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Dez anos de Lei de Responsabilidade Fiscal.

A experiência do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo

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4.O enfrentamento da dívida de longo curso – precatórios judiciais e parcelamento da dívida previdenciária.

Em linhas anteriores, já se falou que o entrave fiscal do Município ainda reside na dívida de curto prazo, ou seja, o chamado déficit de caixa (financeiro), para o qual o novo ordenamento fiscal não impõe limites; só o faz para o endividamento de longo prazo (120% da receita corrente líquida).

De outra parte e malgrado sua menor participação, há, sim, dívida de longo curso (consolidada) no passivo de grande parte das Comunas, integrada, de forma majoritária, por dívida confessada junto ao INSS e fundos que localmente operam regimes de previdência e, também, por precatórios vencidos e não-pagos ou em fase de quitação parcelada.

Quanto às pendências judiciais e obviamente antes da Emenda Constitucional nº 62, de 2009, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, após vários avisos aos jurisdicionados, passou a recusar contas que, em cada ano civil, não pagam 100% do valor do último mapa orçamentário do Tribunal de Justiça (precatórios novos) e mais 10% do saldo constituído em anos anteriores.

Atendidas as sobreditas parcelas, o Município estará satisfazendo à norma constitucional (art. 100, § 1º) e a basilar escopo de responsabilidade fiscal: a redução progressiva da dívida governamental.

Nessa trilha, falha relevante para o TCESP é a de não contabilizar precatórios antigos; vencidos e não pagos. Eis aqui um dos chamados "esqueletos fiscais", ou seja, a ocultação de passivo que distorce resultados patrimoniais e o basilar princípio da evidenciação contábil (art. 83 da Lei nº. 4.320, de 1964).

No caso, não é demais lembrar que, segundo normas internacionais de auditoria, a falta de fidedignidade dos balanços, é desacerto que, por si só, enseja o parecer desfavorável.

Também, aqui se recomenda que deve a Contabilidade abrir subconta específica no escopo de os precatórios não se agregarem, de forma indistinta, em itens genéricos e de baixa transparência dos balanços, como, por exemplo, "Restos a Pagar" ou "Obrigações de Longo Prazo".

Quanto ao outro passivo que muito pesa na dívida consolidada municipal, não poderíamos deixar de comentar o endividamento previdenciário.

Quer destinada ao órgão municipal que administra o regime próprio de previdência, quer dirigida ao Instituto Nacional de Previdência Social – INSS, a falta de repasse das quotas patronais e funcionais aumenta, consideravelmente, a dívida municipal; compromete futuros orçamentos e, a agenda de programas governamentais, sem embargo de resultar várias e muitas sanções aos Municípios e, no caso do não-recolhimento da parcela dos segurados, tipifica crime de apropriação indébita (Lei nº. 9.983, de 2000).

Por tais motivos, eis aqui mais um motivo para o parecer desfavorável do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo: o não-recolhimento previdenciário ao INSS ou aos regimes próprios de previdência.


5.O adequado cálculo da despesa de pessoal

Inova a Lei de Responsabilidade Fiscal ao prescrever que o limite e o controle do gasto laboral dêem-se no círculo restrito de cada Poder estatal; que os Tribunais de Contas alertem o Chefe de Poder quando tal despesa supera 90% do limite; que haja um freio prudencial, cautelar, para o dispêndio com recursos humanos e também que, no cálculo de tal dispêndio, haja agregação dos contratos de terceirização que substituam mão-de-obra

O teto percentual do Executivo também comporta as entidades da Administração indireta. Dito de outra maneira, não há limites específicos para autarquias, fundações ou estatais dependentes. Assim, pode uma autarquia estar gastando, com pessoal, 98% de sua receita, desde que, na consolidação de todo o Poder Executivo, o percentual situe-se abaixo dos 54% (Município) ou 49% (Estado), incidentes ambos sobre a receita corrente líquida.

Verificado excessos por parte daquelas entidades descentralizadas, sugere o Tribunal Paulista de Contas que, na melhor norma própria de direito financeiro: alei de diretrizes orçamentárias, a esfera de governo oponha limites específicos ao dispêndio laboral de autarquias, fundações e estatais dependentes.

Ainda, para o TCESP, despesa de pessoal não deve nunca ser vista em números absolutos, nominais, monetários, mas, sim, como uma relação percentual havida em 12 meses, figurando, no numerador, o montante do gasto laboral; no denominador, a receita corrente líquida (DP/RCL).

Nesse cenário, não há de se falar em despesa de pessoal de um mês, de três ou seis meses, mas, tão-só, de doze meses. E nem poderia ser de outra forma, vez que a base de comparação – a receita corrente líquida – é também um consolidado de doze meses.

Em tal linha de entendimento, a vedação para aumentar despesa de pessoal nos últimos 180 dias do mandato, essa regra fiscal é aqui vista em nível percentual. Por isso, no exame do art. 21, parágrafo único da LRF, aumentar gasto de pessoal é o mesmo que incrementar seu percentual frente à taxa verificada no mês-base da comparação: junhodo último ano da gestão. Assim, se houver, naquele período de vedação, aumento na base do cálculo – a receita corrente líquida – poderá haver proporcional engrandecimento da despesa laboral, sem que nisso haja transgressão à regra fiscal.

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Não obstante essa tese e à vista das oscilações autônomas na folha de pagamento e na receita, por medida de cautela, recomenda o TCESP que, naqueles últimos 180 dias, um inevitável aumento da despesa laboral seja compensado, de pronto, com cortes em outras rubricas de pessoal (ex.: contratação temporária de motoristas de ambulância compensada pelo corte, parcial ou total, de horas extras, de gratificações, entre outras possibilidades).

De sua parte, o art. 18 da LRF bem detalha despesas tidas de pessoal. São os vencimentos, os proventos da inatividade (aposentadorias e pensões), os subsídios dos que exercem mandatos eletivos, as vantagens funcionais, as horas extras, bem como os encargos sociais (INSS, FGTS, PASEP e os recolhimentos patronais ao regime próprio de previdência).

Nessa trilha, sobredita norma detalha, à exaustão, as espécies remuneratórias; contudo, menção não fez às categorias indenizatórias. Nessa condição, o auxílio-moradia, o vale-refeição, as diárias, a cesta básica, o vale-transporte, tudo isso não se agrega à remuneração, escapando, portanto, dos limites fiscais da despesa de pessoal. De fato, sobre tais vantagens não incide o Imposto de Renda.

De outra parte, o PASEP é aqui visto como encargo social, apesar de onerar a receita e, não, a folha de pagamento. É assim, pois malgrado as alterações da vigente Constituição, o PASEP continua beneficiando o servidor público: o que ganha menos de dois salários mínimos e o involuntariamente demitido (art. 239 da CF). Assim, a finalidade do recurso evidencia sua natureza: o de uma obrigação patronal voltada, em boa parte, à previdência social (outro quinhão do PASEP financia o seguro-desemprego). Além do mais, o Tribunal Superior do Trabalho acolhe a exegese de que o PIS/PASEP é uma obrigação patronal de natureza trabalhista.

No cálculo do dispêndio com o fator trabalho, a LRF enfatiza o regime de competência da despesa (art. 18, § 2º). Em suma, o gasto passa a ser apurado, contabilizado, quando efetivamente liquidado (mês trabalhado), independentemente da data em que se consumará o pagamento. Ante tal quadro, não se justifica empenhar (e, contabilizar) a folha salarial no ano vindouro, só porque nesse haveria o efetivo desembolso de caixa. Tal manobra visa melhorar, artificiosamente, o resultado da execução orçamentária e, em ano eleitoral, esquivar-se dos rigores do art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Para retificar tal impropriedade, nosso relatório de auditoria prevê o ajuste no campo da despesa, anotando-se, contudo, que, ano seguinte, o tal gasto seria subtraído do Balanço Orçamentário, porquanto uma mesma despesa não pode nunca onerar dois exercícios financeiros.

Antes já se disse: inova a LRF ao embutir, tal qual despesa de pessoal, os contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores governamentais (art. 18, § 1º). Nessa aferição, há de se ver: as contratações que visam produto determinado, certo, acabado, sem que para isso haja qualquer relação funcional, de subordinação, com a Administração, não se enquadram tais avenças nessa inovação da disciplina financeira, ou seja, continuam não sendo despesa de pessoal. Está-se aqui falando da terceirização de todo o serviço; não apenas da mão-de-obra, situação na qual o Poder Público delega ao particular encargo inequivocamente definido, sendo o empregado uma questão afeta, única e tão-somente, à esfera jurídica do particular, não interferindo, diretamente, no mundo administrativo.

Enfim, por tudo o que se disse neste artigo, haveremos de festejar a Lei de Responsabilidade Fiscal no seu 10º ano de vida.

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Sobre os autores
Sérgio Ciquera Rossi

Advogado. Secretário-Diretor Geral do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo

Flavio Corrêa de Toledo Junior

Professor de orçamento público e responsabilidade fiscal. Autor de livros e artigos técnicos. Ex-Assessor Técnico do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSSI, Sérgio Ciquera ; TOLEDO JUNIOR, Flavio Corrêa. Dez anos de Lei de Responsabilidade Fiscal.: A experiência do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2582, 27 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17057. Acesso em: 18 abr. 2024.

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