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As lacunas da nova Lei de Drogas

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O Modelo dos Estados Unidos da América

Não poderíamos concluir este capítulo sem que observássemos o modelo de combate ao tráfico de drogas utilizado pelos Estados Unidos da America, considerado o maior consumidor de drogas do mundo e, conseqüentemente, o destinatário principal da droga produzida pelo mundo. Além disso, os Estados Unidos investem pesadamente em programas de prevenção e repressão ao tráfico de drogas, possuindo um programa denominado war on drugs que explicita a intenção do governo americano sobre o tema.

Muitos dos instrumentos legais estudados até agora bem como as técnicas investigativas descritas foram inspirados em modelos norte-americanos, servindo os Estados Unidos como paradigma mundial no combate ao narcotráfico.

No entanto, não é fácil para os operadores do direito de países cuja tradição jurídica está baseada no civil law ou na statutory law compreenderem o sistema jurídico de países da common law, notadamente o sistema jurídico dos Estados Unidos.

Por ser o maior e mais populoso país do mundo cujo modelo legal está baseado na common law aliado ao fato de ter um federalismo muito forte, o que garante autonomia considerável aos estados membros, a legislação americana consiste num enorme emaranhado de textos legais e enorme diversidade de entendimentos jurisprudenciais que nem sempre soam uniformes.

Para se ter uma idéia da complexidade do sistema, a lei criminal americana é composta por cinqüenta e dois códigos criminais, o código criminal federal que reveste os códigos de cada um dos cinqüenta estados e o do Distrito de Columbia, onde fica a capital Washington e não é considerado um estado. Como já mencionamos, segundo a Constituição americana, o poder para impor responsabilidade criminal é primariamente reservado aos estados, com autoridade federal limitada especialmente à crimes incomuns relacionados a interesses federais (como crimes cometidos em propriedade de jurisdição federal exclusiva como bases de exército, crimes contra certos oficiais federais, e crimes que envolvem conduta em mais de um estado que é difícil para um único processar efetivamente, como droga e ofensas de crime organizado).

A fim de tentar conceder maior similaridade a tantas legislações distintas, na década de sessenta foi concebido um Código Penal Modelo, que embora não possa ser considerado norma posta no sistema americano, mais que qualquer outro código, é a coisa mais próxima de ser um código penal americano. Isso porque o código criminal federal ou US Code,carece de sistematização além de ser incompleto teoricamente para funcionar como um código nacional.

O primeiro obstáculo para podermos eficazmente obter subsídios do sistema americano é diferenciarmos claramente aquilo que é um crime envolvendo entorpecentes de natureza estadual daquilo que é um crime de mesma natureza federal. Os primeiros são regulados pelos cinqüenta e um códigos estaduais, que foram inspirados em parte no código penal modelo e não alcançam importantes avanços decorrentes das legislações internacionais. Por outro lado, aqueles que são considerados federais e, portanto, regulados pelo US Code podem servir de paradigma nesse nosso estudo.

O US Code é um texto legal imenso que compila todos os textos legais que envolvam assuntos federais (todos os assuntos e não só matéria penal), contando com mais de 50 títulos, dentre os quais se destaca o título 21 que cuida de alimentos e drogas. Nesse título há expressa menção à Convenção de Viena, podendo-se afirmar que a parcela da legislação americana que cuida do tráfico de drogas foi a legislação do mundo que mais incorporou os mandamentos previstos na Convenção das Nações Unidas.

Em razão do sistema legal americano ser o da common law, o US Code é altamente mutável, não dependendo de extenso tramite legislativo para sua alteração.

No título 21, capítulo 13, seções 841 a 864, estão as figuras penais envolvendo drogas de competência federal. O quadro a seguir facilita a visualização dos delitos de tráfico de drogas e a conseqüente sanção [03]:

Federal Trafficking Penalties

DRUG/SCHEDULE

QUANTITY

PENALTIES

QUANTITY

PENALTIES

Cocaine (Schedule II)

500 - 4999 gms mixture

First Offense:

Not less than 5 yrs, and not more than 40 yrs. If death or serious injury, not less than 20 or more than life. Fine of not more than $2 million if an individual, $5 million if not an individual

Second Offense: Not less than 10 yrs, and not more than life. If death or serious injury, life imprisonment. Fine of not more than $4 million if an individual, $10 million if not an individual

5 kgs or more mixture

First Offense:

Not less than 10 yrs, and not more than life. If death or serious injury, not less than 20 or more than life. Fine of not more than $4 million if an individual, $10 million if not an individual.

