Capa da publicação Contratos internacionais entre países do BRIC. Operações de compra e venda e arbitragem comercial
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Contratos internacionais entre os países do BRIC.

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4 O ORDENAMENTO JURÍDICO DOS BRICS E A ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL

4.1 Apontamentos Gerais

Sendo a arbitragem um tema amplo, este capítulo concentrar-se-á apenas nas normas essenciais de cada um dos países BRIC a esse respeito.

Numa primeira análise, percebe-se que todos os países em estudo reconhecem a validade da cláusula contratual de arbitragem, e inclusive a possibilidade de execução de laudos arbitrais estrangeiros. A seguir, algumas considerações pontuais:

4.2 A Arbitragem na China

A arbitragem na China é regulamentada pela Lei de Arbitragem da República Popular da China, de 1994 [20]. Essa lei tem clara inspiração na Uncitral, o que facilita sua interpretação.

Via de regra, todas as disputas comerciais privadas poderão ser submetidas à arbitragem. Os temas vedados pela referida lei estão listados no Art. 3.

Artigo 3

As seguintes disputas não deverão ser submetidas à arbitragem:

1 disputas sobre casamento, adoção, guarda, manutenção de criança e herança; e

2 disputas administrativas englobadas na jurisdição do órgão administrativo relevante de acordo com a Lei.

A China adota o sistema de total vedação do recurso a tribunais internos em casos sujeitos à arbitragem conforme artigo 5° da Lei de Arbitragem e o artigo 257 da Lei Processual Civil.

Artigo 5

Uma corte popular não deverá aceitar uma ação iniciada por uma das partes se as partes houverem concluído uma convenção arbitral, salvo se a convenção arbitral for inválida.

A lei chinesa não cria a obrigação de que todas as arbitragens sejam conduzidas em território nacional e a sentença arbitral estrangeira poderá ser executada prontamente (não há a necessidade de homologação por um tribunal). Todavia, o juiz pode negar cumprimento ao laudo se considerar que a decisão viola normas peremptórias internas.

A China desestimula, contudo, a recusa do cumprimento de laudos arbitrais estrangeiros com base na ordem pública. Os tribunais chineses obedecem a um mecanismo segundo o qual, caso desejem recusar o cumprimento de um laudo arbitral estrangeiro, devem primeiro obter autorização de um tribunal superior. Após a implantação deste sistema, em 1995 [21], pouquíssimos laudos estrangeiros tiveram o seu cumprimento frustrado.

Outro ponto notável é que a lei chinesa, a fim de incentivar a utilização de instituições de arbitragem e aprimorar, desta maneira, a assistência recebida pelas partes, proíbe as arbitragens ad hoc. As partes sempre devem levar sua disputa a uma instituição arbitral regularmente constituída

Artigo 6

Uma comissão de arbitragem deverá ser selecionada pelas partes por acordo.

A jurisdição por sistema de níveis e o sistema de jurisdição distrital não se aplicam à arbitragem.

A CIETAC - China International Economic and Trade Arbitration Commission - é uma das instituições mais conhecidas.

4.3 A Arbitragem na Índia

Na Índia, a lei que regula a arbitragem é a Lei de Arbitragem e Conciliação de 1996, que revogou a lei de arbitragem anterior, de 1940, a fim de melhor se adequar à Lei Modelo de Arbitragem da UNCITRAL e à dinâmica dos negócios internacionais. Além disso, outras leis internas também são relevantes, como o seu Código de Processo Civil, de 1908 (Civil Procedure Act).

