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Impunidade no trânsito: suspensão do direito de dirigir x embriaguez ao volante

23/09/2010 às 08:45
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Há poucos dias atrás, um motorista profissional, que teve sua Carteira Nacional de Habilitação suspensa por ser flagrado dirigindo embriagado, acabou sendo privilegiado por uma decisão proferida, em sede de liminar, pela 3ª Vara Cível da Cidade de Bagé.

Foi decidido pelo magistrado que, durante o horário de trabalho, o condutor infrator terá assegurado o seu direito de dirigir. Nos finais de semana, porém, deverá entregar seu documento de Habilitação à Delegacia de Polícia Civil da cidade de Bagé, onde reside.

A decisão foi fundamentada no Direito Constitucional de que ninguém pode ser privado de exercer sua atividade profissional, desde que não seja ilegal, e o de que a pena não pode ser estendida a outras pessoas. O argumento maior é o de que a perda da carteira de habilitação deste motorista acarretaria uma punição também a sua família.

Este entendimento vem gerando polêmica, uma vez que contraria o estabelecido no Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 165. A medida administrativa que se impõe nesse caso, visto tratar-se de uma infração gravíssima, seria a retenção do veículo e o recolhimento do documento de habilitação. A penalidade, além da multa, é a suspensão do direito de dirigir do condutor.

Impende destacar que não existe na lei nenhuma exceção a essa medida. Entretanto, no caso em tela, apegou-se o magistrado a princípios Constitucionais, a fim de fundamentar seu entendimento e deixar de penalizar o motorista nos termos legais.

Analisando o presente caso e observando a decisão final proferida, inafastável a conclusão de que o caminho mais justo para a solução deste caso, data venia, não foi seguido pelo douto magistrado, uma vez que, ao que parece, deixou de aplicar um dos mais relevantes princípios do direito brasileiro: o princípio da proporcionalidade. Isso porque, quando dois ou mais interesses estão em conflito, cabe ao Judiciário, após a devida ponderação, decidir qual interesse será sacrificado em detrimento do outro.

O princípio da proporcionalidade, que também é um princípio constitucional, deve ser utilizado em casos exatamente como este, quando duas regras podem ser consideradas corretas para um determinado caso. E dentre os princípios do novo Direito Constitucional, este ganha cada vez mais relevo, inclusive na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Nesse sentido, o relevante princípio cumpre a importante missão de funcionar como critério para solução de conflitos de direitos fundamentais, através de juízos comparativos de ponderação dos interesses envolvidos no caso concreto.

Inclusive, nos dias atuais, a inobservância ou lesão a um princípio pode ser vista como a mais grave das inconstitucionalidades, uma vez que, conforme Paulo Bonavides: "sem princípio não há ordem constitucional e sem ordem constitucional não há democracia nem Estado de Direito". Portanto, o princípio da proporcionalidade já é considerado uma das maiores garantias de respeito aos direitos fundamentais.

E o caso em tela merecia, especificamente, a ponderação de valores com a devida aplicação deste princípio.

O fato ocorreu em 2008, quando o motorista atropelou uma pessoa. Policiais militares, responsáveis pelo flagrante, constataram visíveis sinais de embriaguez. Em razão disso, deveria o condutor ter suspenso o seu direito de dirigir, dentre outras penalidades, como prevê a norma legal.

Porém, sob a alegação de que é motorista profissional e que a sua família depende de seu trabalho, o juiz responsável pelo caso, desconsiderando totalmente a previsão do Código de Trânsito Brasileiro, optou por abrir uma exceção ao condutor embriagado. Deixou de suspender seu direito de dirigir durante a semana, a fim de que o motorista continuasse exercendo seu trabalho.

Diante desta ponderação de valores, imperioso questionar se, de fato, o direito de um, somente um cidadão, deve prevalecer em detrimento de toda uma coletividade.

Atualmente, é fato que a bebida alcoólica constitui uma das mais graves causas de acidentes de trânsito. São incontáveis as mortes provocadas por condutores sob o efeito do álcool.

