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Benefício assistencial de prestação continuada.

Apontamentos sobre o cálculo da renda do beneficiário

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19/07/2010 às 07:45
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Análise dos critérios de cálculo da renda necessária à concessão do benefício assistencial de prestação continuada criado pela art. 20 da Lei de Organização da Assistência Social - LOAS, seja na hipótese do idoso ou do portador de deficiência física.

resumo

Este trabalho trata da análise do benefício de prestação continuada garantida ao idoso e ao deficiente previsto no art. 203, V, da CR/88 e regulamentado pela Lei de Organização da Assistência Social - LOAS, Lei 8.742, de 07/12/93. Inicia-se com análise do histórico da assistência social, passando por seu estudo no âmbito constitucional, infralegal, doutrinário e, principalmente, jurisprudencial. Modificações interpretativas junto aos Tribunais e Supremo Tribunal Federal vêm aproximando da previsão constitucional do benefício, norma de direito fundamental. Neste contexto, concluiu-se que, hodiernamente, o benefício garante a dignidade do beneficiário e também alcança os objetivos da República na efetivação da redução da desigualdade, do bem-estar de todos, da promoção da desigualdade social, dentre outros.


1.INTRODUÇÃO

O estudo a ser realizado tem como objeto a análise dos critérios de cálculo da renda necessária à concessão do benefício assistencial de prestação continuada criado pela art. 20 da Lei de Organização da Assistência Social - LOAS, Lei 8.742, de 07/12/93, seja na hipótese do idoso ou do portador de deficiência física.

Para tanto, procurar-se-á inicialmente definir a assistência social, aclarar seu tratamento constitucional, bem como seu alcance prático. Para tanto, os requisitos legais para concessão do benefício assistencial, mormente o relacionado à renda, objeto central do estudo, serão confrontados com a Constituição e inseridos no ordenamento correlato, além de avaliado sob a luz da doutrina e da jurisprudência pátria, em especial, do Supremo Tribunal Federal – STF.

Esta Corte, a mais elevada da estrutura judiciária brasileira, vem evoluindo sua interpretação no particular a fim de dar-lhe efetividade, já que do Estado espera-se a observância do princípio da dignidade da pessoa humana e dos objetivos da República relacionados à erradicação da pobreza e desigualdade social. Ainda, sem se esquecer, enquanto Administração, do dever de cumprimento irrestrito aos princípios da legalidade estrita, moralidade e eficiência administrativas, isonomia, responsabilidade, orçamentários e da reserva do possível, entre outros.

Partir-se-á da determinação contida no §3º, do art. 20 da LOAS, segundo a qual o benefício de assistência continuada será concedido a família incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa cuja renda mensal per capta for inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente, atendendo-se à regulamentação prevista no próprio texto da CR/88, o inciso V, do art. 203. Em seguida será verificado o atendimento, por tal critério objetivo, de conformações e exigências administrativas, bem assim a possibilidade de agir, de maneira indevida, em caso positivo, como impeditivo à concretização do próprio conteúdo da assistência social e da efetivação de normas constitucionais.

Questão esta que foi objeto de ação direta de inconstitucionalidade no STF (ADI 1232/DF), que entendeu, por sua vez, não haver na regulamentação do dispositivo constitucional restrição à garantia que, como se viu, também está prevista na CR/88, mas apenas a imposição de hipótese objetiva de prestação estatal na limitação do cálculo da renda, julgando o pedido improcedente no mérito em 27/08/98.

A partir desse julgado novas decisões monocráticas no âmbito do próprio STF têm dado nova interpretação ao dispositivo regulamentador, não dispensando o critério objetivo, que como visto foi considerado constitucional, ou seja, compatível com a CR/88, mas permitindo englobamento com fatores de natureza particular e subjetiva que moldam o requisito pertinente à renda para concessão do benefício assistencial de prestação continuada.

A relevância do tema fora, inclusive, objeto de análise de repercussão geral (RE 567085/MT – Min. Relator Marco Aurélio em 08/02/2008), julgada procedente em relação ao idoso, sob o ângulo jurídico, social, político e econômico, em especial, no último caso, frente ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.

A exposição, portanto, tem como finalidade contribuir para a construção adequada de uma interpretação sistêmica da correta apuração da renda necessária ao deferimento do benefício assistencial de prestação continuada, com fim de assegurar o objetivo constitucional na determinação da assistencial social aos idosos menos favorecidos economicamente e os deficientes com dificuldades na inserção no mercado de trabalho.


2.DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

Segundo o art. 3º, IV, da CR/88, o Estado tem o dever constitucional de promover o bem-estar de todos os indivíduos, zelando por sua segurança. O conceito de segurança, em sua concepção mais ampla, abrange três vertentes: a segurança da integridade física e moral do indivíduo, a segurança jurídica e social.

Pela segurança social, buscam-se, por políticas nas áreas de interesse de populações menos favorecidas economicamente, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais, assegurando direito subjetivo fundamental.

A segurança social, ou nos termos da Constituição atual, a Seguridade Social engloba a assistência Social, a previdência social e a saúde. Limitar-se-á, no presente estudo, a análise da assistência social.

A assistência social é um conjunto de princípios, regras e instituições com a finalidade de estabelecer uma política social de proteção aos hipossuficientes, seja por meio de iniciativas estatais seja por particulares, na concessão de benefícios independentes de contribuição.

Segundo WLADIMIR MARTINEZ (2005) [01] a assistência social traduz:

"um conjunto de atividades particulares e estatais direcionadas para o atendimento dos hipossuficientes, consistindo os bens oferecidos em pequenos benefícios em dinheiro, assistência à saúde, fornecimento de alimentos e outras pequenas prestações."

Na mesma linha MARIA DO CARMO BRANT DE CARVALHO (1999) [02] aduz:

"Há uma correlação clara entre o perfil atual do capitalismo "globalizado" e o aumento da pobreza. No bojo deste processo, a assistência social ganhou status não só de política, mas de política prioritária, imprescindível no mundo inteiro nos últimos anos.

(...)

Nesse contexto, a seguridade social apresenta-se como política pública imprescindível para garantir serviços/programas/benefícios de proteção social, assim como para alavancar processos e políticas que compensem o empobrecimento e a exclusão de parcela expressiva da população."

Como política pública, a assistência social visa efetivar o Estado Social e minimizar os efeitos do capitalismo hodierno com melhoria da vida da população e atendimento de suas necessidades mínimas. Configura técnica de proteção social decorrente da solidariedade pessoal e social na busca do bem comum. É técnica distinta do seguro social.

Teve origem na assistência pública, pela qual o Estado deveria dar condições mínimas de sobrevivência àqueles que não tivessem condições de se sustentar, como os loucos, indigentes e menores abandonados. Foi assim que em momento marcante da evolução histórica a Inglaterra, em 1601, editou a Lei de Amparo aos Pobres (Poor Relief Act), instituindo a assistência social por meio do estabelecimento de contribuição obrigatória para finalidades sociais.

Em 1789, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, pela primeira vez, inscreve-se o princípio da seguridade social como direito subjetivo assegurado a todos, por influência de movimentos de trabalhadores.

A partir da luta dos trabalhadores por melhores condições de vida, houve o surgimento da noção de justiça social e o Estado passou a assumir a proteção dos direitos sociais, destinando recursos próprios a assistência social e previdência. Com advento das Constituições Mexicanas (1917) e a de Weimar (1919), iniciou-se o desenvolvimento das regras da seguridade social.

No Brasil, as manifestações mais antigas de assistência social surgiram com os Montepios, como exemplo o Montepio Geral da Economia dos Servidores do Estado (MONGERAL), que na verdade tratava-se de entidade de previdência privada.

Em 22/03/63, a Lei 4214 instituiu o Estatuto do Trabalhador Rural, criando o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural.

Na realidade, entretanto, a assistência social no Brasil era tratada como uma divisão do Direito do Trabalho até a edição da Lei 6.439/77, que alterou o sistema operacional e instituiu o SINPAS (Sistema Nacional de Previdência Social e Assistência Social), que objetivava a integração das atividades de previdência social, assistência social e sua gestão administrativa, financeira e patrimonial. Dessa forma, a assistência social passou a integrar a Seguridade Social.

Com o advento da CR/88, passou a ter status constitucional nos art. 203 e 204, regulamentados pela Lei 8742/93 e Decretos n. 1330/94 e 1.744/95, fazendo parte integrante dos chamados direitos fundamentais da pessoa humana.

Compreendida na Seguridade Social, a assistência social brasileira, hoje, consiste em planos e programas realizados pelo Estado no amparo de pessoas necessitadas, com objetivo de atingir a dignidade humana, fundamento da República (art.1º, da CR/88), bem como os objetivos fundamentais do Estado, tais como a desigualdade social, erradicação da pobreza e a marginalização, promoção do bem de todos, entre outros (art. 3º, da CR/88).

São assegurados pela assistência social a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; amparo às crianças e adolescentes carentes; integração ao mercado de trabalho; habilitação e reabilitação profissional de portadores de deficiência física, bem como a renda mensal vitalícia à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que não possui meio de subsistência, com seus recursos ou de sua família.

A assistência social visa garantir os mínimos sociais na qualidade de vida com fim de alcançar a equidade e garantir o exercício da cidadania a todos os cidadãos. Devem os menos favorecidos aproximar-se da qualidade de vida média dos demais habitantes do país. Por isso os meios para sua realização são mutáveis, diante do avanço da ciência, pressão política e da própria sociedade, além do desenvolvimento econômico.

São, assim, princípios da assistência social brasileira, alçada a nível constitucional: a supremacia do social sobre o econômico; universalização dos direitos sociais; respeito à dignidade do cidadão; igualdade de direito no acesso ao atendimento; divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais; descentralização político-administrativa para os Estados, Distrito Federal e Municípios; participação da população; primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo.

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O custeio da assistência social advém do orçamento da Seguridade Social, como encargo de toda sociedade, de forma direta ou indireta. Os programas e benefícios serão obtidos pelos indivíduos que preencherem os requisitos legais, independentemente de qualquer contribuição, sendo esta a primordial característica da assistência social.


3.BENEFICIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA

Uma das fundamentais formas de operacionalização da assistência social encontra-se prevista no art. 203, V, da CR/88, que garante renda mínima às pessoas idosas e deficientes que não possuem condição de promover sua própria subsistência. Veja-se o teor do dispositivo constitucional:

"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...)

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."

Trata-se de norma constitucional de eficácia limitada, usando-se da classificação conhecida de JOSÉ AFONSO DA SILVA (2008) [03], significando que somente incidem totalmente após uma normatividade ulterior que lhe permite a aplicabilidade. Foi regulamentada pela Lei 8.742/93, na qual o benefício recebeu a denominação de Benefício de Prestação Continuada em seus art. 20 e 21, com redação alterada pela Lei 9.720/98, cujo texto se segue:

"Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

§1º. Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sobre o mesmo teto.

§2º. Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

§3º. Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo."

Atente-se que a idade limite para o recebimento do beneficio pelo idoso foi alterada para 67 (sessenta e sete) anos pela Lei 9.720/98 e, posteriormente para 65 (sessenta e cinco) anos pela Lei n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso).

Assim, o benefício de prestação continuada será garantido aos portadores de deficiência e idosos que provarem não possuírem condição de prover sua manutenção ou tê-la provida por seus familiares. Garante-se o benefício de um salário mínimo, que segundo a CR/88, deve atender às necessidades básicas vitais da pessoa, como moradia, alimentação, educação saúde, lazer, vestuário, higiene e transporte. (art.7º, inciso IV).

