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Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e agrobusiness.

Centralização administrativa em detrimento dos imperativos de precaução, publicidade e autonomia federativa no âmbito da política nacional de meio ambiente

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4. A COMISSÃO TÉCNICA NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA – CTNBio – SEGUNDO À LEI 11.105/05

Como já foi dito anteriormente, o processo de interpretação/aplicação de um determinado instrumento normativo, dificilmente coincidirá em sua integridade com os desejos – muitas vezes inconfessáveis – que motivaram o legislador no momento de sua edição.

Afinal de contas, tais momentos são sempre expressões fugidias de correlação de forças muitas vezes circunstanciais, que devem ser integradas em uma moldura na qual se busca uma estabilização, relativamente duradoura, de uma determinada ordem jurídico-estatal.

Sendo assim, as normas jurídicas (sobretudo de hierarquia infraconstitucional) só encontrarão o seu efetivo campo de intervenção a partir do instante em que, existentes, válidas e eficazes, sejam integradas à ordem constitucional em razão de sua supremacia.

Nesse sentido, poderíamos dizer que as leis e demais atos normativos são como filhos, que os pais colocam no mundo e que, por mais que se esforcem em pré-determinar o seu sentido e destino, pouco podem fazer, porque estes adquirem uma dinâmica própria em contato com a realidade (fática e normativa) que os circunda.

Por isso, embora se reconheça muita sabedoria na velha descrição realizada por Ferdinand Lassalle [13], acerca da natureza sociológica de uma determinada Constituição (sempre condicionada pelos "fatores reais de poder"), não podemos também nos esquecer da oportuna correção feita à sua tese por outro compatriota, Konrad Hesse, [14] ao destacar a chamada "força normativa dos textos constitucionais".

Será, pois, com base na força normativa da ordem constitucional, de suas regras, princípios e valores, e sem descuidar das fronteiras inescapáveis do texto validamente editado pelo legislador ordinário, que procuraremos analisar e interpretar a seguir os dispositivos constantes do Capítulo III da Lei 11.105/05, que instituem e definem a competência, a composição e a forma de funcionamento da CTNBio.

Ao fazê-lo, deixaremos para um tópico específico, o comentário acerca dos dispositivos da lei em análise por nós considerados como inconstitucionais.

4.1. Órgão do Ministério da Ciência e da Tecnologia, de composição colegiada multidisciplinar, e de caráter consultivo e deliberativo

De conformidade com o estabelecido pelo art. 10, caput, da Lei 11.105/05, a CTNBio constitui-se em um órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), compondo-se uma por um colegiado com perfil multidisciplinar, e possuindo funções de caráter consultivo e deliberativo.

Cuida-se, portanto, de uma instância destituída de personalidade jurídica, integrando a organização político-administrativa da União.

De início, chama a atenção o fato de atribuir-se a um órgão subalterno, que poderíamos designar como de 2º ou 3º escalão, um conjunto tão significativo de atribuições, com repercussões sociais, políticas e econômicas de alto vulto.

Poder-se-ia inclusive argumentar a respeito da conveniência de entregar-se esse conjunto de atribuições a uma instância política e administrativamente mais robusta e autônoma, conferindo-lhe a forma jurídica de uma autarquia ou de uma agência.

No entanto, desde a sua constituição, por intermédio do Decreto 1.754/95, esteve a CTNBio subordinada jurídica, política e fisicamente ao MCT.

Este é, aliás, um outro ponto que causa certa inquietude e desconforto. Afinal de contas, porque o MCT? Muitas respostas parecem admissíveis.

Uma primeira talvez devesse ser buscada na maneira pela qual os ministérios têm sido utilizados na última década, como forma de composição de governo, com vistas à formação de maiorias parlamentares, sendo necessário designar a cada um deles alguma "jóia da coroa", para torná-lo atraente, enquanto moeda de troca quando das composições entre partidos e facções.

Por esse mesmo motivo, talvez não fosse conveniente subordinar a Comissão ao Ministério da Saúde, visto que, por já comportar um orçamento fabuloso, e ser de grande visibilidade político-social, não precisaria de mais esse adendo.

Outra possível justificativa, de certa forma decorrente da primeira, leva em consideração a acomodação de interesses, normalmente antagônicos, que os dois últimos governos realizaram entre os ministérios da agricultura - tradicionalmente entregue a representantes do setor ruralista, de perfil político conservador, intimamente vinculados ao agronegócio e, portanto, umbilicalmente ligado ao complexo agroindustrial -, e do meio ambiente - que na última década procurou acomodar interesses ligados aos movimentos sociais ambientalistas, com perfil ideológico acentuado à esquerda, e críticos contundentes do complexo agroindustrial.

Nesta perspectiva, situar a CTNBio (o mais importante órgão do sistema nacional de biossegurança, independentemente do alcance dado a alguns dos dispositivos atributivos de sua competência agora e outrora questionados) no âmbito do MCT, pode ter sido uma maneira de arbitrar politicamente essas duas vertentes, que têm coexistido no plano governamental ao longo dos últimos dez anos.

E por fim, poder-se-ia delegar tal opção simplesmente à concepção política e filosoficamente dominante junto ao campo majoritário dos dois últimos governos, que foca a questão dos organismos geneticamente modificados como um aspecto essencialmente econômico, ligado à capacitação tecnológica de nosso setor produtivo, e que portanto, deve antes de mais nada ser apoiado e desenvolvido - não situando o assunto como uma questão propriamente de segurança.

"O próprio fato de que a CTNBio esteja institucionalmente sob a égide do Ministério da Ciência e Tecnologia confirma a visão idílica de nossas autoridades sobre a engenharia genética. A biossegurança não é entendida como uma questão de segurança da vida – meio ambiente e saúde – como o seu nome diz, mas como sinônimo de biotecnologia, uma questão de tecnologia, antes de tudo. Assim, se alguns cuidados mínimos são recomendados, bastaria um exame sumário por parte dos cientistas especialistas em biotecnologia, ou seja, de gente que valorize o suficiente essa tecnologia para não se deixar deter por considerações religiosas ou emocionais." [15]

De fato, acreditamos que a resposta esteja na combinação de todas estas possibilidades. Sendo assim, como o próprio termo indica, a CTNBio é um "órgão", que enquanto tal não vive sozinho, dependendo em tudo, do ponto de vista de sua estrutura e logística, do MCT.

Quanto à composição colegiada, de perfil multidisciplinar, é inequivocamente a mais adequada para este tipo de instância. Por reunir em seu interior representantes e estudiosos de diversas áreas da administração e do conhecimento, cujas competências encontram-se necessariamente intrincadas no âmbito da questão ambiental, que é por sua própria natureza complexa, interligada, rizomática, e cuja compreensão e desenvolvimento requer uma leitura necessariamente holística.

Dessa forma, a multidisciplinariedade tende a fazer aflorar aspectos importantes que talvez fossem negligenciados, caso abandonados aos especialistas de uma única área do conhecimento e da administração pública. Suscita, portanto, o debate e a reflexão a partir de uma noção de conjunto.

A estrutura colegiada por sua vez, tem por intuito forçar a busca por soluções consensuais, por meio do auto-arbitramento de interesses e expectativas, na esperança de se limitarem às possibilidades de o órgão vir a assumir uma feição excessivamente corporativista – o que infelizmente, por si só, não consegue fazer.

O caráter consultivo da CTNBio, expresso no caput do art. 10 da lei, é novamente reafirmado e qualificado no bojo do parágrafo único desse dispositivo, quando se afirma que: "A CTNBio deverá acompanhar o desenvolvimento e o processo técnico e científico nas áreas de biossegurança, biotecnologia, bioética e afins, com o objetivo de aumentar sua capacitação para a proteção da saúde humana, dos animais e das plantas e do meio ambiente". (grifo nosso).

