7.A CRIMINALIZAÇÃO COMO NECESSIDADE DE EXPANSÃO DOS MECANISMOS DE CONTROLE SOCIAL
7.1.Algumas Considerações
Encerrado o processo de formação dos Estados Modernos teve início uma gama de preocupação com a formação de um sistema penal, como forma necessária para o controle social. Tem início, assim um processo de criminalização, cujo principal objetivo é exercer forte controle das massas, incriminando-as e encarcerando-as a fim de mitigar o problema social vigente. Nessa esteira Zaffaroni fala de um processo de criminalização primária, que para ele, é um programa tão imenso que nunca e em nenhum país se pretendeu levá-lo a cabo em toda a sua extensão e nem sequer em parte considerável, porque é inimaginável. [32]
Zaffaroni explica que todas as sociedades contemporâneas que institucionalizam ou formalizam o poder do Estado, selecionaram um reduzido grupo de pessoas a fim de impor-lhes a lei e as sanções desta. [33] A essa seleção Zaffaroni chama de criminalização que deve ser levada a cabo como meio de controle social. Citando Schneider, o douto jurista argentino aduz que, littheris: El proceso selectivo de criminalización se desarrolla en dos etapas, denominadas espectivamente, primaria y secundaria. [34] Para Zaffaroni, a criminalização primária é o ato e o efeito de sancionar uma lei penal material, que incrimina ou permite a punição de certas pessoas. Por criminalização secundária, o mestre argentino diz ser a ação punitiva exercida sobre pessoas concretas, que tem lugar quando as agencias policias detectam uma pessoa, a que se atribua a realização de certos atos que foram criminalizados primariamente. [35]
7.2.O Direito Penal como mecanismo de Controle Social
É de comezinho conhecimento que o Direito Penal é o ramo do direito que foi concebido para o controle social, talvez por isso se explique seu caráter sancionador e desta forma intimidador. Nessa esteira, Zaffaroni e Pierangeli ensinam que o sistema penal é a parte do controle social que resulta institucionalizado em forma punitiva e com discurso punitivo. [36] O Sistema Penal, assim mencionado pelos autores acima, como eles esclarecem, é o controle social punitivo institucionalizado.
Na sociedade moderna vigoram leis e normas de condutas que servem para a manutenção mínima do controle social e, nesse diapasão, o direito penal ocupa lugar de destaque dentro de um sistema de controle global das pessoas. Assim, o controle social penal como afirma GARCIA-PABLOS, é um subsistema dentro do sistema global desse controle social. [37] Com efeito, acreditamos que dentro desse subsistema mencionado está o direito penal, funcionando como a mão de ferro do Estado, aquela que não assopra depois de bater. Entretanto, nessa concepção, não há que se atribuir ao direito penal papel maior do que deve ter, pois o resultado é por demais danoso para a sociedade e para o próprio direito penal, enquanto ciência. Bem interpreta essa situação o professor Muñoz Conde, citado por Paulo Queiroz, quando aduz que num tal contexto, o direito penal representa apenas a ponta do iceberg, em que o que não se vê (as primeiras instâncias primárias de controle social) é talvez o que realmente importa. [38]Ainda na lição de Muñoz Conde acerca de o direito penal ser apenas a ponta do iceberg, não podemos deixar de considerar que o papel do direito penal é o mais severo e ardoroso antes aos demais institutos de controle social, como por exemplo a psiquiatria e o urbanismo, como veremos a seguir.
Por fim, ser a ponta do iceberg não confere tanta primazia, ao contrário, é como o prego que se mostra ante aos demais, só leva martelada. Assim tem sido o direito penal, pois conferir lugar de tanto destaque como fez o legislador, deixou-o à mercê de todo um conjunto de críticas que o tem debilitado ao longo do tempo, dado a relevância ocupada ante às demais ferramentas de controle social.
7.3.A Psiquiatria e o urbanismo como mecanismo de Controle Social
A exemplo do direito penal, também a psiquiatria e o urbanismo foram largamente utilizados como meio de controle social numa época – final do século XIX para início do século XX – em que as ciências modernas estavam florescendo. Portanto, não resta dúvida que o racismo e outras formas de discriminação foram importantes no processo de controle das massas populacionais, exercendo papel relevante. O que ocorreu foi que tanto a psiquiatria quanto o urbanismo foram aos poucos inseridos, de forma política e socialmente, no seio das sociedades em todo o mundo. No caso da psiquiatria, por exemplo, revelou-se "eficaz" ferramenta de controle nas mãos do Estado. Veja-se, por exemplo, os casos da Alemanha nazista e da União Soviética sob Psikhushka. Nesse contexto, não podemos nos esquecer da África do Sul e sua política de apartheid que é um bom exemplo de onde a psiquiatria foi utilizada tanto como forma de controle social quanto política.
Quanto ao urbanismo como meio de controle social é uma idéia por demais sedimentada na sociedade. Se a psiquiatria ocupa lugar de destaque na mencionada segregação racial, o urbanismo, da mesma forma, ocupa lugar de grande relevância, pois atua tanto na segregação racial quanto na espacial. Isto porque, saindo de sua função social mais óbvia e elementar, que é zelar pela boa qualidade de vida das pessoas, o urbanismo, quando do seu nascimento como campo científico, na passagem do século XIX para o século XX, foi utilizado como ferramenta de segregação espacial, pois dado o inchaço populacional da época, era óbvio que as cidades não comportariam a demanda populacional.
