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A suspensão da prescrição no processo administrativo disciplinar por força de ordem judicial

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Palavras-chave: Processo administrativo disciplinar. Ordem judicial. Paralisação da contagem da prescrição.

Resumo: O artigo procura demonstrar que a expedição de ordem judicial determina o efeito da suspensão do prazo prescricional para o exercício do direito de punir da Administração Pública no processo administrativo disciplinar.


1. Introdução

Tema que merece comentário é sobre os efeitos da superveniência de decisão judicial, antecipatória de tutela, liminar ou cautelar, que determina à Administração Pública que suspenda o curso de processo administrativo disciplinar ou que proíba a instauração do feito enquanto não observadas certas providências.

A Lei federal n. 8.112/1990 somente é explícita quanto à interrupção do prazo prescricional pela instauração do processo administrativo disciplinar (art. 142, § 3º).

Mas o que sucede quando a Administração Pública não pode instaurar ou então dar curso a processo administrativo disciplinar previamente deflagrado, por força de ordem judicial nesse sentido?

Deve a Administração Pública, apesar de obstada de exercer seu poder disciplinar, ainda assim sofrer os efeitos da continuidade do prazo prescricional, o qual, segundo assentada opinião doutrinária, não pode ser interrompido mais de uma vez [01]?

Em alguns casos, o Poder Judiciário ordena que a Administração Pública não instaure processo administrativo disciplinar enquanto não formada comissão processante na forma da lei, por exemplo com o número de membros legalmente estabelecido, como ocorreu em precedente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (Mandado de Segurança n. 2007.00.2.010118-5).


2. Prescrição e sua suspensão no caso de ordem judicial liminar que impeça o exercício do Poder Disciplinar da Administração Pública

O direito não se presta a perplexidades e incongruências, nem obriga ninguém a fazer o que não pode, menos ainda institui prejuízos para quem deixou de fazer o que não lhe era possível. Ad impossibilia nemo tenetur. Ninguém está obrigado a fazer o impossível.

Daí que não se defere ao servidor público acusado invocar a prescrição da pretensão punitiva, se o processo administrativo disciplinar não pôde ser instaurado em virtude de ordem judicial expressamente proferida nesse sentido (até julgamento, por exemplo, da tese de trancamento ventilada pelo servidor acusado autor da ação perante o juízo competente), ou se a Justiça, de forma direta, determina à autoridade administrativa que paralise as atividades processuais na instância disciplinar até julgamento de mérito do processo judicial.

Isso porque o próprio conceito de prescrição pressupõe uma inércia do titular quanto ao exercício do seu direito, que vem a extinguir-se depois do decurso do prazo capitulado pelo ordenamento jurídico.

Ora, se a Administração Pública não instaura processo administrativo disciplinar, ou não conclui sua respectiva instrução ou julgamento, por força de ordem judicial expressa nesse sentido, não se poderia falar de negligência ou inércia estatal no uso do seu poder de punir o servidor faltoso acusado.

Não, antes se verificou uma ação do próprio interessado para obter decreto judicial determinante da paralisação do feito administrativo apenador, de imperiosa observância pelo Poder Público, o qual, por isso, não poderia ser punido com a extinção do seu jus puniendi, por causa de prescrição, se estava absolutamente impedido de exercer sua prerrogativa sancionadora enquanto em vigor o decreto judicial.

Tanto que o Tribunal Regional Federal da 5ª Região entendeu que, enquanto em vigor liminar, fica concomitantemente suspenso o prazo prescricional contra a Administração Pública:

4. Ocorre que, considerando-se que o qüinqüênio prescricional voltou a fluir por inteiro em 6-5-99, houve nova hipótese de paralisação do lapso prescricional, em face da concessão de medida liminar judicial em 6-11-2000, em favor do servidor, de sorte que, durante a sua vigência (de 6-11-2000 a 27-4-2006 -data da cassação do ato por este Tribunal), oreferido lapso de tempo esteve suspenso, por motivo que não pode ser imputado à Administração, somente tendo voltado a correr a partir da cassação da liminar, tendo a finalização do procedimento ocorrido em 11-12-2007, com a expedição da Portaria Demissória, quando não havia transcorrido o lapso superior a cinco anos, não tendo se consumado, portanto, a prescrição. 5. Apesar de a Lei nº 8.112/90 só prever como finalizar o julgamento do procedimento em face de decisão judicial.(AC - Apelação Civel – 457416, 3ª Turma, decisão: 18/12/2008).

Esse juízo foi referendado pelo Superior Tribunal de Justiça:

I - O deferimento de provimento judicial liminar que determina a autoridade administrativa que se abstenha de concluir procedimento administrativo disciplinar suspende o curso do prazo prescricional da pretensão punitiva administrativa.(MS 13385/DF, 3ª SEÇÃO, Julgamento:10/06/2009).

A Procuradoria-Geral do Distrito Federal entendeu (em caso concreto no qual deferida pela Justiça liminar em ação cautelar, proposta por servidora pública processada por abandono de cargo, em cujos termos ordenado que o DF continuasse a pagar os vencimentos relativos ao cargo da acusada e a mantivesse em gozo de licença por motivo de saúde até julgamento final do processo judicial) que não haveria que se falar da prescrição intercorrente do direito de demitir a funcionária enquanto vigorasse o comando judiciário, porquanto o DF, por absurdo, sofreria os efeitos jurídicos da prescrição de seu jus puniendi por uma ação que lhe era impossível, visto que obstada por ordem judicial expressa, o que não se pode convir como razoável.