Esse dever do Estado restará configurado quando a família não tiver condições de cumprir a obrigação de assistir aos seus componentes com deficiência ou em idade avançada (art. 230 da CR/88), ou seja, quando não puder cumprir sua obrigação de solidariedade.

Observa-se que a assistência não se destina ao pobre e sim ao miserável, aquele em estado de penúria. Não objetiva dar maior conforto ao beneficiário ou complementar sua renda, mas sim suprir as sua necessidades mínimas para sua sobrevivência com dignidade.

Garante-se, com a assistência social estatal, um mínimo existencial que assegura a dignidade da pessoa humana em seu sentido mais amplo, mediante a concessão de recursos materiais indispensáveis à sobrevivência digna do indivíduo.

Conforme MARCELO DE SOUZA MOURA (2002):

"(...) a visão de Ana Paula de Barcellos que, inspirada nas lições de John Rawls, postula que, para se efetivar o princípio da dignidade da pessoa humana para todas as pessoas, independente de idade, deve o Estado, primeiro, ofertar um mínimo social existencial, para garantir que todas as pessoas tenham uma existência digna. É necessário um núcleo com um conteúdo básico. "Esse núcleo, no tocante aos elementos materiais da dignidade, é composto de um mínimo existencial, que consiste em um conjunto de prestações materiais mínimas sem as quais se poderá afirmar que o indivíduo se encontra em situação de indignidade". (BARCELLOS, 2001, p.304)" [04]

Deve ser ressaltado que, em se tratando de direito fundamental previsto constitucionalmente, mister a concretização da assistência social. Como bem estabelece PAULO BONAVIDES (2008), "Os direitos fundamentais, em rigor, não se interpretam; concretizam-se". [05]

E não é desconhecido que dentre os maiores problemas enfrentados pelas Constituições contemporâneas está à efetivação de suas normas [06].

Tal pode ser em parte atribuído aos métodos clássicos de interpretação, à Hermenêutica de Savigny, em regra aplicados ao direito privado e à lei, e que, portanto, não deveriam alcançar o sentido dos direitos fundamentais, posto que inadequados e impotentes para tanto. Indispensável a utilização do pluralismo metódico, que direciona os resultados hermenêuticos para razão, justiça e bem comum, com utilização de novos métodos interpretativos que consideram, também e principalmente, o princípio da unidade da Constituição, da exclusão de contradições e da efetividade dos direitos fundamentais.

Novamente a lição de PAULO BONAVIDES (2008):

"Tocante à equação dos direitos fundamentais, urge assinalar que, assim como o problema da economia, em termos contemporâneos, é, para o capitalismo, um problema de produtividade, o problema das Constituições é, para o Estado de Direito, mais do que nunca, um problema de normatividade, e a normatividade só se adquiri com a legitimidade. Esta, por sua vez, vem a ser o estatuário de todo o processo de concretização das regras contidas na Lei Maior. Para fazer eficaz a norma da Constituição, e, por extensão, o direito fundamental, força é criar os pressupostos de uma consciência social, tendo por sustentáculo a crença inabalável nos mandamentos constitucionais.

(...)

Não há constitucionalismo sem direitos fundamentais. Tampouco há direitos fundamentais sem a constitucionalidade da ordem material cujo norte leva ao princípio da igualdade, pedestal de todos os valores sociais de justiça". [07]

No presente estudo defrontar-se-á o direito fundamental da assistência social com os princípios constitucionais, legislações pertinentes à matéria, bem como decisões judiciais, principalmente do STF, órgão ao qual cabe a guarda da Constituição na busca da efetividade constitucional.

Deixar-se-á propositadamente de examinar outros requisitos do instituto constitucional que não tenham relação com o critério objetivo de cálculo da renda mensal familiar per capita, fixada em teto inferior a ¼ do salário mínimo.


4.LIMITE OBJETIVO DE RENDA MENSAL DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA

Segundo o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93, acima transcrito, a incapacidade para prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa será aferida quando a renda mensal familiar per capita for inferior a ¼ do salário mínimo.

