Artigo Destaque dos editores

A fronteira entre os conceitos de "bem de pequeno valor" e de "bem de valor insignificante", para aplicação do princípio da bagatela no crime de furto

Exibindo página 2 de 2
29/07/2010 às 07:52
Leia nesta página:

CONCLUSÃO

De todo o exposto, é de se concluir que, para fins de configuração do crime de furto, há três categorias de bens: a primeira é a daqueles de valor superior a um salário mínimo. Em tal caso, o artigo 155 do Código Penal não prevê qualquer possibilidade de privilégio. A segunda abrange a coisa de pequeno valor (até um salário mínimo), porém dotada de alguma relevância. Nessa hipótese, caso o agente seja primário, recairá a causa de diminuição de pena prevista no §2º. Ambas as situações constituem fatos típicos. A terceira e última categoria é a dos bens alcançados pelo princípio da insignificância, que, como tais, estão excluídos da proteção do direito penal, de modo que sua subtração sequer é abrangida pelo tipo.

Desse modo, reconhecer o pequeno valor de um bem furtado significa dizer que a atuação do direito penal, com todas as suas pesadas armas sancionatórias, é necessária. De outra parte, no furto de coisa insignificante, o fato fica reservado para a área cível. São situações antagônicas: de um lado, a privação da liberdade e do outro a indiferença estatal.

O grande dilema é que não há como se definir um critério puramente objetivo, baseado no valor da coisa, para distinguir as categorias. A correta definição só pode ser obtida no caso concreto, a partir da identificação de outros vetores ínsitos à conduta bagatelar.

Diante de tais circunstâncias, reconhecer a existência do princípio da insignificância e, mais do que isso, saber aplica-lo é pressuposto básico da atividade jurisdicional. Uma vez que não se está diante de mero critério lógico formal, mas sim de um autêntico instrumento de interpretação, é necessário que o aplicador da lei não só esteja a par das concepções emanadas pela doutrina e pela jurisprudência, mas tenha também a inteligência e a sensibilidade necessárias para o seu manejo. Assim, independentemente da forma como nomeará os critérios que adotará (desvalor da conduta e do resultado; mínima ofensividade, reprovabilidade e periculosidade social da ação; inexpressividade da lesão jurídica, ou ainda qualquer outro), o juiz estará apto a proferir decisões coerentes não só com a letra da lei mas principalmente com os princípios que regem o direito.

Desse modo, é mister que as bases do estudo ora empreendido sejam motivo de constante reflexão entre os julgadores, como forma de se conciliar a segurança jurídica com os princípios regentes do direito penal e assim tutelar de forma justa os valores da liberdade e da dignidade da pessoa humana.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal - parte geral. Vol 1. 14.ed., Saraiva: SP, 2009.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – parte especial. Vol. 2. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

