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A competência da Justiça Federal nos crimes ambientais

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31/07/2010 às 07:09
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5- Demonstração objetiva de interesse direto e específico

Se, como já dito, a proteção do meio ambiente é matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, implica em dizer que todos, constitucionalmente falando, têm interesse em protegê-lo (o que reforça o caráter de bem jurídico de titularidade difusa). Se assim o é, fica difícil apontar o interesse da União como preponderante para firmar a competência da Justiça Federal para conhecer e julgar eventual crime ambiental.

A competência comum (tal como fixada na Constituição) caracteriza-se por ser exercida de forma igualitária por todos os membros da Federação. Não há complementariedade ou sobreposição, sendo, no caso concreto, plena a competência de cada um dos níveis da Federação.

A simples atuação de autarquia federal, como o Ibama, por exemplo, é suficiente para a demonstração do interesse federal e para atrair a competência da Justiça Federal em sede penal ambiental?

A lavratura de auto infracional pelo Ibama, por exemplo, em transporte irregular de toras de madeira não implica, por si só, a competência da Justiça Federal, pois essa atividade de fiscalização, ainda que relativa ao cumprimento de preceito da Lei de Crimes Ambientais, configura apenas interesse genérico ou indireto da União (vide tópico 7.4) [13].

O interesse da União na preservação do meio ambiente é genérico e não tem a capacidade de, por si só, nos crimes ambientais, atrair a competência da Justiça Federal. O entendimento predominante na jurisprudência, inclusive do STF e do STJ, é de que o interesse da União para atrair a competência da Justiça Federal deve ser direto e específico [14], aferido caso a caso, pontualmente. E isso não apenas na tutela penal ambiental. Verifica-se, por exemplo, no caso de verba federal repassada a Município:

"A verba federal, posta à disposição do Município, para a realização de obra determinada, mas sem ter ingressado na receita deste, quando desviada, atinge a União de forma direta, violando seu patrimônio, levando o feito para a Justiça Federal" [15].

Outro exemplo de interesse indireto ou genérico da União é o crime de porte ilegal de arma. O crime de porte ilegal de arma de fogo (previsto nos arts. 14 e 16, da Lei 10.826/03 – Estatuto do Desarmamento), embora o porte seja fiscalizado pelo Ministério da Justiça, via Sistema Nacional de Armas – SINARM, não enseja, só por isso, a competência da Justiça Federal, pois ausente interesse direto e específico da União, sendo de competência da Justiça Estadual comum, ainda que se trate de arma de uso privativo das Forças Armadas ou de origem estrangeira.

São exemplos de crimes que afetam interesse direto e específico:

- Utilização de documento falso para abertura de conta-corrente junto à Caixa Econômica Federal [16];

- Falsificação de carteira da Ordem dos Advogados do Brasil [17];

- Delito envolvendo espécies ameaçadas de extinção [18];

- Ato de contrabando de animais silvestres, peles e couros de anfíbios ou répteis para o exterior;

- Introdução ilegal de espécie exótica no país;

- Pesca predatória no mar territorial [19].


6- Crimes conexos

A Súmula 122, do STJ, diz que "compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal". A competência especial fixada na Constituição para a Justiça Federal dá-lhe a condição especial sobre a competência geral (estadual) no julgamento de crimes conexos, ou seja, infração penal em detrimento de bens, serviços ou interesse da União e crime comum de competência da Justiça Estadual.

"Habeas Corpus. Crime previsto no art. 2º., I, do Dec.-Lei n. 201/67. Prefeito Municipal. Fraude em licitações. Desvio de verbas provenientes do FUNDEF, do FNDE e do FPM. Art. 71, VI, CF. Sujeição de quaisquer recursos repassados pela União a Estados, Distrito Federal e Municípios à fiscalização pelo Congresso Nacional, por intermédio do Tribunal de Contas da União. Presença de interesse da União a ser preservado, evidenciando a Competência da Justiça Federal para processar e julgar os crimes contra esse interesse (art. 109, IV, da CF). Havendo concurso de infrações, essa competência também alcança os outros crimes" [20].

Se não existir conexão probatória entre os crimes de competência da Justiça Federal e os crimes de competência da Justiça Estadual, apurados nos mesmos autos, deve o juiz determinar a separação dos processos, para julgamento em separado pela Justiça Estadual e pela Justiça Federal, de acordo com suas respectivas competências.


