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A laicidade estatal face à presença de símbolos religiosos em órgãos públicos

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Resumo:


  • O Estado Laico assegura igualdade e respeito a todas as crenças e descrenças, evitando a influência de qualquer religião nas decisões estatais, conforme estabelecido pela Constituição Federal do Brasil.

  • Símbolos religiosos em estabelecimentos estatais, como crucifixos em salas de audiência e tribunais, podem ser interpretados como uma violação ao princípio do Estado Laico, afetando a liberdade religiosa e a imparcialidade que o Estado deve manter.

  • Decisões judiciais no Brasil têm debatido a presença de símbolos religiosos em espaços públicos, com argumentos variando entre a tradição cultural e a necessidade de neutralidade do Estado para garantir a liberdade religiosa e a igualdade perante a lei.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Sumário: 1. Introdução, 2. Estado laico, leigo ou secular. 2.1. Conceito de Estado laico. 2.2. A democracia e a laicidade. 3. A evolução constitucional da laicidade no Brasil. 4. A constitucionalização do princípio do estado laico no Brasil. 4.1. O princípio constitucional da isonomia e sua importância em um estado laico. 4.2. O preâmbulo constitucional e a expressão "sob a proteção de deus". 5. As liberdades de crença e de culto como direitos fundamentais. 5.1. A liberdade religiosa como cláusula pétrea. 5.2. A liberdade religiosa em tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil. 6. Símbolos. 6.1. A religião e os símbolos. 7. Os estabelecimentos estatais e a presença de símbolos religiosos. 7.1. Os administradores públicos e os princípios da legalidade e da impessoalidade. 7.2. Decisões judiciais acerca do tema. 8. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

A matriz deste trabalho consiste em demonstrar a necessidade de se haver um Estado verdadeiramente Laico, onde todos os credos, bem como a ausência destes, são respeitados, de modo que o Brasil observe seus preceitos constitucionais, assegurando à minoria uma igualdade em relação àqueles que representam a maioria.

O Estado Laico não é um Estado ateu, mas sim um Estado onde se respeitam todos os credos e sua exteriorização, assim como não há confusão com a Igreja, onde os legitimados são aqueles escolhidos pelo povo, pontuando a importância da democracia em um Estado Laico.

No Brasil, a Laicidade teve início no ano de 1890, com o Decreto nº 119-a, sendo tal condição confirmada posteriormente com a Constituição de 1891 e todas as demais, inclusive a atual, datada do ano de 1988.

A atual Constituição brasileira apresenta o caráter Laico do Brasil em seu artigo 19, I, ao descaracterizar o caráter Teocrático, bem como o Confessional, pois não permite a subvenção, comum em Estados Confessionais, a aliança ou a dependência, via de regra, do Brasil com qualquer instituição religiosa.

Do mesmo modo, no rol dos direitos fundamentais, assegura aos cidadãos as liberdades de crença e de culto, além da igualdade, independentemente de suas convicções religiosas.

Dada a importância das liberdades de crença e de culto para a sociedade como um todo, o Brasil as qualificou como cláusulas pétreas, ou seja, tornaram-se dispositivos imutáveis, onde somente o advento de uma nova Constituição poderá modificar tal condição.

A liberdade religiosa, expressão que abrange as liberdades de culto e de crença, está presente, também, em diversas Convenções e Tratados internacionais. Assim, o Brasil ratificou, dentre outros, a Declaração Universal dos Direitos dos Homens e o Pacto de São José da Costa Rica, onde há uma ampla proteção às liberdades do homem, incluindo a religiosa.

Após toda a explanação do que vem a ser um Estado Laico, suas características, bem como sua presença na Constituição brasileira, através de seus dispositivos, como os artigos 19 e 5º, o presente trabalho apresenta os símbolos nacionais, os símbolos religiosos e a presença destes em órgãos públicos.

