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Novo entendimento da administração pública federal acerca da prescrição em direito administrativo disciplinar

Leia nesta página:

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O instituto da prescrição, no ordenamento jurídico pátrio, tem várias nuances. Em geral, todo direito subjetivo, seja ele de natureza cível, penal ou administrativa, pode ver sua concreção frustrada pelo decurso de prazo se o seu titular deixa de exercê-lo no tempo hábil.

Assim, os direitos cíveis, observados os prazos extintivos estabelecidos em lei, prescrevem se o respectivo sujeito ativo permanece inerte diante de seu descumprimento ou diante da omissão em sua realização. No ramo do direito privado, porém, há situações em que ainda que prescrita ação assecuratória do direito, se o devedor vem a adimplir a obrigação civil, não é possível para o devedor usar a ação de repetição de indébito.

Em sede direito punitivo, que é ramo do direito público, isto não ocorre. A prescrição penal e a prescrição disciplinar são matérias de ordem pública. Prescrito o direito de a Administração punir o servidor faltoso, fica o Estado impedido de aplicar a sanção cominável à infração.

No regime jurídico dos servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públicas federais, a prescrição da penalidade administrativa encontra seu fundamento legal na Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.


2. DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS

O prazo extintivo, in casu, oscila conforme a gravidade do fato ou do ato, ou no caso da reincidência da falta (apenas para o caso de dupla falta para a qual a Lei prevê pena de advertência, caso este que gera a pena de suspensão) [01].

Isto decorre do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, ambos de aplicação cogente no Direito Administrativo. Acrescidos a estes, a segurança jurídica e a estabilidade das relações interpessoais impõem que o servidor não fique ad eternum sujeito a responder por fatos ocorridos há considerável lapso de tempo.

A Lei nº 8.112, de 1990, a partir de agora chamada tão-somente de Estatuto, estipula para as infrações de natureza leve (cuja sanção prevista é de advertência) que a Administração deve efetivar, após o devido processo legal, a punição em até 180 (cento e oitenta) dias do conhecimento do fato ou da primeira interrupção do prazo prescricional, com o acréscimo de 140 dias [02] da suspensão da prescrição.

As faltas puníveis com advertência, se forem mais de uma, ou ainda no caso de reincidência, podem receber a penalidade de suspensão e, para esta, o prazo prescricional é de 2 (dois) anos (art. 130, do Estatuto).

Nos casos dos ilícitos graves ou gravíssimos, os quais acarretam as penalidades de demissão, cassação de aposentadoria e destituição do cargo em comissão (embora para esta penalidade – destituição do cargo – se exija apenas que o fato ilícito se encaixe no caso de suspensão, veja-se o art. 135), a prescrição ocorre apenas após 5 (cinco) anos contados da data em que o fato se tornou conhecido(art. 142, § 1º, da Lei nº 8.112, de 1990).

Após essas noções preliminares, adentraremos no cerne do nosso artigo.


3. DA MUDANÇA DE ENTENDIMENTO DA AGU

Acirrada discussão doutrinária surgiu quanto à fixação do dies a quo para fins de contagem do prazo extintivo.

Anteriormente, na vigência da Lei nº 1.711/52, havia lacunas quanto à contagem da prescrição. Para corrigir essa falha, a Lei nº 8.112/90 albergou alguns dispositivos que visavam resolver o problema, estabelecendo que a prescrição ocorreria em 5 (cinco) anos para as penalidades expulsórias e para a cassação da disponibilidade, em 2 (dois) anos nos casos de suspensão e em 180 (cento e oitenta) dias para a hipótese de advertência.

Em relação ao termo inicial da prescrição, estatuiu a lei nova que a contagem se inicia desde quando o fato se torna conhecido (art. 142, § 1º).

Em teoria geral de Direito existem diversas formas pelas quais se dá o conhecimento do fato ou do ato. Epistemologicamente, deveria o exegeta buscar na Teoria Geral do Direito o verdadeiro significado da norma. Alguns deveras o fizeram, como os doutos Consultores-Gerais da União.

A controvérsia, no entanto, se agravou quando a Advocacia-Geral da União e a Controladoria-Geral da União passaram a dar interpretação extensiva à norma do § 1º do art. 142 da Lei nº 8.112, entendendo que a prescrição somente começava a fluir do conhecimento do fato irregular no Gabinete do Corregedor-Geral da União ou da autoridade instauradora nas diversas entidades federais da Administração indireta.

Tal entendimento fundamentava-se no Parecer Nº GQ – 55, de 1995, do conspícuo jurisconsulto Dr. Wilson Teles de Macedo, conquanto o nobre parecerista nunca tivesse firmado esse posicionamento.