7- Casuística

7.1- Extração irregular de areia e outros minerais

Os minerais são substâncias de origem inorgânica que se encontram no interior ou na superfície da Terra, ou ainda dissolvidas na água, podendo dividir-se em sólidos, líquidos ou gasosos (como, por exemplo, o carvão, o petróleo e o gás natural, também designados de minerais energéticos), em puros (ouro, prata, carvão, etc. ) e compostos (sal, pirites de ferro, quartzo). Muitos minerais têm importância econômica, seja como matéria-prima na obtenção de metais ou no uso in natura na indústria da construção civil ou da moda, como ornamentos e jóias.

Antes de abordar os aspectos jurídicos sobre a competência, é importante ressaltar que a atividade de exploração mineral, como a extração de areia, seixo e pedra, de profunda aplicação na construção civil, é considerada profundamente impactante ao meio ambiente, pois sempre é acompanhada da remoção da camada vegetal, do solo e das rochas que ficam acima dos depósitos minerais.

No caso da extração de areia e de seixo nos leitos de rios, por dragagem, os efeitos verificados sobre o meio ambiente são: instabilidade das encostas nas margens dos rios, alterações dos cursos d’água, destruição do fundo dos rios, alteração do pH, aumento do teor do material sedimentado em suspensão, promovendo assoreamento etc. Na extração por desmonte ocorre: desmatamento, formação de cavas, descaracterização do relevo e erosão acelerada.

Os recursos minerais, nos quais se incluem a areia (assim como o seixo, o cascalho, a argila, a pedra etc), fazem parte do acervo de bens da União [21] (art. 20, IX, CF: "São bens da União: IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo"). A extração de areia sem licença do órgão ambiental é, portanto, crime da alçada da Justiça Federal, pois em detrimento direto a bem da União (CF, art. 109, IV) [22]. Não importa onde se dê a extração: em leito de rio, em terrenos marginais ou praias fluviais (art. 20, III, CF), em terras públicas ou particulares, em faixa litorânea, no subsolo ou a céu aberto, em florestas (art. 44, da Lei n. 9.605/98), matas, montanhas ou planícies etc. [23]

"CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXTRAÇÃO ILEGAL DE RECURSOS MINERAIS (AREIA). ARTIGO

21 DA LEI Nº 7.805/89. RIO DE DOMÍNIO DA UNIÃO. ARTIGO 20, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. O artigo

20, IX, da Constituição Federal, dispõe que os recursos minerais, inclusive os do subsolo, são bens da União.

2. Conflito conhecido para ser declarado competente o Juízo Federal" [24].

"PENAL. ART. 2º DA LEI 8.176/91. EXTRAÇÃO DE AREIA SEM A DEVIDA LICENÇA. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. INAPLICABILIDADE NO CASO CONCRETO. PENA. SUBSTITUIÇÃO.

l. Materialidade e autoria devidamente comprovadas, uma vez que o réu ao extrair areia sem autorização do Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM) usurpou matéria-prima da União, cometendo a infração inscrita no art. 2º da Lei 8.176/91. 2. O Termo de Ajustamento de Condutas, firmado entre empresas do ramo de extrativismo mineral e órgãos públicos não afasta a responsabilidade do réu, porquanto foi efetivado posteriormente à prática delitiva, podendo ser considerado - quando cabível - na dosimetria da pena. 3. Privativa de liberdade aplicada no mínimo legal e substituída por restritiva de direitos" (TRF4, APELAÇÃO CRIMINAL 2004.72.04.004335-6, 8ª TURMA, rel. Des. ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO, julgado em 01/04/2009).

Incumbe aos Estados, Municípios e Distrito Federal registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos minerais em seus territórios (art. 23, inc. XI, CF).

Se o local da extração for de domínio da União há concurso de crimes [25]: o previsto no art. 55, da Lei n. 9.605/98 (extração irregular de areia) conexo com o de usurpação, previsto na Lei n. 8.176, de 08.02.1991:

"Art. 2° Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpacão, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. Pena: detenção, de um a cinco anos e multa.

§ 1° Incorre na mesma pena aquele que, sem autorização legal, adquirir, transportar, industrializar, tiver consigo, consumir ou comercializar produtos ou matéria-prima, obtidos na forma prevista no caput deste artigo".