Apesar de toda proteção constitucional às liberdades de crença e de culto, assim como o caráter Laico do Brasil, em órgãos públicos brasileiros nota-se a presença de símbolos diversos daqueles contidos no artigo 13 da Constituição Federal. A presença de símbolos religiosos é freqüente em salas de audiência e em Tribunais.

Deste modo, através de revisões bibliográficas, estudos de decisões antigas e recentes, esta monografia permite observar desde a influência da Igreja em tempos remotos, conceituando um Estado Separatista (Estado Laico), bem como apresentando a presença da Laicidade no Brasil, seja no início do Brasil República até a atual Carta Magna, dando ênfase aos direitos fundamentais dos cidadãos, mediante a presença da liberdade religiosa em nossa Lei Maior.

Por fim, analisamos a problemática da existência de símbolos religiosos, os quais caracterizam uma determinada religião, em estabelecimentos estatais, uma vez que estes, de acordo com a nossa Constituição Federal, apresentam-se laicos, respeitando todas as religiões e não mais Confessional, como era em 1824, no Brasil Império.


2. ESTADO LAICO, LEIGO OU SECULAR

Todas as épocas, inclusive a Idade Primitiva, tiveram sua importância no que se refere à liberdade religiosa. Foram os fatos ocorridos em outrora que construíram o atual aspecto da Liberdade Religiosa, assim como sua ausência, no mundo atual.

A Idade Média, cuja esteve compreendida entre o século V e o ano de 1453, teve suma importância para se entender a influência da Igreja nos Estados. Pois, os abusos cometidos pelas Igrejas nesta época serviram, também, como pressuposto para se introduzir nos Estados o princípio da Laicidade Estatal. Em destaque, na Idade Média houve o surgimento do Islamismo, das Cruzadas e a Santa Inquisição, sendo conhecida como Idade das Trevas.

O Islamismo teve como fundador o profeta Maomé. Para melhor entendimento do significado da palavra que representa a fé mulçumana, Silva Neto (2008, p. 20, grifo do autor) afirma que "[...] islamita significa ‘submetido a Deus’ e islão designa o ‘mundo dos crentes’, dos que acreditam em apenas uma divindade e seguem um único chefe." Através de Maomé, os Estados Islâmicos tornaram-se monoteístas, ou seja, só acreditavam na existência de um único Deus. Com a expansão do Islamismo, a Igreja Católica promoveu as Cruzadas.

Contudo, a Igreja Católica, na Idade Média, ficou marcada pela existência do Tribunal da Inquisição. Este representava um total abuso de poder por parte da referida Igreja. Na Idade das Trevas, se dizia ser o poder emanado de Deus, assim, os Estados que adotavam a Religião Católica Apostólica Romana como sendo a oficial, proibiam quaisquer tipos de cultos diferentes dessa religião.

Deste modo, aqueles que tivessem conduta diversa da permitida pela Igreja Católica, eram considerados hereges ou bruxos, recebendo duras sanções, tal como queimar na fogueira. Para Silva Neto (2008, p. 23), este período melhor seria denominado como Santa Aquisição, em virtude de grande parte daqueles considerados hereges serem possuidores de um grande patrimônio, e este, por sua vez, era confiscado pela Igreja Católica.

Na Idade Média a relação do Estado com a Igreja era caracterizada pela fusão. São 3 os modelos de relação entre Igreja e Estados: fusão, união e separação. Assim:

Existem diversos sistemas de relações entre a Igreja e o Estado, dentre eles destacamos a fusão, que é a confusão integral entre os dois institutos. Neste modelo, o Estado é tido, ele mesmo, como um fenômeno de união entre Estado e religião. Deste modelo fundamental surgem algumas variantes, como o caso das igrejas reconhecidas pelos Estados. Há também uma outra variação deste sistema que consiste na preferência que é reconhecida a religião determinada, tal como se deu na França, durante o período monárquico. Finalmente, encontram-se aquelas hipóteses em que há uma incorporação da Igreja pelo Estado, como ocorre com a Igreja Anglicana na Inglaterra. Ao lado dessas modalidades, surge a separação. Nesta o Estado reconhece a liberdade de cultos, porém recusa-se a intervir no funcionamento das igrejas ou templos, não importando sob que pretexto. Tal regime é conhecido como ‘regime de tolerância’. (BASTOS; MEYER-PFLUG, 2002, apud GALDINO, 2006, p. 70).

