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Direito Penal Constitucional: da formação dos Estados modernos à política de criminalização como forma de controle social

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19/09/2010 às 09:43
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7.A CRIMINALIZAÇÃO COMO NECESSIDADE DE EXPANSÃO DOS MECANISMOS DE CONTROLE SOCIAL

7.1.Algumas Considerações

Encerrado o processo de formação dos Estados Modernos teve início uma gama de preocupação com a formação de um sistema penal, como forma necessária para o controle social. Tem início, assim um processo de criminalização, cujo principal objetivo é exercer forte controle das massas, incriminando-as e encarcerando-as a fim de mitigar o problema social vigente. Nessa esteira Zaffaroni fala de um processo de criminalização primária, que para ele, é um programa tão imenso que nunca e em nenhum país se pretendeu levá-lo a cabo em toda a sua extensão e nem sequer em parte considerável, porque é inimaginável. [32]

Zaffaroni explica que todas as sociedades contemporâneas que institucionalizam ou formalizam o poder do Estado, selecionaram um reduzido grupo de pessoas a fim de impor-lhes a lei e as sanções desta. [33] A essa seleção Zaffaroni chama de criminalização que deve ser levada a cabo como meio de controle social. Citando Schneider, o douto jurista argentino aduz que, littheris: El proceso selectivo de criminalización se desarrolla en dos etapas, denominadas espectivamente, primaria y secundaria. [34] Para Zaffaroni, a criminalização primária é o ato e o efeito de sancionar uma lei penal material, que incrimina ou permite a punição de certas pessoas. Por criminalização secundária, o mestre argentino diz ser a ação punitiva exercida sobre pessoas concretas, que tem lugar quando as agencias policias detectam uma pessoa, a que se atribua a realização de certos atos que foram criminalizados primariamente. [35]

7.2.O Direito Penal como mecanismo de Controle Social

É de comezinho conhecimento que o Direito Penal é o ramo do direito que foi concebido para o controle social, talvez por isso se explique seu caráter sancionador e desta forma intimidador. Nessa esteira, Zaffaroni e Pierangeli ensinam que o sistema penal é a parte do controle social que resulta institucionalizado em forma punitiva e com discurso punitivo. [36] O Sistema Penal, assim mencionado pelos autores acima, como eles esclarecem, é o controle social punitivo institucionalizado.

Na sociedade moderna vigoram leis e normas de condutas que servem para a manutenção mínima do controle social e, nesse diapasão, o direito penal ocupa lugar de destaque dentro de um sistema de controle global das pessoas. Assim, o controle social penal como afirma GARCIA-PABLOS, é um subsistema dentro do sistema global desse controle social. [37] Com efeito, acreditamos que dentro desse subsistema mencionado está o direito penal, funcionando como a mão de ferro do Estado, aquela que não assopra depois de bater. Entretanto, nessa concepção, não há que se atribuir ao direito penal papel maior do que deve ter, pois o resultado é por demais danoso para a sociedade e para o próprio direito penal, enquanto ciência. Bem interpreta essa situação o professor Muñoz Conde, citado por Paulo Queiroz, quando aduz que num tal contexto, o direito penal representa apenas a ponta do iceberg, em que o que não se vê (as primeiras instâncias primárias de controle social) é talvez o que realmente importa. [38]Ainda na lição de Muñoz Conde acerca de o direito penal ser apenas a ponta do iceberg, não podemos deixar de considerar que o papel do direito penal é o mais severo e ardoroso antes aos demais institutos de controle social, como por exemplo a psiquiatria e o urbanismo, como veremos a seguir.

Por fim, ser a ponta do iceberg não confere tanta primazia, ao contrário, é como o prego que se mostra ante aos demais, só leva martelada. Assim tem sido o direito penal, pois conferir lugar de tanto destaque como fez o legislador, deixou-o à mercê de todo um conjunto de críticas que o tem debilitado ao longo do tempo, dado a relevância ocupada ante às demais ferramentas de controle social.

7.3.A Psiquiatria e o urbanismo como mecanismo de Controle Social

A exemplo do direito penal, também a psiquiatria e o urbanismo foram largamente utilizados como meio de controle social numa época – final do século XIX para início do século XX – em que as ciências modernas estavam florescendo. Portanto, não resta dúvida que o racismo e outras formas de discriminação foram importantes no processo de controle das massas populacionais, exercendo papel relevante. O que ocorreu foi que tanto a psiquiatria quanto o urbanismo foram aos poucos inseridos, de forma política e socialmente, no seio das sociedades em todo o mundo. No caso da psiquiatria, por exemplo, revelou-se "eficaz" ferramenta de controle nas mãos do Estado. Veja-se, por exemplo, os casos da Alemanha nazista e da União Soviética sob Psikhushka. Nesse contexto, não podemos nos esquecer da África do Sul e sua política de apartheid que é um bom exemplo de onde a psiquiatria foi utilizada tanto como forma de controle social quanto política.