8.CONCLUSÃO
O controle social por meio de políticas estatais não é um fenômeno novo na história da humanidade, ao contrário, conforme se verificou no decorrer do presente trabalho, o Estado, desde sua formação moderna, ocorrida após a Idade Média, esteve às volta com problemas relacionados ao inchaço populacional e seu efetivo controle. Desta forma, conclui-se que o Estado não tem conseguido cumprir com seu papel constitucional no sentido de implementar políticas criminais eficazes. Nesse sentido, veja, por exemplo, as políticas criminais do século XIX e seguintes, que não tiveram o condão de fazer valer as garantias aos direitos inalienáveis dos cidadãos. Conclui-se também que a utilização da criminalização, da psiquiatria e do urbanismo, como meio de controle social, se mostrou inapta aos objetivos almejados. Por fim, vale ressaltar as modificações constitucionais que vêm ocorrendo em países da América Latina, como a Bolívia, onde se percebe o nascimento de um novo modelo de Estado capaz de agregar as reais necessidades dos diversos povos que o compõem, o denominado Estado Plurinacional.
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Notas
- A burguesia é uma classe social que surgiu nos primeiros séculos da Idade Média na Europa (séculos XI e XII) com o renascimento comercial e urbano. Dedicava-se ao comércio de mercadorias (roupas, especiarias, joias) e prestação de serviços (atividades financeiras). Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Burguesia.
- ANDERSON, Perry. Leneages of the Absolutist State, Verso Edition, Londres, 1979, pg. 18 – Edição brasileira: Linhagem do Estado Absolutista, Brasiliense: São Paulo, 1986.
- TORRES, João Carlos Brum, Figuras do Estado Moderno, Representação Política no Ocidente, CNPq, Brasiliense, 1989, pg. 40.
- TORRES, João Carlos Brum. Idem, pg. 46. Nesse sentido, ver "State – and Nation – Building in Europe: The Role the Military", in Tilly, Charles (ed.), The Formation of National States in Western Europe, Princeton University Press, Princeton, 1975, p. 85.
- ANDERSON, Perry. Ob. Cit. pg. 19.
- REZENDE, Antonio Paulo, DIDIER, Maria Tereza. Rumos da História: História Geral e do Brasil. – São Paulo: Atual, 2001, pg. 141.
- Idem.
- Frimário (frimaire em francês) era o terceiro mês do Calendário Revolucionário Francês que esteve em vigor na França de 22 de setembro de 1792 a 31 de dezembro de 1805. Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/Frimário.
- JOUVENEL, de Bertrand, As origens do Estado Moderno. Tradução de Mamede de Souza Freitas. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1978, pg. 113.
- Emmanuel Joseph Sieyès (Fréjus, 3 de maio de 1748 - Paris, 20 de junho de 1836) foi um político, escritor e eclesiástico francês. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Emmanuel_Joseph_Siey%C3%A8s.
- JOUVENEL, de Bertrand. Idem, pg. 114.
- REZENDE, Antonio Paulo, DIDIER, Maria Tereza. Ob. Cit. Pg. 141.
- Documento assinado pelo rei francês Francisco I e pelo papa Leão X, garantia ao rei o direito de nomear pessoas de sua confiança para cargos de prestígio na Igreja da França – o que diminuiu a interferência do papa na política interna do país.
- Absoluto vem do latim solutus ab omni re, compreendendo o que é "em si e por si", independentemente de qualquer outra consideração ou condição: é a quinta-essência da abstração, a essência e o termo da generalização. "Assim o absoluto foi considerado por uns como a idéia, como a verdade, como o princípio fundamental, de que derivam todos os outros, como o Ser por excelência, princípio e causa de tudo quanto existe,ao passo que para outros, apenas representa uma pseudo-idéia (Hamilton), "Uma noção vazia de sentido" (Renouvier). Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Absoluto.
- MORRIS, Clarence. (Organizador). Os Grandes Filósofos do Direito. Tradução: GUARANY, Reinaldo. Martins Fontes, São Paulo: 2002, pg. 115.
- REZENDE, Antonio Paulo, DIDIER, Maria Tereza. Ob. Cit. Pg. 140.
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- REZENDE, Antonio Paulo, DIDIER, Maria Tereza. Ob. Cit. Pg. 141.
- HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. Tradução: Marcos Santarrita.Revisão Técnica: Maria Célia Paoli – Companhia das Letras, São Paulo: 1995, pg. 113.
- Idem. pg. 116.
- Bis Idem, pg. 138.
- CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª Ed. Livraria Almeida, Coimbra, 2002, pg. 93.
- Idem.
- Bis, idem.
- MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Bioética no estado de direito plurinacional . Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2386, 12 jan. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14151>. Acesso em: 08 abr. 2010.
- Idem.
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- Idem.
- ZAFFARONI, Eugênio Raul. Derecho Penal: Parte General. Alejandro Slokar y Alejandro Alagia – 2ª edición. Ediar Sociedad Anónima Editora, Buenos Aires, Argentina, 2002, pg. 07.
- ZAFFARONI, Eugênio Raul. Idem.
- Bis Idem.
- Idem. Bis. Idem.
- ZAFFARONI, Eugênio Raul. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, Vol. I: Parte Geral. 8ª Ed. rev. e atualizada. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, pg. 65.
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- MUÑOZ CONDE, Francisco. Derecho Penal y Control Social. Fundação Universitária de Jerez, Jerez. 1985, pg. 17. Fonte: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/17161/16725#_ftn2.