BRASIL, Código Penal – Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de setembro de 1940. Disponível em https://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em 20 mar. 2010.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Penal e processual penal. Recurso Especial. Furto. Princípio da insignificância. Prescrição da pretensão punitiva in concreto. Recurso Especial nº 826.547 - PR (2006/0048225-5). Partes: Recorrente: Ministério Público do Estado do Paraná. Recorridos: Ismael Alves Correia e Vilmar Ribeiro de Freitas. Relator: Ministro Felix Fischer. Acórdão de 03/10/2006. Disponível em: <https://www.stj.jus.br>. acesso em 12 mar. 2010.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. Subtração do dinheiro de vítima idosa, cometido com uso de contato físico. Condenação pelo crime de furto tentado. Princípio da Insignificância. Aplicação. Impossibilidade. Conduta relevante. Repercussão social. Recurso Especial Nº 835.553 - RS (2006/0079957-5). Partes: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (Recorrente). Valério Claro (Recorrido). Relatora: Min. Laurita Vaz. Acórdão de 20/03/2007. Disponível em: <https://www.stj.jus.br>. Acesso em 12 mar. 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Princípio da Insignificância - Identificação dos vetores cuja presença legitima o reconhecimento desse postulado de política criminal - conseqüente descaracterização da tipicidade Penal em aeu aspecto Material. Habeas-corpus n°. 84.412. / SP - SÃO PAULO. Partes: Pacte.: Bill Cleiton Cristovão. Impte.: Luiz Manoel Gomes Junior. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Celso de Mello. Acórdão de 19/10/2004. Disponível em: <https://www.stf.jus.br>. Acesso em 12 mar. 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus. Penal. Furto. Tentativa. Princípio da Insignificância. Aplicabilidade. Oculta compensatio. Habeas-corpus n°. HC 94770 / RS - Rio Grande do Sul. Partes: Pacte.: Airton José Dias de Campos. Impte.: Defensoria Pública da União. Coator: Relator do Recurso Especial nº 957784 do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Joaquim Barbosa. Relator p/ Acórdão: Min. Eros Grau. Acórdão de: 23/09/2008. Disponível em: <https://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 mar. 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Habeas Corpus. Penal. Ato impugnado diverso do que deu origem ao HC. Fundamentação dissociada das razões da impetração. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Ag. Reg. no Habeas Corpus nº 93388 Agr / Rs. Partes: Agte.(S): Cristiano Gadret Quadros. Adv.(A/S): Defensoria Pública da União. Agdo.(A/S): Superior Tribunal de Justiça. Relator(a): Min. Eros Grau. Acórdão de: 09/09/2008ª. Disponível em: <https://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 mar. 2010.

BRUTTI, Roger Spode. O princípio da insignificância e sua aplicabilidade pela polícia judiciária. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 33, 30/09/2006. Disponível em <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura& artigo_id=1318>. Acesso em 13 abr. 2010.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte especial. Vol. 2. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

França, Júnia Lessa. Manual para normalização de publicações técnico-científicas. 4.ed. – ver e aum. – Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.

GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal, volume 1: introdução e princípios fundamentais. 1.ed. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2007.

GOMES, Luiz Flávio. (Decisões Comentadas) STJ:Princípio da insignificância não é aplicado em casos de pequeno valor. [s.d.] Disponível em: <https://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080401145629991>. Acesso em 10 mai. 2010.

GOMES, Luiz Flávio. Critérios determinantes do princípio da insignificância. 08 nov. 2004. Disponível em: <https://www.lfg.com.br/public_html/article.php? story=20041108121843523p>. Acesso em 23 abr. 2010.

GOMES, Luiz Flávio. Delito de bagatela, princípio da insignificância e princípio da irrelevância penal do fato. 18. abr. 2004a. Disponível em: <https://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story= 20041008145549539p>. Acesso em 23 abr. 2010

GOMES, Luiz Flávio; DONATI, Patricia. Pequeno valor do bem e o princípio da insignificância. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/noticias/956335/ pequeno-valor-do-bem-e-o-principio-da-insignificancia. Acesso em 22 mar. 2009.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – parte especial. Vol. 2. 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da Lei 9.099/95. Juizados especiais criminais e da jurisprudência atual. 2.ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

MAIA, Fernanda Capra Brandão. O furto e o princípio da insignificância. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2245, 24 ago. 2009. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/13384/o-furto-e-o-principio-da-insignificancia>. Acesso em 03 mai. 2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 4.ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, parte geral, arts. 1º a 120, 2.ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal Parte Geral. 4.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime Nº 70018566786, Comarca de Bento Gonçalves. Rejeição da Denúncia. Insignificância. Bens avaliados em R$ 34,00, restituídos à Vítima. Partes: Apelante: Ministerio Publico. Apelado: Renildo Bello. Relator: Des. Nereu José Giacomolli. Acórdão de 10/05/2007. Disponível em: <www.tjrs.jus.br/>. Acesso em 20 mar. 2010.

RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime nº 70023448020, Comarca de Jaguarão. Partes: Ministério Público (Apelante/Apelado) Márcio Feijo Barragana (Apelante/Apelado) Relator: Des. Marlene Landvoigt. Acórdão de 13/08/2008. Disponível em: <www.tjrs.jus.br/>. Acesso em 12 abr. 2010.

SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da Insignificância no Direito Penal. 1.ed. 5.tir. Curitiba: Juruá, 2008.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1999.


Notas

1 BRASIL, 1940.

2 Ibid.

3 NUCCI, 2003. p. 514.

4 NUCCI, 2003. p. 515/519.

5 Ibid. p. 519.

6 BRASIL, 1940.

7 NUCCI, op. cit. p. 521. O autor ressalta ainda que, diante do previsto no §2º do artigo 155, apenas na hipótese de substituição da pena privativa de liberdade pela de multa é que se estaria diante de autêntico privilégio, pois a pena em abstrato altera-se completamente para menor. (Ibid. p. 521)

8 CAPEZ, 2007. p. 389.

9 GRECCO, 2008. p. 43.

10 Cf. BITENCOURT, 2008. p. 24,25; NUCCI, 2003, p. 522.

11 BITTENCOURT, 2008. p. 24.

12 Embora parte da doutrina utilize as expressões "furto insignificante" ou "furto de bagatela" para se referir à subtração de coisas de valor insignificante, tais denominações não se revelam adequadas, uma vez que não chega a se configurar o crime furto.

13 BRASIL, 2008.

14 Id, 2008a.

15 LOPES, 2000. p. 75.

16 Apud Vico Mañas, (s.d.).

17 Apud Vico Mañas, (s.d.).

18 Apud MAIA, 2009.

19 Apud BITENCOURT, 2009. p. 21,22.

20 GOMES, (s.d.).

21 MAIA, 2009.

22 BRUTTI, 2006.

23 BRUTTI, 2006.

24 VICO MAÑAS, (s.d.).

25 Apud VICO MAÑAS, (s.d.).

26 TOLEDO, 1999. p. 56

27 RIO GRANDE DO SUL, 2007.

28 TOLEDO, 1999. p. 129

29 BRUTTI, 2006.

30 GOMES, 2007. P. 515

31 Conforme aponta Ivan Luiz da Silva, na obra Princípio da Insignificância no Direito Penal, há quem sustente, minoritariamente, como excludente de tipicidade ou ilicitude, a depender da supremacia do desvalor da ação ou do resultado (SILVA, 2008. p.165)

32 RIO GRANDE DO SUL, 2008.

33 GOMES, DONATI, 2009.

34 TOLEDO, 1999. p. 133.

35 BRASIL, 2004.

36 GRECO, 2008. p. 53.

37 BRASIL, 2004.

38 "A coisa alheia móvel a que se refere o art. 155. do CP é tudo quanto para a vítima representa valor; assim não é preciso que a decisão reclame, para que seja caracterizado o furto, tenha a res ponderável valor econômico". (Recurso Extraordinário nº 100.103-PR - 2ª T, j. 27/4/84, Rel. Min. FRANCISCO REZEK - DJU 25/5/84 apud NUCCI, 2003. p. 515).

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

39 NUCCI, 2003. p. 515.

40 QUEIROZ, 2008. p. 53.

41 Segundo entendimento consolidado na doutrina, injusto penal é o fato típico (tipicidade formal e material) e antijurídico.

42 GOMES, 2004.

43 GOMES, 2004a.

44 VICO MAÑAS, (s.d.).

45 Ibid.

46 GOMES, 2004.

47 O direito penal do autor é aquele que se baseia na pessoa do agente e não nos fatos por ele praticados.

48 BRASIL, 2007.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Clauber Santos Guterres

Graduado em Comunicação Social e em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo, técnico judiciário da Justiça Federal – Seção Judiciária do Espírito Santo, pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Gama Filho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUTERRES, Clauber Santos. A fronteira entre os conceitos de "bem de pequeno valor" e de "bem de valor insignificante", para aplicação do princípio da bagatela no crime de furto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2584, 29 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17039. Acesso em: 8 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos