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Os órgãos de julgamento administrativo do contencioso tributário no Brasil

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27/08/2010 às 07:13
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III. Vantagens que se apresentam e razão da existência dos órgãos judicantes administrativos.

Deste modo, constatada a credibilidade do órgão judicante administrativo, são várias as vantagens que se apresentam para que o contribuinte utilize o sistema de jurisdição administrativa tributária, até em relação à jurisdição propriamente dita e circunscrita ao Poder Judiciário, pois que caso vencido em sua pretensão na esfera administrativa, poderá ainda recorrer à instância judicial.

Dentre as vantagens, se destacam as seguintes:

a) O processo administrativo é, em regra, mais célere, menos formal, menos dispendioso, não exige a contratação de advogado nem impede que este nele funcione, e, em seu transcurso, os gravames causados pelo ato impugnado mantêm-se suspensos;

b) Também como regra geral, as autoridades julgadoras possuem maior conhecimento da legislação específica, e das peculiaridades dos fatos em questão;

c) O eventual êxito do contribuinte nesta esfera faz coisa julgada formal a seu favor, não podendo a Administração recorrer ao Poder Judiciário contra a decisão administrativa;

Em conclusão, do exposto se pode extrair que a valoração, confiança, reconhecimento, enfim, a credibilidade dos órgãos judicantes incrustados na Administração Pública, decorre de sua prática imparcial e isenta para resolver as questões tributárias que lhes são afetas e, para tanto, ao menos duas condições se impõem: Primeiro, é condição sine qua non que para desenvolver suas atribuições, os membros desses órgãos precisam ter ampla e plena ciência e consciência dos princípios que pautam a atividade judicante e estejam preparados tecnicamente para o desempenho dessa função, pautados na imparcialidade que a caracteriza, mediante estrita obediência à ordem legal específica, inclusive atentando para um dos mais basilares e fundamentais princípios na interpretação do direito que é o sentido da vigência da lei, pois que esta há que regular os fatos futuros. Excepcionalmente alguma lei pode até retroagir seus efeitos, mas apenas em casos especiais a exemplo de lei penal benéfica e tributária que fixa sanções menos gravosas, na forma prevista no art. 106 do Código Tributário Nacional-CTN. [16]

Neste aspecto, em nome da segurança jurídica, também é fundamental atentar-se para a disposição do art. 144 do Código Tributário Nacional – CTN, dispondo que o lançamento tributário reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada, [17] pois a redação do art. 144 do CTN vincula o lançamento à regência da lei vigente à época da ocorrência do fato gerador, e o caracteriza como procedimento fiscal tendente a verificar a matéria tributável, ou seja, constituir o crédito tributário. Assim, o lançamento tributário é, portanto, o ato que formaliza o valor do crédito, dando-lhe certeza, liquidez e exigibilidade, sendo a atividade de lançar vinculada no sentido de que a ocorrência do fato gerador dá à autoridade fiscal não apenas o poder, mas também o dever de lançar, não havendo qualquer possibilidade de análise de conveniência e oportunidade para que se deflagre o procedimento.

O art. 144 do CTN, ao se referir genericamente à legislação aplicável ao lançamento, trata das regras materiais (legislação substantiva) relativas ao tributo correspondente, assim entendidas aquelas que definem fatos geradores, bases de cálculo, alíquotas, contribuintes etc, devendo, deste modo, o lançamento tributário, como qualquer ato administrativo, revestir-se dos requisitos formais, materiais e dos pressupostos para sua validade, dentre eles a observação de que se à época em que ocorreram os fatos imponíveis o cargo em que esteja investido a autoridade lançadora detém a competência legal para praticar o ato de lançamento uma vez que, por obvio, tal ato vincula-se em todos os aspectos à lei vigente na data de ocorrência dos fatos imponíveis objeto do lançamento tributário.