A decisão proferida neste caso acaba por abrir precedentes para outras decisões absolutórias em casos de motoristas embriagados ao volante, o que causa grande preocupação para a sociedade. Há anos já se tenta combater essa situação através de leis e decisões mais severas a respeito do assunto.

O Código de Trânsito Brasileiro foi reformado, justamente, com o objetivo de reduzir continuamente os limites de alcoolemia na condução de veículos. A exemplo, temos países como Inglaterra e Estados Unidos, que possuem seus índices de acidentes reduzidos em razão de não tolerar a embriaguez ao volante e punir severamente os condutores que descumprem a lei.

Calcado neste exemplo, foi redigido o art. 306 do CTB, tipificando o caso de embriaguez ao volante como crime, imputando uma penalidade de detenção de 6 meses a 3 anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

E infelizmente, após esta evolução legislativa, considerada mais uma esperança para acabar com a combinação de álcool e direção, deparamo-nos há poucos dias com uma decisão "alternativa", abrindo brechas para a impunidade dos condutores irresponsáveis. Decisão esta tomada em detrimento da rígida aplicação da lei, do relevante princípio da proporcionalidade e, principalmente, da educação do trânsito brasileiro.

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Outrossim, ao se autorizar um julgador a afastar uma lei por considerá-la injusta, estaremos, conseqüentemente, concedendo-lhe o poder legislativo. E ainda com um certo agravante, eis que não escolhemos nossos juízes por meio do voto, o que não autoriza nenhum juiz a chamar para si a tarefa de legislar, como ocorreu no presente caso.

Não se pode esquecer que a segurança jurídica é um valor essencial em qualquer estado democrático de direito. E este valor pode se perder com a substituição do direito já positivado pelo senso de justiça que detém um magistrado, principalmente porque o senso de justiça parte de valores individuais e variáveis.

No caso em análise, a função do juiz seria a aplicação da lei e não busca por alternativas que vão contra o direito positivado. A fundamentação de que a família do condutor também seria penalizada não encontra respaldo legal, eis que todos os criminosos de nosso país, que hoje se encontram presos, têm suas famílias diretamente penalizadas, e essa conseqüência natural deveria ser mais uma motivo para impedir o infrator de cometer uma ilegalidade.

Difícil crer que tal medida trará benefícios ao motorista que ingeriu bebida alcoólica e atropelou um cidadão. Como podemos perceber, o direito do condutor infrator foi resguardado, eis que não sofreu prejuízo algum e continuará exercendo seu trabalho normalmente. Mas devemos questionar: e o direito do cidadão atropelado?

E o direito dos cidadãos responsáveis que dividem ruas e estradas com condutores embriagados e inconscientes ao volante. E o direito de toda uma sociedade, que clama por um trânsito seguro?

As leis existem para serem cumpridas, nos seus estritos termos legais. Abrir exceções, nesse caso, significa deseducar toda uma coletividade que deveria temer o descumprimento da lei, na certeza de que, de fato, sofrerá a correta penalidade.

O país da impunidade já pagou caro por esse comportamento passivo e, atualmente, vidas inocentes podem pagar pelo desrespeito dos cidadãos à legislação do país.

Até que ponto é mais importante assegurar o direito de um condutor embriagado continuar trabalhando como motorista, enquanto, simultaneamente, está sendo contrariada toda uma legislação específica e, com isso, deseducar toda uma sociedade que ainda está em fase de aprendizado?

É uma questão importante a ser refletida. O efeito catastrófico do álcool vem assustando cada vez mais os órgãos responsáveis pelo trânsito. Estamos num momento de educar, de alertar, de punir infratores, de nos preocupar com o futuro da segura circulação de veículos em nossas ruas e estradas.

Não é o momento de abrir exceções flexibilizando a lei. É preciso ter em mente que quando falamos de educação no trânsito, falamos no bem maior a ser defendido pelo Estado. Falamos em proteger vidas. O país precisa refletir. Nosso Judiciário também.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEGORINI, Juliana. Impunidade no trânsito: suspensão do direito de dirigir x embriaguez ao volante. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2640, 23 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17465. Acesso em: 5 nov. 2024.

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Título original: "Impunidade no trânsito".

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