Sumário: I- Considerações iniciais; II- As hidroguerras; III- Amazônia: Oriente Médio do século XXI; IV- Considerações finais: Um novo nome para a paz: Democracia Ambiental.
Resumo: O artigo se desenvolve sobre a questão da escassez de água potável no planeta e suas consequências conflitivas em um passado e futuro muito próximo. Propõe a partir do conceito de democracia ambiental, uma forma de alcançar a paz mediante eficaz participação e informação que seja capaz de concientizar os povos das necessidades de preservar recursos naturais básicos como a água, proporcionando um hábito cultural e solidário na sociedade internacional.
I- Considerações Iniciais
Em 3.200 anos de história, somente conhecemos 300 de paz. Vivenciamos praticamente 15.000 guerras que nos deixaram um legado de mais de 3 bilhões de mortos. O século XX foi o mais mortífero devido principalmente ao aprimoramento das tecnologias de guerra e as sempre presentes questões religiosas. No entanto, muito sangue jorrou por conflitos ambientais. A escasez de água potável, sua distribuição, acesso e gestão foram, são e serão, motivos de grandes dispustas internas e internacionais.
O modelo atual de desenvolvimento, sustentado por um pensamento único e baseado na exploração desenfreada de recursos naturais como forma de alicerçar a nova economia - crescimento rápido suportado por um constante aumento de produtividade e aplicação de novas tecnologias - não dá chances a renovação destes recursos, já que sua exploração é imensamente maior.
A água potável, componente básico da biosfera, se encontra em um movimento de diminuição tão acelerado que a previsão para 2050 é de 2.500 bilhões de pessoas sem acesso ao precioso líquido vital. Hoje, este número é de 1 bilhão. Segundo a FAO e o Banco Mundial, em 1990, 20 países - 9 no Oriente Médio e 11 na África - sofriam pela falta de água. Em 1996 já eram 26 e em 2020 serão 41. Apenas 2.5% da água existente em nosso planeta é doce e possivelmente já não contamos mais com este percentual.
A escassez dá-se principalmente pela sobre-exploração. Neste século, se multiplicou por seis a quantidade extraída. A explosão demográfica, a contaminação por errônea utilização, o desperdício e o câmbio climático influenciam diretamente na diminuição dos recursos hídricos.
O fracasso da VI Conferência das Partes da Convenção sobre Câmbio Climático, causado principalmente pelo desacordo entre os EUA e a União Européia que atuaram como em um jogo ou em uma nova modalidade de "guerra-fria político-ideológica", pelo menos serviu para alertar a comunidade internacional dos impactos deste câmbio, principalmente em relação a disponibilidade de água: em 20 anos, no sul da Europa a escassez de água se agravará um 25% em razão a perturbação dos ciclos hidrológicos que poderá ocasionar períodos de fortes chuvas em algumas regiões assim como de secas em outras; Afeganistão, Etiópia, Serra Leoa e Tanzânia, os quatro países que menos contaminam, sofrerão efeitos devastadores em suas agriculturas ao acentuar-se as secas. Entretanto, os protagonistas da VI Conferência não ousaram discutir problemas transcendentais a possíveis soluções e efeitos de ordem climática, como os conflitos violentos e a consequente inseguridade internacional que poderão surgir em virtude deste câmbio.
II- As Hidroguerras
O sistema natural água tem sido origem de violentos conflitos no decorrer de nossa história beligerante. As tendências indicam que estamos nos acercando de uma complexa "crise da água" em todo o planeta. A escassez em um futuro próximo será a principal limitação para a produção agrícola e para o próprio desenvolvimento das espécies.
Tensões podem originar-se pelo controle do acesso ao recurso, onde a água é a raiz do conflito, bem como um meio de disputar desenvolvimento. Também pode ser usada como uma ferramenta militar onde a água, ou sistemas de água, são utilizados como armas durante a ação militar ou como instrumento político e, ainda mais, ser uma forma de terrorismo onde é o objeto da violência ou coerção. Desde 1500 em mais de 60 conflitos a água foi fator determinante, como instrumento ou como causa.
