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Responsabilidade civil do Estado em relação às vítimas de balas perdidas

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30/07/2010 às 13:35
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9. PROPOSTA DE MUDANÇA LEGISLATIVA

Diante do crescente número de casos de vítimas de balas perdidas noticiados, foi proposto o PL 416/2007 [32], de autoria do Deputado Federal Flávio Dino.

Referido Projeto de Lei tem por objetivo garantir às vítimas de balas perdidas decorrentes de conflitos entre policias e terceiros a reparação do dano sofrido. Da justificação do PL 416/2007 consta que

Nas últimas semanas, agravou-se um persistente problema derivado da atuação das forças de segurança pública: pessoas inocentes sendo vítimas de disparos de armas de fogo efetuados em conflitos com bandos armados. São as vítimas das chamadas "balas perdidas". É certo que os agentes policias têm o direito-dever de combater os bandos armados e de se defender quando atacados. Contudo, tais ações têm de ser efetuadas com razoabilidade, a fim de que direitos fundamentais de terceiros não sejam sacrificados.

O presente projeto visa compelir à reorientação das ações das forças de segurança, por força da imposição célere de ônus econômicos, com evidentes repercussões políticas.

De outra face, a proposição objetiva abreviar a reparação dos danos sofridos pelas vítimas, hoje dependentes de uma longa solução pela via judicial (embora com 100% de certeza de êxito), agravando a situação já lesiva aos seus direitos.

A proposta ampara-se nos artigos 5°, V e LXXVIII, e 37, § 6°, da Constituição Federal, bem como no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil.

Assim, aprovado este projeto, as vítimas de balas perdidas terão direito a receber indenização, a qual deverá ser paga pela União, pelos Estados ou pelo Distrito Federal sempre que o dano decorrer de confrontos entre terceiros e forças policiais, dispensando-se a demonstração da culpa, consoante preconiza expressamente o artigo 1° do PL 416/2007, assim redigido:

Art. 1°. A obrigação de reparar os danos sofridos por vítimas de disparos de armas de fogo, decorrentes de conflitos envolvendo terceiros e forças policias, caberá à União, ao Estado ou ao Distrito Federal, independente da demonstração de culpa.

Aludido direito à reparação seria recebido administrativamente, não sendo necessário, portanto, recorrer ao Poder Judiciário, tão conhecido por sua morosidade, o que é regulado pelo artigo 2° do projeto de lei, segundo o qual "A reparação será feita mediante processo administrativo e abrangerá danos materiais e morais".

Ressalte-se que, mesmo cabendo à Administração Pública a obrigação de reparar o dano, teria esta o direito de regresso contra o culpado em caso de sua identificação (artigo 4° do PL 416/2007 [33]).

O PL 416/2007, destarte, está em consonância com a disposição constitucional do artigo 37, § 6°, tão comentado no decorrer deste estudo, inovando, apenas, no concernente ao pagamento da indenização, o qual seria feito administrativamente, garantindo-se, assim, a celeridade dos pagamentos.


10. NOVO RUMO DA RESPONSABILIDADE CIVIL – SOCIALIZAÇÃO DOS RISCOS

O Direito evolui de acordo com os avanços da sociedade. Mudanças no cenário político, econômico e social ensejam alterações normativas capazes de acompanhar as novas pretensões coletivas. Na responsabilidade civil, o aumento do risco social também encaminha as teorias e as normas para uma nova dimensão: a socialização dos riscos.

Na socialização dos riscos, também conhecida como teoria do risco social, o enfoque da responsabilidade civil sai do autor do ilícito e passa para a vítima do dano. O dano, assim, seria não mais da vítima, mas de toda a coletividade, que teria o dever de suportá-lo, socializando-o.

Assim, o Estado teria o dever de manter o equilíbrio social, pois a quebra desse equilíbrio gera um dano, cuja reparação seria de sua responsabilidade, independente de ter havido uma conduta humana atribuível ao Estado.

Através dessa teoria, a vítima nunca ficaria sem indenização, ainda que não identificado o autor do dano, ou em caso de insolvência deste. Toda a sociedade, representada pelo Estado, arcaria com o prejuízo sofrido pela vítima.

No Brasil, a socialização dos riscos pode ser visualizada, por exemplo, no seguro obrigatório dos proprietários de veículos automotores, o DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre) e no seguro contra acidente de trabalho.

Neste contexto, seria possível que as vítimas de balas perdidas recebessem uma indenização do Estado quando a bala tiver origem desconhecida ou mesmo quando advier de confrontos em que os policiais não tenham participado, mantido o direito estatal de regresso contra o real causador do dano, caso identificado.