O aproveitamento das substâncias minerais dá-se através de concessão, de autorização, de licenciamento, de permissão e de monopolização. Tais regimes, entretanto, não se aplicam aos órgãos da administração direta e autárquica da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, sendo-lhes permitida a extração de substâncias minerais de emprego imediato na construção civil, definidas em Portaria do Ministério de Minas e Energia, para uso exclusivo em obras públicas por eles executadas diretamente, respeitados os direitos minerários em vigor nas áreas onde devam ser executadas as obras e vedada a comercialização (art. 2º., do Decreto-Lei n. 227, 28.02.1967 – Código de Minas).

Também não se submetem a tais regimes de aproveitamento, os trabalhos de movimentação de terras e de desmonte de materiais in natura, que sejam necessários à abertura de vias de transporte, obras gerais de terraplenagem e de edificações, desde que não haja comercialização das terras e dos materiais resultantes dos referidos trabalhos e ficando o seu aproveitamento restrito à utilização na própria obra.

Sobre a extração mineral irregular (cujos tipos penais estão previstos no arts. 44 e 55, da Lei n. 9.605/98 e art. 21, da Lei n. 7.805/89), convém ressaltar, entretanto, a existência de um punhado de julgados da 3ª. Seção do STJ no sentido de que compete à Justiça Estadual o processo e julgamento de crime ambiental de extração de areia sem a devida autorização do órgão competente, quando perpetrado em propriedade particular (CC 34183), loteamento particular (CC 18840), a céu aberto e de pequena quantidade de areia (CC 34183), pessoa pobre beneficiária (CC 18839), leito de pequeno rio (CC 36225):

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"Compete à Justiça Estadual o processo e julgamento de feito que visa à apuração de possível crime de furto consistente na extração de pequena quantidade de areia, a céu aberto, em propriedade particular, não restando demonstrada a existência de eventual lesão a bens, serviços ou interesses da União, a ensejar a competência da Justiça Federal. Hipótese em que não se verificou a extração de areia de praia em faixa litorânea, nem tampouco do subsolo, até mesmo pelos instrumentos que teriam sido utilizados -'pás manuais', a céu aberto. Precedentes. Interesse jurídico da União não configurado" [26].

É penoso sustentar essa linha jurisprudencial adotada pela 3ª. Seção do STJ, pois a dicção do art. 20, inc. IX, da CF, é muito clara: São bens da União - os recursos minerais, inclusive os do subsolo (Júnior, 1991, pp. 1253 e 1265). Não há qualquer distinção entre propriedade pública ou privada em que o recurso mineral seja encontrado ou extraído. E de acordo com a hermenêutica é princípio pacífico de que não é lícito ao intérprete distinguir onde a lei (fundamental) não distingue. Assim, mostra-se desnecessária a discussão sobre a titularidade das terras onde se processa a extração irregular de areia, pois, seja particular ou pública a área, o recurso mineral é, em ambos os casos, propriedade da União [27].

O Conflito de Competência n. 18840/RJ, julgado pela 3ª. Seção do STJ, Rel. Min. William Patterson (DJ 02.04.1997), traz o errôneo argumento de que o tipo do art. 21 da Lei n. 7.805/89 (crime de extração ilegal de substâncias minerais) ao referir-se a "extração de substâncias minerais" estaria a fazer menção, tão-somente, aos minerais do subsolo, vez que extrair dá a entender a retirada de dentro do subsolo para o exterior. Tal forma de interpretação afronta diretamente a Constituição, pois o legislador constituinte, para evitar qualquer dúvida, diz que "inclusive os recursos minerais do subsolo" pertencem à União, numa clara alusão aos recursos minerais à superfície (como areia, rochas, seixos, argila etc).

O mesmo julgado traz ainda outro argumento, igualmente errôneo. Como o art. 21 da Lei n. 7.805/89 só incrimina a extração clandestina de areia do subsolo, quando a exploração é feita a céu aberto (ou seja, à superfície) incide a contravenção penal do art. 26, alínea "o", da Lei n. 4.771/65 (Código Florestal): "extrair de florestas de domínio público ou consideradas de preservação permanente, sem prévia autorização, pedra, areia, cal ou qualquer outra espécie de minerais". E como a Justiça Federal é incompetente para julgar contravenções (CF, art. 109, inc. IV), a competência seria da Justiça Estadual.