A segunda, e quiçá mais importante condição, diz respeito a que a prática imparcial e isenta dos órgãos judicantes administrativos deve ser garantida e especialmente promovida pela própria Administração Pública sob a égide dos seus princípios constitucionais, sem que esta Administração atue com inapropriadas interferências no funcionamento objetivo desses órgãos para que do contrário neles não ressurjam vestígios próprios dos "tribunais de exceção", não por acaso, expressamente vedados de existência pela Constituição Federal. Portanto, sem atuação imparcial, por obvio, evapora-se a credibilidade do órgão judicante e se dissolve a garantia adicional que o Estado Democrático quer dar ao contribuinte na preservação de seus direitos, inclusive do direito de cumprir as obrigações no estrito limite legal, bem como compromete o estabelecimento do interesse da ordem jurídica que é a razão de existência de órgãos judicantes tributários na esfera administrativa de poder.


Notas

  1. Segundo Alberto Xavier, este modelo de "contencioso administrativo", de inspiração francesa, resulta de uma "interpretação heterodoxa" do princípio da separação de poderes, devido mais ao circuntancialismo histórico específico de alguns países europeus do que a razões de coerência lógica, pois enquanto a lógica pura do princípio da separação de poderes conduz ao impedimento de a Administração exercer funções jurisdicionais e de que os tribunais exerçam tarefas administrativas, já não conduz ao impedimento de os tribunais conhecerem dos litígios entre a Administração e os particulares. Este último impedimento representa uma "distorção artificiosa" do princípio da separação de poderes explicável apenas por uma razão histórica e pragmática (a reação contra a forma de atuar dos "Parlamentos", tribunais do Ancien Régime), distorção que constitui o "pecado original" do contencioso administrativo.
  2. Segundo o autor, a falácia revolucionária segundo a qual "julgar a Administração é ainda administrar" conduziu à "imunidade judicial da Administração", ou seja, à subtração dos atos do Poder Executivo da apreciação do Poder Judiciário e à concomitante criação de mecanismos de autocontrole no âmbito do Poder Executivo, que evoluíram por três fases distintas: numa primeira fase, o julgamento dos recursos contra os atos da Administração competia a órgãos da Administração ativa – era o sistema do administrador-juiz; numa segunda fase, esse julgamento cabia à Administração consultiva, mas a sua eficácia dependia ainda de homologação da Administração ativa – era o sistema de justiça reservada; enfim, numa terceira fase, o julgamento definitivo passa a caber a órgãos reputados imparciais, de natureza jurisdicional, mas integrados no Poder Executivo e não no Poder Judiciário – é o sistema de justiça delegada. A esta fase corresponde o contencioso administrativo em sentido próprio. In Princípios do Processo Administrativo e Judicial Tributário, 1ª Edição, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2005, pgs. 23⁄24.