O parágrafo único do aludido dispositivo qualifica as duas funções ora analisadas: a) em sua função consultiva, deve a CTNBio acompanhar a evolução do conhecimento científico e tecnológico nas áreas ali designadas, conferindo atenção especial aos mecanismos de segurança e aos possíveis efeitos colaterais constatados em relação à pesquisa, desenvolvimento, produção/comercialização e descarte/liberação de OGMs e derivados; b) em sua função normativa, deve a CTNBio servir-se de todos esses conhecimentos para atingir-se o objetivo fundamental de sua criação: aumentar a sua capacitação para a proteção da saúde humana, dos animais e das plantas e do meio ambiente.

Ou seja, a CTNBio não pode ter como preocupação fundamental a rápida e célere aprovação de atividades e projetos de pesquisa, e sobretudo, a liberação comercial de OGMs, com vistas a evitar constrangimentos econômicos às grandes corporações que atuam na área de biotecnologia e têm pressa no retorno dos seus investimentos – como é o que parece que vêm acontecendo desde a criação da Comissão.

O objetivo, o foco da CTNBio, deve ser capacitar-se para proteger bens de natureza ambiental, como está expressamente previsto na lei que a institui.

Portanto, toda medida tomada pela Comissão, sobretudo quando no exercício de suas atribuições deliberativas (como na liberação de OGMs para comercialização), que demonstrar fortes indícios de orientação diversa desse objetivo normativamente imposto, será passível de questionamento judicial através dos mecanismos processuais postos à disposição da sociedade pelo ordenamento jurídico vigente, cabendo ao Poder Judiciário, nestes casos, invadir a discricionariedade administrativa por evidente desvio de finalidade.

"A CTNBio não tem personalidade jurídica, não sendo autarquia, fundação, empresa pública ou agência. Ela integra a pessoa jurídica da União. A multidisciplinaridade significa que a Comissão se caracteriza pela diversidade de conhecimentos e de disciplinas referentes à biossegurança, não podendo haver predominância ou exclusividade de uma só disciplina. As atribuições consultivas e deliberativas coexistem nesse colegiado. À CTNBio é dada a tarefa de acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico e científico nas áreas de biossegurança, biotecnologia e bioética (art. 10, parágrafo único). Uma coisa é capacitação nessas áreas, e outra é ter competência para estabelecer normas nessas mesmas áreas, sendo que, a competêencia não se presume. A lei não deu competência à CTNBio para normatizar nas matérias de biotecnologia e bioética, a não ser que tenham vínculo direto com a engenharia genética". [16]

4.2. Competência Normativa atribuída à CTNBio

A Lei 11.105/05 fixa as competências da CTNBio em seu art. 14, e incisos (I à XXIII). Dentre as competências ali previstas, as elencadas nos incisos I, II, XVI, e XXIII, possuem natureza normativa.

A natureza jurídica dessa competência é evidentemente regulamentar, infra-legal, idêntica àquela conferida ao Poder Executivo de uma maneira geral e que é por este exercida por meio de decretos – não obstante no caso da CTNBio, por expressa disposição da lei, o ato normativo em questão tenha a denominação de "resolução" (XVI).

No entanto, tais resoluções assemelham-se mais ao conceito de delegação legislativa, como por exemplo, aquela estabelecida pelo art. 36 da Lei 6368/76 (Lei de tóxicos), que remete ao Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia – órgão do Ministério da Saúde – a competência para expedir resoluções por meio das quais se definem quais são as substâncias consideradas entorpecentes ou capazes de determinar dependência física ou psíquica – ressalvada a possibilidade de algumas delas serem especificadas diretamente em lei.

Portanto, a competência normativa delegada pela Lei 11.105/05 à CTNBio deve ser interpretada restritivamente, sujeitando-se estritamente às bitolas fixadas pela lei que a instituiu e pelo plexo legal responsável pela normatização das áreas de saúde, agricultura, meio ambiente, ciência e tecnologia - além, obviamente, das regras e princípios fixados pela CF/88.

Nesse contexto, o inciso I, do art. 14 da lei, confere à Comissão competência para estabelecer normas referentes às "pesquisas" com OGM e derivados; no inciso II do mesmo dispositivo legal, estabelece-se a competência para normatizar as "atividades" e "projetos" relacionados a OGM e derivados.

Práticas de pesquisa seriam todas aquelas que envolvam a manipulação de moléculas de ADN/ARN recombinante e que se destinem à observação in loco, produção, alteração, transferência, aplicação de OGM e derivados. Já na categoria de atividades, poderíamos enquadrar condutas tais como: o cultivo, o transporte, a importação, a exportação, o armazenamento, a comercialização, a liberação no meio ambiente e o descarte de OGM e derivados. E por último, na categoria projetos, entendemos estarem compreendidas as normas regulamentares destinadas à satisfação de exigências básicas relativas à estrutura, segurança, capacitação, responsabilidade, necessárias para a expedição de autorizações e licenças para a implementação de atividades relacionadas com OGM e derivados (como a implantação de uma industria ou de um laboratório), no exercício de um poder de polícia administrativa.

Como já afirmamos, o inciso XVI simplesmente qualifica como "resoluções" os atos normativos expedidos pela Comissão para a regulamentação das matérias de sua competência, e o inciso XXIII, de forma rigorosa, nem sequer poderia ser qualificado propriamente como delegação de uma competência normativa, mas mais propriamente como atributivo de uma legitimidade normativa, cabendo à Comissão a prerrogativa de apresentar proposta para o seu regimento interno – ressalvado contudo que a competência para edita-lo validamente, com o conteúdo que entender mais apropriado, é do ministro titular da pasta de Ciência e Tecnologia.

Como frisa de forma oportuna o professor Paulo Affonso Leme Machado, "as normas de responsabilidade penal não podem ser objeto de deliberação da CTNBio, pois só por lei pode a matéria ser tratada (art. 5º. XXXIX, da CF). Também não podem ser objeto de deliberação de órgãos do Poder Executivo os direitos individuais, pois os mesmos são indelegáveis (art. 68, § 1º, II, da CF)." [17]

E por fim, é preciso deixar claro que a CTNBio não possui monopólio normativo sobre a questão, exercendo com exclusividade tais atribuições apenas no âmbito da União, por decorrência expressa do princípio federativo e do texto da Constituição, que em seu art. 23, incisos II, VI e VII, prevê a competência comum da União e dos Estados-membros para legislarem sobre saúde, meio ambiente, florestas, fauna e flora – tema aliás, flagrantemente desrespeitado em diversas passagens pela Lei 11.105/05, e que constitui evidente inconstitucionalidade à qual nos referiremos mais a frente em tópico específico.

"O art. 23 da Constituição dispõe sobre a competência material comum da União, dos Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios. Essa competência diz respeito à prestação de serviços referentes àquelas matérias, à tomada de providências para a sua realização [...] Já no tocante ao meio ambiente natural, encontramos a competência comum para protege-lo e para combater a poluição em todas as suas formas (VI), assim como para preservar as florestas, a fauna e a flora(VII). [18]

4.3 Avaliação de risco e nível de biossegurança e expedição de Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB)

A matéria encontra-se disposta nos incisos III, IV, XI, XIII, XIV, e § 6º do art. 14, da Lei 11.105/05. Reveste-se de um conjunto articulado de atividades relacionadas à: formulação de critérios para avaliação e monitoramento de riscos (III); análise da avaliação de atividades e projetos caso a caso (IV); classificação de OGM segundo classe de risco (XIV); definição do nível de segurança aplicável ao OGM e seus usos, bem como, os procedimentos e medidas de segurança a serem observados na sua utilização (XIII); a emissão do Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB); os casos em que o CQB pode ser dispensável (§ 6º). Todos os procedimentos acima descritos deverão ser praticados de conformidade com o que estabelecer seu regulamento.

A lei atribui à CTNBio a competência para estabelecer, através de resolução, critérios de avaliação e de monitoramento de risco relativo a OGM e derivados. Trata-se de critérios gerais, por meio dos quais seja possível avaliar e monitorar tanto um OGM especificamente considerado, quanto atividades em andamento e projetos que requeiram autorização para instalação e funcionamento.

Uma vez definidos os critérios de avaliação de risco e de monitoramento, com estabelecimento de procedimentos específicos para cada classe de risco (como requer o inciso XIX), se for o caso, deve-se proceder à análise, sempre caso-a-caso, conforme previsão expressa da lei. Trata-se, portanto, de um conjunto de atividades que, dependendo da situação, deverão ser realizadas de forma seqüencial.

O Protocolo de Cartagena, em seu art. 15, 1, define um conjunto de elementos que devem ser seguidos para que se possa analisar "informações e outras evidências cientificas a fim de identificar e avaliar os possíveis efeitos adversos dos organismos vivos modificados à conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, levando também em conta os riscos para a saúde humana".

Em seguida, a norma de direito internacional ambiental acima referida, faz remissão ao seu anexo II, n. 8 e 9.

No item 8, preconiza que "para alcançar seu objetivo, a avaliação de risco compreende, conforme o caso, os seguintes passos: a) uma identificação de qualquer característica genotípica ou fenotípica nova associada ao organismo vivo modificado que possa ter efeitos adversos na diversidade biológica, no provável meio receptor, levando também em conta os riscos para a saúde humana; b) uma avaliação da probabilidade desses efeitos adversos se concretizarem, levando em conta o nível e tipo de exposição do provável meio receptor ao organismo vivo modificado; c) uma avaliação das conseqüências caso esses efeitos adversos de fato ocorram; d) uma estimativa do risco geral apresentado pelo organismo vivo modificado com base na avaliação da probabilidade e das conseqüências dos efeitos adversos identificados se estes ocorrerem; e) uma recomendação sobre se os riscos são aceitáveis ou manejáveis ou não, inclusive, quando necessário, a identificação de estratégias para manejar esses riscos; f) quando houver certeza a respeito do nível de risco, essa incerteza poderá ser tratada solicitando-se maiores informações sobre aspectos preocupantes específicos ou pela implementação de estratégias apropriadas de manejo de risco e/ou monitoramento do organismo vivo modificado no meio receptor.

Logo após (Anexo II, n. 9), o Protocolo de Cartagena aponta uma série de aspectos que devem ser levados em consideração quando do procedimento de avaliação de risco. Segundo o seu texto: "Dependendo do caso, a avaliação de risco leva em consideração os detalhes científicos e técnicos relevantes sobre as características dos seguintes elementos: a) organismo receptor e organismos parentais. As características biológicas do organismo receptor ou dos organismos parentais, inclusive informações sobre a situação taxonômica, nome vulgar, origem, centros de origem e centros de diversidade genética, se conhecidos, e uma descrição de onde os organismos podem persistir ou proliferar; b) organismo ou organismos doadores. Situação taxonômica, nome vulgar, fonte e as características biológicas relevantes dos organismos doadores; c) vetor. Características do vetor, inclusive, se houver, sua fonte ou origem e área de distribuição de seus hospedeiros; d) inserção ou inserções e/ou características genéticas do ácido nucléico inserido e da função que específica, e/ou as características da modificação introduzida; e) organismo vivo modificado. Identidade do organismo vivo modificado, e as diferenças entre as características biológicas do organismo vivo modificado e daquelas do organismo receptor ou dos organismos parentais; f) detecção e identificação do organismo vivo modificado. Métodos sugeridos para a detecção e identificação e sua especificidade, sensibilidade e confiabilidade; g) informações sobre o uso previsto. As informações sobre o uso previsto do organismo vivo modificado, inclusive usos novos ou modificados comparados ao organismo receptor ou organismos parentais; h) meio receptor. Informações sobre a localização, características geográficas, climáticas e ecológicas, inclusive informações relevantes sobre a diversidade biológica e centros de origem do provável meio receptor".

Já o inciso XI do art. 14 da Lei 11.105/05 trata da emissão, pela CTNBio, do Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB), necessário para o desenvolvimento de atividades com OGM e derivados em laboratório, instituição ou empresa. Cabe ainda à Comissão enviar cópias do processo para os órgãos de registro e fiscalização definidos no art. 16 da Lei 11.105/05.

A emissão do CQB constitui de fato uma autorização prévia para funcionamento, especificamente dirigido para laboratórios, instituições ou empresas envolvidas com engenharia genética. Implica, pois, na satisfação pelo requerente, de uma série de medidas e procedimentos de segurança, previamente estabelecidos em resoluções emitidas pela Comissão, a quem caberá observar a plena e efetiva satisfação dos mesmos. Deve-se ter presente, segundo a observação de Paulo Affonso Leme Machado, "inclusive a situação econômica e financeira da instituição ou empresa, diante da necessidade de reparar danos". [19]

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Em matéria de tutela do meio ambiente, esta questão relativa à responsabilidade civil em razão da produção de um dano ou degradação ambiental, deve ser considerada com o máximo de rigor, e, em caso de ocorrência, a responsabilidade do autor do dano é objetiva, já que no caso de OGM, o potencial de degradação é imanente à própria atividade, devendo todo aquele que pleitear sua intervenção nesse setor, demonstrar capacidade financeira para arcar com possíveis encargos decorrentes da necessidade de se recuperar o meio ambiente em caso de acidente.

"1. A discussão sobre os malefícios ou benefícios da liberação do plantio e comercialização dos transgênicos se protrai no tempo. Mas, a falta de estudos conclusivos não ilidirá a responsabilidade civil pelos danos efetivamente causados. 2. O princípio da precaução cuida das questões ambientais com o enfoque do futuro, portanto, é princípio norteador de todas as normas do direito ambiental e deveria ser adotado no caso dos organismos geneticamente modificados, especialmente os transgêncios. 3. Considerando a possível liberação do plantio e comercialização dos transgênicos, como já ocorreu via Medidas Provisórias, no caso da soja transgênica das safras 2003 e 2004, é importante verificar qual a teoria adotada para a reparação dos danos efetivamente causados. 4. A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em seu art. 14, § único e a Constituição Federal adotaram a responsabilidade objetiva como forma de reparação do dano ao meio ambiente. 5. É possível haver tanto dano ambiental genérico quanto dano ao particular e ambos dever ser ressarcidos. 6. O dano ambiental a ser reparado pode ser patrimonial, moral ou ambos, de acordo com o caso concreto. 7. O causador de dano ou prejuízo resultante de sua atividade de risco deve ser responsabilizado independentemente da aferição do aspecto subjetivo, ou seja, da culpa. Provado o fato e o nexo causal, surge a obrigação de indenizar. A defesa se restringe às alegação de que não houve dano ou à negação do ato. 8. Quanto ao nexo causal, nenhuma das teorias existentes pode ser usada como um molde perfeito quando se trata de dano ao meio ambiente. Há necessidade de atenuação do nexo causal. 9. O exercício de uma atividade de risco afasta a possibilidade de alegação de qualquer excludente de responsabilidade. 10. Havendo mais de um causador do dano ao meio ambiente, todos serão solidariamente responsáveis, subsistindo o dever de indenizar tanto na ocorrência de causas quanto nas concausas". [20]

Por fim, temos que ressaltar o dispositivo previsto no § 6º do art. 14, segundo o qual, "As pessoas físicas ou jurídicas envolvidas em qualquer das fases do processo de produção agrícola, comercialização ou transporte de produto geneticamente modificado, que tenham obtido a liberação para uso comercial, estão dispensadas de apresentação do CQB e constituição de CIBio, salvo decisão em contrário da CTNBio".

Trata-se de uma exceção expressamente dirigida aos agentes do chamado agronegócio. Parte-se da suposição de que, se o OGM já obteve liberação para uso comercial, já tendo sido submetido a uma série de controles e verificações, estariam o produtor que dele se utiliza ou o produz e aquele que o transporta e/ou comercializa, isentos de maiores riscos. Estes agentes seriam admitidos como objeto de controle apenas em circunstâncias especiais, ao que parece pelo texto da lei, seriam mesmo hipotéticas – razão pela qual, apenas excepcionalmente poderia vir a CTNBio a exigi-lo dos agentes em questão.

Ora, tal premissa nos parece absolutamente infundada. Primeiro porque os OGM utilizados na agricultura tendem a compor um universo vasto, cujas características e conseqüências de sua interação com as especificidades do meio ambiente em que será transportado, liberado ou descartado são extraordinariamente diversas. Depois, havendo certamente uma significativa variação em suas respectivas classes de risco, cada OGM deve ser submetido a um processo específico de avaliação e de monitoramento. Só após se poderia expedir regulamentação por meio da qual se liberaria, ou não, o agente dos encargos representados pela posse do CQB e pela constituição de Comissão Interna de Biossegurança (CIBio).

Nestes termos, nos parece que tal dispensa a priori, concedida de forma genérica, fere frontalmente o "princípio da precaução" - de sede constitucional (art. 225, caput), reconhecido pelo Brasil em tratados internacionais de que é parte, e pela própria Lei 11.105/05, em seu art. 1º, caput, in fine.

No último ponto desse trabalho, quando abordarmos em bloco as inconstitucionalidades identificadas nesse título (inclusive sobre aspectos do inciso IV que a pouco nos referimos), voltaremos a comentar esse dispositivo.

4.4. Competência para Expedir Decisões Técnicas, Fundamentação das Decisões tomadas pela CTNBio e Publicidade dos seus Atos

O inciso XII do art. 14 da Lei 11.105/05 confere à CTNBio competência para "emitir decisão técnica, caso a caso, sobre biossegurança de OGM e seus derivados, no âmbito das atividades de pesquisa e de uso comercial de OGM e seus derivados, inclusive a classificação quanto ao grau de risco e nível de biossegurança exigido, bem como, medidas de segurança exigidas e restrições de uso".

A lei conferiu à CTNBio a competência para emitir decisão técnica sobre aspectos relativos à biossegurança envolvendo OGM e derivados, quando relacionados a atividades de pesquisa ou no caso de liberação para uso comercial.

A legitimidade da Comissão para o exercício de tal atividade decorreria exatamente da notória competência e representatividade científica e política dos seus membros e da sua capacidade – graças à sua constituição colegiada e multidisciplinar – para avaliar com precisão e retidão todos os aspectos relacionados à complexidade da questão ambiental.

A lei, expressamente, exige novamente aqui, um procedimento específico caso a caso. Ou seja, uma vez definidos os critérios gerais de avaliação e monitoramento do OGM e derivados (III), e procedida a análise da avaliação de risco caso a caso (IV), deve a CTNBio emitir uma decisão (por meio de parecer) técnica na qual, fundamentada exclusivamente nos elementos de natureza científica que lastreiam os critérios e procedimentos por ela própria previamente estabelecidos, autorizar ou não pesquisa ou liberação para uso comercial de OGM e derivados, estabelecendo no mesmo ato, a classificação quanto ao grau de risco e o nível de segurança exigido para um adequado monitoramento do organismo, atividade ou projeto - bem como, fixar as medidas de segurança exigidas e eventuais restrições ao uso do OGM e derivados.

No exercício dessas atribuições, ao expedir os respectivos pareceres contendo sua decisão técnica, a CTNBio deverá, necessariamente, fundamentar suas decisões, estando a legalidade e a regularidade do objeto por ela estabelecido vinculado a tal fundamentação, podendo a mesma, ser objeto de questionamento, tanto no âmbito administrativo (CNBS), quanto jurisdicional (inciso XXXV, do art. 5º da CF/88).

A necessidade de fundamentação decorre da natureza jurídica de ato administrativo dos pareceres técnicos por ela emitidos, e nesse sentido, estão compreendidos no bojo do caput do art. 2º da Lei 9784/99, que expressamente determina: "A Administração pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência".

Neste mesmo contexto fático e jurídico, encontram-se as disposições previstas no § 4º do art. 14 da Lei 11.105/05, que prevê que "a decisão técnica da CTNBio deverá conter resumo de sua fundamentação técnica, explicitar as medidas de segurança e restrições ao uso do OGM e seus derivados e considerar as particularidades das diferentes regiões do país, com o objetivo de orientar e subsidiar os órgãos e entidades de registro e de fiscalização, referidos no art. 16 desta lei, no exercício de suas atribuições".

Ora, nos parece claramente que a disposição prevendo a apresentação de um simples resumo fere preceitos de legalidade e de constitucionalidade, vinculados a princípios tais como ampla defesa, publicidade e precaução.

O parecer contendo a decisão técnica da CTNBio acerca de requerimento para o desenvolvimento de pesquisa ou liberação comercial de OGM e derivado deverá conter necessariamente a integra da decisão devidamente fundamentada.

"A decisão técnica é também um ato administrativo, e obriga a apresentar a sua motivação ou fundamentação. Assim evitam-se precipitações e negligências no desenrolar da atividade administrativa e reduz-se o risco da prática de arbitrariedades. A exigência de motivação intersubjetiva é das mais destacadas na transição para o Direito Administrativo dialógico, em oposição ao autocrático. A fundamentação deve ter clareza, suficiência e congruência. O uso de expressões vagas ou demasiado genéricas que servem para tudo não passa de mera fraseologia indicadora de uma obscura fundamentação. Completamente destituída de sentido lógico a afirmação de que ‘a decisão técnica da CTNBio deverá conter resumo de sua fundamentação tecnica’ (art. 14, § 4º), pois não há razão para que a fundamentação técnica deixe de constar em sua integralidade. Os membros da CTNBio e seus assessores hão de ter presente os fins da lei, expressos no seu art. 1º, que consistem na proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal (arts. 1º , III, 5º , 196 e 225, todos da CF), observando o princípio da precaução e estimulando o avanço científico na área da Biossegurança e da Biotecnologia". [21]

Quanto ao aspecto relativo à publicidade dos atos da CTNBio, encontra-se tal assunto discriminado no bojo do inciso XIX, do art. 14, da Lei 11.105/05, nos seguintes termos: "Divulgar no Diário Oficial da União, previamente à análise, os extratos dos pleitos e posteriormente, dos pareceres dos processos que lhe forem submetidos, bem como dar ampla publicidade no Sistema de Informações em Biossegurança – SIB, à sua agenda, processos em trâmite, relatórios anuais, atas das reuniões e demais informações sobre suas atividades, excluídas as informações sigilosas, de interesse comercial, apontadas pelo proponente e assim consideradas pela CTNBio".

Esta disposição contida na lei, de fato, dá conseqüência à previsão constitucionalmente estabelecida no art. 37, caput, e no art. 5º, XXXVIII da CF/88.

De qualquer forma, pelo exposto em seu dispositivo, a lei prevê dois momentos distintos nos quais se dará ampla divulgação dos atos junto ao Diário Oficial da União: a) previamente à análise, quando deverá ser publicado para conhecimento da sociedade um extrato (resumo) dos pleitos, contendo todos os elementos necessários para a correta identificação da espécie (se pesquisa, atividade ou projeto), bem como as características especificas do OGM ou derivado submetido à avaliação da Comissão; b) subseqüentemente à decisão, extrato dos pareceres (e decisões técnicas) relativos aos processos que lhes forem submetidos.

Neste plano, a publicação no Diário Oficial de apenas um extrato – e não da integra dos documentos -, parece justificável em respeito a um princípio de economia que deve orientar os atos administrativos - como o é a publicação no Diário Oficial. No entanto, neste caso, os pareceres deveriam ser emitidos com a integra da fundamentação e permanecerem à disposição de qualquer interessado.