Quanto ao urbanismo como meio de controle social é uma idéia por demais sedimentada na sociedade. Se a psiquiatria ocupa lugar de destaque na mencionada segregação racial, o urbanismo, da mesma forma, ocupa lugar de grande relevância, pois atua tanto na segregação racial quanto na espacial. Isto porque, saindo de sua função social mais óbvia e elementar, que é zelar pela boa qualidade de vida das pessoas, o urbanismo, quando do seu nascimento como campo científico, na passagem do século XIX para o século XX, foi utilizado como ferramenta de segregação espacial, pois dado o inchaço populacional da época, era óbvio que as cidades não comportariam a demanda populacional.


8.CONCLUSÃO

O controle social por meio de políticas estatais não é um fenômeno novo na história da humanidade, ao contrário, conforme se verificou no decorrer do presente trabalho, o Estado, desde sua formação moderna, ocorrida após a Idade Média, esteve às volta com problemas relacionados ao inchaço populacional e seu efetivo controle. Desta forma, conclui-se que o Estado não tem conseguido cumprir com seu papel constitucional no sentido de implementar políticas criminais eficazes. Nesse sentido, veja, por exemplo, as políticas criminais do século XIX e seguintes, que não tiveram o condão de fazer valer as garantias aos direitos inalienáveis dos cidadãos. Conclui-se também que a utilização da criminalização, da psiquiatria e do urbanismo, como meio de controle social, se mostrou inapta aos objetivos almejados. Por fim, vale ressaltar as modificações constitucionais que vêm ocorrendo em países da América Latina, como a Bolívia, onde se percebe o nascimento de um novo modelo de Estado capaz de agregar as reais necessidades dos diversos povos que o compõem, o denominado Estado Plurinacional.

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BIBLIOGRAFIA

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Burguesia.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Absoluto.