Seria exigir da Administração Pública distrital fazer o impossível, que é aplicar pena demissória à servidora pública, por abandono de cargo, quando existente direta decisão judicial proibitiva. Mais, o Chefe do Poder Executivo, competente para demitir servidor público, seria forçado a cometer crime de responsabilidade para expulsar funcionário em desrespeito à decisão judicial em sentido contrário (art. 85, VII, Constituição Federal de 1988; art. 101, VII, Lei Orgânica do Distrito Federal), o que seria absurda conclusão.

À luz dos parâmetros da justiça e da razoabilidade imanentes ao direito, deve prevalecer o raciocínio de que a ordem judicial, enquanto válida, tolhe ao Estado o exercício do seu direito de punir e, por conseguinte, suspende a prescrição, visto que não se cuida de inércia da Administração Pública em exercitar sua prerrogativa, mas de provimento judicial inibitório. O processo administrativo disciplinar poderá ser retomado tão-logo cessem os efeitos do decreto judicial. A partir de então retoma seu fluxo a contagem do prazo prescricional.

O Superior Tribunal de Justiça, referendando esse ponto de vista, julgou que não se pode ter como prescrita a pretensão punitiva da Administração Pública se o processo administrativo disciplinar instaurado fôra suspenso por ordem judicial, haja vista que as atividades processuais não foram paralisadas por culpa nem inércia administrativa, mas devido ao decreto da Justiça: "Não ocorre a prescrição da ação disciplinar se o prazo foi interrompido em razão da instauração de processo administrativo que esteve paralisado, em razão de concessão de liminar em mandado de segurança". [02] (destaque não original)

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Mas somente se poderá argüir a interrupção do fluxo do prazo prescricional quando a ordem judicial expressamente determinar a suspensão do processo instaurado e respectivos atos pertinentes, ou ordenar que não seja aberto feito disciplinar até a decisão final pela Justiça.

Não se poderá falar de interrupção da prescrição, contudo, se a Justiça apenas determina a repetição de ato processual, porque viciado por cerceamento de defesa ou outra falha imputável à própria Administração Pública, às autoridades administrativas instauradora e julgadora ou ao colegiado processante, visto que, nessa hipótese, o Estado, tendo violado direito ou garantia formal do servidor acusado, não pode colher o benefício de interromper o lapso temporal de prescrição, protaindo no tempo seu direito de punir, em prejuízo direto do funcionário, o qual, já lesado pela conduta ilícita estatal, ainda seria agravado na sua garantia de segurança jurídica quanto aos limites cronológicos para a aplicação de penalidades disciplinares, como lhe assegura o ordenamento jurídico.

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça que,

diante do fato de que a Administração restou impedida de aplicar a pena de demissão ao impetrante até o trânsito em julgado do acórdão em referência, que reformou a sentença concessiva da segurança, não há falar em ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado. [03]


Conclusão

De todo o exposto, conclui-se que a superveniência de ordem judicial determinante da paralisação do curso de processo administrativo disciplinar, ou que obsta, temporariamente, a instauração do feito, tem o efeito jurídico de suspender o fluxo do prazo prescricional para o exercício do poder de punir da Administração Pública, entendimento que pontuamos em nosso Manual de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da Administração Pública [04].


Notas

  1. Nem mesmo a sucessiva designação de várias comissões processantes poderia ter o condão de interromper "ad eternum" o prazo prescricional após o decurso de 140 dias da instauração do processo administrativo disciplinar, de sorte que, a partir do 141º dia, retoma seu curso a contagem para fins da prescrição da pretensão punitiva, sem mais possibilidade de interrupção, no regime da Lei federal n. 8.112/1990.
  2. Embora possa ser decidido após o prazo legal para sua conclusão sem disso advir nulidade, o poder disciplinar da Administração Pública poderá restar obstado pela superveniência da prescrição do direito de punir.

    É o que doutrina Palhares Moreira Reis: "A redesignação da comissão, ou a constituição de uma outra, para a conclusão apuratória dos mesmos fatos, não interrompe, novamente, a fluência do prazo prescricional".

    Consagrou o DASP: "A redesignação da comissão de inquérito, ou a designação de outra, para prosseguir na apuração dos mesmos fatos, não interrompe, de novo, o curso da prescrição" (Formulação n. 279). No mesmo sentido a lição de Sebastião José Lessa.

  3. 6ª Turma, ROMS 10265/BA, DJ de 18.11.2002, p. 292, relator o Ministro Vicente Leal.
  4. MS 9568/DF, relator o Ministro arnaldo esteves lima, 3ª Seção, julgamento de 22.02.2006, DJ de 02.08.2006, p. 214.
  5. CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da Administração Pública. Brasília: Fórtium, 2008, p. 838 ss.
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Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. A suspensão da prescrição no processo administrativo disciplinar por força de ordem judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2568, 13 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16960. Acesso em: 19 dez. 2024.

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