11. CONCLUSÕES

A questão das balas perdidas, em decorrência do aumento da violência urbana, passou a fazer parte do cotidiano das pessoas, especialmente dos moradores das grandes cidades. Isso decorre da falta de respeito e proteção à vida, da omissão do Estado no controle de armas, da ineficiência das ações policiais em promover a segurança pública.

Tudo isso acaba por gerar uma situação que já está chegando a níveis alarmantes, conforme retratam diariamente as manchetes dos jornais, especialmente nas grandes metrópoles: adultos e crianças atingidos no caminho do trabalho ou da escola; moradores das regiões onde impera o tráfico de drogas atingidas dentro de seus lares; população assustada.

Quando as questões envolvendo balas perdidas chegam aos tribunais, especialmente no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ), Estado este com o maior número de casos, as vítimas e seus familiares ainda têm de enfrentar outra batalha: a resistência em se conceder às vítimas o direito de receber do Estado indenização pelos danos decorrentes das balas perdidas, direito este, aliás, constitucionalmente assegurado.

Em se tratando de bala perdida que, comprovadamente, partiu da arma de um policial, não existe grande problema no TJ/RJ em se reconhecer o direito à indenização, tendo em vista que a conduta comissiva do agente estatal não gera grandes controvérsias.

Diferentemente ocorre quando, em decorrência de um confronto entre criminosos e policiais, uma vítima inocente é atingida por uma bala disparada por um dos bandidos, ou quando não se logrou êxito em provar de que arma partiu a bala. Nestes casos, ainda há grande resistência em se reconhecer a responsabilidade civil objetiva do Estado. Os julgadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro se dividem. Algumas câmaras cíveis entendem que, para ter direito à indenização, as vítimas ou seus familiares devem comprovar que a bala teria, inequivocamente, partido da arma de um dos policiais envolvidos no tiroteio. Outras câmaras, ao contrário, entendem que basta a comprovação do confronto para a responsabilização do Estado, já que este teria sido ineficiente no exercício da uma de suas atividades que gera risco: a policial.

Apesar da aludida divergência, parecem estar com a razão aquelas câmaras cíveis que entendem bastar à vítima a prova do confronto, pois seria muito forçoso exigir que esta provasse de que arma efetivamente a bala saiu. Esse entendimento está em consonância não só com a norma constitucional do artigo 37, § 6° da Constituição Federal, como também com a noção de justiça, motivo pelo qual foi adotado pelo Supremo Tribunal Federal.

No concernente às balas perdidas decorrentes de confrontos entre facções criminosas rivais, deve-se entender pela responsabilização do Estado quando este se omitiu no combate aos criminosos, cujos confrontos eram constantes e sabidos, não se enquadrando, por conseguinte, no conceito de caso fortuito.

Finalmente, no que se refere às balas perdidas decorrentes de local e arma desconhecidos, na etapa evolutiva em que se encontra a legislação pátria, esta situação ainda se configura como caso fortuito, pois, neste caso, responsabilizar o Estado seria considerá-lo segurador universal. No entanto, o futuro da responsabilidade civil aponta para a possibilidade de se adotar a teoria do risco social, a qual preconiza que a vítima nunca ficaria sem indenização, ainda que não identificado o autor do dano, ou em caso de insolvência deste, já que toda a sociedade, representada pelo Estado, arcaria com o prejuízo sofrido pela vítima (socialização dos riscos). Assim, a vítima de bala perdida não ficaria desamparada.

Ciente do aumento do número de casos de vítimas de balas perdidas que chegam ao Judiciário, o Deputado Federal Flávio Dino propôs o PL 416/2007, o qual tem por escopo facilitar o recebimento de indenização pelas vítimas, as quais, ainda quando não há controvérsias acerca do direito ao recebimento de indenização, sofrem com a morosidade do Poder Judiciário. Para tanto, o recebimento das indenizações seria feito administrativamente.

Diante de todo o exposto, fica clara a necessidade de se ampliar os estudos jurídicos a respeito da responsabilidade civil do Estado em relação às vítimas de balas perdidas, tendo em vista que, apesar da importância da matéria na atualidade, ainda há pouca discussão doutrinária acerca do tema, além de grandes controvérsias na jurisprudência, o que acaba por gerar flagrantes injustiças.


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Sobre a autora
Joana Wirti

Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe - Especialidade Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WIRTI, Joana. Responsabilidade civil do Estado em relação às vítimas de balas perdidas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2585, 30 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17074. Acesso em: 23 dez. 2024.

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