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  3. Nesse sentido, Adriano Pinto, "Processo Administrativo – Recurso Hierárquico", artigo publicado na Revista Dialética de Direito Tributário nº 92, São Paulo, maio 2003, p.7 ss (cit. Hugo de Brito Machado Segundo, Processo Tributário, 2ª edição, Ed. Atlas, SP, 2006)
  4. Alberto Xavier, obra cit., pg. 44
  5. Alberto Xavier distingue uma imparcialidade orgânica de primeiro e segundo graus: na de primeiro grau a distanciação ou desinteresse em relação ao processo decorre de uma diferenciação ou especialização entre "órgãos de lançamento" e "órgãos de julgamento", integrados na mesma estrutura hierárquica; na de segundo grau, a distanciação ou desinteresse decorre do fato de "órgãos de lançamento" e "órgãos de julgamento" não manterem entre si vínculos diretos de subordinação hierárquica. Princípios do Processo Administrativo e Judicial Tributário, 2005, Ed. Forense, pg. 45
  6. Diferentemente doutrinam Rui Babosa, Francisco Campos, Miguel Reale, Pedro Chaves, Miranda Lima, Hely Lopes Meireles, entendendo que os órgãos administrativos de julgamento podem e devem apreciar todas as matérias suscitadas, inclusive de inconstitucionalidade.
  7. Art. 22 do Regimento Interno da Câmara Superior de Recursos Fiscais e dos Conselhos de Contribuintes do Ministério da Fazenda; disposição também contida no Art. 70 da Port. 88⁄2004 para vedar apreciação de inconstitucionalidade ao Conselho de Recursos da Previdência Social; Art. 167 do Regulamento do Processo Fiscal da Bahia-RPAF
  8. Art. 168. Sempre que se encontrar em votação matéria contida em lei ou em ato normativo considerado ilegal, ou se já decidida em última instância pelo Poder Judiciário, observar-se-á o seguinte: I - a autoridade julgadora deverá submeter à Junta ou à Câmara proposta à Câmara Superior do CONSEF no sentido de que represente ao Secretário da Fazenda, visando à decisão; II - caberá à Câmara Superior do CONSEF decidir quanto a representar ou não ao Secretário da Fazenda; III - o Secretário da Fazenda, ouvida a Procuradoria Geral do Estado, decidirá quanto à conveniência ou não de propositura de modificação ou revogação da lei ou ato considerado ilegal. IV - para atendimento ao disposto no inciso anterior, observar-se-ão os seguintes prazos: a) 30 (trinta) dias, para que a Procuradoria Geral do Estado emita o devido parecer. b) 10 (dez) dias, para que o Secretário da Fazenda adote as providências cabíveis; V - o processo administrativo ficará sobrestado até que ocorra a modificação ou revogação da lei ou do ato normativo em exame ou o despacho denegatório da representação ou proposição.
  9. Constituição da República Federativa do Brasil: Art. 3º (CF) Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade justa, livre e soberana, II – garantir o desenvolvimento nacional; III – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras maneiras de discriminação.
  10. Art. 3º... Es misiónde la República suprimir los obstáculos de orden económico y social que, limitando de hecho la libertad y la igualdad de los ciudadanos, impiden el pleno desarrollo de la personalidad humana y la efectiva participación de todos los trabajadores en la organización política, económica y social del país (Constituciones Extranjeras Conteporaneas, Tecnos, 3ª edición, 1994, pg. 139.
  11. Constitución española, Tecnos, Novena edición, 1997: PREÁMBULO (CE)– La nación española, deseando establecer la justicia, la libertad y la seguridad y promover el bien de cuantos la integran, en uso de su soberanía, proclama su voluntad de: a) garantizar la convivencia democrática dentro de la Constitución y de las leyes conforme a un orden social económico y social justo; b) Consolidar un Estado de Derecho que asegure el imperio de la ley como expresión de la voluntad popular; c) proteger a todos los españoles y pueblos de España en el ejercicio de los derechos humanos, sus culturas y tradiciones, lenguas e instituciones; d) promover el progreso de la cultura y de la economía para asegurar a todos una digna calidad de vida; e) establecer una sociedad democrática avanzada, y; e) colaborar en el fortalecimiento de unas relaciones pacíficas y de eficaz cooperación.
  12. In: Teoría General del Derecho, ed. Rialp, Madrid, 1962, p. 25
  13. In: Teoría General del Derecho, ed. Rialp, Madrid, 1962, p. 25
  14. in: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, Ed.Forense, R. Janeiro, 1998, p. 737
  15. in ponencia El principio de capacidad contributiva como criterio de justicia tributaria: aplicación a los impuestos directos e indirectos, II Congresso Internacional de Direito Tributario, Recife, agosto de 2003, p.19
  16. Há situações em que o Contribuinte de Direito (o responsável pelo recolhimento do tributo), é o mesmo Contribuinte de Fato (aquele que sofre o ônus tributário), como, por exemplo, no Imposto de Renda, e há situações em que o Contribuinte de Direito é diferente do Contribuinte de Fato, como nos casos dos impostos indiretos a exemplo do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), onde o Contribuinte de Direito é o comerciante e o Contribuinte de Fato é o consumidor final do bem comercializado.
  17. Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; II - tratando-se de ato não definitivamente julgado: a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.
  18. Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.
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Sobre o autor
Jorge Inácio de Aquino

Doutorando em Direito Tributário pela Universidad de Salamanca. Auditor Fiscal membro do Conselho de Contribuintes do Estado da Bahia. Diretor de Assuntos Fiscais e Tributários do Instituto dos Auditores Fiscais da Bahia – IAF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AQUINO, Jorge Inácio. Os órgãos de julgamento administrativo do contencioso tributário no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2613, 27 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17265. Acesso em: 29 mar. 2024.

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