O inciso XIX faz ainda referência à necessidade de dar-se ampla publicidade a todos os atos da CTNBio, tais como, sua agenda, processos em trâmite, relatórios anuais, atas das reuniões e demais informações sobre suas atividades. Trata-se, portanto, de rol meramente ilustrativo, junto ao Sistema de Informações em Biossegurança (SIB).

Este órgão encontra-se previsto no Capítulo VI, art. 19, §§ 1º e 2º da Lei 11.105/05, também situado no âmbito do MCT e destinado à gestão das informações decorrentes das atividades que envolvam OGM e derivados.

Trata-se de uma iniciativa extremamente salutar, no sentido de se disponibilizar, não só para os órgãos de registro e fiscalização que deverão alimentá-lo, informações referentes ao conjunto das atividades que envolvam OGM no contexto dos diversos ministérios – para que cada um deles possa formar uma visão de conjunto das mesmas no país.

Inclui-se no rol de possíveis interessados, os movimentos sociais e demais organizações da sociedade civil envolvidos com a defesa do meio ambiente, pesquisadores, bem como à população em geral.

Em sua parte final, o dispositivo estabelecido no inciso XIX admite a possibilidade de serem excluídas informações sigilosas, de interesse comercial, apontadas pelo proponente e assim consideradas pela CTNBio.

Trata-se de uma possibilidade que a boa lógica recomenda em razão da complexidade das pesquisas envolvendo OGM, do seu custo extraordinário e, portanto, da natureza eminentemente comercial de muitas das informações veiculadas pelos projetos submetidos à apreciação da Comissão.

No entanto, tratando-se de hipótese excepcional, deve a mesma ser analisada com o máximo de cuidado e parcimônia, sendo nesses casos, absolutamente indispensável que, caso concorde com a solicitação de sigilo, manifeste-se a CTNBio através do seu parecer, explicitando o porquê de sua aceitação, fundamentando de forma rigorosamente técnica a sua decisão.

Do contrário, "esse ato da Comissão poderá ser apreciado em ação judicial, na qual o Poder Judiciário examinará a motivação exposta para determinar a não transparência do julgamento". [22]

4.5. CTNBio, Tutela do Meio Ambiente e a Natureza Jurídica do seu Parecer Técnico

A nova Lei de biossegurança representou, inequivocamente, um esvaziamento das prerrogativas do Ministério do Meio Ambiente, transferindo-as para a CTNBio que teve a sua competência e atribuições em termos de tutela ambiental extraordinariamente dilatadas. Tal intenção, em nosso entendimento, flagrantemente inconstitucional (como iremos expor mais adiante), fica patente pelo texto do inciso XX do art. 14, combinado com o § 3º do art. 16.

O texto do inciso XX estabelece que cabe à CTNBio "identificar atividades e produtos decorrentes do uso de OGM e seus derivados potencialmente causadores de degradação do meio ambiente ou que possam causar riscos à saúde humana".

Neste plano, parece ter ocorrido uma clara invasão de um ministério (afinal de contas a CTNBio não é um órgão do MCT?) nas atribuições dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente.

Ademais, questiona-se a capacidade técnica da Comissão para definir (em última instância segundo o § 3º do art. 16) sobre os casos em que a atividade é "potencial" ou "efetivamente" causadora de degradação ambiental, decidindo-se, inclusive, acerca da necessidade do licenciamento ambiental.

Ora, se por um lado, a composição multidisciplinar da Comissão é indiscutivelmente conveniente para a formulação de critérios de avaliação de risco e para a definição de níveis de biossegurança, e até mesmo, para efetuar a devida classificação do OGM e derivados em razão de sua classe de risco, muito diferente é a sua habilitação para decidir sobre questões que exigem alta especialização e um grande corpo técnico qualificado, especificamente para o desempenho de atividades dotadas de grande peculiaridade.

Por exemplo, definir expressamente se um determinado OGM é ou não potencialmente causador de degradação ao meio ambiente ou à saúde, e se, em razão disso, deve ser ou não realizado o licenciamento ambiental.

E, o que é pior, fazer isso sozinha e vincular à sua decisão todas as demais instâncias administrativas que compõe a federação brasileira.

"Ao analisar a composição da CTNBio vê-se que, dos 12 especialistas – de notório saber cientifico e técnico – que a compõe, somente 3 são da área do meio ambiente. O Ministério do Meio Ambiente terá um representante e indicará um especialista oriundo da sociedade civil. Cinco conselheiros num conselho de 27 membros. Não é preciso muito esforço mental para diagnosticar que a CTNBio não está preparada tecnicamente para decidir sobre a necessidade ou não do licenciamento ambiental. Por melhores que sejam os conselheiros das outras áreas do conhecimento, não se pode esconder – nem dos brasileiros, nem dos que importarem nossos produtos – o fato de que a análise público-ambiental dos produtos transgênicos passou a carecer da necessária profundidade e amplitude cientifica possibilitadas por um órgão dedicado somente ao meio ambiente" [23]

Não obstante o fato de diversos dispositivos da Lei 11.105/05 serem repetitivos e redundantes, sobrepondo prescrições que já haviam sido estabelecidas em outras passagens do texto, chegando até mesmo a contradições expressas (como a verificada entre o § 3º do art. 16, que define a CTNBio como última e definitiva instância deliberativa em casos que envolvam atividades potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental, e o disposto no inciso III, do art. 8º, que permite ao CNBS avocar e decidir, em última e definitiva instância sobre atividades que envolvam o uso comercial de OGM e derivados), criando uma certa confusão para a sua correta leitura e interpretação, o desejo do legislador restou claro: centralizar na CTNBio todos os aspectos decisórios relativos à autorização e liberação de processos e produtos relacionados a OGM e derivados em detrimento de toda a rede de instituições governamentais responsáveis pelos diversos aspectos e dimensões envolvidas na questão.

No centro de toda a questão, continua a natureza jurídica do parecer técnico emitido pela CTNBio, se seria ou não vinculante em todas as circunstâncias, e se este se sobreporia aos órgãos de registro e fiscalização estaduais.

O legislador, ao que tudo indica, tentou resolver a questão a "canetada", introduzindo a natureza vinculante no texto da lei, ao arrepio de toda a discussão que se trava no país desde 1995, sobre a constitucionalidade de tal intenção – não obstante, inclusive, haja manifestações explicitas e fundamentadas do Poder Judiciário em sentido contrário.

De qualquer maneira, por se tratar de um dos elementos pertencentes ao Capítulo III nos quais, em nossa opinião, ocorre manifesta inconstitucionalidade, deixaremos a questão para ser tratada em bloco logo a seguir.

4.6. Composição e Requisitos Subjetivos para Indicação dos Membros da CTNBio

O art. 11, caput, da Lei 11.105/05, estabelece que "a CTNBio será composta de membros titulares e suplentes, designados pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, e será constituída por 27 (vinte e sete) cidadãos brasileiros de reconhecida competência técnica, de notória atuação e saber cientifico, com grau acadêmico de Doutor e com destacada atividade profissional nas áreas de biossegurança, biotecnologia, biologia, saúde humana e animal ou meio ambiente".

É preciso deixar claro que, na medida em que o caput do artigo estabelece que a Comissão será composta por titulares e suplentes; e o § 1º do art. 13, por sua vez, prescreve que no âmbito das subcomissões setoriais, permanentes e extraordinárias, participarão tanto os membros titulares quanto os suplentes, cabendo a todos a distribuição de processos para análise, podemos concluir que a Comissão é, de fato, composta por 54 membros, sendo o número de 27 relativos aos ditos titulares - referencial apenas para a definição do quorum de instalação e votação, que discutiremos a seguir.

