O presente artigo examina a viabilidade de concessão de aposentadoria e pensão para ex-Prefeitos e ex-Vereadores no atual ordenamento jurídico, a exemplo do ocorrido na vigência da Constituição Federal anterior.
A matéria em tela tem gerado controvérsia por parte da doutrina e da jurisprudência, sobretudo em decorrência da normatização vigente no ordenamento constitucional anterior, o que gerou a prolação de decisões díspares a respeito.
Na vigência da Constituição anterior, de 1967, a Emenda Constitucional nº 1/69, acrescentou o art. 184, que dispunha que "cessada a investidura no cargo de Presidente da República, quem o tiver exercido, em caráter permanente, fará jus, a título de representação, desde que não tenha sofrido suspensão dos direitos políticos, a um subsídio mensal e vitalício igual ao vencimento do cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal."
Com base no aludido dispositivo, Estados e Municípios concederam a seus governantes benefício semelhante, posteriormente chamado "pensão de graça", em razão de que seu pagamento independia de qualquer contribuição ao Erário, como ocorre com os trabalhadores vinculados ao Regime Geral da Previdência Social ou aos servidores públicos vinculados ao regime próprio.
Nesse período, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se ora pela constitucionalidade, ora pela inconstitucionalidade das concessões, mas não firmou um entendimento pacífico.
Aludida norma, todavia, não foi repetida pela Constituição Federal de 1988, o que fez com que o Supremo Tribunal Federal começasse a proferir maior número de julgamentos pela inconstitucionalidade da concessão das referidas ‘pensões de graça’, seja para ex-prefeitos, seja para ex-governadores.
Em especial, ao julgar dispositivo da Constituição do Estado do Amapá que concedia pensão a ex-governadores, a Suprema Corte considerou tal dispositivo inconstitucional, em sede de medida cautelar, conforme o Acórdão a seguir transcrito:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA LIMINAR. EX-GOVERNADOR DE ESTADO. SUBSÍDIO MENSAL E VITALÍCIO A TÍTULO DE REPRESENTAÇÃO. EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 003, DE 30 DE NOVEMBRO DE 1995, DO ESTADO DO AMAPÁ. 1. Normas estaduais que instituíram subsídio mensal e vitalício a título de representação para Governador de Estado e Prefeito Municipal, após cessada a investidura no respectivo cargo, apenas foram acolhidas pelo Judiciário quando vigente a norma-padrão no âmbito federal. 2. Não é, contudo, o que se verifica no momento, em face de inexistir parâmetro federal correspondente, suscetível de ser reproduzido em Constituição de Estado-Membro. 3. O Constituinte de 88 não alçou esse tema a nível constitucional. 4. Medida liminar deferida. (ADI-MC 1461/AP, Relator Min. MAURÍCIO CORRÊA, julgamento em 26/06/1996)
O eminente Relator da ação, o então Ministro Maurício Correa, destacou, acerca de inconstitucionalidade implícita no caso em exame, que "é certo que a Constituição Federal de 1988 não explicita a vedação da concessão de subsídio a ex-mandatários de qualquer nível da Federação. Tenho como implícita, pelo propósito subjacente, a vedação ao poder constitucional derivado, em face do silêncio da Lei Maior, o que implica ausência de comando federal suscetível de ser reproduzido pelas normas constitucionais estaduais. Falta, pois, o poder constituinte originário."
Ainda recentemente, ao iniciar julgamento de ação direta de inconstitucionalidade impetrada contra dispositivo da Constituição do Estado do Mato Grosso do Sul que concedia pensão aos ex-governadores do Estado (ADI 3853/MS), a Relatora, Ministra Cármen Lúcia, enfatizou a inconstitucionalidade da norma estadual, considerando a mesma como uma afronta aos princípios da moralidade e da impessoalidade, os quais devem ser obedecidos pelos demais entes federativos, por força do disposto no art. 25, §1º, da Carta Magna, que dá autonomia aos Estados para legislar sempre que não haja vedação da Carta Magna.
Ainda segundo a eminente Ministra, tais concessões representariam indevido privilégio aos seus beneficiários, incompatível com o ordenamento constitucional atual:
A graça concedida pela norma do art. 29-A e seus parágrafos, do Ato das Disposições Constitucionais Gerais e Transitórias da Constituição sul-matogrossense com a norma da Emenda n. 35/2006, afronta, manifestamente, o princípio da impessoalidade, porque dota um cidadão, que foi e tenha deixado de ser agente público, pelo exaurimento do mandato de Governador do Estado, de condição excepcional, privilegiada, que não se compadece com aquela imposição constitucional. (ADI 3853/MS, Relatora Min. CARMEN LÚCIA, julgamento em 12/09/2007)
Nesse sentido, entendemos que é inconstitucional o estabelecimento de pensão ou aposentadoria de graça a ex-Chefes do Poder Executivo de qualquer das esferas administrativas, entre os quais se incluem os ex-Prefeitos, a exemplo do decidido pelo Supremo Tribunal Federal em relação aos ex-Governadores, pois tais concessões representariam indevido privilégio.