Para alguns doutrinadores, essa disposição viola norma constitucional ao restringir a finalidade do dispositivo do art. 203, V, da CR/88, na concretização da assistência social. A imposição de um critério objetivo limitaria o alcance constitucional do instituto da prestação continuada, violando o princípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CR/88) e os objetivos da República Federativa do Brasil na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, na erradicação da pobreza e da marginalização, na redução das desigualdades sociais e regionais e na promoção do bem de todos (art. 3º CR/88). Haveria, ainda, descumprimento aos princípios da legalidade estrita, moralidade e eficiência administrativas, isonomia, responsabilidade, orçamentários e da reserva do possível, entre outros.

Como alertado mais acima, esta questão foi objeto de ação direta de inconstitucionalidade (ADI 1232/DF), mas o STF entendeu não haver na regulamentação do dispositivo constitucional restrição, mas apenas a imposição de hipótese objetiva de prestação estatal na limitação do cálculo da renda. Confira-se a ementa do julgado:

"Constitucional. Impugna dispositivo de Lei Federal que estabelece o critério para receber o benefício do inciso V do art. 203, da CF. Inexiste a restrição alegada em face ao próprio dispositivo constitucional que reporta à lei para fixar os critérios de garantia do benefício de salário mínimo à pessoa portadora de deficiência física e ao idoso. Esta lei traz hipótese objetiva de prestação assistencial do Estado. Ação julgada improcedente."

Em um primeiro momento, entendeu-se que essa decisão minara interpretações diversas do Superior Tribunal de Justiça - STJ, tribunais regionais federais e turmas recursais de Juizados Especiais Federais de todo o país, que entendiam que a presunção legal não impedia que o julgador fizesse uso de outros fatores para definir a miserabilidade do grupo familiar, ainda quando ultrapassasse o limite objetivo.

Para se ter idéia de como fora interpretada a decisão do STF, em virtude dela, na data de 12/05/2005, a Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais – TNU cancelou sua Súmula n. 11, que tinha a seguinte redação: "A renda mensal, per capita, superior a ¼ do salário mínimo não impede a concessão do benefício assistencial previsto no art. 20, §3º, da Lei 8.742 de 1993, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante."

Entretanto, a decisão do STF na ADI 1232/DF não desconsidera o fato de a criação pela lei de critérios objetivos para concessão de benefício de prestação continuada, embora necessária, não ser absoluta, pois aí sim haveria violação ao amparo aos necessitados, previsto em nossa CR/88 entre os direitos fundamentais.

Injustiças seriam cometidas na aplicação literal da Lei 8.742/93, e na incorreta assimilação da interpretação realizada pelo Pretório Excelso no cumprimento de seu mister. Fundamental se mostra a análise do caso concreto junto a uma interpretação concretista, teleológica e sistemática, ainda que a renda familiar per capita não seja inferior a ¼ do salário mínimo.

Nesse sentido, no âmbito dos tribunais superiores, provocados pelas instâncias inferiores, novas decisões, em sede monocrática, têm sido proferidas dando interpretação, senão divergente da que fora lançada na ADI 1231/DF, adequada ao que nesta fora definido, ensejando a rediscussão da matéria também junto ao STF, mormente por meio de reclamação.

As novas decisões procuram adaptar o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 ao caso concreto, concedendo interpretação sistemática ao tema. Dessa forma, reconhece-se a constitucionalidade do critério objetivo criado pela lei, como também sua conjugação indispensável com os demais fatores de definição da miserabilidade do beneficiário e de sua família. Definem o critério objetivo como um parâmetro relativo, capaz de flexibilizar-se diante da comprovação da condição de miserabilidade por motivos concretos.

Recente manifestação do STJ nesse sentido segue abaixo:

"AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ALEGAÇÃO DE OFENSA A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. INCOMPETÊNCIA DESTA CORTE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. POSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DA MISERABILIDADE POR OUTROS MEIOS. PRECEDENTES.

