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Monitoramento eletrônico: liberdade vigiada

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15/08/2010 às 14:27
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4POSICIONAMENTOS

Apesar de o Congresso Nacional sinalizar, de forma clara e inequívoca, ser favorável ao monitoramento eletrônico de acusados ou condenados, bem como as experiências internacionais, em linhas gerais, apontarem no mesmo sentido, o CNPCP, em duas oportunidades, entendeu que a solução não merecia vingar.

No parecer do Conselheiro Ricardo de Oliveira Silva (março de 2003), a solução não deveria prosperar em face de seu custo orçamentário.

Já as críticas elencadas no estudo [27] apresentado pelo Conselheiro Carlos Weis (maio de 2007) vão além e merecem atenção.

De acordo com o Conselheiro, a solução viola a intimidade, cria maiores entraves para obtenção da liberdade e viola a presunção de inocência.

Resumidamente, entende o Conselheiro que a solução viola a intimidade por tratar-se de mecanismo que expõe o usuário (pessoas que estejam respondendo a processo crime ou já condenadas) à sociedade [28]. Vejamos.

A ocultação do material torna-se mais complicada a pessoas de baixa renda

, visto que dispõem de parcos recursos para adquirir vestimentas mais elaboradas, notadamente na maioria das regiões brasileiras, em que a temperatura é usualmente alta.

(...)

Em conseqüência, o monitorado ficará sujeito ao escrutínio público, o que viola o direito fundamental do cidadão à preservação da intimidade

, previsto pela Constituição Federal de 1988, que dispõe serem invioláveis "a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas". (grifei)

Ao argumento de que a intimidade seria menos violada com a solução tecnológica do que verificado nos estabelecimentos penais, o Conselheiro, assim reage:

Pode ser, mais é igualmente certo que o sentenciado preso em celas coletivas não corre o risco, a que se sujeita o monitorado, de ser identificado na rua como um "bandido" e sofrer toda a sorte de ofensas à sua honra e, mais grave que isso, à sua integridade física, podendo facilmente ser agredido ou linchado por uma população movida pelo pânico social e pela sensação de impunidade. (grifei)

Ainda nesse aspecto, finaliza o Conselheiro:

Em suma, entendo que o sistema constitui meio degradante de punição, incompatível com o princípio da reintegração social como finalidade moderna da pena e violador da intimidade do ser humano, assim conflitando com diversos dispositivos da Constituição Federal de 1988 e de tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil. ‘(grifei)

Em relação aos entraves para obtenção da liberdade, o Conselheiro, ao analisar a utilização do monitoramento nos casos de liberdade provisória, prisão domiciliar, livramento condicional, saída temporária, trabalho externo, progressão de regime aberto ou semi-aberto, e prisão preventiva, entende que a solução trata-se de verdadeiro plus no curso da execução penal:

Todas as medidas acima referidas hoje são regularmente deferidas sem que se faça necessário emprego do sistema eletrônico

. Logo, a modalidade não caracteriza qualquer facilitador para que se logre colocar alguém em liberdade, antes ao contrário.(grifei)

No caso da liberdade provisória, a afronta ainda é maior. No entendimento do Conselheiro, tratar-se-ia de prévia condenação, não haveria distinção entre o usuário condenado e do usuário que ostenta o equipamento "apenas para garantir que não se furtará a comparecer ao fórum nas datas designadas".

Desta forma, fulmina o Conselheiro:

Neste ponto, creio inconstitucional o emprego do monitoramento eletrônico, tal como hoje se apresenta, visto que significa a criação de um grave constrangimento à liberdade de pessoa meramente suspeita da prática de crime, protegida pelo manto constitucional inviolável da presunção de inocência. (grifei)

O posicionamento do Nobre Conselheiro não é isolado. Segundo matéria publicada no Diário Catarinense de 12/12/2003, a OAB contesta o sistema de vigilância, uma vez que tal tipo de controle discrimina ainda mais os detentos. No entendimento do então Presidente da Comissão de Assuntos Prisionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SC), advogado Francisco Ferreira, trata-se de solução "absurda e contraria a Lei de Execuções Penais"; demonstrando verdadeiro retrocesso, servindo apenas para "estigmatizar ainda mais o apenado".

O Presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cézar Britto, também entende que a solução fere os princípios da intimidade e da privacidade, expõe a pessoa monitorada ao preconceito e atenta contra sua ressocialização. Entende ainda que o monitoramento contraria o direito de ir e vir das pessoas, mesmo daqueles que cumprem pena em regime aberto ou em liberdade condicional [29].