O caráter modernizante da Lei de Arbitragem de 1996 foi reconhecido pela Suprema Corte Indiana no caso Konkan Railway Corporation versus Mehul Construction Co.:

"Para atrair a confiança da comunidade mercantil internacional e [atender] às necessidades do crescente volume dos relacionamentos comerciais e negociais da Índia com o resto do mundo após a nova política de liberalização adotada pelo governo, os parlamentares indianos convenceram-se a adotar a Lei de Arbitragem e Conciliação de 1996 conforme o modelo da UNCITRAL; daí advém que, ao interpretar as provisões da Lei de 1996 as cortes não devem ignorar os objetivos do diploma. Uma comparação simples entre as diferentes provisões da Lei de Arbitragem de 1940 e da lei de Arbitragem e Conciliação de 1996 indica, inequivocamente, que a Lei de 1996 limita a intervenção judicial ao mínimo [22]. (Sumeet Kachwaha; THE ARBITRATION LAW OF INDIA: A CRITICAL ANALYSIS; Asia International Arbitrational Journal, Volume 1, Number 2, Pages 105-126.) (tradução nossa)

A Lei de Arbitragem de 1996 aplica-se também à arbitragem Internacional. A seção 2(1)(f) define Arbitragem Comercial Internacional como aquela relativa a disputas nascidas de relações jurídicas consideradas comerciais segundo o Direito Indiano, e em que pelo menos uma das partes é: uma pessoa física nacional de outro país ou residente em outro país; uma pessoa jurídica registrada em outro país, uma empresa ou associação cujo gerenciamento central e controle estejam num país que não a Índia ou se uma das partes é o Governo de um país estrangeiro.

A Índia admite a possibilidade de executar os laudos arbitrais estrangeiros diretamente perante o tribunal competente, sem necessidade de homologação. De fato, o Artigo 47 [23] da Lei de Arbitragem de 1996 menciona expressamente que, para as arbitragens internacionais executáveis em solo indiano conforme as disposições da Convenção de Nova Iorque, basta à parte apresentar ao tribunal o laudo original da arbitragem, a convenção arbitral e evidências de que se trate de uma arbitragem internacional.

A lei indiana prevê a possibilidade de recusa de execução de um laudo arbitral internacional somente em raros casos, todos em linha com os princípios da Uncitral (Ex: se as partes eram incapazes ou em arbitragens sobre matérias que digam respeito à ordem pública indiana).

4.4 A Arbitragem na Rússia

A arbitragem comercial na Rússia possui um histórico de mais de um século de tradição. Atualmente, há uma lei destinada especificamente à arbitragem internacional, a Lei Federal sobre Arbitragem Comercial Internacional, de 1993, inspirada amplamente na Lei Modelo de Arbitragem da UNCITRAL.

Arbitragens ad hoc são permitidas na Rússia, ainda que seja mais comum o envio a instituições de arbitragem, como a Corte de Arbitragem Comercial Internacional da Câmara de Comércio e Indústria de Moscou. Curiosamente, a Câmara de Comércio de Estocolmo, na Suécia, também é uma escolha tradicional na resolução de disputas relativas a investimentos estrangeiros na Rússia.

4.4.1 Escopo de aplicação

O Art. 1 da lei de arbitragem comercial internacional delimita bem o âmbito de aplicação da arbitragem internacional: [24]

Disputas resultantes de relacionamentos contratuais ou outras relações civis que surjam no curso do comércio exterior ou outra forma de relações econômicas internacionais, desde que o domicílio de pelo menos uma das partes situe-se no exterior, assim como

Disputas entre empresas que tenham capital estrangeiro, entre associações internacionais e organizações estabelecidas no território da federação russa; disputas entre os membros de tais entidades, disputas entre as referidas entidades e quaisquer outras pessoas sujeitas às leis da Federação Russa.

4.4.2. Matérias não arbitráveis

Embora a lei de arbitragem internacional permita a arbitragem em matérias virtualmente ilimitadas, desde que incluídas na esfera comercial, a lei interna de arbitragem da Rússia (O Código Arbitral da Federação Russa) apresenta uma lista considerável de matérias sobre as quais não é possível afastar a jurisdição estatal regular.

São elas [25]:

1.Assuntos da administração e ordem públicas (Ex: disputas tributárias);

2.Falências;

3.Constituição e liquidação de pessoas jurídicas;

4.Disputas entre companhias e seus acionistas ou cotistas;

5.Disputas sobre fundo de comércio.