1. Inviável a apreciação de ofensa ao art. 97 da Constituição, uma vez que não cabe a esta Corte, em sede de recurso especial, o exame de matéria constitucional, cuja competência é reservada ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, inciso III, da Carta Magna.

2. O preceito contido no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não é o único critério válido para comprovar a condição de miserabilidade. A renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo deve ser considerada como um limite mínimo, um quantum objetivamente considerado insuficiente à subsistência do portador de deficiência e do idoso, o que não impede que o julgador faça uso de outros fatores que tenham o condão de comprovar a condição de miserabilidade do autor. Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento." (AgRg no REsp 946253 / SP - Relatora Ministra Jane Silva (Desembargadora Convocada do TJ/MG) – 6ª Turma - DJe 03/11/2008).

Ao julgar a Reclamação – Rcl 4374 MC/PE em 01/02/2007, o Relator Min. Gilmar Mendes reconhece a gradativa modificação de entendimento pelo STF, como demonstrariam as Rcl 4.280/RS e 3.805/SP: "a análise dessas decisões me leva a crer que, paulatinamente, a interpretação da Lei nº 8.743/93 em face da Constituição vem sofrendo câmbios substanciais neste Tribunal."

Na fundamentação da decisão asseverou o Ministro:

"Os inúmeros casos concretos que são objeto do conhecimento dos juízes e tribunais por todo o país, e chegam a este Tribunal pela via da reclamação ou do recurso extraordinário, têm demonstrado que os critérios objetivos estabelecidos pela Lei 8.742/93 são insuficientes para atestar que o idoso ou o deficiente não possuem meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Constatada tal insuficiência, os juízes e tribunais nada mais têm feito do que comprovar a condição de miserabilidade do indivíduo que pleiteia o benefício por outros meios de prova. Não se declara a incostitucionalidade do art. 20,§3º, da Lei 8.742/93, mas apenas se reconhece a possibilidade de que esse parâmetro objetivo seja conjugado, no caso concreto, com outros fatores indicativos do estado de penúria do cidadão."

Em decisão também recente, Rcl. 3.805/SP, DJ 18.10.2006, a Ministra Cármen Lúcia ponderou com consistência:

"De se concluir, portanto, que o Supremo Tribunal teve por constitucional, em tese (cuidava-se de controle abstrato), a norma do art. 20 da Lei nº 8.742/93, mas não afirmou existirem outras situações concretas que impusessem atendimento constitucional e não subsunção àquela norma. (...). A constitucionalidade da norma legal, assim, não significa a inconstitucionalidade dos comportamentos judiciais que, para atender, nos casos concretos, à Constituição, garantidora do princípio da dignidade humana e do direito à saúde, e à obrigação estatal de prestar a assistência social ‘ a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social’, tenham de definir aquele pagamento diante da constatação da necessidade da pessoa portadora de deficiência ou do idoso que não possa prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família."

Sob outro argumento, algumas decisões judiciais (v.g., TRF da 4ª Região, AGA 2002.04.01.0461951/PR, DJU 09-04-2003) reconhecem a superveniência de legislações mais favoráveis para concessão de benefícios assistenciais, revelando nova interpretação do art. 203 da CR/88, tais como a que criou a bolsa família, Lei 10.836/04; a que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação, Lei 10.689/03; que criou a Bolsa Escola, Lei 10.219/01; lei que autoriza a concessão pelo Executivo de apoio financeiro ao Município para instituição de ações sócio-educativas; que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, Lei 10.741/03. As Leis 9.533/97 e 10.689/2003, que tratam do Programa de Garantia de Renda Mínima e do Programa Nacional de Acesso à Alimentação (PNAA), respectivamente, estabeleceram como parâmetro objetivo para a concessão dos benefícios a que se referem, renda familiar per capita seja inferior a ½ (meio) salário mínimo, ou seja, este seria o novo patamar para se tratar como carentes as famílias, como esclarece SÉRGIO MORO (2003) [08].