Em artigo publicado na Folha de São Paulo (maio de 2007) [30], o Padre Gunther Alois Zgubic, Coordenador Nacional da Pastoral Carcerária, ao analisar os projetos que tramitam no Congresso também se posiciona frontalmente contrário ao monitoramento nos moldes até então sugeridos. O entendimento merece transcrição:

Os projetos pretendem o uso de dispositivos eletrônicos em condenados que cumprem pena nos regimes aberto e semi-aberto, no livramento condicional e em presos provisórios.

Ora, nas três primeiras situações, os investigados ou condenados já gozam de liberdade, ainda que restringida no tempo e no espaço. A colocação de dispositivos para o rastreamento de seus passos representará desse modo, um "plus" no controle dos condenados, e não uma alternativa à privação de liberdade tendente a reduzir a superpopulação prisional.

Em nenhum momento o monitoramento eletrônico se apresenta como alternativa à prisão. Ele sempre aparece como acréscimo na privação ou restrição à liberdade

.

Mesmo quando aplicado aos presos provisórios, ficam excluídos os que praticaram crimes hediondos, com grave ameaça ou violência à pessoa. (grifei)

Por outro lado, como já verificamos, o monitoramento eletrônico é uma realidade mundial, sendo utilizado amplamente em países da Europa, os quais em sua grande maioria primam pela garantia dos direitos fundamentais.

Mister frisar que, em se tratando de monitoramento eletrônico (MEP) [31], é fundamental, a fim de entender melhor seu o processo de implementação e suas naturais conseqüências (positivas e negativas), levar-se em consideração sua utilização em outros países.

Muito bem lembra Fábio André Silva Reis [32]:

De fato, a troca de experiências tem sido um dos pontos chave para o desenvolvimento do MEP na Europa, inclusive para a superação de erros e dificuldades já vivenciados nos EUA. Vale citar o exemplo das oficinas internacionais já realizadas pela Conference Permanente Europeéne de la Probation nos anos de 1998, 2001 e 2003 em Egmond aan Zee, na Holanda.

A história da expansão do monitoramento eletrônico de prisioneiros é uma história de aprendizado com as experiências pregressas

. Conforme afirma Withfield, é uma história composta, via de regra, pelos programas experimentais, pelos esquemas nacionais e pela posterior ampliação das aplicações anteriores (CEP WORKSHOP, 2003). (grifei)

Nessa linha, não podemos nos furtar de colher os ensinamentos desvelados pela recente experiência portuguesa.

Acompanhando a Comissão da Reforma do Sistema Prisional, a então Ministra da Justiça de Portugal [33], Senhora Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona, em 01/03/2004, ressalta, à luz do caso em concreto, as vantagens (não-estigmatização; potencialização da reinserção social; e eficácia do sistema) que a implementação do monitoramento trouxe para seu país. Vejamos.

É o terceiro alargamento que este governo faz

, durante o período experimental deste programa, e fazemo-lo não apenas porque tal é vantajoso para a sua generalização, mas também porque as vulgarmente chamadas de pulseiras electrónicas são um caso de sucesso.

(...)

Para lá das vantagens evidentes de não estigmatização, de manutenção no meio social, de potencialização da reinserção social, há ainda que assumir que esta realidade significa, em termos numéricos, uma cadeia de pequenas dimensões.

Ou seja, o facto destes cerca de 160 arguidos estarem sujeitos à vigilância electrónica é também um contributo para a redução da sobrelotação do sistema prisional.

A eficácia, fiabilidade e segurança da vigilância electrónica é hoje uma realidade em todos os locais onde está a ser experimentada

, e assim continuará a ser quando, a partir do início do próximo ano, a vigilância electrónica for alargada a todo o país.

(...)

Também aqui acompanho a comissão da Reforma do sistema Prisional quando recomenda – à imagem do que, com inegável êxito, vem já a acontecer em diversos países europeus – a utilização da vigilância electrónica em outras situações, designadamente, como modalidade alternativa de execução das penas de prisão de curta duração, e como cumprimento da pena antes da concessão da liberdade condicional.

A vigilância electrónica tem sido

, como disse e exemplifiquei, uma experiência claramente vantajosa para o sistema judicial, para o sistema prisional, para os arguidos e, como é resultado óbvio de todas estas vantagens, tem sido útil para a sociedade.

(...)