Em decorrência da definição de fusão, união e separação entre Estado e Igrejas, conclui-se que os Estados Teocráticos, como exemplo os Estados Islâmicos, são caracterizados pela fusão, haja vista o poder da religião sobre o poder político, pois tais Estados são sustentados pelos dogmas impostos pela religião oficial e obrigatória do local, uma vez que esta decide o rumo a ser tomado por aquele. Conceituando: "Teocracia significa regime político, em geral monárquico, no qual o soberano legitima o exercício do poder na tese de representar a encarnação viva da divindade." (SILVA NETO, 2008, p. 20). Há uma completa confusão entre Estado e Igreja, onde esta é aquele e aquele é esta.

Os Estados Confessionais, como era o Brasil Imperial (Igreja Católica), onde tal condição estava prevista na Constituição do Império, e como são a Suécia (Igreja Evangélica Sueca), a Grécia (Igreja Ortodoxa Oriental), a Grã-Bretanha (adepto à Igreja Anglicana), a Argentina (Igreja Católica), o Paraguai (Igreja Católica) e a Bolívia (Igreja Católica), o País opta por manter uma religião como sendo a oficial, e, em consequência, apresenta legislação com enorme influência do segmento religioso adotado. Estes Estados estão caracterizados pela união. O Estado Confessional oferece vários privilégios a Igreja por ele adotada, dentre esses está o fato de subvencionar tal religião, ou seja, oferecer ajuda pecuniária.

Por outro lado, o Estado Separatista (critério da separação), ou seja, o Estado Laico, não adota uma religião oficial e respeita todas as existentes, é o que ocorre na maioria dos Países Ocidentais.

O citado regime de tolerânciarefere-se à idéia de se permitir a liberdade religiosa, pois ao Estado não compete interferir na crença individual do homem. A religião pertence ao homem, cabendo a este crer ou não em algo.

A transição entre o período Monárquico para o Estado Constitucional e Republicano caracterizou o início da laicidade estatal, só se concretizando no Brasil no ano de 1890, mas, em outros Países ocorrera anteriormente, como é o exemplo dos Estados Unidos Da América, onde a laicidade é datada do ano de 1787.

O surgimento das Constituições e da Democracia nos Estados de Direito, aliados aos abusos praticados pelas Igrejas no passado, fizeram necessária a oficialização da separação dos Estados face às Igrejas.

Desta forma, houve uma mudança quanto à legitimação do poder político, o qual, anteriormente, era composto pelos legitimados pelo sagrado, ou seja, os reis, dando lugar a vontade do povo, sendo esta exercida através de sua soberania e a conseqüente escolha dos que compõem o poder político, quais sejam os legitimados de fato. Assim, surge a Laicidade Estatal, da mesma maneira posiciona-se Blancarte (2008, p. 19).

2.1 CONCEITO DE ESTADO LAICO

Laicidade, derivação da palavra Laico, tem origem grega, significando neutro, portanto, Estado imparcial, sem religião oficial 1. A laicidade de um Estado não se restringe apenas a separação do Estado da Igreja, pois existem outros aspectos, como a possibilidade de se permitir a liberdade de culto e de crença, o respeito aos que em nada crêem, dentre outras características, ou seja, a neutralidade.

Para Silva (1997, p. 45, apud QUEIROZ, 2006, grifo do autor): "LAICO. Do latim laicus, é o mesmo que leigo, equivalendo ao sentido de secular, em oposição do de bispo, ou religioso." Secular é uma palavra cujo significado é sinônimo da palavra Laico, sendo utilizada nos países de língua inglesa, pois, nestes não há outra palavra equivalente.