Uma vez estabelecido o número dos seus componentes, o art. 11, define uma série de requisitos, de natureza subjetiva, pois dizem respeito a atributos dos indivíduos indicados para o Conselho. Dentre estes, além da nacionalidade brasileira (pelo texto da lei não precisam ser brasileiros natos), requer-se, de saída, "reconhecida competência técnica".

Sem dúvida, delimitar exatamente o que o legislador quis definir pela locução empregada, não é tarefa fácil. Todavia, nos parece que no caso, "competência técnica" se distingue de uma competência puramente "teórica", "abstrata".

A competência técnica seria aquela reconhecida a alguém que não apenas possui conhecimentos, mas demonstra capacidade para fazer com que este intervenha materialmente na realidade, alterando-a em função de diretrizes e estratégias formuladas a priori, encontrando a melhor maneira para adequar meios a fins.

Nos parece que nesse caso, competência técnica é sinônima de competência tecnológica, no sentido de alguém familiarizado com procedimentos por meio dos quais se aplica o conhecimento à realidade, em sua materialidade, com vistas a se atingir um determinado objetivo.

Quanto ao requisito "notória atuação", nos parece estar ligado ao currículo do indicado, à sua participação em projetos e atividades reconhecidas por sua significação cientifica, enfim, à sua experiência profissional efetiva.

O "saber científico", nos parece definido basicamente em função da intervenção teórico acadêmica do indicado, por sua produtividade universitária, pelo número e pela repercussão dos artigos, livros, conferências, congressos e colóquios de que usualmente participa, pela recorrência com que suas idéias e conceitos são citados nas publicações de outros autores.

Neste sentido, a exigência do grau de Doutor seria o único requisito objetivamente avaliado, e que no contexto das exigências estabelecidas, se coloca muito mais como um mero "pré-requisito" – se nem ao menos tiver o grau de Doutor não dá sequer para ser considerado.

Por fim, exige-se destacada atividade profissional (que de resto se confunde com o quesito notória atuação), nas áreas de biossegurança, biotecnologia, biologia, saúde humana e animal ou meio ambiente.

Ou seja, os indicados devem necessariamente comprovar significativa atividade profissional nas áreas indicadas, pelo que se demonstra o desejo de se constituir uma Comissão de alto nível, composta por profissionais de indiscutível qualificação e larga experiência profissional nas competências diretamente relacionadas à temática dos OGM e seus derivados.

Quanto ao meio a partir do qual deverão ser indicados os componentes da CTNBio, distribuem-se basicamente em três categorias: 1) representantes das sociedades científicas (§ 1º do art. 11); 2) representantes das diversas áreas governamentais (ministérios) envolvidos (inciso II e alíneas do art. 11); 3) representantes da sociedade civil (§ 2º do art. 11).

Quanto à distribuição dos membros em razão do meio a partir do qual são indicados, tem-se a seguinte distribuição: I – 12 especialistas de notório saber cientifico e técnico, em efetivo exercício profissional, sendo 3 da área de saúde humana, 3 da área de saúde animal, 3 da área vegetal, e 3 da área ambiental; II – um representante de cada um dos seguintes Ministérios, indicados pelos respectivos titulares: a) da Ciência e Tecnologia; b) da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; c) da Saúde; d) do Meio Ambiente e do desenvolvimento agrário; e) do Desenvolvimento, Industria e Comércio Exterior; f) da Defesa; g) das Relações Exteriores; e h) da Secretária de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República; III – um especialista em defesa do consumidor, indicado pelo Ministério da Justiça; IV – um especialista na área de saúde, indicado pelo Ministro da Saúde; V – um especialista em meio ambiente, indicado pelo Ministro do Meio Ambiente; VI – um especialista em biotecnologia, indicado pelo Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; VII – um especialista em agricultura familiar, indicado pelo Ministro do Desenvolvimento Agrário; VIII – um especialista em saúde do trabalhador, indicado pelo Ministro do Trabalho e Emprego.

4.7. Representações Governamentais, das Comunidades Científicas, e da Sociedade Civil

Os conselheiros indicados para compor os quadros da CTNBio serão recrutados com base em um campo de representação "política" tripartite, compostos por governo, comunidade científica e sociedade civil. O princípio nos parece correto e apropriado.

Nenhuma das três representações pode ser tomada como constituinte de um campo homogêneo de interesses, mas como territórios a partir dos quais o objeto que justifica a existência da Comissão (biossegurança relativa a OGM e derivados) pode ser percebido em diferentes dimensões, características e conseqüências.

No interior destes três territórios, existe todo tipo de identidade política e ideológica, sócio-cultural e econômica, unidos pela prática científico-acadêmica, e muito provavelmente por alguma prática política institucional ou militante.

O mais importante seria que, ao invés de ficar-se fingindo neutralidade e ação pautada na mais pura objetividade cientifica, o regulamento da lei, a quem caberá o detalhamento do processo de indicação e escolha das listas tríplices, indicasse, e houvesse vontade política no governo, para que os nomeados de fato representassem proporcionalmente os campos mais gerais de opinião e entendimento em cada uma das três dimensões.

Enfim, que pela importância do tema, por sua repercussão político emocional na sociedade, e pelos extraordinários interesses econômicos a ele ligados, não se esvazie a legitimidade da Comissão, ou pior ainda, passe ela a ser vista com desconfiança ou como mera procuradora de interesses corporativistas e anti-sociais.

O inciso II do art. 11, em nove alíneas, mais os incisos de III a VIII do mesmo dispositivo legal, indicam o campo de representação governamental.

Fala-se em representantes dos ministérios e em especialistas indicados por determinados ministros. Mas, como foi visto, todos devem ser cientistas (Doutores), portanto, todos devem ser especialistas, e o que se teve na montagem dessa grade de indicações foi, obviamente, uma arquitetura política, por meio da qual se buscou acomodar ali várias representações de interesses – o que per si, como afirmamos, não é necessariamente negativo.

O mais importante é ter-se claro que o governo pode montar seu tabuleiro neste jogo indicando 15 das 27 peças. O que não quer dizer que foi constituído para dar maioria ao governo, porque a representação governamental vai ser a expressão da multiplicidade das suas alianças e de suas estratégias – assim como nas outras representações.

O § 1º. do art. 11 estabelece que "os especialistas de que trata o inciso I do caput deste artigo serão escolhidos a partir de lista tríplice, elaborada com a participação das sociedades científicas, conforme disposto em regulamento".

Caberá ao regulamento não apenas definir como serão compostas as listas tríplices, mas também definir critérios a partir do quais se dará a escolha da entidade ou entidades que participarão do processo de indicação para a formação da lista.

Se for um critério muito aberto, admitindo-se, por exemplo, que qualquer entidade com existência formal, em um determinado lapso de tempo, possa indicar uma lista ou um nome, poderá se criar uma extraordinária discricionariedade por parte de quem reunirá os nomes indicados em uma lista final. Isto ocorrerá mesmo eu se concentre tal escolha nas mãos do Ministro da Ciência e Tecnologia, que exercerá sua discricionariedade sobre um universo muito amplo de indicações – facilmente manipulável.

Talvez o ideal fosse conceder esta faculdade a entidades indiscutivelmente reconhecidas pela comunidade (como a SBPC), e estabelecer que caberia a cada uma delas (supondo-se que tal delegação fosse conferida a três entidades de classe distintas, por exemplo) escolher um nome para a lista, a partir de uma consulta direta aos seus associados.

Um pouco mais difícil talvez seja o processo de escolha dos representantes da sociedade civil. O próprio termo traz em si uma grande ambigüidade. Afinal, o que vem a ser a sociedade civil?

De uma maneira geral podemos defini-la como composta por um conjunto de coletividades organizadas em torno de um plexo de valores e/ou interesses.

Materializa-se formal e juridicamente por meio de sindicatos, organizações não-governamentais (ONGs), movimentos sociais, associações, cooperativas, clubes, congregações religiosas, etc.