A mesma restrição será aplicável aos ex-Vereadores, os quais não podem ser beneficiários da instituição de pensão de mesma natureza, por tratarem-se, igualmente, de agentes políticos.
Cabe ressaltar, contudo, que após a Emenda Constitucional nº 20/98, a questão relativa à aposentadoria de agentes políticos ganhou novos contornos, pois os Prefeitos e Vereadores, enquanto exercendo os respectivos mandatos eletivos, estão vinculados ao Regime Geral da Previdência Social, por força do disposto no art. 40, §13, da Constituição Federal, que assim dispõe:
"Art. 40 ...
§ 13. Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social."
O entendimento predominante tem sido, a partir daquela Emenda, de que entre os cargos de natureza temporária previstos na citada norma constitucional, estão os de natureza política providos por mandato e mediante eleição de seus ocupantes. A natureza temporária decorre do próprio princípio democrático que exige, periodicamente, a realização de eleições e a renovação dos mandatos.
Os ex-agentes políticos, como ex-Prefeitos e ex-Vereadores, estariam, assim, submetidos às regras dos trabalhadores em geral para adquirir a sua aposentadoria, não podendo ser enquadrados, sequer, no regime próprio dos servidores públicos municipais, onde o mesmo estiver implementado. A aposentadoria dos mesmos depende, assim, de contribuição ao aludido Regime Geral da Previdência Social e da obediência ao disposto na Constituição Federal, em seu art. 201.
Este o entendimento corroborado na já mencionada ADI 3853/MS, ementada nos seguintes termos:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 35, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2006, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. ACRÉSCIMO DO ART. 29-A, CAPUT e §§ 1º, 2º E 3º, DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS GERAIS E TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO SUL-MATO-GROSSENSE. INSTITUIÇÃO DE SUBSÍDIO MENSAL E VITALÍCIO AOS EX-GOVERNADORES DAQUELE ESTADO, DE NATUREZA IDÊNTICA AO PERCEBIDO PELO ATUAL CHEFE DO PODER EXECUTIVO ESTADUAL. GARANTIA DE PENSÃO AO CÔNJUGE SUPÉRSTITE, NA METADE DO VALOR PERCEBIDO EM VIDA PELO TITULAR. 1. Segundo a nova redação acrescentada ao Ato das Disposições Constitucionais Gerais e Transitórias da Constituição de Mato Grosso do Sul, introduzida pela Emenda Constitucional n. 35/2006, os ex-Governadores sul-mato-grossenses que exerceram mandato integral, em 'caráter permanente', receberiam subsídio mensal e vitalício, igual ao percebido pelo Governador do Estado. Previsão de que esse benefício seria transferido ao cônjuge supérstite, reduzido à metade do valor devido ao titular. 2. No vigente ordenamento republicano e democrático brasileiro, os cargos políticos de chefia do Poder Executivo não são exercidos nem ocupados 'em caráter permanente', por serem os mandatos temporários e seus ocupantes, transitórios. 3. Conquanto a norma faça menção ao termo 'benefício', não se tem configurado esse instituto de direito administrativo e previdenciário, que requer atual e presente desempenho de cargo público. 4. Afronta o equilíbrio federativo e os princípios da igualdade, da impessoalidade, da moralidade pública e da responsabilidade dos gastos públicos (arts. 1º, 5º, caput, 25, § 1º, 37, caput e inc. XIII, 169, § 1º, inc. I e II, e 195, § 5º, da Constituição da República). 5. Precedentes. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada proceden te para declarar a inconstitucionalidade do art. 29-A e seus parágrafos do Ato das Disposições Constitucionais Gerais e Transitórias da Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul.
É possível, porém, a instituição de previdência complementar que garanta a aposentadoria integral de ex-Vereadores, nos termos do disposto no art. 202 da Carta Magna. Nesse caso, todavia, a concessão da aposentadoria ficará condicionada à contribuição do edil na forma da lei que instituir a previdência complementar no âmbito do Poder Legislativo do Município, pelo tempo necessário à obtenção de tal benefício.