Atualmente, o art. 26, "o", do Código Florestal foi revogado pela Lei n. 9.605/98, art. 44, que criminalizou a mesma conduta e tem idêntica redação: "Extrair de florestas de domínio público ou consideradas de preservação permanente, sem prévia autorização, pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais". O argumento de então (reproduzido acriticamente nos julgados posteriores e recentes da 3ª. Seção do STJ) cai por terra, primeiro perante a Constituição Federal e, segundo, diante da atual Lei de Crimes Ambientais.

Para concluir, é preciso referir que o constituinte de 1988 foi tão cioso da dominialidade da União sobre os recursos minerais que volta a repetir no art. 176, caput:

"As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra".

E pertencem à União, não apenas as massas individualizadas de substâncias minerais, encontradas na superfície ou no interior da terra (jazidas), mas também os agregados (areia, argila, seixo etc) que se acham à superfície.

7.2- Manutenção em cativeiro de animais silvestres

A fauna silvestre não figura entre os bens da União, de acordo com o art. 20 da Constituição Federal. Desse modo, a manutenção em cativeiro de espécimes da fauna silvestre sem a devida autorização do IBAMA não fere interesse direto e específico da União. Se, todavia, prova-se que os animais silvestres foram apanhados em área pertencente à União, a competência para processar e julgar o crime é da Justiça Federal (art. 109, IV, CF).

A circunstância de a manutenção em cativeiro de espécimes silvestres depender de prévia autorização do IBAMA, em razão de suas atribuições de preservação, conservação, fiscalização e controle dos recursos naturais renováveis, não determina a competência da Justiça Federal para processar e julgar o delito previsto no art. 29, §1º, III, da Lei nº 9.605/98 [28].

7.3- Uso de motosserra

A utilização de motosserra, sem a devida licença do IBAMA (art. 51, da Lei nº 9.605/98), não fere interesse direto e específico da União a ensejar a competência da Justiça Federal [29], desde que, obviamente, o acusado não utilize o apetrecho para derrubar árvores em Unidades de Conservação da União, ferindo, assim, bens ou interesses diretos.

7.4- A atividade fiscalizatória do IBAMA

A competência da Justiça Federal para julgar crimes ambientais não se firma pela simples intervenção de um agente administrativo de órgão federal. É necessário que esteja presente um dos requisitos constitucionais: ofensa a bem, serviço ou interesse.

"A circunstância de o IBAMA, no desempenho de suas atribuições de preservação, conservação, fiscalização e controle dos recursos naturais renováveis, haver autuado o réu pela suposta prática da conduta descrita no art. 51, da Lei nº 9.605/98, não determina a competência da Justiça Federal para processar e julgar a respectiva ação penal. Precedentes dos egs. Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Regional Federal" [30].

A simples presença de um órgão federal, seja como agente executor ou fiscalizador de normas fixadas para o meio ambiente, seja como agente responsável pelo licenciamento de atividades que, efetiva ou potencialmente, possam causar dano ao meio ambiente, não interfere na competência da Justiça Federal. Isso porque o Ibama, especificamente, fiscaliza da mesma forma que qualquer outro órgão integrante do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente). O que define a competência não é a intervenção de qualquer desses órgãos, mas diretrizes outras fixadas na Constituição ou na lei.

A partir da Constituição Federal de 1988, a competência da Justiça Federal, para processar e julgar crimes cometidos contra o meio ambiente, só ocorre quando praticados em terras ou águas pertencentes à União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas ou quando há ofensa a um serviço e/ou interesse específicos e diretos desses órgãos, como, por exemplo, no primeiro caso, quando praticados nos bens da União descritos no artigo 20, da Constituição Federal, ou, no segundo caso, quando cometidos no interior de uma unidade de conservação da União, como estabelecido no artigo 225, III, da Constituição Federal, ou, ainda, claro, quando tratar-se de delito ecológico previsto em tratado ou convenção internacional, ou a bordo de navio ou aeronave (CF, art. 109, V e IX) [31].

7.5- Desmatamento

No crime de desmatamento cometido em terras particulares não-oneradas, a competência é da Justiça Estadual. Também o crime previsto no artigo 39, da Lei 9.605/98, consistente em cortar árvores de floresta considerada de preservação permanente, perpetrado em terras particulares [32] ou em unidades de conservação não federais, também compete à Justiça Estadual processar e julgar. Em ambos os casos, não se vislumbra, em tese, violação a bens, interesses ou serviços da União.

