IV - APLICAÇÃO DA ANISTIA INTEGRALMENTE - CONCLUSÃO
Verificamos no tópico acima dois equívocos perpetrados pela Administração Pública, consistente em readmitir os anistiados pelo regime da CLT, sem transformar os seus empregos em cargos públicos, regidos pela Lei nº 8.112/90, e o retorno dos mesmos no cargo correspondente, após a devida evolução da carreira.
Essa mora administrativa não pode ser imputada aos anistiados, que tempestivamente requereram a declaração da Anistia.
Em sendo assim, quando o artigo 6º da Lei nº 8.878/94 afirma que "a lei só gerará efeitos financeiros a partir do efetivo retorno à atividade, vedada a remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo", esperava que a Administração Pública fosse célere e não morosa no restabelecimento dos vínculos jurídicos ilegalmente dissolvidos.
Ao desprezarem o princípio da eficiência e da celeridade, a Administração Pública trouxe para si o dever de reparar aos anistiados, pela injusta e indevida demora no restabelecimento de seus vínculos jurídicos.
Ratificando o que foi dito, o STJ [15] pacificou o entendimento de que deve haver efeitos retroativos da reparação econômica da Anistia, em face da mora da Administração Pública:
"Administrativo. Anistia. Servidores e Empregados Públicos. Plano Collor. Direito à reintegração. Reconhecimento. Efeitos retroativos da reparação econômica. Inteligência da Lei Federal 8878/94. Manutenção dos fundamentos do acórdão recorrido. Recurso Especial desprovido.
1. A lei federal 8878/94 concedeu anistia aos servidores e empregados públicos que preencherem os requisitos discriminados em seus artigos 1º, 2º, 3º e 4º, e que, no período compreendido entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992, tenham sido ilegalmente e inconstitucionalmente demitidos.
2. A questão da indenização aos servidores e empregados públicos anistiados deve ser mantida nos termos do acórdão recorrido, o qual manteve a sentença de primeiro grau. Nesse sentido, o artigo 6º da lei 8878/94 estipula que é vedada remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo, todavia remuneração não é o mesmo que reparação. O instituto da indenização envolve ato de reparação por dano causado e lesão sofrida. Ademais, não pode ser considerado retroativo o efeito da condenação, se a sentença determinou que a indenização teria como termo a quo a data do deferimento do pedido de reconhecimento do direito à anistia, ou seja, a data em que a Subcomissão de Anistia deferiu, administrativamente o pedido.
3. A intenção do legislador da lei 8878/94, ao condicionar o retorno das atividades profissionais dos servidores ou empregados públicos às necessidades e disponibilidades orçamentárias e financeiras da Administração, não pode ser entendida como condição a ser perpetuada, sob pena de inviabilizar o espírito da própria lei, que objetivou sanar uma das arbitrariedades cometidas pelo governo Collor.
4. Recurso especial conhecido, mas desprovido, para manter o acórdão recorrido em seus exatos termos."
Nesse julgado, a 5ª Turma do STJ fez a devida consideração sobre os institutos da remuneração e indenização, ressaltando que a indenização não é remuneração, mas reparação e, mesmo o art. 6º, da Lei nº 8.878/94 vedando o efeito retroativo, a intenção do legisladora era a a de que a Anistia fosse implementada tempestivamente, como se observa da seguinte passagem do julgado sub oculis:
"Conforme consignado pelo acórdão recorrido, a lei federal 8878⁄94 concedeu anistia aos servidores e empregados públicos que preencherem os requisitos discriminados em seus artigos 1º, 2º, 3º e 4º, e que, no período compreendido entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992, tenham sido ilegalmente e inconstitucionalmente demitidos. Assim, a técnica legislativa da lei 8878⁄94, na interpretação do acórdão recorrido, envolve duas etapas: 1ª) examinar a condição genérica de anistiado (artigo 1º) e 2ª) a análise da possibilidade de retorno ao serviço (artigos 2º e 3º). A questão da indenização, propriamente dita, deve ser mantida nos temos do acórdão, o qual manteve a sentença de primeiro grau em seus exatos termos. Com efeito, indenização não é remuneração, mas reparação. O artigo 6º da lei 8878⁄94 estipula que é vedada remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo, mas conforme já consignado remuneração não é o mesmo que reparação. O instituto da indenização envolve o ato de reparação por dano causado e lesão sofrida. Deveras, o acórdão recorrido no tocante à questão da indenização manteve integralmente a sentença de primeiro grau, a qual dispôs que a intenção do legislador da lei 8878⁄94, ao condicionar o retorno das atividades profissionais dos servidores ou empregados públicos às necessidades e disponibilidades orçamentárias e financeiras da administração, não pode ser entendida como condição a ser perpetuada, sob pena de inviabilizar o espírito da própria lei, que objetivou sanar uma das arbitrariedades cometidas pelo governo Collor."
Portanto, o reconhecimento do direito à indenização (pagamento das remunerações) deverá ser retroativo ao reconhecimento da anistia por parte da Sub-Comissão da Anistia, conforme lição do REsp 864760, litteris:
"Acrescentou a sentença, mantida pelo acórdão, que o entendimento acima exposto está corroborado no artigo 4º da própria lei 8878⁄94, no qual há determinação para que a Administração Pública Federal e as empresas públicas da União guardem vagas para os postulantes habilitados na forma do mencionado diploma legal. Dispõe o artigo 4º da lei 8878 de 11 de maio de 1994: Art. 4º A Administração Pública Federal e as empresas sob controle da União, quando necessária a realização de concurso, contratação ou processo seletivo com vistas ao provimento do cargo ou emprego permanente, excluirão das vagas a serem preenchidas pelos concursados o número correspondente ao de postulantes habilitados na forma desta lei para os respectivos cargos ou empregos. Ademais, não há que se falar em retroatividade, porquanto o marco inicial para a fixação da indenização corresponde à data do deferimento do pedido de reconhecimento da anistia por parte da Subcomissão da Anistia. Destarte, o acórdão recorrido não negou vigência ao artigo 6º da lei 8878/94 ao manter a sentença quanto aos termos fixados para a indenização decorrente do reconhecimento do direito do ora recorrido à reintegração em cargo anteriormente ocupado, porquanto a União não pode perpetuar a situação de espera do servidor à sua reintegração."
Sendo certo que, para fins da Lei nº 8.878/94, apenas deveria ser criada a Subcomissão Setorial, e a Comissão Especial de Anistia, instância recursal, consoante lição do art. 5º da citada lei, litteris:
"Art. 5° Para os fins previstos nesta Lei, o Poder Executivo, no prazo de até trinta dias, constituirá Comissão Especial de Anistia e Subcomissões Setoriais, com estrutura e competência definidas em regulamento.
§ 1° Das decisões das Subcomissões Setoriais caberá recurso para a Comissão Especial de Anistia, que poderá avocar processos em casos de indeferimento, omissão ou retardamento injustificado.
§ 2° O prazo para conclusão dos trabalhos dessas comissões será fixado no ato que as instituir."
De forma ilegal e contrária ao citado art. 5º, da Lei nº 8.878/94, o Poder Executivo criou nova instância revisora superior à Comissão Especial de Anistia, que foi a Comissão Interministerial, através do Decreto nº 3363/2000, para o reexame dos processos anistiantes, retardando, ainda mais, o retorno dos anistiados.
Por essa razão, os anistiados não retornaram ao serviço público em 1994, quando do deferimento de seus pleitos pela Comissão Especializada de Anistia, por culpa única e exclusiva da Administração Pública, que através do Decreto nº 3.363/2000, postergou os respectivos retornos até os anos de 2008/2009.
Por essa razão, o poder público retardou indevidamente o retorno dos anistiados aos seus cargos públicos, devendo arcar com a respectiva reparação, visto que a sua mora foi lesiva aos legítimos interesses dos injustamente demitidos/exonerados.
A Lei de Anistia tem como escopo reparar as injustiças praticadas, com o restabelecimento dos direitos e das vantagens ilegalmente suprimidas dos anistiados.
Se não fosse assim, não teria razão de coexistir no cenário jurídico.
E note-se bem como o legislador, apesar de utilizar-se do instituto do retorno, e não da reintegração, anistiou os servidores inconstitucionalmente demitidos. Ora, a anistia possui o efeito da própria reintegração, por ter a força de restabelecer todos os direitos e vantagens ilegalmente subtraídas do servidor.
Ao ser anistiado, o efeito jurídico será o mesmo da reintegração, a exceção das parcelas retroativas, devidas pela ilegal ruptura do vínculo jurídico do servidor público com o seu ente empregador, que não foi reconhecida pelo legislador.
Essa foi a razão do texto legal grafar o instituto do retorno.
Sucede que, na prática, o retorno deveria transformar em verdadeira reintegração, pois o reconhecimento da anistia já pressupõe uma reparação funcional plena, sem limitações, pois, do contrário, estar-se-á violando o próprio significado da lei anistiante.
Portanto, conclui-se:
a anistia política de que trata a Lei nº 8.878/90 possui o condão de restabelecer a situação jurídica, ilicitamente desfeita pelo poder público;
na aplicação da lei da anistia, a interpretação deve ser ampla, e não limitadora;
a mora administrativa na efetivação do retorno dos anistiados, gerou o direito aos anistiados de não sofrerem prejuízos da ativação de seus vínculos jurídicos;
é inconstitucional a manutenção do vínculo CLT, bem como o enquadramento do anistiado com base no seu último cargo e salário corrigido monetariamente.