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Independentemente da palavra a ser utilizada, seja laico, leigo ou secular, seu significado se resume a imparcialidade do Estado quanto aos assuntos religiosos. No Estado Laico, a fé tem caráter subjetivo, pertencendo ao indivíduo apenas. Vecchiatti (2008) define a laicidade como

[...] a doutrina filosófica que defende e promove a separação entre Estado e religião ao não aceitar que haja confusão entre o Estado e uma instituição religiosa qualquer, assim como não aceitar que o Estado seja influenciado por determinada religião.

Estado Laico em nada se assemelha a Estado Ateu ou Anticristo. O Estado Ateu, como era a China Comunista, nega a existência de Deus, pois acredita em uma alienação daqueles que crêem em Deus, desta maneira como em outros Países Comunistas, havia uma perseguição as instituições religiosas, além dos fiéis. O Estado Ateu é o oposto do Estado Teocrático.

Por outro lado, o Estado Laico, como o Brasil e a França, assegura, desde que não atente à ordem pública, a liberdade religiosa de seus cidadãos, como direito garantido em sua Constituição Federal, bem como a não influência da Igreja no poder político. O Estado Laico é teísta, porém, não mantém religião oficial, respeitando, assim, todos os credos existentes.

Da mesma maneira, Laicidade não se confunde com Laicismo, visto que este é "[...] uma ideologia totalitária contra toda e qualquer manifestação religiosa no campo público." (NOGUEIRA, 2009). Um Estado Laico respeita todas as religiões, permitindo seu gozo, enquanto o laicismo representa o excesso da laicidade. A derivação da palavra laico com a presença do sufixo ismo (laicismo) ocasiona uma afronta ao direito fundamental da liberdade religiosa, e, no caso do Brasil, um desrespeito ao artigo 5º, VI da Constituição Federal.

Como exemplo, um País Laico que decide proibir o uso das burcas por mulheres, onde estas vestimentas expressam o credo das referidas mulheres, está mitigando a liberdade religiosa dessas pessoas, de modo a estar tendo uma conduta excessiva, caracterizando o Laicismo.

A Laicidade estatal tem características próprias, pois torna o País neutro no âmbito religioso, convivendo harmoniosamente com todo e qualquer tipo de crença, assim como a descrença, as tratando de maneira igualitária, pois a liberdade religiosa "[...] abrange inclusive o direito de não acreditar ou professar nenhuma fé, devendo o Estado respeitar o ateísmo" (MORAES, 2002, p. 74). Ainda, tem seu poder público composto pelos legitimados pela soberania popular; e não permite que dogmas sustentados por instituições religiosas, quaisquer que sejam estas, interfiram em sua política pública.

2.2 A DEMOCRACIA E A LAICIDADE

Como rege a nossa Carta Maior de 1988, o Brasil é um Estado Democrático de Direito, "[...] onde além de mera submissão à lei deveria haver a submissão à vontade popular e aos fins propostos pelos cidadãos." (BASTOS, 2002, p. 247).

O significado de Estado de Direito está relacionado às leis existentes no País, com sua conseqüente observância, independentemente de quais leis forem. Todos deverão seguir as leis.

O Brasil é um País com grande concentração de fiéis Católicos. Porém, apesar de serem maioria, por o Brasil se apresentar como Laico e não mais Confessional, não pode beneficiar a maioria em detrimento da minoria, visto que a democracia é feita, principalmente, para a minoria. Assim, caso a vontade da maioria prevaleça em um Estado democrático, a minoria estaria prejudicada, sofrendo uma ditadura. Além do fato do Direito ser posto para ser observado por todos, não apenas a minoria ou a maioria.

Apesar de ser um País repleto de seguidores da Igreja Católica Apostólica Romana, no Brasil há uma pluralidade religiosa, onde há uma crescente população Evangélica, Espírita, Judaica, como demonstra tabela do Censo de 2000, em anexo.

Desta maneira, o princípio do Estado Laico tem enorme importância em um País como o Brasil, onde há uma pluralidade religiosa, pois respeita todos os credos, bem como a ausência destes.


