1. O SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: REPARTIÇÃO.
O sistema previdenciário brasileiro não adotou o sistema da capitalização, mas sim o sistema da repartição, baseado no financiamento da Seguridade Social por toda a sociedade.
Mas o que vem a ser esse sistema de repartição e qual sua repercussão para o segurado?
Pois bem, este sistema adotado pelo Brasil, como ensinam CARLOS ALBERTO PEREIRA DE CASTRO e JOÃO BATISTA LAZZARI,"as contribuições sociais vertem para um fundo único, do qual saem os recursos para a concessão de benefícios a qualquer beneficiário que atenda aos requisitos previstos na norma previdenciária" (Manual de Direito Previdenciário. 5ª edição conforme as Emendas Constitucionais ns. 41 e 42 e a legislação em vigor até 14.3.2004. São Paulo: LTr, 2004, p. 47).
Este sistema de repartição contrapõe-se ao sistema da capitalização onde "são colocadas em reserva as cotizações dos segurados, durante um período que se pretende mais ou menos longo, para que o capital se acumule. Dito capital, posto a juros, deverá permitir, no futuro, o pagamento das prestações que ao segurado sejam devidas" (J. R. Feijó Coimbra. Direito Previdenciário Brasileiro. 7ª edição adaptada à Constituição de 1988 e às Leis nºs 8.212 e 8.213/91. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1997, p. 233).
De tal forma, baseando-se o sistema previdenciário brasileiro na repartição, e não na capitalização, os benefícios previstos em lei, em regra, somente podem ser concedidos se precedidos de fonte de custeio originada dos segurados.
2. A LEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA DE INDENIZAÇÃO À AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA DO TEMPO DE SERVIÇO DO CONTRIBUINTE INDIVIDUAL.
No caso posto em estudo, a opção brasileira pelo sistema de repartição implica na necessidade de os contribuintes individuais, que em época passada exerceram atividade remunerada e não efetuaram tempestivamente os recolhimentos à Seguridade Social, mas, ainda assim, pretendem ter computado esse tempo de serviço, para efeito de concessão de benefícios previdenciários, indenizem a autarquia previdenciária.
A exigência de indenização à autarquia previdenciária atualmente está prevista no caput do art. 45-A e parágrafos, da Lei 8.212/91, acrescido pelo art. 8º, da LC nº 128, de 19.12.2008, que também estabelece a sua forma de cálculo. Transcreve-se para maior compreensão:
"Art. 45-A. O contribuinte individual que pretenda contar como tempo de contribuição, para fins de obtenção de benefício no Regime Geral de Previdência Social ou de contagem recíproca do tempo de contribuição, período de atividade remunerada alcançada pela decadência deverá indenizar o INSS.
§1º O valor da indenização a que se refere o caputdeste artigo e o § 1º do art. 55 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, corresponderá a 20% (vinte por cento):
I - da média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, reajustados, correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994; ou
II - da remuneração sobre a qual incidem as contribuições para o regime próprio de previdência social a que estiver filiado o interessado, no caso de indenização para fins da contagem recíproca de que tratam os arts. 94 a 99 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, observados o limite máximo previsto no art. 28 e o disposto em regulamento.
§2º Sobre os valores apurados na forma do § 1º deste artigo incidirão juros moratórios de 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, capitalizados anualmente, limitados ao percentual máximo de 50% (cinqüenta por cento), e multa de 10% (dez por cento).
§3º O disposto no § 1º deste artigo não se aplica aos casos de contribuições em atraso não alcançadas pela decadência do direito de a Previdência constituir o respectivo crédito, obedecendo- se, em relação a elas, as disposições aplicadas às empresas em geral."
A primeira premissa que se retira da leitura do texto legal em referência é a de que, sendo possível requerer-se o cômputo de tempo de atividade vinculada à Previdência, na qualidade de contribuinte individual, à autarquia previdenciária cabe o poder-dever de exigir as contribuições respectivas.
É preciso ressaltar que a indenização devida nada tem a ver com o crédito tributário da autarquia previdenciária, o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, impedindo a atração das regras de prescrição e decadência em favor dos inadimplentes que pretendem o reconhecimento de tempo de serviço para efeito de obtenção de benefícios previdenciários. A autarquia previdenciária não está obrigada a conceder benefícios àqueles que, para tanto, não contribuíram, pois se tratam de contraprestações.
Estas contribuições, constituindo-se em indenização, não têm natureza tributária e, portanto, não se sujeitam à decadência ou prescrição de tal natureza (tributária), em nada aproveitando aos segurados, neste particular, o enunciado nº 8, da Súmula Vinculante do STF ("São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-lei 1.569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário.").
A segunda premissa, que decorre do texto do art. 45-A, da Lei 8.212/91, é a de que não é possível o recolhimento das contribuições pelo interessado, contribuinte individual, com base em valores e consectários da época em que deixaram de ser pagos. A razão é simples, como pode ser extraído da seguinte ementa do TRF da 4ª Região (AC 2006.71.99.000742-5, Rel. Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, Turma Suplementar, D.E. 14.05.2007):
"Como as contribuições a serem pagas dizem respeito ao exercício de atividade como autônomo, o qual não tem renda fixa, defensável a fixação da indenização com base no valor da média aritmética simples das 36 últimas contribuições (ou da remuneração recebida como servidor público, quando for o caso, limitada ao teto). É que desconhecida a renda mensal e, mais do que isso, sendo a fixação do salário-de-contribuição, mesmo no caso de recolhimentos oportunos, dependente de ato do próprio segurado (respeitados os limites mínimos e máximos), razoável que a lei estabeleça critérios para definir o valor das contribuições devidas, até para que o recolhimento tenha regras objetivas, não ficando ao simples alvedrio do devedor.
Não há que se falar em pagamento de contribuições pela legislação da época, resolvendo-se a questão pelo pagamento de indenização, oportunizada pelo legislador tão-somente para efeito de averbação de tempo de serviço. Cuida-se, portanto, de hipótese de benesse legal que autoriza o cômputo de tempo de serviço mediante recolhimento extemporâneo das contribuições devidas.
Assim, tendo sido oportunizada pela legislação previdenciária a contagem de tempo de serviço laborado em atividade abrangida pelo Regime Geral da Previdência Social mediante indenização das contribuições não recolhidas, e ficando ao interesse do segurado tal medida, essa deverá ser efetivada. Mais do que isso, deve ser efetivada nos moldes da legislação vigente no momento em que o segurado manifesta interesse em regularizar a situação. Isso porque tais créditos constituem hoje verdadeira indenização, que possibilita o equilíbrio atuarial necessário à saudável manutenção do sistema previdenciário, ou seja, o que está em jogo é a convalidação, para fins de recebimento de benefícios, de lapso laborativo que, por culpa exclusiva da parte impetrante, sucedeu sem que os seus deveres previdenciários fossem observados.
Definido o caráter indenizatório dos valores que são exigidos, a conclusão lógica é de que a legislação aplicável deva ser a da data do requerimento administrativo.
Dessa maneira, não é possível o aproveitamento do período pretendido sem que a indenização correspondente, calculada em consonância com o art. 45 da Lei 8.212/91, seja recolhida."
Em síntese, ainda que possível o cômputo de tempo de atividade vinculada à Previdência, na qualidade de contribuinte individual, cabe ao interessado a indenização à autarquia previdenciária, pois o sistema previdenciário brasileiro adotado é o da repartição. Além disso, o pagamento da indenização devida deverá ser realizado, frise-se, com base na legislação vigente à data do requerimento administrativo, pois este é o momento em que o segurado manifesta interesse em regularizar a situação junto à Previdência.
O equilíbrio de todo o sistema e a manutenção de sua capacidade de atender aos segurados nas condições para as quais criados os benefícios, atingindo o próprio motivo de sua existência, depende do respeito pelos mesmos de seus deveres para com a Previdência, entre eles o de contribuir a tempo e modo previstos na legislação de regência. Em hipóteses como a discutida, em que tal dever não é cumprido tempestivamente pelos segurados, resta impossível o aproveitamento de tempo de serviço sem a devida e justa indenização à Previdência, sob pena de violação do sistema e sua fragilização.
3. BIBLIOGRAFIA.
BONAVIDES. Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22ª Ed. Atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 5ª edição conforme as Emendas Constitucionais ns. 41 e 42 e a legislação em vigor até 14.3.2004. São Paulo: LTr, 2004.
COIMBRA, J. R. Feijó Coimbra. Direito Previdenciário Brasileiro. 7ª edição adaptada à Constituição de 1988 e às Leis nºs 8.212 e 8.213/91. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1997.
SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31ª Ed. Revista e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.