Espera-se do poder público um tratamento mais digno e correto com os direitos e as vantagens dos servidores anistiados, que estão sofrendo nova lesão aos seus direitos individuais.
É chegada a hora de se respeitar as leis e dar o verdadeiro exemplo de que devem ser cumpridas, e não torná-las sem eficácia.
Sendo certo, que o exemplo negativo, no presente contexto, foi dado pelo próprio Estado, que demorou mais de uma década para dar efetividade a Lei nº 8.878/94, em total detrimento à dignidade da pessoa dos anistiados.
Pelo exposto, deve o Estado reparar imediatamente os danos que novamente causam aos seus servidores anistiados.
Notas
Assim está grafado o artigo inaugural da Lei nº 8.878/94: "Art. 1° - É concedida anistia aos servidores públicos civis e empregados da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, bem como aos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista sob controle da União que, no período compreendido entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992, tenham sido: I - exonerados ou demitidos com violação de dispositivo constitucional ou legal; II - despedidos ou dispensados dos seus empregos com violação de dispositivo constitucional, legal, regulamentar ou de cláusula constante de acordo, convenção ou sentença normativa; III - exonerados, demitidos ou dispensados por motivação política, devidamente caracterizado, ou por interrupção de atividade profissional em decorrência de movimentação grevista. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, exclusivamente, ao servidor titular de cargo de provimento efetivo ou de emprego permanente à época da exoneração, demissão ou dispensa."
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Art. 2° O retorno ao serviço dar-se-á, exclusivamente, no cargo ou emprego anteriormente ocupado ou, quando for o caso, naquele resultante da respectiva transformação e restringe-se aos que formulem requerimento fundamentado e acompanhado da documentação pertinente no prazo improrrogável de sessenta dias, contado da instalação da comissão a que se refere o art. 5°, assegurando-se prioridade de análise aos que já tenham encaminhado documentação à Comissão Especial constituída pelo Decreto de 23 de junho de 1993".
TRF - 1ª Região, Juíza Conv. ADMINISTRATIVO. FUNCIONALISMO. EMPREGADOS DO QUADRO DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA DISPENSADOS DURANTE O GOVERNO COLLOR DE MELLO. ANISTIA. REINTEGRAÇÃO. 1. O art. 2º da Lei 8.878/94 é expresso em afirmar que o "retorno ao serviço dar-se-á, exclusivamente, no cargo ou emprego anteriormente ocupado ou, quando for o caso, naquele resultante da respectiva transformação". 2. Os impetrantes, que eram celetistas do quadro do Ministério da Agricultura quando foram dispensados, devem retornar ao serviço submetidos ao Regime Jurídico Único, em face da transformação em cargos dos empregos ocupados pelos servidores dos Poderes da União, ex-vi do art. 243, § 1º, da Lei 8.112/90. 3. Não existência de direito líquido e certo à opção entre ocupar cargo ou emprego público. 4. Sentença mantida. Apelação não provida.Mônica Neves Aguiar Castro, AMS nº 19990100094454, 1ª T., DJ de 10/07/2001, p. 39.
TRF - 2ª Região, Rel. Des. Fed. Poul Erik Dyrlund, 8ª T. Especializada, Ap. Cível nº 421094, Processo nº: 2005.50.01.005819-3, DJ de 22/09/08, p. 689.
STF, Rel. p/ acórdão Min. Ellen Gracie, ADI nº 2135 MC/DF, Pleno, DJ de 7/03/08.
TRF - 2ª Região, Rel. Des. Fed. Fernando Marques, Ap. Cível 311683, Proc. nº 1998.51.01.030141-1, 4ª T., DJ de 1/07/2003, p. 107.
TRF - 2ª Região, Rel. Des. Fed. Fernando Marques, Processo nº 20002010352073, 6ª T. Especializada, julgado em 9/11/2005.
TRF - 2ª Região, Rel. Des. Fed. Benedito Gonçalves, remessa ex-officio e Ação Civil nº 2002.02.01.019720-9, 6ª T. Especializada, juldado em 20/06/2007.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 8. ed., Rio de Janeiro: Forense, p. 250.
MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição, tomo II, Rio de Janeiro: Forense, p. 502
FERREIRA, Pinto. Enciclopédia Saraiva de Direito, Vol. 6, São Paulo: Saraiva, p. 437.
FRAGOSO, Heleno. Lições de Direito Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 419.
STJ, citado no voto do eminente Ministro Humberto Gomes de Barros no MS n. 1.550-0, DF, 1ª Seção, DJ de 16.11.92.
STJ, MS 1.550-0-DF (92.0005026-3), Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 1ª Seção DJ de 16.11.92,
STJ, Rel. Des. Conv. Jane Silva, REsp nº 864760, 5ª t., DJ de 19/11/2007, p. 272.