No caso em questão, parece razoável exigir-se pertinência temática em relação às entidades interessadas em participar do processo de indicação, devido à especificidade das questões a serem discutidas, lembrando que aqui também o indicado tem que ser um cientista.

4.8. A Estrutura de Funcionamento da CTNBio

O art. 12 da Lei 11.105/05 estabelece que o funcionamento da CTNBio será definido pelo regulamento da lei.

No entanto, já adianta algumas linhas gerais. Em seu parágrafo 1º estabelece que a CTNBio terá uma Secretaria Executiva e que caberá ao Ministério da Ciência e Tecnologia prestar-lhe apoio técnico e administrativo. Ou seja, do ponto de vista material, a estrutura da Comissão deve ser fornecida pelo MCT.

De conformidade com o § 3º, cada membro efetivo terá um suplente que participará dos trabalhos na ausência do titular.

Como já apontamos em momento anterior, a participação de que se trata aqui seria aquela referente ao Plenário da Comissão, com competência deliberativa, visto que, a CTNBio é composta também por subcomissões.

Segundo o caput do art. 13, a CTNBio "constituirá subcomissões setoriais permanentes na área de saúde humana, na área animal, na área vegetal, e na área ambiental, e poderá constituir subcomissões extraordinárias para análise prévia dos temas a serem submetidos ao plenário da Comissão".

O § 1º, como já adiantamos, estabelece que, tanto os membros titulares quanto os suplentes, participarão das subcomissões setoriais e, que caberá a todos a distribuição dos processos para análise.

O § 2º, transfere para o regulamento da lei a definição do funcionamento e a coordenação dos trabalhos nas subcomissões setoriais e extraordinárias.

Cada membro da CTNBio será indicado para um mandato de dois anos, renovável por mais dois períodos consecutivos (§4º). Isto quer dizer que um determinado conselheiro pode permanecer na Comissão por seis anos ininterruptos.

O presidente da CTNBio será designado pelo Ministro da Ciência e Tecnologia, dentre os seus componentes, e terá mandato de dois anos, podendo ser reconduzido por uma única vez (§5º).

Não conseguimos entender porque, no âmbito de uma Comissão constituída por pessoas de notável formação, tenha que ser o seu presidente escolhido pelo Ministro da Ciência e Tecnologia – que provavelmente já será o responsável pela escolha dos representantes apresentados pelas comunidades científicas e pela sociedade civil em listas tríplices.

Trata-se de um dispositivo cuja conseqüência prática mais evidente é a de reduzir a autonomia e a independência da própria Comissão – jogando sobre ela uma indesejável sombra de desconfiança.

As reuniões plenárias (deliberativas) da Comissão poderão ser instaladas com a presença de 14 (catorze) de seus membros (sejam eles titulares ou suplentes), desde que, entre estes, estejam incluídos, pelo menos, um representante de cada uma das áreas referidas no inciso I do caput deste artigo (saúde humana, área animal, área vegetal, meio ambiente).

Percebe-se nesse ponto, uma preocupação em garantir-se no âmbito formal, um mínimo de representatividade. No entanto, na prática, pode servir como elemento de dissimulação para legitimar uma condução tendenciosa da Comissão – a garantia de uma presença mínima de algumas posições na Comissão (uma espécie de "cota") pode estar simplesmente a legitimar um "rolo compressor" de interesses que lhe são opostos.

De conformidade com o § 9º do art. 11, é facultado aos órgãos e entidades integrantes da administração pública federal, solicitar a sua participação nas reuniões da CTNBio, para tratar de assuntos de seu especial interesse, sem direito a voto.

Também sem direito a voto, e apenas em caráter excepcional, poderão (a juízo da própria Comissão) ser convidados para participar das reuniões, representantes da comunidade cientifica e do setor público, bem como, entidades da sociedade civil (§ 10º).

Ou seja, de uma maneira geral, o legislador considerou que a representação da sociedade e da comunidade científica já está por demais assegurada no interior da própria Comissão, de forma que, a participação de mais representantes desse setor (e também dos órgãos e agências governamentais), deveria ser analisada apenas em circunstâncias específicas, como exceção, e não como regra. [24]

Trata-se de um ponto criticável da norma aprovada, por restringir de forma injustificada a representação das diversas correntes de opinião presentes na sociedade, afastando o princípio democrático pautado no pluralismo de idéias e concepções, muitas das quais, podem não ter encontrado condições para se fazerem apreciadas, ou, podem ter sido propositadamente afastadas das discussões, por intervenções político-gevernamentais.

"O fechamento passou a ser a normalidade das reuniões da CTNBio – quando deveria ser o contrário, porque se trata de reuniões de um órgão público colegiado que deve ser transparente. Não sendo membro da CTNBio, só poderá entrar quem for convidado. Foi infeliz a redação do texto, pois, ainda que se possa atribuir confidencialidade à reunião, a publicidade deve ser o normal, e não o excepcional. Esse o mandamento da Constituição Federal ao dizer que a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá ao princípio da publicidade (art. 37). Onde não entra o sol da transparência acabam dominando a penumbra da incompetência e a obscuridade das decisões contra a sanidade humana e do meio ambiente". [25]

Com relação aos impedimentos dos membros da Comissão, encontram-se eles previstos no § 6º do art. 11, segundo o qual, os membros da CTNBio deverão pautar a sua atuação pela observância estrita dos conceitos ético-profissionais, sendo vedado, participarem do julgamento de questões com as quais tenham algum envolvimento de ordem profissional ou pessoal, sob pena de perda do mandato – na forma do regulamento.

A observação estrita dos conceitos ético-profissionais, capaz de gerar impedimento do membro da Comissão quando da discussão e deliberação acerca de um determinado interesse deve ser avaliado sob dois aspectos.

Um primeiro que poderia ser chamado de objetivo, diz respeito ao envolvimento do membro da CTNBio com a instituição requerente, ou com uma outra, que com ela participe do processo em apreciação na condição de parceira ou sub-contratada, como empregado, consultor, ou qualquer outro vínculo jurídico-profissional.

Um segundo aspecto, que poderíamos denominar por subjetivo, diz respeito às relações pessoais que o conselheiro possa ter com proprietários, diretores, acionistas, ou qualquer outra pessoa que tenha interesse político ou econômico na matéria que seja objeto de deliberação.

A participação de Conselheiro incurso nessa situação, poderia conduzir não apenas à sua destituição, como prediz o dispositivo da lei ora em comento, mas deve implicar na nulificação do ato.

"A participação do membro da CTNBio em discussão e votação de questão na qual estava impedido, causa a nulidade da discussão e/ou votação, devendo ser repetido o ato viciado. A ocorrência da nulidade não está expressamente prevista, mas é decorrência dos princípios da impessoalidade e da moralidade, previstos pelo art. 37, caput, da CF [...] Não nulificar a discussão ou a votação seria possibilitar que alguém agisse de forma viciosa e, depois, se aproveitasse de sua própria torpeza". [26]

O art. 15 da Lei 11.105/05, estabelece que a CTNBio poderá realizar audiências públicas, garantida participação da sociedade civil, na forma do regulamento.

Trata-se de dispositivo de discutível constitucionalidade, já que as audiências públicas representam a forma, por excelência, de manifestação do princípio democrático no campo da biossegurança em todo o planeta.

É medida insubstituível de transparência das políticas públicas, permitindo a fiscalização direta dos organismos encarregados pela ordem jurídica de velar pelos interesses indisponíveis da sociedade pelos próprios interessados.

Ademais, trata-se de uma demonstração salutar de humildade dos órgãos técnicos de governo, abrir-se para o diálogo e sustentar os seus pontos de vista perante aqueles que vão sofrer mais diretamente as conseqüências das escolhas, que serão realizadas pelos conselheiros em nome da comunidade.