Notas

  1. A burguesia é uma classe social que surgiu nos primeiros séculos da Idade Média na Europa (séculos XI e XII) com o renascimento comercial e urbano. Dedicava-se ao comércio de mercadorias (roupas, especiarias, joias) e prestação de serviços (atividades financeiras). Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Burguesia.
  2. ANDERSON, Perry. Leneages of the Absolutist State, Verso Edition, Londres, 1979, pg. 18 – Edição brasileira: Linhagem do Estado Absolutista, Brasiliense: São Paulo, 1986.
  3. TORRES, João Carlos Brum, Figuras do Estado Moderno, Representação Política no Ocidente, CNPq, Brasiliense, 1989, pg. 40.
  4. TORRES, João Carlos Brum. Idem, pg. 46. Nesse sentido, ver "State – and Nation – Building in Europe: The Role the Military", in Tilly, Charles (ed.), The Formation of National States in Western Europe, Princeton University Press, Princeton, 1975, p. 85.
  5. ANDERSON, Perry. Ob. Cit. pg. 19.
  6. REZENDE, Antonio Paulo, DIDIER, Maria Tereza. Rumos da História: História Geral e do Brasil. – São Paulo: Atual, 2001, pg. 141.
  7. Idem.
  8. Frimário (frimaire em francês) era o terceiro mês do Calendário Revolucionário Francês que esteve em vigor na França de 22 de setembro de 1792 a 31 de dezembro de 1805. Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/Frimário.
  9. JOUVENEL, de Bertrand, As origens do Estado Moderno. Tradução de Mamede de Souza Freitas. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1978, pg. 113.
  10. Emmanuel Joseph Sieyès (Fréjus, 3 de maio de 1748 - Paris, 20 de junho de 1836) foi um político, escritor e eclesiástico francês. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Emmanuel_Joseph_Siey%C3%A8s.
  11. JOUVENEL, de Bertrand. Idem, pg. 114.
  12. REZENDE, Antonio Paulo, DIDIER, Maria Tereza. Ob. Cit. Pg. 141.
  13. Documento assinado pelo rei francês Francisco I e pelo papa Leão X, garantia ao rei o direito de nomear pessoas de sua confiança para cargos de prestígio na Igreja da França – o que diminuiu a interferência do papa na política interna do país.
  14. Absoluto vem do latim solutus ab omni re, compreendendo o que é "em si e por si", independentemente de qualquer outra consideração ou condição: é a quinta-essência da abstração, a essência e o termo da generalização. "Assim o absoluto foi considerado por uns como a idéia, como a verdade, como o princípio fundamental, de que derivam todos os outros, como o Ser por excelência, princípio e causa de tudo quanto existe,ao passo que para outros, apenas representa uma pseudo-idéia (Hamilton), "Uma noção vazia de sentido" (Renouvier). Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Absoluto.
  15. MORRIS, Clarence. (Organizador). Os Grandes Filósofos do Direito. Tradução: GUARANY, Reinaldo. Martins Fontes, São Paulo: 2002, pg. 115.
  16. REZENDE, Antonio Paulo, DIDIER, Maria Tereza. Ob. Cit. Pg. 140.
  17. RIBEIRO, Renato Janine. A Etiqueta no Antigo Regime. Brasiliense. São Paulo, 1989, pg. 94.
  18. REZENDE, Antonio Paulo, DIDIER, Maria Tereza. Ob. Cit. Pg. 141.
  19. HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. Tradução: Marcos Santarrita.Revisão Técnica: Maria Célia Paoli – Companhia das Letras, São Paulo: 1995, pg. 113.
  20. Idem. pg. 116.
  21. Bis Idem, pg. 138.
  22. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª Ed. Livraria Almeida, Coimbra, 2002, pg. 93.
  23. Idem.
  24. Bis, idem.
  25. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Bioética no estado de direito plurinacional . Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2386, 12 jan. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14151>. Acesso em: 08 abr. 2010.
  26. Idem.
  27. MIR PUIG, Santiago. Derecho Penal – Parte General. Euros Editores, Buenos Aires, Argentina: 1984, pg. 50.
  28. GARCIA-PABLOS de Molina, Antonio. Tratado de Criminologia. 1ª Ed. – Santa Fé: Rubinzal_Culzoni, 2009, Tomo I, pg. 361.
  29. KAISER, Günther. Criminologia. Uma introducción a sus fundamentos científicos. Tradução por José Belloch Zimmerman. Madrid: Espasa-Calpe, 1983, pg. 24.
  30. LISZT, Franz von. Tratado de Direito Penal Alemão. Traduzido por José Higino Duarte Pereira – Russell Editores. Campinas: 2003, pg. 153.
  31. Idem.
  32. ZAFFARONI, Eugênio Raul. Derecho Penal: Parte General. Alejandro Slokar y Alejandro Alagia – 2ª edición. Ediar Sociedad Anónima Editora, Buenos Aires, Argentina, 2002, pg. 07.
  33. ZAFFARONI, Eugênio Raul. Idem.
  34. Bis Idem.
  35. Idem. Bis. Idem.
  36. ZAFFARONI, Eugênio Raul. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, Vol. I: Parte Geral. 8ª Ed. rev. e atualizada. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, pg. 65.
  37. Ob. Cit. pg. 211.
  38. MUÑOZ CONDE, Francisco. Derecho Penal y Control Social. Fundação Universitária de Jerez, Jerez. 1985, pg. 17. Fonte: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/17161/16725#_ftn2.
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Sobre o autor
Antonio Sólon Rudá

Jurista brasileiro, especialista em ciências criminais, MSc student (Teoria do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Portugal); Ph.D. student (Ciências Criminais na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - Portugal); Autor da Teoria Significativa da Imputação, apresentada na obra "Fundamentos de la Teoría Significativa de la Imputación", publicada pela Editora Bosch, de Barcelona, Espanha, onde apresenta um novo conceito para o dolo e a imprudência sob a filosofia da linguagem, defendendo o fim de qualquer classificação para o dolo, e propõe classificar a imprudência consciente em gravíssima, grave e leve. É advogado e autor de diversas obras jurídicas como: Breve historia del Derecho Penal y de la Criminología, cujo prólogo foi escrito pelo Professor Doutor Eugenio Raúl Zaffaroni; e Dolo e Imprudência, um viaje crítico por la historia de la imputación. Todos publicados pela Editora Bosch, Barcelona, Espanha.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUDÁ, Antonio Sólon. Direito Penal Constitucional: da formação dos Estados modernos à política de criminalização como forma de controle social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2636, 19 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17441. Acesso em: 25 abr. 2024.

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