Na II Guerra Mundial (1940-1945) e na Guerra de Kosovo (1999) a água foi utilizada como uma ferramenta militar. Naquela, várias represas hidroelétricas foram bombardeadas em objetivos estratégicos. En Kosovo, muitos poços de água foram contaminados pelos sérvios assim como o estratégico fechamento de sistemas de água em Pristina.
Em 1970, Brasil, Paraguai e Argentina protagonizam um conflito não violento por disputas políticas e de desenvolvimento, visto que Brasil e Paraguai anunciaram planos de construção da hidroelétrica de Itaipu, causando preocupação ao governo Argentino tanto no que concerne aos impactos ambientais no rio de curso internacional, bem como a seu próprio projeto. Argentina pede para ser consultada durante o projeto de Itaipu, o que é negado pelo Brasil. Um acordo firmado em 1979 põe fim a este conflito prevendo a construção de ambas hidroelétricas.
O desenvolvimento da região "bíblica" compreendida entre os rios Eufrates e Tigre, gera entre Turquía, Síria e Iraque, no início dos anos 90, tensões não violentas porém ameaçadoras. Turquia que controla as principais fontes destes rios interrompe o fluxo do Eufrates pelo período de um mês para terminar uma represa. Síria e Iraque protestam acusando o governo turco de possuir àquelas águas como uma arma de guerra, já que suspende os cursos fluviais, os desvia ou simplesmente aumenta seu aproveitamento.
Este recurso também é motivo de discussões verbais entre México e Estados Unidos, que usa a água do rio Colorado para abastecer a metrópole de Los Angeles, diminuindo seu volume.
III- Amazônia: Oriente Médio do século XXI
O precioso líquido deixa de ser petróleo para ser água.
A Floresta Amazônica, presente em 6 países (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru, e Venezuela), representa 20% da disponibilidade mundial de água doce; a maior floresta tropical do mundo; o maior patrimônio genético da Terra; fonte de recursos naturais estratégicos como água e sol; 50% de um universo ainda desconhecido e a energia do século XXI: o combustível vegetal, a biomassa.
Por estas e outras tantas razões, as nações hegemônicas - principalmente os EUA -, situadas no hemisfério norte do planeta - região de clima temperado e frio - intentam de todas as formas "apropiar-se" da região amazônica. Propostas como a internacionalização da região Amazônica e a de trocar as dívidas externas dos países do Sul por florestas topicais-úmidas são notícias frequentes de intento manipulador. Na realidade os países "ricos" são devedores de uma incomensurável dívida ecológica que seu esplendoroso desenvolvimento baseado no saque e dominação de recursos naturais e mão-de-obra "terceiromundistas", causou à biosfera e à humanidade. A útima estratégia estadounidense é o Plano Colômbia. Sob objetivos de eliminar o narcotráfico que financia a guerrilha e propondo um desenvolvimento social sem a cultura da droga, estes movimentos militares maculam os verdadeiros interesses na região. A Colômbia é um dos países mais ricos em biodiversidade e recursos naturais depois do Brasil, país fronteiriço. Detém importantes mananciais de água potável e petróleo. Os Estados Unidos é o maior consumidor de água e petróleo do planeta. A guerrilha sería o único impedimento armado e independente da subserviência latinomericana, capaz de sufocar a invasão.
Vivemos a era "ecocolonialista", a floresta e seus preciosos recursos já são o foco de atenções e objeto de desejo guloso de glutões. Como já foi advertido, os mais graves conflitos internacionais podem mudar de cenário, do deserto para a floresta. Com uma breve reflexão percebe-se que já mudou, a guerra acaba de começar, ainda que tímida, ou seja, camufladamente.