Second Offense: Not less than 20 yrs, and not more than life. If death or serious injury, life imprisonment. Fine of not more than $8 million if an individual, $20 million if not an individual.

2 or More Prior Offenses: Life imprisonment

Cocaine Base (Schedule II)

5-49 gms mixture

50 gms or more mixture

Fentanyl (Schedule II)

40 - 399 gms mixture

400 gms or more mixture

Fentanyl Analogue (Schedule I)

10 - 99 gms mixture

100 gms or more mixture

Heroin (Schedule I)

100 - 999 gms mixture

1 kg or more mixture

LSD (Schedule I)

1 - 9 gms mixture

10 gms or more mixture

Methamphetamine (Schedule II)

5 - 49 gms pure or 50 - 499 gms mixture

50 gms or more pure or 500 gms or more mixture

PCP (Schedule II)

10 - 99 gms pure or 100 - 999 gms mixture

100 gm or more pure or 1 kg or more mixture

PENALTIES

Other Schedule I & II drugs (and any drug product containing Gamma Hydroxybutyric Acid)

Any amount

First Offense: Not more that 20 yrs. If death or serious injury, not less than 20 yrs, or more than Life. Fine $1 million if an individual, $5 million if not an individual.

Second Offense: Not more than 30 yrs. If death or serious injury, not less than life. Fine $2 million if an individual, $10 million if not an individual

Flunitrazepam
(Schedule IV)

1 gm or more

Other Schedule III drugs

Any amount

First Offense: Not more than 5 years. Fine not more than $250,000 if an individual, $1 million if not an individual.

Second Offense: Not more 10 yrs. Fine not more than $500,000 if an individual, $2 million if not an individual

Flunitrazepam (Schedule IV)

30 to 999 mgs

All other Schedule IV drugs

Any amount

First Offense: Not more than 3 years. Fine not more than $250,000 if an individual, $1 million if not an individual.

Second Offense: Not more than 6 yrs. Fine not more than $500,000 if an individual, $2 million if not an individual.

Flunitrazepam (Schedule IV)

Less than 30 mgs

All Schedule V drugs

Any amount

First Offense: Not more than 1 yr. Fine not more than $100,000 if an individual, $250,000 if not an individual.

Second Offense: Not more than 2 yrs. Fine not more than $200,000 if an individual, $500,000 if not an individual.

Federal Trafficking Penalties - Marijuana

DRUG

QUANTITY

1st OFFENSE

2nd OFFENSE

Marijuana

1,000 kg or more mixture; or 1,000 or more plants

  • Not less than 10 years, not more than life
  • If death or serious injury, not less than 20 years, not more than life
  • Fine not more than $4 million if an individual, $10 million if other than an individual
  • Not less than 20 years, not more than life
  • If death or serious injury, mandatory life
  • Fine not more than $8 million if an individual, $20 million if other than an individual

Marijuana

100 kg to 999 kg mixture; or 100 to 999 plants

  • Not less than 5 years, not more than 40 years
  • If death or serous injury, not less than 20 years, not more than life
  • Fine not more than $2 million if an individual, $5 million if other than an individual
  • Not less than 10 years, not more than life
  • If death or serious injury, mandatory life
  • Fine not more than $4 million if an individual, $10 million if other than an individual

Marijuana

more than 10 kgs hashish; 50 to 99 kg mixture

more than 1 kg of hashish oil; 50 to 99 plants

  • Not more than 20 years
  • If death or serious injury, not less than 20 years, not more than life
  • Fine $1 million if an individual, $5 million if other than an individual
  • Not more than 30 years
  • If death or seroius injury, mandatory life
  • Fine $2 million if an individual, $10 million if other than individual

Marijuana

1 to 49 plants; less than 50 kg mixture

  • Not more than 5 years
  • Fine not more than $250,000, $1 million other than individual

  • Not more than 10 years
  • Fine $500,000 if an individual, $2 million if other than individual

Hashish

10 kg or less

Hashish Oil

1 kg or less

Desde logo é possível observar que a legislação federal americana antidrogas diferencia os diversos delitos de tráfico em razão da natureza da droga, de sua quantidade e da reincidência ou não do agente. As penas privativas de liberdade iniciam-se com apenamento mínimo muito alto podendo chegar à prisão perpétua em casos com morte ou lesões gravíssimas.