Tanto um caso como no outro, trata-se de associar a possibilidade de maior sucesso da reinserção social à garantia da segurança dos cidadãos."(grifei)

Com efeito, em 28/10/2004, o Conselho de Ministros de Portugal editou uma resolução [34] aprovando um programa de ação para o desenvolvimento do monitoramento no sistema penal.

Em seu intróito, a Resolução nº 144/2004, observando as diretrizes da Recomendação R (99) 22, do Conselho da Europa, ratifica de maneira inequívoca o entendimento da Ministra da Justiça a ponto de merecer transcrição:

Os sucessivos alargamentos da vigilância electrónica

, ainda no decurso do período experimental, sustentaram-se nos bons resultados intercalares que foram sendo obtidos e que o relatório final de avaliação do programa, recentemente concluído, vem plenamente confirmar. De facto, a vigilância electrónica obteve significativos índices de adesão tanto por parte dos magistrados, advogados e demais operadores judiciários quanto por parte dos arguidos e seus familiares e da comunidade em geral, demonstrou ser uma solução com excelentes níveis de operacionalidade e eficácia e com uma elevada taxa de sucesso, os seus custos revelaram-se substancialmente inferiores aos do sistema prisional e provou constituir uma real alternativa à prisão preventiva, evitando-a ou substituindo-a, na esmagadora maioria dos casos em que os magistrados decidiram a sua aplicação, contribuindo assim para uma redução do número de presos preventivos em Portugal.

Todavia, e sem prejuízo dos bons resultados que foram sendo obtidos, entende o Governo que a utilização da vigilância electrónica não deverá apenas circunscrever-se à fase pré-sentencial, mas passar também a ser utilizada em sede de execução de penas, desta forma acolhendo uma das recomendações contidas no relatório que a Comissão para o Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional apresentou ao Governo e que se considera necessário pôr em prática. No mesmo sentido, aliás, aponta não só a Recomendação R (99) 22, do Conselho da Europa, de 30 de Setembro, mas também o relatório da visita a Portugal do Comissário dos Direitos Humanos, Alvaro Gil-Robles, o qual sugere, genericamente, o desenvolvimento de novas medidas alternativas a fim de reduzir a população prisional.

Na verdade, é sobretudo no contexto da execução de penas que a vigilância electrónica tem vindo a afirmar-se no panorama internacional, ao longo dos últimos anos, como alternativa ao sistema prisional, face ao qual apresenta um inquestionável conjunto de vantagens.

Ao permitir evitar a execução de penas efectivas de curta duração e flexibilizar a execução ou antecipar a concessão de liberdade condicional, no caso de penas mais longas, o Governo antevê que a vigilância electrónica poderá constituir um meio eficaz ao serviço da redução da elevada taxa de encarceramento que Portugal regista, o que constitui um objectivo central de política criminal. A vigilância electrónica poderá, assim, contribuir para diminuir a crónica sobrelotação do sistema prisional e o impacte da constelação de problemáticas que lhe surgem associadas, bem como para reduzir os pesados encargos financeiros implicados pela expansão desse sistema, constituindo ao mesmo tempo uma solução que favorece a manutenção de vínculos de pertença e os processos de reinserção social. grifei)

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Em relatório elaborado pela agência "The John Howard Society of Alberta", instituição sem fins lucrativos, sediada em Alberta/EUA, que pesquisa a problemática do crime e suas prevenções, informa que um estudo [35] dos programas de monitoramento eletrônicos em British Columbia, Newfoundland and Saskatchewan, todas cidades do Canadá, revela que uma minoria de criminosos sentiu que sua participação no programa foi mais difícil do que eles imaginavam. 95% dos entrevistados indicaram pelo menos um benefício pessoal em conseqüência da participação em um programa de monitoração eletrônico. O benefício mais notável era a possibilidade de permanecer perto de membros da família. Na opinião de muitos examinados, a participação em um programa de monitoração eletrônico permitiu que cuidassem de suas crianças, mantivessem o emprego e freqüentassem outros programas de tratamento.

Da mesma forma, o site da cidade de Denver/EUA [36] noticia que a solução tecnológica fornece ao usuário a oportunidade de manter seu emprego, prestar serviços à comunidade e de permanecer com sua família ao longo de sua sentença, tratando-se de supervisão segura à exceção da cadeia.