Entendimento contrário levaria à incongruência de considerar determinadas famílias ou pessoas miseráveis em certos casos e não em outros. No mínimo seria desarrazoado que um mesmo Estado considerasse critérios diferenciados para diferentes programas assistenciais, pois o ordenamento jurídico não deve permitir contradições. Tal raciocínio leva-nos a concordar, senão com a revogação do art. 20, §3º, da Lei 8.742/93, pelo advento de legislações posteriores definidoras do que seriam famílias carentes, ao menos a admitir sua relativização.

Pela relevância do tema, o STF em decisão de 08/02/2008, acatou a repercussão geral da questão no Recurso Extraordinário n. 567.985-3, de relatoria do Min. Marco Aurélio. Reconheceu-se a importância do tema sob o ângulo jurídico, político e social. Todos os recursos sobre a matéria ficaram suspensos até o julgamento definitivo da Corte, com base no art. 543-B, do CPC.

Outro ponto importante para o cálculo do benefício cinge-se à legitimidade da exclusão, no cálculo da renda, de outros benefícios e rendimentos recebidos pelos parentes que compõem a família e que vivam sobre o mesmo teto.

É preciso, portanto, examinar o conceito de família fornecido pela Lei 8.742/93: "Art. 20 – (...).§1º - Para os efeitos do disposto no ‘caput’, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei 8.213/91, desde que vivam sob o mesmo teto". A Lei 8.213/91 determina: "Art. 16 – São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido; II – os pais; III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido".

Somente essas pessoas serão consideradas como componentes familiares e terão suas rendas inseridas no cálculo do benefício. Portanto, excluí-se do conceito de família o irmão maior de 21 anos não inválido e menor de 21 anos emancipado. Deve-se observar ainda, no caso concreto, as disposições da Constituição e do Código Civil sobre a família, sua extensão e modernas configurações.

Quanto à cumulação de benefícios, o §4º, do art. 20, da 8.742/93, dispõe que o benefício de prestação continuada não pode ser acumulado com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, com exceção da assistência médica. Assegura o direito de escolha do benefício mais vantajoso para o deficiente ou idoso, com ressalva da pensão especial prevista na Lei 9.422/96 (devida aos dependentes de vítimas da hemodiálise de Caruru/PE).

Os tribunais também vêm considerando lícita a exclusão do igual benefício de prestação continuada recebido por componente familiar, o que foi consolidado pela previsão em lei, qual seja a Lei 10.741/93, art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, que revogou a o §4º, do art. 20 da Lei 8.742/93.

Assim decidiu o STF na decisão que se segue:

EMENTA: "RECURSO. Extraordinário. Benefício de prestação continuada. Art. 203, V, da CF/88. Critério objetivo para concessão de benefício. Art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 c.c. art. 34, § único, da Lei nº 10.741/2003. Violação ao entendimento adotado no julgamento da ADI nº 1.232/DF. Inexistência. Recurso extraordinário não provido. Não contraria o entendimento adotado pela Corte no julgamento da ADI nº 1.232/DF, a dedução da renda proveniente de benefício assistencial recebido por outro membro da entidade familiar (art. 34, § único, do Estatuto do Idoso), para fins de aferição do critério objetivo previsto no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 (renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo). (RE 561936/PR – Relator Min. Cezar Peluso – 2ª Turma DJe-083 de 09-05-2008)."

A Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, provocada em incidente de uniformização (200683005103371, 200570950048471 e 200583200096872), irá decidir sobre a possibilidade exclusão do cálculo da renda familiar também de benefícios previdenciários, como aposentadoria e pensão, em razão de decisões nesse sentido.

Para alcance da Assistência Social, melhor a desconsideração dos benefícios assistenciais e previdenciários daqueles que compõem a renda familiar.

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Sobre a autora
Viviane Santos Rezende

Procuradora da Fazenda Nacional. Pós Graduada em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REZENDE, Viviane Santos. Benefício assistencial de prestação continuada.: Apontamentos sobre o cálculo da renda do beneficiário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2574, 19 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16994. Acesso em: 22 dez. 2024.

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