O grande jurista, no bojo do Parecer GQ Nº 55, de 1995, com a sabedoria e ciência que lhe é peculiar apenas fixou que a contagem do prazo prescricional principiava da data em que a Administração tivesse ciência da irregularidade.

Como administrativista de escol que é, o Consultor da União opinou no sentido de que o prazo se regularia pelo disposto taxativamente no diploma legal que disciplina a matéria (art. 142, e parágrafos, da Lei nº 8.112/90).

Com isto, ensinou-se que o princípio da legalidade estrita deve ser observada, não podendo a Administração, fazendo uso de verdadeiro regulamento autônomo, estender o prazo prescricional (quando a lei não o permite) para prejudicar o processado.

Todas essas considerações estão em consonância com os princípios da segurança jurídica, da legalidade, do in dubio pro réu, aliado ao fato que a própria Lei em seu artigo 143 [03]ordena que a autoridade que tomar conhecimento (e este pode se dar através de diversos veículos de comunicação) deve instaurar o processo administrativo diciplinar (lato sensu).

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Se essa autoridade não tiver atribuição de corregedor do órgão, deve encaminhar de imediato para quem de direito. Mas, em qualquer dos casos, não é plausível dizer-se que o fato é desconhecido da Administração.

Após alguns entendimentos equivocados no âmbito do Poder Executivo Federal, a Nota DECOR/CGU/AGU nº 208/2009, aprovado pelo Advogado-Geral da União, finalmente, veio sanar todas as dúvidas que poderiam existir a respeito do início da contagem do prazo extintivo asseverando que "a partir do momento que a Administração toma conhecimento da suposta irregularidade tem início o prazo de prescrição da ação disciplinar que se interrompe com a instauração de sindicância autônoma ou punitiva e de processo administrativo disciplinar válidos"(parágrafo 77 da Nota DECOR/CGU/AGU nº 208/2009).

O conhecimento do ato ou fato pela Administração pode ocorrer de diversas formas, e não somente com a entrada do processado preparatório do processo administrativo disciplinar no Gabinete do Corregedor-Geral da União.

O conhecimento de uma irregularidade pode se dar com a publicação de um extrato de contrato ou de nomeação absurda no Diário Oficial da União.

Até mesmo a publicação de um escândalo de corrupção em jornal de grande circulação nacional não poderá ser desprezado para fins de conhecimento oficial. Enfim, a própria denúncia de um cidadão, a representação de um servidor de carreira e outrossim a denúncia anônima muita vez faz tornar conhecida uma irregularidade no serviço público (embora seja essa última figura execranda, pela corvadia de quem não assina e pela dificuldade de se instruir o processo dela oriundo, face a impossibilidade de colher-se mais informações do denunciante apócrifo).


4.CONCLUSÃO

Méritos para a Consultoria-Geral da União, órgão da Advocacia-Geral da União que, com a edição vinculante, da Nota nº 208/2009, mostrou-se verdadeira defensora da segurança jurídica, da legalidade e do estado democrático, tomando mais uma vez a iniciativa alvissareira de concretizar o princípio processual maior, qual seja, a pacificação social dos conflitos no seio da sociedade brasileira.


NOTAS

  1. Art. 130. A suspensão será aplicada em caso de reincidência das faltas punidas com advertência e de violação das demais proibições que não tipifiquem infração sujeita a penalidade de demissão, não podendo exceder de 90 (noventa) dias (Lei nº 8.112, de 1990).
  2. A construção jurisprudência limitou o prazo de suspensão de prescrição disciplinar, após a regular interrupção desta, considerando que o processo se submete ao prazo de 60 dias, prorrogáveis por 60, da Comissão acrescidos dos 20 dias para o julgamento (artigos 152 e 167, do Estatuto).
  3. Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa
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Sobre o autor
Virgílio Antonio Ribeiro de Oliveira Filho

Procurador Federal. Coordenador-Geral de Processo Disciplinar e Consultor Jurídico Substituto do Ministério da Previdência Social. Presidente de Comissão de Processo Administrativo Disciplinar. Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires.Especialista em Direito Público pela ESMAPE.Ex-Assessor da Casa Civil da Presidência da República. Ex-Coordenador de Consultoria e Assessoramento Jurídico da Superintendência Nacional de Previdência Complementar-PREVIC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA FILHO, Virgílio Antonio Ribeiro. Novo entendimento da administração pública federal acerca da prescrição em direito administrativo disciplinar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2616, 30 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17288. Acesso em: 22 dez. 2024.

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