3. A EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL DA LAICIDADE NO BRASIL

O Estado de Portugal recebia grande influência da Religião Católica. Ao colonizar o Brasil, os nossos colonizadores nos deixaram essa herança, de modo que o Brasil, mesmo após a declaração de sua independência, era extremamente Confessional, como dispunha na Constituição do Império de 1824, onde a Igreja Católica figurava como a religião oficial do Império.

A Constituição do Império, outorgada por D. Pedro I no segundo ano da Independência do Brasil, estabelecia a religião Católica Apostólica Romana como sendo a oficial, proibindo qualquer outro tipo de culto diverso da religião oficial em local público. Era um Estado Confessional, onde a liberdade de crença era permitida, contudo, somente a religião oficial poderia ser cultuada em local público, desta maneira dispunha em sua Lei Maior, no artigo. 5º:

A religião católica, apostólica, romana, continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas, com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo. (GALDINO, 2006, p. 71).

O caráter Confessional do Brasil não estava presente apenas no citado artigo 5º, mas em todo o texto constitucional, como a obrigatoriedade em professar a religião católica pelo cidadão que desejasse candidatar-se para uma vaga na Câmara dos Deputados, como exposto no artigo 95, § 3º da Constituição do Império.

A referida Constituição mitigava o direito à liberdade religiosa, permitindo a liberdade de crença, porém, não agindo da mesma maneira quanto à liberdade de culto, o qual não poderia, caso contrário à religião católica, ser feito em local público, como expõe Costa (2008, p. 110).

A liberdade religiosa no Brasil Império era relativizada, porém, já apresentava um avanço, pois não permitia a perseguição a alguém por motivos religiosos, desde que este alguém respeitasse a religião oficial do Império. Este avanço possibilitou a entrada de novos grupos religiosos em território brasileiro.

No ano de 1889, no dia 15 de novembro, após um golpe de Estado, inicia-se a República Federativa dos Estados Unidos do Brasil, pondo fim a monarquia até então existente. Em 7 de janeiro de 1890, o Marechal Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório da Republica dos Estados Unidos do Brasil, baixa o Decreto n. 119-a, o qual extingue a união entre os Estado brasileiros e a religião, descaracterizando o Confessionalismo até então existente. Desta maneira "[...] decretou a liberdade de cultos e a igualdade de religião". (FERREIRA, 1989, p. 454). Na íntegra, o decreto assim se apresenta:

Art. 1º E' prohibido á autoridade federal, assim como á dos Estados federados, expedir leis, regulamentos, ou actos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a, e crear differenças entre os habitantes do paiz, ou nos serviços sustentados á custa do orçamento, por motivo de crenças, ou opiniões philosophicas ou religiosas.

Art. 2º a todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas nos actos particulares ou publicos, que interessem o exercicio deste decreto.

Art. 3º A liberdade aqui instituida abrange não só os individuos nos actos individuaes, sinão tabem as igrejas, associações e institutos em que se acharem agremiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituirem e viverem collectivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina, sem intervenção do poder publico.

Art. 4º Fica extincto o padroado com todas as suas instituições, recursos e prerogativas.

Art. 5º A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade juridica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas leis concernentes á propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o dominio de seus haveres actuaes, bem como dos seus edificios de culto.

Art. 6º O Governo Federal continúa a prover á congrua, sustentação dos actuaes serventuarios do culto catholico e subvencionará por anno as cadeiras dos seminarios; ficando livre a cada Estado o arbitrio de manter os futuros ministros desse ou de outro culto, sem contravenção do disposto nos artigos antecedentes.

Art. 7º Revogam-se as disposições em contrario. [sic]. 2 (BRASIL, 1890).

No ano seguinte, entrou em vigor a 1º Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Em seus artigos 6º, 7º e 72º, § 3º a Carta Magna ratificou o disposto no Decreto n. 119-a, de modo a assegurar a neutralidade do Estado Brasileiro em face de qualquer religião.

