III. Vantagens que se apresentam e razão da existência dos órgãos judicantes administrativos.
Deste modo, constatada a credibilidade do órgão judicante administrativo, são várias as vantagens que se apresentam para que o contribuinte utilize o sistema de jurisdição administrativa tributária, até em relação à jurisdição propriamente dita e circunscrita ao Poder Judiciário, pois que caso vencido em sua pretensão na esfera administrativa, poderá ainda recorrer à instância judicial.
Dentre as vantagens, se destacam as seguintes:
a) O processo administrativo é, em regra, mais célere, menos formal, menos dispendioso, não exige a contratação de advogado nem impede que este nele funcione, e, em seu transcurso, os gravames causados pelo ato impugnado mantêm-se suspensos;
b) Também como regra geral, as autoridades julgadoras possuem maior conhecimento da legislação específica, e das peculiaridades dos fatos em questão;
c) O eventual êxito do contribuinte nesta esfera faz coisa julgada formal a seu favor, não podendo a Administração recorrer ao Poder Judiciário contra a decisão administrativa;
Em conclusão, do exposto se pode extrair que a valoração, confiança, reconhecimento, enfim, a credibilidade dos órgãos judicantes incrustados na Administração Pública, decorre de sua prática imparcial e isenta para resolver as questões tributárias que lhes são afetas e, para tanto, ao menos duas condições se impõem: Primeiro, é condição sine qua non que para desenvolver suas atribuições, os membros desses órgãos precisam ter ampla e plena ciência e consciência dos princípios que pautam a atividade judicante e estejam preparados tecnicamente para o desempenho dessa função, pautados na imparcialidade que a caracteriza, mediante estrita obediência à ordem legal específica, inclusive atentando para um dos mais basilares e fundamentais princípios na interpretação do direito que é o sentido da vigência da lei, pois que esta há que regular os fatos futuros. Excepcionalmente alguma lei pode até retroagir seus efeitos, mas apenas em casos especiais a exemplo de lei penal benéfica e tributária que fixa sanções menos gravosas, na forma prevista no art. 106 do Código Tributário Nacional-CTN. [16]
Neste aspecto, em nome da segurança jurídica, também é fundamental atentar-se para a disposição do art. 144 do Código Tributário Nacional – CTN, dispondo que o lançamento tributário reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada, [17] pois a redação do art. 144 do CTN vincula o lançamento à regência da lei vigente à época da ocorrência do fato gerador, e o caracteriza como procedimento fiscal tendente a verificar a matéria tributável, ou seja, constituir o crédito tributário. Assim, o lançamento tributário é, portanto, o ato que formaliza o valor do crédito, dando-lhe certeza, liquidez e exigibilidade, sendo a atividade de lançar vinculada no sentido de que a ocorrência do fato gerador dá à autoridade fiscal não apenas o poder, mas também o dever de lançar, não havendo qualquer possibilidade de análise de conveniência e oportunidade para que se deflagre o procedimento.
O art. 144 do CTN, ao se referir genericamente à legislação aplicável ao lançamento, trata das regras materiais (legislação substantiva) relativas ao tributo correspondente, assim entendidas aquelas que definem fatos geradores, bases de cálculo, alíquotas, contribuintes etc, devendo, deste modo, o lançamento tributário, como qualquer ato administrativo, revestir-se dos requisitos formais, materiais e dos pressupostos para sua validade, dentre eles a observação de que se à época em que ocorreram os fatos imponíveis o cargo em que esteja investido a autoridade lançadora detém a competência legal para praticar o ato de lançamento uma vez que, por obvio, tal ato vincula-se em todos os aspectos à lei vigente na data de ocorrência dos fatos imponíveis objeto do lançamento tributário.
A segunda, e quiçá mais importante condição, diz respeito a que a prática imparcial e isenta dos órgãos judicantes administrativos deve ser garantida e especialmente promovida pela própria Administração Pública sob a égide dos seus princípios constitucionais, sem que esta Administração atue com inapropriadas interferências no funcionamento objetivo desses órgãos para que do contrário neles não ressurjam vestígios próprios dos "tribunais de exceção", não por acaso, expressamente vedados de existência pela Constituição Federal. Portanto, sem atuação imparcial, por obvio, evapora-se a credibilidade do órgão judicante e se dissolve a garantia adicional que o Estado Democrático quer dar ao contribuinte na preservação de seus direitos, inclusive do direito de cumprir as obrigações no estrito limite legal, bem como compromete o estabelecimento do interesse da ordem jurídica que é a razão de existência de órgãos judicantes tributários na esfera administrativa de poder.
Notas
- Segundo Alberto Xavier, este modelo de "contencioso administrativo", de inspiração francesa, resulta de uma "interpretação heterodoxa" do princípio da separação de poderes, devido mais ao circuntancialismo histórico específico de alguns países europeus do que a razões de coerência lógica, pois enquanto a lógica pura do princípio da separação de poderes conduz ao impedimento de a Administração exercer funções jurisdicionais e de que os tribunais exerçam tarefas administrativas, já não conduz ao impedimento de os tribunais conhecerem dos litígios entre a Administração e os particulares. Este último impedimento representa uma "distorção artificiosa" do princípio da separação de poderes explicável apenas por uma razão histórica e pragmática (a reação contra a forma de atuar dos "Parlamentos", tribunais do Ancien Régime), distorção que constitui o "pecado original" do contencioso administrativo.
Segundo o autor, a falácia revolucionária segundo a qual "julgar a Administração é ainda administrar" conduziu à "imunidade judicial da Administração", ou seja, à subtração dos atos do Poder Executivo da apreciação do Poder Judiciário e à concomitante criação de mecanismos de autocontrole no âmbito do Poder Executivo, que evoluíram por três fases distintas: numa primeira fase, o julgamento dos recursos contra os atos da Administração competia a órgãos da Administração ativa – era o sistema do administrador-juiz; numa segunda fase, esse julgamento cabia à Administração consultiva, mas a sua eficácia dependia ainda de homologação da Administração ativa – era o sistema de justiça reservada; enfim, numa terceira fase, o julgamento definitivo passa a caber a órgãos reputados imparciais, de natureza jurisdicional, mas integrados no Poder Executivo e não no Poder Judiciário – é o sistema de justiça delegada. A esta fase corresponde o contencioso administrativo em sentido próprio. In Princípios do Processo Administrativo e Judicial Tributário, 1ª Edição, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2005, pgs. 23⁄24.