"PENAL E PROCESSO PENAL - CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE - EXTRAÇÃO DE MADEIRA (AROEIRA) SEM AUTORIZAÇÃO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A proteção e preservação do meio ambiente, para o presente e para o futuro, são responsabilidade e obrigação de todo ser humano, constituindo matéria de condomínio legislativo entre União, Estados e Municípios (CF, art. 23), não se justificando, desde aí, a exclusiva competência da Justiça Federal na repressão aos delitos ambientais. 2. À míngua de previsão legal específica (o proposto parágrafo único do art. 26 da Lei n. 9.605/98, que previa a competência privativa da Justiça Federal, foi vetado e o veto mantido), aplica-se a regra geral da repartição de competência, em que a competência da Justiça Estadual é ampla e residual, reservados à Justiça Federal os crimes em que caracterizada lesão a, ou em detrimento de, bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas (CF, art. 109, IV), especificamente pertinentes e objetivamente demonstrados. 3. Se desde a Lei n. 9.605/98, que revogou a Lei n. 5.197/67, os animais silvestres (art. 1º) não mais se consideram propriedade da União, opção legislativa mais coerente com a atual concepção da co-responsabilidade de todos pelo meio ambiente, a fauna e a flora não são reservas federais exclusivas, salvo quando respeitantes a relação direta e substancial com os entes federais, razão pela qual ilegais desmatamentos, transportes de madeira, de carvão etc não se afetam à Justiça Federal pelo só fato de ausência de autorização do órgão federal, por isso que tais atividades se sujeitam à atividade estadual. 4. Não é a Mata Atlântica, que integra o patrimônio nacional a que alude o artigo 225, § 4º, da Constituição Federal, bem da União. Por outro lado, o interesse da União para que ocorra a competência da Justiça Federal prevista no art. 109, IV, da Carta Magna tem de ser direto e específico, e não, como ocorre no caso, interesse genérico da coletividade, embora aí também incluído genericamente o interesse da União. - Conseqüentemente, a competência, no caso, é da Justiça Comum Estadual" [33].

Desmatamentos ocorridos em unidades de conservação não-federais ou em áreas particulares, embora localizadas na Floresta Amazônica brasileira, na Mata Atlântica, na Serra do Mar, no Pantanal Mato-Grossense e na Zona Costeira, não ensejam a competência da Justiça Federal para processar e julgar os feitos criminais respectivos. Isso porque tais biomas constituem patrimônio nacional e não patrimônio federal, portanto, o interesse da União em sua conservação é genérico e secundário, incapaz de atrair a competência da Justiça Federal (vide tópico 4.1).

7.6- Delito envolvendo espécies animais ameaçadas de extinção

Compete à Justiça Federal processar e julgar ação penal que tenha por objeto crime ambiental envolvendo espécie da fauna em perigo de extinção, tendo em vista o manifesto interesse do IBAMA (interesse qualificado: direto e imediato), já que lhe incumbe, além de elaborar o levantamento e a listagem dos animais em vias de extermínio, a concessão de autorização prévia para a captura e criação de tais espécimes (art. 54 da Lei nº 9.985/2000) [34].

7.7- Pesca proibida

Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente é crime ambiental previsto no art. 34 da Lei n. 9.605/98. Em regra, a competência para julgar tais crimes é da Justiça Estadual, salvo se presentes circunstâncias (ofensa a bens, serviços ou interesses da União) que atraiam a competência federal, como: pesca pedratória em rio interestadual [35], no mar territorial [36], em unidades de conservação da União (Freitas/Freitas, 2000, p. 53) etc.

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Sobre o autor
João Gaspar Rodrigues

Promotor de Justiça. Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes/RJ. Membro do Conselho Editorial da Revista Jurídica do Ministério Público do Amazonas. Autor dos livros: O Ministério Público e um novo modelo de Estado, Manaus:Valer, 1999; Tóxicos..., Campinas:Bookseller, 2001; O perfil moral e intelectual do juiz brasileiro, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2007; Segurança pública e comunidade: alternativas à crise, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2009; Ministério Público Resolutivo, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2012.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, João Gaspar. A competência da Justiça Federal nos crimes ambientais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2586, 31 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17079. Acesso em: 17 nov. 2024.

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