IV-Considerações finais. Um novo nome para a Paz: Democracia Ambiental
A água é o principal recurso natural. Dela dependem todos os processos biológicos. Inclusive o DNA, molécula da vida, está constituído por água. Não somente a quantidade e acesso são problemas. A qualidade também produz uma grande inseguridade mundial: a cada ano mais de 5 milhões de pessoas morrem por doenças relacionadas com a água. Os serviços de saneamento básico são precários e excluem 2 bilhões de seres humanos. À estas pessoas se está negando justiça ambiental - fração justa, equitativa dos recursos naturais, direito humano básico a viver em um meio ambiente sano.
É um patrimônio comum da humanidade, um "fideicomisso planetário" (expressão utilizada na Declaração de Amsterdam - 1991). O Código de Alfonso X, "As Sete Partidas", compilação legislativa realizada entre 1256 e 1265, considerava a água como um bem comum, res communis, não suscetível de apropriação privada. Este conceito no Direito Romano significava que o ar, as águas correntes, o mar e suas praias eram comuns a todos. Hodiernamente a Declaração de Estocolmo de 1972 en seu 5º Princípio considera as águas como "patrimônio comum da humanidade". Entretanto o regime suicida de mercado no qual estamos mergulhados, a trata como um recurso privado e apenas respinga ou goteja o líquido aos menos abundados - leia-se descriminados. Nascem conflitos, insegurança, apropriação indevida, etc.
Floresce um novo conceito para tentarmos chegar à paz: a democracia ambiental. Esta democracia está baseada em um direito humano - a todos os extratos societários - ao meio ambiente que se exercido de maneira democrática poderia conlevar-nos ao pacifismo. A partir dos direitos humanos a saber e a participar nos assuntos de interesse público, se podería instigar um consciente coletivo ambiental capaz de dirimir tensões ocasionadas por disputas ambientais.
A partir de uma eficaz participação se garante o "dever ser" perante uma norma, que arraiga-se à vida cotidiana e torna-se um hábito cultural e solidário na sociedade; conhecendo-se os problemas, os quais ameaçam a vida, se propiciam juízos valorativos de responsabilidade, sustentabilidade, ética ecológica. Nesta consciência, o fato de dar a conhecer e a atuar na gestão, que principalmente compreende a uma repartição adequada dos recursos ambientais para sobrevivência de todos, se transporia aos limites imperativos e gananciosos de algumas nações. Uma quimera? Decerto é que ainda não conhecemos, ou não respiramos democracia. A democracia ambiental é um dos alicerces que necessitamos para assegurar sustentabilidade e adequada segurança meio ambiental nos mais amplos sentidos, bem como pensar globalmente e agir local e urgentemente.
A água é uma questão ambiental que deve ocupar o primeiro lugar tanto em programas de governos, como de instituições internacionais e principalmente na conciência dos usuários. Em 2050 se estima que a maior parte do planeta sofrerá por razões de água. A avaliação dos recursos hídricos, a definição dos abastecimentos disponíveis, as projeções de uso no futuro e a apresentação de opções de desenvolvimento e seus possíveis efeitos, são a base para a gestão sustentável dos recursos mundiais de água no futuro.Com estas medidas talvez se possa prevenir conflitos e a consequente inseguridade internacional, que se intensificarão em um futuro muito próximo.
Bibliografia
- Borrero Navia, José M. "Los Derechos Ambientales: una visión desde el Sur". Publicação da FIPA (Fundación, para la Investigación y Protección del Meio Ambiente) e CELA ( Centro de Asistencia Legal Ambiental). Colombia.1994.
- "Democràcia Ambiental: Tecnologia i Cultura". Revista do Departament de Medi Ambient - Generalitat de Catalunya. Junio de 2000
- Martínez, Joan Alier (cord) "Ecología Política: cuaderno de debate internacional". Icaria editorial - Barcelona, Fuhem/CIP - Madrid. Barcelona. 2000
- Páginas web: