Após sete anos de tramitação no Congresso
Nacional, foi sancionada a tão esperada Lei de Crimes Ambientais,
que entrou em vigor, nos aspectos penais, a partir de 30.03.98.
Como a lei não só cuida de sanções
criminais, mas também administrativas, estas ainda estão
pendentes de regulamentação. Ela é resultado
do possível, num país em que quase tudo, infelizmente,
passa pelo balcão da barganha e do lobby dos poderosos.
Assim, quando já aprovado o seu projeto na Câmara
dos Deputados, ele teve que sofrer, de afogadilho, umas outras
alterações, ditadas pelo próprio Executivo,
ante as pressões dos grandes produtores agrícolas.
Banidos, de véspera, os pontos essenciais que atingiam
a dita classe, como, por exemplo, o que previa reclusão
de até quatro anos para certos danos contra a flora, ao
presidente da República coube apenas vetar, salvo poucas
exceções, as imprecisões legais contidas
no texto final da Lei. Entretanto, no conjunto, a Lei é
de bom quilate, caracterizando-se como uma diploma normativo moderno,
dotado de regras avançadas, estabelecendo coerentemente
quase todas as condutas administrativas e criminais lesivas ao
meio ambiente, sem prejuízo das sanções civis,
já existentes em outras leis específicas.
Antes, as regras para os crimes ambientais estavam embrenhadas
num confuso palheiro de leis, geralmente conflitantes entre si.
Agora, a nova lei sistematizou adequadamente, numa só
ordenação, as normas de direito penal ambiental,
possibilitando o seu conhecimento pela sociedade e a sua execução
pelos entes estatais. Contudo, mesmo no âmbito penal, nem
todos os atos lesivos à natureza, foram abrangidos pela
nova lei, como era a intenção original de seus idealizadores.
Assim, muitas normas do Código Penal, da Lei de Contravenções
Penais e do Código Florestal permanecem em vigor, como
é caso, respectivamente, do delito de difusão de
doença ou praga, de poluição sonora e de
proibição da pesca de certos animais marinhos, entre
outros.
Sem dúvida, a referida lei, lapidada por juristas de renome,
assemelha-se, no seu formato, ao Estatuto da Criança e
do Adolescente e ao Código de Defesa do Consumidor, que
são leis de terceira geração, visando promover
a qualidade de vida e a dignidade humana, num País cheio
de contrastes e marginalização social. Ter leis
boas é ótimo. É um bom passo. Mas não
basta parar aí. A norma é apenas um ponto de partida.
Para a sua efetividade, é necessário, igualmente,
a adoção de outras medidas destinadas a institucionalizar
os órgãos responsáveis pela preservação
ambiental, pois os atuais estão carentes de toda a sorte
de recursos. Veja-se, por exemplo, o caso de Roraima, em que se
demonstra a incapacidade governamental de apagar o fogo que devora
vários trechos do coração da floresta amazônica
- o qual não é só decorrente da estiagem,
mas também reflete a falta de prevenção do
poder público em relação às nossas
reservas ecológicas. Para a promoção do desenvolvimento
e a proteção do meio ambiente, é preciso
vontade política eficaz, não resumida apenas na
retórica, aliás sempre repetida, notadamente às
vésperas das eleições.
Curioso, é o veto do presidente da República ao
art. 81 da Lei em comento - que previa a sua vigência imediata
-, ancorado no o argumento de que ela teria de ser amplamente
divulgada ao público, para poder alcançar os seus
objetivos. Não obstante, a lei começou vigorar
à mingua da prometida publicidade - ao contrário
do que ocorreu, acertadamente, com o novo Código de Trânsito.
Patente está a contradição entre o discurso
e a prática do governo em relação ao trato
das questões ambientais. Ademais, a esse respeito, as entidades
responsáveis pela preservação da natureza
só agem até um certo limite, mesmo porque muitas
das decisões emanadas do próprio Planalto são
arrefecidas pelo grito mais forte do poder econômico nacional
e estrangeiro - agora não só aliados, mas também
globalizados.
De qualquer sorte, a Lei com os seus 82 artigos (incluindo-se
os vetados), distribuídos em oito capítulos, regulamenta
o artigo 225 da Constituição - esta, na esfera do
meio ambiente, uma das mais avançadas do mundo. E surgiu,
mais por pressões dos países ricos, em suas preocupações
com a Amazônia, as condições climáticas
da Terra e as substâncias que ameaçam a sua frágil
camada de ozônio.
De principal novidade, a nova lei introduziu no nosso ordenamento
jurídico, de forma clara e objetiva, a responsabilidade
penal da pessoa jurídica, prevendo para elas tipos e sanções
e bem definidos - evidentemente, diversas daquelas que só
se aplicam à pessoa humana. No geral, a nova lei transformou
em crimes, com penas, em média, de um a três anos,
a maioria das condutas outrora tidas simplesmente como contravenções
penais, quer previstas no Código Florestal ou em outros
diplomas legais. Passou a punir com pena de até cinco anos
quem dificultar ou impedir o uso público das praias - situação
que é comum ao longo da zona costeira. Corrigiu distorções
existentes no Código de caça, como a que tipificava
de crime inafiançável, com alta punição,
o fato de um simples camponês abater um animal silvestre
para o consumo; enquanto os imensos latifúndios, pulverizados
com agrotóxicos, ficavam isento de sanção
penal, mesmo que houvesse a dizimação de um ecossistema
por inteiro.
A recente lei, em suas prescrições, além
de tipificar penalmente inúmeras outras condutas como lesivas
à natureza, adota princípios ramificados nas principais
convenções mundiais sobre o meio ambiente, no encalço
de sua preservação e na busca de um progresso economicamente
sustentável. Porém, é preciso cautela na
sua aplicação, pois desde que não se agrida
realmente a natureza, devemos utilizar a madeira, o minério,
a caça, a pesca e outros recursos naturais. Não
se deve esquecer que a maioria do nosso povo é pobre e
vive do extrativismo. O puro conservacionismo se agenda mais a
serviço de países como os Estados Unidos, o Canadá,
a Alemanha, que incendiaram as suas florestas, mataram os seus
solos, secaram as suas fontes de água e, agora, querem
ditar regras ambientais para os países do terceiro mundo,
sem deixar de explorar os seus recursos naturais e de ter qualquer
preocupação com o seu subdesenvolvimento.
Em trabalho memorável, demonstrou Vasconcelos Sobrinho, que o uso racional da madeira da Amazônia - há muito um produto de grande valor econômico no mercado mundial - daria para pagar folgadamente a corrosiva dívida externa a que estamos submetidos, e ainda sobraria um bom troco para minimizar a miséria de nosso povo.