Caso uma das partes do conflito seja uma entidade estrangeira, a lista de jurisdição exclusiva estende-se também aos conflitos sobre:

1.Propriedade estatal, incluindo privatizações;

2.Imóveis;

3.Registro de marcas e patentes;

4.Registros públicos.

A avaliação dessas matérias revestir-se-á de grande importância por ocasião da execução de laudos arbitrais estrangeiros. Mais detalhes no tópico 4.4.4.

4.4.3 Escolha da lei aplicável

O artigo 28 da lei de arbitragem internacional da Rússia franqueia às partes a escolha da lei substantiva aplicável ao conflito.

A redação do artigo merece elogios, pois embute também outras regras extremamente úteis. São elas: (i) caso as partes não indiquem a lei aplicável, o tribunal aplicará a lei de conflito de leis que julgar adequada para determinar qual lei material regerá a arbitragem; (ii) em todos os casos, o tribunal deve decidir de acordo com os termos do contrato e com os usos do comércio aplicáveis à transação.

4.4.4 Execução de laudos arbitrais internacionais

A lei russa é extremamente favorável à execução de laudos arbitrais estrangeiros. Tanto pelas disposições próprias da Lei de Arbitragens Internacionais quanto pela aplicação da Convenção de Nova Iorque de 1958.

As razões para a negação de execução de um laudo arbitral estrangeiro são basicamente as mesmas elencadas pela lei modelo da Uncitral, incluindo incapacidade das partes e vício na formação do tribunal arbitral.

Duas exceções, contudo, são causa de preocupação. O parágrafo 2º do artigo 36 menciona que não serão executados os laudos que versem sobre matérias não passíveis de arbitrabilidade segundo a lei russa ou que seja contrária às políticas públicas (ou normas públicas).

Essas duas últimas exceções foram, em diversos casos, utilizadas por cortes russas para negar exequibilidade a laudos prima facie legítimos. Situações como essas renderam às cortes do país a reputação de serem hostis aos laudos proferidos em outros países.

Para ilustrar o caso, cite-se um artigo publicado sob os auspícios da Associação dos Advogados dos Estados Unidos [26]:

Uma vez que a lista de razões para a recusa de execução é limitada pela Convenção de Nova Iorque, a violação da ordem pública frequentemente serve como a ultima ratio para a rejeição da execução. Em algumas instâncias, a ordem pública é entendida pelos tribunais muito vagamente. Um caso notório tem sido mencionado tantas vezes entre advogados e pela mídia que se tornou praticamente uma anedota. No caso United World Ltd. v Krasny Yakor (Red Ancor) a corte negou exequibilidade a um laudo arbitral cujo valor era menor que 40 mil dólares sob a alegação de que tal execução levaria a Red Ancor à falência, causando sérios danos à economia regional da sede da empresa e também à economia russa. Portanto, esses danos estariam em conflito com os interesses públicos da Rússia.

Apesar de o caso citado ser bastante dramático, o fato é que, recentemente, a execução de laudos arbitrais estrangeiros na Rússia tem se tornado mais frequente e livre de surpresas [27], indicando avanços na percepção das cortes sobre a importância deste valioso instrumento das relações comerciais internacionais.

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4.5 A Arbitragem no Brasil

A lei de arbitragem brasileira (Lei n° 9.307/1996) é claramente inspirada nos princípios da Uncitral. Seu ponto mais polêmico e capaz de gerar interesse para operadores estrangeiros é a questão da diferenciação entre cláusula arbitral e compromisso arbitral.

A fim de principiar o estudo dessa diferenciação e das peculiaridades da formação da arbitragem no Brasil, evidencia-se necessário percorrer as definições preliminares trazidas pela Lei de arbitragem.

Art. 3ºAs partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

Art. 4ºA cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.