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Mas não é só. No caso da figura penal de continuing criminal enterprise, prevista na seção 848 e que equivale a nossa associação para tráfico, prevista no art. 35 da Lei nº 11.343/06, a lei americana permite até a pena de morte, como se vê:

Sec. 848. Continuing criminal enterprise

........................................

(e) Death penalty

(1) In addition to the other penalties set forth in this section -

(A) any person engaging in or working in furtherance of a continuing criminal enterprise, or any person engaging in an offense punishable under section 841(b)(1)(A) of this title or section 960(b)(1) of this title who intentionally kills or counsels, commands, induces, procures, or causes the intentional killing of an individual and such killing results, shall be sentenced to any term of imprisonment, which shall not be less than 20 years, and which may be up to life imprisonment, or may be sentenced to death; and

(B) any person, during the commission of, in furtherance of, or while attempting to avoid apprehension, prosecution or service of a prison sentence for, a felony violation of this subchapter or subchapter II of this chapter who intentionally kills or counsels, commands, induces, procures, or causes the intentional killing of any Federal, State, or local law enforcement officer engaged in, or on account of, the performance of such officer's official duties and such killing results, shall be sentenced to any term of imprisonment, which shall not be less than 20 years, and which may be up to life imprisonment, or may be sentenced to death (sublinhamos) (ESTADOS UNIDOS, 2000).

Tal rigidez decorre da seriedade com que o combate à criminalidade organizada transnacional é encarado no País. Já discorremos que a Convenção de Viena e principalmente a Convenção de Palermo preconizam punição rigorosa a esse tipo de criminalidade. No entanto, as Nações Unidas não coadunam com a pena de morte, permanecendo tal incorporação exclusividade do modelo americano.

Nas seções 951 a 971, capitulo 13, título 21 do US Code estão as condutas envolvendo importação e exportação de substancias entorpecentes, que equivaleria ao nosso tráfico internacional. Basicamente são as mesmas já mencionadas, com mesmo apenamento. Como nos Estados Unidos a importação e exportação de bens é de atribuição do Secretário do Tesouro, outras agencias concorrem em paralelo com o Drug Enforcement Administration – DEA no combate ao tráfico internacional, tais como o US Customs (alfândega) e o Homeland Security.

O US Code extrapola a soberania americana e prevê a possibilidade de apenamento para crimes de tráfico de drogas mesmo fora de seu território, como podemos observar no capitulo 24 do titulo 21:

Chapter 24 – International Narcotics Trafficking

Sec. 1902. Purpose

The purpose of this chapter is to provide authority for the identification of, and application of sanctions on a worldwide basis to, significant foreign narcotics traffickers, their organizations, and the foreign persons who provide support to those significant foreign narcotics traffickers and their organizations, whose activities threaten the national security, foreign policy, and economy of the United States (ESTADOS UNIDOS, 2000).

No que diz respeito à investigação criminal também há uma significativa distinção em relação ao sistema jurídico brasileiro. Em razão da common law e do julgamento através de júri, não há, em esfera federal, um regramento que defina especificamente os meios de prova admitidos numa investigação. Pelo contrario, qualquer prova obtida terá valor legal sempre que um juiz assim a reconhecer – sistema das evidencias. Dessa forma, cabe ao juiz e principalmente aos jurados a tarefa de aceitar e valorar a prova obtida pelas agencias federais de investigação. Existe um ato legal, denominado Federal Rules of Evidence, que dita regras básicas de licitude e valoração de provas, no entanto não as define especificamente.

Dessa forma, ante a possibilidade de criar, podemos creditar ao sistema de persecução penal americano a criação de algumas das modernas técnicas de investigação usadas atualmente, tais como a interceptação telefônica, a entrega controlada, a ação encoberta, entre outras. Vale ressaltar que tais métodos são usados em larga escala nas investigações levadas a efeito pelo Drug Enforcement Administration – DEA, inclusive quando atua em conjunto com forças policiais estrangeiras.

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Sobre o autor
Gilberto José Pinheiro Júnior

Delegado de Polícia Federal. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Mackenzie. Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHEIRO JÚNIOR, Gilberto José. As lacunas da nova Lei de Drogas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2638, 21 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17423. Acesso em: 26 abr. 2024.

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