Vivi sob a Revolução de 1964, AI – Ato Institucional nº 5, Ditadura Militar e outros desmandos. Por isso vi muitas coisas horríveis acontecerem, mas mesmo assim nunca tive medo de falar ou escrever, principalmente agora, sob a proteção da lei fundamental, mais precisamente pelo art. 5º, IV da CF/88, que garante ser livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.
E com fulcro nesta garantia constitucional digo e escrevo que, mais uma vez, respeitáveis vozes do STJ surpreenderam negativamente o cidadão brasileiro (não sei se também a comunidade jurídica, que por certo deve estar aguardando o deslinde final desta lide, para posterior manifestação). Até aí, apesar de esse entendimento causar perplexidade, tudo bem, porque em certos julgamentos é preciso avaliar a extrajurisdicidade da decisão, vale dizer, considerar o impacto desse provimento jurisdicional na economia, no caixa do Tesouro Nacional etc. Isso tem sido recorrente em nossos Tribunais superiores.
Mas, além de não ser este o caso concreto, a consideração política da decisão deve ser razoavelmente temperada, observadas as limitações constitucionais ao poder de tributar e, por conseguinte, obediência ao princípio da tipicidade cerrada na legislação tributária brasileira. Por isso, nem os Tribunais superiores estão acima da lei.
Mas o que mais me assombra diante de tudo isso é a superficialidade da fundamentação jurídica que considera legítimo o repasse do PIS/Cofins em cada nota fiscal de serviço de telefonia e, por via reflexa, de energia elétrica, em total afronta ao art. 2º da Lei Complementar nº 70/1991, exclusivamente outorgada pela CF/88, que determina o faturamento mensal como base de cálculo da Cofins (PIS, LC 7/70) .
Ministros de elevadíssimo saber jurídico disseram que o repasse de PIS/Cofins na fatura telefônica é permitido por essa possibilidade estar prevista na Lei (ordinária) de Telecomunicações, e que a retribuição por qualquer serviço deve equivaler ao preço justo, incluindo-se insumos, tributos e razoável remuneração do investimento.
Sim, fora de dúvida, tratando-se de tributos diretos, (IRPJ/CSLL/PIS/COFINS) os mesmos poderão (e não deverão) ser economicamente repercutidos através da tarifa homologada pela ANATEL, ANEEL etc. Contudo, não existe Lei Complementar que autorize a repercussão jurídica para o repasse de PIS e Cofins, destacadamente, em cada nota fiscal de serviço. Tal possibilidade é aplicável somente ao IPI (vide CTN) e ao ICMS (vide LC 87/96)(BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Atualização Mizabel Abreu Machado Derzi. 11. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. p. 886).
Outro dia escrevi sobre o mesmo tema já prevendo coisas semelhantes. A experiência nos ensina que é preciso espernear frente a semelhantes ilegalidades. Observem os seguintes quesitos:
1.O que diz o art. 146, III, a da CF/88? R: Diz que cabe à lei complementar definir os fatos geradores, base de cálculo e contribuintes do PIS/Cofins;
2.O que diz o art. 2º da Lei Complementar nº 70, de 30.12.1991? R: Diz que a Cofins incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias e serviços de qualquer natureza (PIS, LC 7/70);
3.Pode a Lei de Telecomunicações (Lei Ordinária nº 9.472, de 16.07.1997) modificar alguns dos componentes da Regra-Matriz de Incidência Tributária? R: Não pode! Mas a nossa cultura reprimida tem aceitado, ao longo do tempo, decisões judiciais e administrativas teratológicas e manifestamente ilegais.
Portanto, desculpem-me os que pensam em sentido contrário, mas decisão judicial favorável ao repasse de PIS/Cofins, nota a nota, é um ATO JURISDICIONAL TERATOLÓGICO e a um só tempo MANIFESTAMENTE ILEGAL, ATACÁVEL ATRAVÉS DE MANDADO DE SEGURANÇA por subverter inconstitucionalmente a norma insculpida na Lei Complementar nº 70/1991 (cuja competência exclusiva – portanto não delegável – foi outorgada pela Constituição Federal de 88) que elegeu o faturamento mensal das concessionárias de telefonia e energia elétrica para a incidência da Cofins (e por analogia o PIS, com base na LC 7/70) e não diretamente sobre cada nota fiscal de serviço, como pretendem as concessionárias.
Pergunta-se: com base na tal idéia de equivalência de preço justo, existindo uma lei ordinária qualquer, por exemplo, Lei de Telecomunicações, seria lícito também o repasse em cada nota fiscal de serviços de todos os tributos chamados diretos, tais como: IRPJ/CSLL/IPVA/IPTU/IOF e outros tantos? Ainda não. A CF/88 diz que é preciso uma Lei Complementar para tratar de fato gerador, base de cálculo e contribuinte.
Portanto, inexiste, ainda, hipótese de incidência tributária em sentido abstrato que autorize o repasse de ambas as exações através da repercussão jurídica, ou seja, destacadamente a cada nota fiscal de serviço. Ou estou errado?