Existindo cláusula arbitral (que deve tomar a forma escrita), o início do procedimento arbitral configura-se com a manifestação da parte interessada na instituição do juízo arbitral, cabendo à outra ou outras partes, pronunciarem-se. Concordando em cumprir o pactuado, procede-se à nomeação dos árbitros, em consonância com o que foi estabelecido na cláusula arbitral, dispondo a lei que se considera "instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro único, ou por todos, se forem vários" (art. 19)

Tem-se, pois, que o compromisso arbitral constitui ato precedente, com a manifestação da parte interessada de seu desejo de instituir o juízo arbitral, com base na obrigação prevista na cláusula compromissória. Caso a outra parte a isso se recuse e não tendo a cláusula disposições preventivas acerca dessa possibilidade, restará impedida a instituição do juízo arbitral.

O caminho que resta ao interessado é o de provocar o Judiciário, mediante distribuição de ação judicial, pedindo a citação da parte renitente para comparecer em juízo e firmar o compromisso arbitral.

Esta ação seguirá o rito ordinário e terá prosseguimento normal, inclusive na esfera recursal. Todavia, por força do artigo 520 do Código de Processo Civil:

Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:

VI - julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem.

Conclui-se que a apelação eventualmente interposta não terá efeito suspensivo, possibilitando assim, o prosseguimento da arbitragem enquanto não há sentença definitiva na esfera judicial. Em termos práticos, porém, vislumbra-se que raramente as partes quererão iniciar um procedimento arbitral sem que haja certeza quanto à sua validade e posterior possibilidade de execução.

Constata-se, portanto, que a Lei 9.307 não eliminou a necessidade do compromisso arbitral, uma vez que previu até mesmo uma ação judicial para suprir sua celebração. Tal fato é muito criticado pela doutrina, que considera esse modelo uma herança ultrapassada da dicotomia legal anterior, que, na contramão das legislações mais avançadas, traça diferença entre cláusula compromissória e compromisso arbitral.

O art. 6º da Lei prevê que a parte interessada em instituir o juízo arbitral, com base em uma cláusula compromissória, deverá convocar a outra "para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral" Conclui-se, desse dispositivo, que a cláusula, em caso de recusa de sua observância, não enseja, por si só, a instituição da arbitragem, sendo necessário sempre o compromisso.

Nesse ponto, a doutrina faz uma ressalva, apontando que, se for estabelecido que a arbitragem observará normas de alguma entidade especializada ou contiver previsão de outra forma para instituição do juízo arbitral, prevalecerá o convencionado.

Como exemplo próximo de norma institucional, pode-se mencionar o regulamento interno da Câmara de Arbitragem Empresarial Brasil – CAMARB [28], situada em Belo Horizonte, que sobre o assunto dispõe:

2.7

As partes e o(s) árbitro(s) deverão firmar o compromisso arbitral nos 7 (sete) dias que se seguirem à convocação da CAMARB para fazê-lo, devendo, no mesmo ato, efetuar o pagamento da Taxa de Administração e depositar os honorários do(s) árbitro(s).

2.8

Se qualquer das partes, tendo celebrado cláusula compromissória que designe o Regulamento de Arbitragem da CAMARB para reger a arbitragem, ou, após concordar com a instauração da arbitragem administrada pela CAMARB, deixar de indicar seu árbitro e o respectivo suplente, ou deixar de firmar o compromisso arbitral, nos prazos acima estipulados, o Conselho Diretor da CAMARB poderá, conforme o caso, designar o árbitro não indicado por uma das partes, ou árbitro único para a solução do litígio, dentre os nomes que integrarem sua Lista de Árbitros. Se for o caso, a Secretaria Geral da CAMARB convocará novamente a parte faltante para subscrever o compromisso arbitral, no prazo de 7 (sete) dias contado do recebimento da convocação.

2.9

Decorrido o prazo previsto no item precedente, e persistindo a omissão de alguma das partes em firmar o compromisso arbitral, a(s) outra(s) parte(s) poderá (ão):

(i)

requerer, na forma da lei, a citação da(s) parte(s) omissa(s) para comparecer em juízo a fim de firmar (em) o compromisso arbitral, ou

(ii)

desde que a cláusula compromissória determine a aplicação do Regulamento de Arbitragem da CAMARB, requerer a esta que promova o andamento da arbitragem, devendo a parte revel, neste caso, ser intimada de todos os atos procedimentais, podendo, a qualquer tempo, assumir o procedimento arbitral no estado em que este se encontrar. (grifo nosso)

Todavia, nada dispondo a cláusula compromissória sobre o assunto, há necessidade do compromisso antes do início do procedimento arbitral. Se houver recusa da outra parte em firmá-lo, aplica-se o procedimento do art. 7º, com requerimento ao Juiz para citar a parte resistente "para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso". Mantendo-se a recusa, ou não concordando as partes com os termos do compromisso, decidirá o Juiz, após ouvir o réu, sobre o seu conteúdo (art. 7º, §3º).

§ 3º Não concordando as partes sobre os termos do compromisso, decidirá o juiz, após ouvir o réu, sobre seu conteúdo, na própria audiência ou no prazo de dez dias, respeitadas as disposições da cláusula compromissória e atendendo ao disposto nos arts. 10 e 21, § 2º, desta Lei.

Quanto à previsão do firmamento judicial do compromisso arbitral, cabe mencionar o posicionamento de José Carlos de Magalhães:

Percebe-se, claramente, a dificuldade do legislador, ao insistir em manter a desnecessária exigência do compromisso. Não se pode convocar alguém para firmar um contrato –como é o caso do compromisso - cujas cláusulas não foram negociadas. Compromisso não é contrato de adesão, nem se pode obrigar uma parte a firmá-lo, se com ele não concordou; constitui o compromisso instrumento resultante de negociações e de acordo de vontades. O compromisso, na verdade, é negócio bilateral pelo qual as partes pactuam a resolução de uma controvérsia sobre bem disponível, de caráter patrimonial, por terceiros, sem a intervenção do Judiciário. Daí porque a infeliz disposição do artigo 7º, ao prever a citação da parte renitente para "lavrar o compromisso", pode suscitar dúvidas quanto ao caráter voluntário da arbitragem, assumindo feições de arbitragem imposta, contrariando-lhe as características principais. (...) Se a cláusula arbitral possui compulsoriedade, não haveria, a rigor, necessidade de compromisso, somente exigível quando não exista a obrigação previamente pactuada no contrato. O compromisso destinar-se-ia apenas e tão somente a estabelecer as normas de procedimento não previstas na cláusula e, nesse caso, para suprir a lacuna bastaria aplicar normas processuais de caráter supletivo, como as previstas nos artigos revogado do Código de Processo Civil, não substituídos por outros pela lei atual. Tais normas preexistem ao contrato e, assim, à cláusula arbitral; são de prévio conhecimento das partes, o que não ocorre com decisão judicial que estabelece os termos do compromisso e com os quais podem não concordar (MAGALHÃES, 2001, p.159).

Fato é que, judicial ou extrajudicial, o compromisso há de ser, via de regra, prestado antes de iniciada a arbitragem. Nesse sentido, é imperioso apontar o art. 10 da Lei 9.307, que prevê:

Art. 10.Constará, obrigatoriamente, do compromisso arbitral:

I - o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes;

II - o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros;

III - a matéria que será objeto da arbitragem; e

IV - o lugar em que será proferida a sentença arbitral.

Este artigo será fundamental para o desenvolvimento da arbitragem. Em primeiro lugar, porque seus requisitos são obrigatórios. De fato, a doutrina aponta que, à falta desses requisitos, haverá nulidade do compromisso, e conseqüentemente de toda a arbitragem.

Em segundo lugar, tem-se que o inciso IV do artigo citado é da maior importância, uma vez que do lugar da emissão da sentença arbitral dependerá a definição acerca do caráter internacional da arbitragem, por força do parágrafo único do art. 34 da Lei de Arbitragem:

Art. 34. A sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil de conformidade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos desta Lei.

