhecer a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a exemplo de Honduras e Suriname, permitindo que eventuais violações aos direitos previstos no Pacto possam ser apreciadas e julgadas pelo Tribunal Interamericano.

A democracia constrói-se e fortalece-se diariamente, exigindo que os direitos do cidadão não permaneçam apenas no campo abstrato, mas sejam realidade concreta, mediante instrumentos eficazes capazes de serem acionados toda vez que um direito humano for violado em afronta à lei e em decorrência do uso arbitrário da força.


CONCLUSÃO

Com o advento da Organização das Nações Unidas (ONU), ao final da 2ª Guerra Mundial, em substituição à Liga das Nações — que não foi capaz de evitar os conflitos bélicos vivenciados no século XX —, foi promulgada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a qual consagrou os chamados direitos humanos de primeira geração, voltados à garantia da vida, da liberdade, do devido processo legal, do juiz natural, da ampla defesa, do contraditório, da presunção de inocência, entre outros.

Ao lado dessas garantias decorrentes da Carta elaborada pelas Nações Unidas, encontram-se os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, destacando-se os sistemas europeu, interamericano e africano.

O sistema interamericano de direitos humanos possui, na Convenção Americana — conhecida como Pacto de San José da Costa Rica —, o seu mais importante instrumento voltado à proteção dos direitos dos povos da América.

Para assegurar os direitos previstos na Convenção, o sistema interamericano conta com dois órgãos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, responsável por promover a observância e a defesa desses direitos, e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que exerce funções jurisdicionais e consultivas.

Apesar da atuação ainda limitada desses órgãos — visto que nem todos os países que ratificaram a Convenção Americana reconheceram a jurisdição da Corte para o julgamento de casos de violação dos direitos previstos no Pacto de San José da Costa Rica —, ambos têm contribuído para a defesa e a garantia dos direitos fundamentais diante das violações praticadas por Estados e autoridades que optam pelo arbítrio em detrimento da lei.

Com o retorno da democracia à maioria dos países da América Latina e Central, a Convenção Americana vem adquirindo força e importância crescente nos ordenamentos jurídicos nacionais.

Atualmente, observa-se a necessidade de maior divulgação do Pacto de San José da Costa Rica, bem como de uma redefinição do papel a ser desempenhado pela Comissão como garantidora dos direitos nele previstos, visto que a grande maioria da população desconhece a existência desse instrumento e o local onde apresentar reclamações em caso de violação de garantias fundamentais.

A América ainda enfrenta prisões ilegais, violações ao direito à vida, ao devido processo legal, ao juiz natural e a outras garantias, notadamente em casos de desaparecimento de presos políticos, que muitas vezes permanecem no anonimato.

É necessário aprimorar o sistema interamericano, aproximando-o das dificuldades enfrentadas na defesa dos direitos humanos, de modo a garantir amplo acesso à Corte Interamericana de Direitos Humanos e evitar novas violações aos direitos consagrados na Convenção Americana.

A Comissão e a Corte vêm cumprindo seu papel na defesa dos direitos humanos, denunciando os casos mais graves de abuso previstos no Pacto de San José da Costa Rica. Entretanto, para prevenir novas violações, impõe-se maior divulgação das atribuições desses órgãos, inclusive mediante a criação de escritórios regionais, a fim de que os nacionais dos Estados-membros da Organização dos Estados Americanos possam apresentar suas reclamações.

Aos poucos, a América liberta-se do jugo das ditaduras — sejam de esquerda ou de direita —, para que cada cidadão, em qualquer rincão do continente, possa viver como pessoa livre, conduzindo sua vida conforme os ditames da lei e de sua consciência.

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Sobre o autor
Paulo Tadeu Rodrigues Rosa

PAULO TADEU RODRIGUES ROSA é Juiz de Direito. Mestre em Direito pela UNESP, Campus de Franca, e Especialista em Direito Administrativo e Administração Pública Municipal pela UNIP. Autor do Livro Código Penal Militar Comentado Artigo por Artigo. 4ª ed. Editora Líder, Belo Horizonte, 2014.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. -1612, 1 fev. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1634. Acesso em: 5 dez. 2025.

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