A Lei Maior datada de 1891 representou um marco no que tange à laicidade do Estado, pois todas as Constituições que lhe sucederam mantiveram a neutralidade inerente a um Estado Laico, ainda que teoricamente.

O Art. 72º, § 3º da 1º Constituição da Republica assim dispunha:

Todos os individuos e confissões religiosas podem exercer publica e livremente o seo culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito commum [sic]. (CAVALCANTI, 2002, p. 305).

Com este dispositivo, a então Constituição vigente permite o culto externo de qualquer religião, por qualquer indivíduo, mostrando-se, neste aspecto, uma inovação, visto que sua antecessora apresentava redação constitucional de forma oposta. Acerca do dispositivo citado, há o pensamento de Cavalcanti (2002, p. 305), onde afirma

[...] do poder publico é dever assegurar aos membros da comunhão política que elle preside, a livre pratica do culto de cada um e impedir quaesquer embaraços que dificultem ou impeçam, procedendo n’isso de modo egual com todas as crenças e confissões religiosas. [sic].

O texto constitucional seguinte ao de 1891, ou seja, a Constituição de 1934,continuou com a idéia de Estado Laico, bem como a de liberdade religiosa anteriormente existente, a mitigando em função da ordem pública e dos bons costumes. Torna um Direito inviolável a liberdade de crença e assegura o livre exercício de culto.

A Constituição vigente no ano de 1937 fora outorgada no momento em que ocorreu um Golpe de Estado no Brasil. Esta veda aos entes da federação o embaraçamento de cultos religiosos, permitindo ao indivíduo exercer o mesmo pública e livremente. Esta Carta Política sofreu poucas alterações no âmbito da laicidade comparada ao Texto Constitucional anterior, qual seja o de 1934.

As Constituições seguintes, sendo estas as de 1946 e 1967/69 mantiveram a separação do Estado Brasileiro de qualquer tipo de Igreja, possibilitando uma possível união quando em benefício do interesse da sociedade. Do mesmo modo, asseguraram a liberdade religiosa, a limitando na hipótese de contrair os bons costumes e a ordem pública.

A Carta Magna de 1946 previu pela 1º vez, após a laicidade do Estado Brasileiro, uma possível aliança ou dependência com a religião, sendo a mesma hipótese presente na atual Constituição, quando tal relação for de interesse da sociedade. Outros aspectos surgiram da edição dessa Lei Maior, como a possibilidade de se recusar a cumprir obrigação a todos imposta, com base em sua convicção religiosa, sem que, por tal motivo, perca seus direitos, desde que o mesmo não ocorra com uma prestação alternativa ou se a invocação da convicção religiosa seja utilizada para se eximir de obrigação, encargo ou serviços impostos. É a denominada escusa de consciência.

A Lei Maior de 1967 assegurou a igualdade de todos perante a lei, independentemente do seu credo, ou seja, usou a expressão credo religioso como gênero.

Do ano de 1988 até o presente momento, o Brasil tem a mesma Carta Magna e esta não modificou a condição de Estado Laico no Brasil, assegurando, ainda, dentre seus direitos fundamentais, o livre exercício das liberdades de crença e de culto, ou seja, a liberdade religiosa. Contudo, ao analisarmos as Constituições Brasileiras desde a de 1891, observamos avanços e retrocessos no que se refere ao princípio do Estado Laico, como a não previsão do casamento religioso na Constituição Federal de 1891, o mesmo não ocorre na atual Lei Maior brasileira, onde há o reconhecimento civilmente do casamento religioso.

Recentemente, no ano de 2002, o então presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, no atributo de uma de suas funções, como roga o artigo 84, IV da Constituição Federal vigente, baixou o decreto nº 4496, onde restabelece a vigência do Decreto n. 119-a, de 1890.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALADO, Maria Amélia Giovannini. A laicidade estatal face à presença de símbolos religiosos em órgãos públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2565, 10 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16962. Acesso em: 22 dez. 2024.

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