Parágrafo único. Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional. (Grifo nosso)

Com efeito, aponta a doutrina que o local dos procedimentos probatórios e processuais é incapaz de definir a nacionalidade da arbitragem. Nem mesmo o lugar de execução da decisão terá qualquer influência sobre o caráter internacional do procedimento. Para tanto, o requisito essencial é o local onde será proferida a sentença.

O caráter nacional ou internacional do laudo arbitral, por sua vez, é importante porque as sentenças arbitrais estrangeiras deverão ser homologadas pelo STJ (e não mais pelo STF, por força da Emenda Constitucional n. 45) antes de sua execução no Brasil. Para tanto, a lei estabelece alguns requisitos:

Art. 38. Somente poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, quando o réu demonstrar que:

I - as partes na convenção de arbitragem eram incapazes;

II - a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida; Grifo nosso.

III - não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa;

IV - a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem;

V - a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória;

VI - a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada. (Grifo nosso)

Por outro lado, uma sentença arbitral proferida no Brasil, em conformidade com a Lei n° 9.307/1996, ainda que trate de um contrato internacional, não precisará ser homologada pelo STJ, podendo ser executada prontamente. Desta maneira, caso seja desejável a execução de uma sentença arbitral no Brasil, recomenda-se que ela seja proferida em território nacional. Esta, de fato, tem sido a prática adotada por várias empresas.

4.6 O Reconhecimento e Execução de Laudos Arbitrais pelos Países do BRIC e a Convenção de Nova Iorque de 1958

Em relação a este tratado, Rússia, China e Índia adotaram a reserva de que somente reconheceriam os laudos arbitrais de Estados partes [29], algo que não implica prejuízo no âmbito dos BRICs, já que todos são partes da convenção. A China e a Índia, contudo, adotaram também a reserva de que somente reconheceriam as sentenças arbitrais estrangeiras caso estas fossem relativas a contratos de comércio, definidos como tais conforme o seu Direito interno. O Brasil não adotou nenhuma reserva, mas o seu Direito interno somente reconhece as sentenças arbitrais relativas a direitos patrimoniais disponíveis, ainda que não meramente sobre questões comerciais.

Entretanto, devemos notar que isto não significa necessariamente que estes laudos arbitrais serão reconhecidos de imediato, uma vez que, conforme o princípio básico do Direito Internacional Privado, as sentenças estrangeiras não podem violar a ordem pública interna. Devem-se sempre observar, portanto, elementos fundamentais como a citação da outra parte, a pertinência da decisão aos limites do acordo arbitral e o cuidado para que não se arbitrem temas versando direitos indisponíveis.

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Sobre os autores
Pedro Gustavo Gomes Andrade

Assessor Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais - TJMG. Professor da Faculdade de Direito de Contagem - FDCON. Mestrando em Direito Internacional Contemporâneio pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara - ESDHC. Especialista em Estudos Diplomáticos pelo Centro de Direito Internacional - CEDIN (2013). Graduado em Direito pelas Faculdades Milton Campos (2011). Pesquisador nas áreas de direito internacional e direito comparado, teoria da jurisdição, tribunais internacionais, cooperação jurídica internacional e processo civil internacional.

Renato Schweizer

Bacharelando em Direito pela Faculdade Milton Campos. Membro do Diretório Acadêmico. Estagiário do escritório José Ornelas de Melo Advogados Associados / Noronha Advogados – MG.

Adler Antonio Jovito Araujo de Gomes Martins

advogado, consultor, graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, MBA em Gestão de Negócios pela Fundação Getúlio Vargas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Pedro Gustavo Gomes ; SCHWEIZER, Renato et al. Contratos internacionais entre os países do BRIC.: Normas aplicáveis às operações internacionais de compra e venda e à arbitragem comercial internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2634, 17 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17419. Acesso em: 29 mar. 2024.

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