Nessa esteira caminha o artigo dos australianos Russel G. Smith e Matt Black (Monitoramento Eletrônico no Sistema de Justiça Criminal), publicado no site Instituto de Criminologia da Austrália [37]. O estudo conclui que o uso do monitoramento eletrônico tem potencial para melhorar o custo benefício dos programas correcionais, provendo oportunidades de reabilitação do acusado/sentenciado.

Internamente, em compasso com os posicionamentos favoráveis ao monitoramento, o presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D’Urso, destacando que o monitoramento satisfaz a necessidade de o Poder Público lutar contra a impunidade sem o gravame do cárcere, assim se manifestou [38]:

As pessoas condenadas ou que aguardam julgamento ficam, hoje,  sujeitas às mazelas comuns do sistema carcerário que não garante a integridade física do preso, como superlotação, sevícias  sexuais, doenças como aids e tuberculose e rebeliões. O monitoramento eletrônico traria duas vantagens: evitaria o confinamento e os problemas dele decorrentes e manteria a responsabilidade do Estado diante de uma condenação de pequena monta ou prisão antes da condenação. (grifei)

No mesmo contexto, afirma Luciano de Freitas Santoro, Coordenador do Núcleo de Estudos Penitenciários da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo e Conselheiro da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo [39]:

Com o avanço tecnológico não se justificam mais essas prisões bárbaras, sem o mínimo de segregação entre os presos

.

(...)

Ao Estado não é mais lícito tapar o sol com a peneira e se olvidar que jovens são arregimentados por facções ou grupos criminosos, justamente porque são obrigados a cumprir pena no mesmo estabelecimento criminal

.

Imperioso ressaltar que o monitoramento eletrônico atende aos fins de prevenção da pena posto que, ao permitir o retorno do reeducando ao convívio de seus familiares, busca-se a sua reinserção social (prevenção especial positiva) e, concomitantemente, é comunicada a necessidade do respeito às normas, como modelo de orientação social, funcionando a pena como a demonstração da vigência da norma (prevenção geral positiva). (grifei)

Na opinião de Sérgio Moraes Fortes, Superintendente da Superintendência de Serviços Penitenciários do Rio Grande do Sul (SUSEPE), a ferramenta reduzirá custos, além de permitir a vigilância daqueles que progridem de regime [40] e já transitam pelas ruas, reconhecendo que:"Hoje, a fiscalização é feita por amostragem. As equipes se empenham, ligam, vão aos locais de trabalho, mas é impossível vigiar o tempo todo."(grifei).

Em que pese às duras críticas disparadas contra a nova tecnologia, o Conselheiro Carlos Weis visualiza situação em que seria possível a utilização do monitoramento [41]:

No entanto, nada impede que a prisão preventiva domiciliar, monitorada eletronicamente, seja destinada a pessoas que cometerem crimes aos quais possivelmente seja atribuída pena privativa de liberdade, desde que alguns requisitos sejam estabelecidos, como a primariedade e o máximo de pena em abstrato fixada na denúncia. (grifei)

Por seu turno, o Padre Gunther Alois Zgubic [42], Coordenador da Pastoral Carcerária Nacional, apesar de se manifestar contrário às propostas até então debatida no Congresso, reconheceu que há possibilidade de introduzir o monitoramento, desde que:

I – seja alternativa a um regresso ao regimento fechado, quando o preso em regime semi-aberto ou em livramento condicional cometa falta grave;

II – permita o retorno à sociedade de presos do regime fechado, em certas condições;

III – atenda aos presos provisórios em situações que os juízes não costumam manter em liberdade o acusado.

Por fim, o Coordenador afirma:

Parece-me que uma vida em meio aberto, monitorada deste modo, pode humanizar a execução penal e enriquecer positivamente suas possibilidades de (re)inserção social do suspeito ou condenado, desde que esta forma de vigilância não for imposta, mas desejada pelo próprio preso em virtude de se tratar de um direito ou possível benefício dele. (grifei)

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Sobre o autor
Carlos Roberto Mariath

Agente de Polícia Federal. Professor de Investigação Criminal da Academia Nacional de Polícia. Especialista em Ciências Penais - Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Especialista em Execução de Políticas de Segurança Pública - Academia Nacional de Polícia - ANP. Especialista em Ciência Policial e Investigação Criminal - Escola Superior de Polícia - ESP/DPF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARIATH, Carlos Roberto. Monitoramento eletrônico: liberdade vigiada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2601, 15 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17196. Acesso em: 12 nov. 2024.

Mais informações

O projeto de que trata o presente artigo foi convertido na <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12258.htm">Lei nº 12.258/2010</a>.

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