O parágrafo único do dispositivo estabelece que, em casos de liberação comercial, a audiência pública poderá ser requerida por partes interessadas, incluindo-se entre estas organizações da sociedade civil que comprovem interesse relacionado à matéria na forma do regulamento.

Temos aqui uma situação específica, na qual, em caso de liberação comercial de OGM, entidade da sociedade que seja capaz de demonstrar "pertinência temática" com o assunto em apreciação pela Comissão, poderá requerer a realização da audiência pública, que nos termos do regulamento, decidirá discricionariamente sobre a conveniência de realizá-la.

Não nos parece que, em respeito aos princípios democrático e da publicidade, pudesse a lei subordinar a realização de audiências públicas a uma decisão discricionária da CTNBio, limitando, prática e materialmente, a publicidade dos processos a ela submetidos e os elementos que conduziram às suas escolhas.

"Se, pelo princípio da publicidade, qualquer pessoa tem o direito de conhecer os atos praticados pela CTNBio e, se participação pública significa o direito de intervir em procedimento de tomada de decisão, como se chegar à absurda conclusão de que houve publicidade e participação pública em decisão tomada com base em documentos não publicados, em reuniões fechadas ao público e com absoluta desconsideração das intervenções da sociedade?" [27].

Independentemente da forma como o regulamento da lei venha a tratar essa questão, e ainda que ele mantenha o perfil restritivo, já delineado pelo corpo da lei, ainda assim, ao indeferir o requerimento de solicitação de audiência pública, a CTNBio estará obrigada a fundamentá-lo, e aí então, com base nele, poderão as referidas entidades questionar junto ao Poder Judiciário, até mesmo mediante simples mandado de segurança (já que o direito ao meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações, escudado pelos princípios da publicidade e da precaução são líquidos e certos, diante de ameaça de degradação ao meio ambiente em razão de OGM e derivados), sobre a razoabilidade, proporcionalidade e adequação de tal decisão, solicitando liminarmente a suspensão do processo até que se decida sobre a necessidade e a conveniência da realização de audiência pública.

4.9. Quorum para instalação das reuniões e para deliberação do colegiado

De conformidade com art. 11, § 7º, a reunião da CTNBio poderá ser instalada com a presença de 14 (catorze) de seus membros – no total, 27 titulares e igual número de suplentes, como já mencionado – incluído, como também já tivemos a oportunidade de apontar, pelo menos um representante de cada uma das áreas referidas no inciso I do caput desse mesmo artigo.

Todavia, no que diz respeito ao quorum de deliberação, sua definição foi marcada por um caminho bem tortuoso, cheio de idas e vindas, característico da postura ambígua e contraditória manifesta pelo Executivo e pelo Legislativo nessa matéria.

Inicialmente, o Projeto de Lei aprovado pelo Congresso Nacional, dispôs no § 8º, do art. 11, da Lei 11.105/05, que, verificada a ocorrência do quorum de instalação (presença de catorze membros, entre titulares e suplentes), as deliberações poderiam ser tomadas com o voto favorável da maioria dos presentes à reunião. Ou seja, metade mais um do quorum de instalação, correspondendo a oito votos.

No entanto, os setores contrários a uma ampla regulamentação e comercialização dos OGM’s, já bastante insatisfeitos com os termos em que a lei acabou sendo editada, no seu entender, favorecendo amplamente a indústria de biotecnologia, se revoltaram com a possibilidade de questões tão sensíveis serem aprovadas apenas com o voto de oito membros de um colegiado que, em seu total, incluindo titulares e suplentes, possui cinqüenta e quatro representantes. Pressionado, o Presidente da República resolveu vetar o dispositivo em questão.

Com o veto presidencial, a matéria permaneceu em aberto, não podendo a Comissão se reunir enquanto esta regra não fosse estabelecida.

Nesse contexto, marcado por uma ofensiva dos setores anti-transgênicos, o Chefe do Poder Executivo acabou regulando a matéria por Portaria.

Por meio dessa, com o objetivo de apaziguar os setores até então descontentes com a forma como o governo encaminhou a questão – sobretudo o Ministério do Meio Ambiente -, tratou o Executivo de instituir um quorum deliberativo de 2/3, de um total de 27 membros que compõe o Colegiado Pleno.

Dessa forma, o quorum mínimo para aprovação de qualquer deliberação envolvendo pesquisa, comercialização e descarte de OGM’s passou a exigir o voto favorável de pelo menos 18 Conselheiros.

É bom que se ressalte que, nesse aspecto específico, concordava a maioria dos doutrinadores da matéria. Sobretudo, diante da possibilidade de que posicionamentos minoritários, mesmo em sede de CTNBio, acabassem por ser sacramentados como se majoritários fossem. Viu aí a doutrina uma vulneração inaceitável do princípio do Estado Democrático de Direito.

"O modo como fora redigido o § 8º do art. 11 enfraquecia o princípio de uma autentica participação democrática em um Estado de direito. O poder deliberativo deveria acontecer somente com um mínimo de 2/3, isto é, com 18 membros presentes. O Regulamento a ser elaborado não deve propiciar que posicionamentos minoritários passem a ser majoritários, abusando-se de ausências ocasionais" [28].

Todavia, essa conduta do Executivo, longe de pacificar a questão, logo jogaria mais combustível na fogueira. Isso porque, em pouco tempo percebeu-se que, não obstante os setores pró-transgênicos fossem visivelmente majoritários no âmbito da Comissão, não conseguiam, até pelo caráter fluído e instável dos membros desse Colegiado, reunir a maioria necessária para aprovar os seus pleitos.

Já os setores contrários à ampla disseminação dos transgênicos, mesmo francamente minoritários dentro da Comissão, conseguiam bloquear todos os pleitos contrários aos seus pontos de vista – simplesmente negando-lhes o quorum necessário para a aprovação ou obstruindo as reuniões, por meio de expedientes regimentais (administrativos) e/ou judiciais.

Com o passar do tempo, à pressão dos segmentos econômicos diretamente interessados na rápida liberalização de organismos geneticamente modificados, somou-se boa parte da grande imprensa – de alguma forma também interessada em uma questão que afeta decisões publicitárias de grandes corporações com fortes repercussões econômicas em seu próprio setor. Passou-se então a se difundir que, da maneira como estava, a própria existência da CTNBio devia ser questionada, uma vez que, não conseguia deliberar sobre nada...

Os segmentos contrários ao lobby pró-transgênicos contra-argumentavam afirmando que, de fato, a CTNBio vinha tendo uma produtividade notável, sobretudo, no âmbito daquelas questões que lhe seriam mais afetas, como a definição de parâmetros técnicos e normativos para pesquisa biotecnológica, com vistas a se garantir a segurança alimentar e ambiental da sociedade.

Em sua opinião, só ocorreria uma relativa lentidão na análise daqueles casos em que, por envolver a produção e/ou comercialização de OGM’s, dado o elevado risco que implicam e, em respeito ao princípio da precaução que deve orientar todas as condutas nessa matéria, o licenciamento não poderia ser "automático" ou "acelerado" por contingências de natureza privada e estritamente econômica.

No entanto, com o acirramento da pressão do lobby pró-transgênicos, o Governo Federal e sua bancada no Congresso não tardaram a ceder. E o fizeram quando da tramitação da MP 327/06.

Por meio dessa Medida Provisória, o Poder Público passou a autorizar, dentre outras coisas, o plantio de organismos geneticamente modificados em áreas próximas às unidades de conservação como áreas de proteção ambiental (APA’s) e nas zonas de amortecimento (faixa de proteção) de parques nacionais.

O relator encarregado da matéria no Congresso, Deputado Paulo Pimenta (PT/RS), no parecer em que recomenda a conversão da MP em lei, acolheu sugestão da Deputada Kátia Abreu (PFL/TO), uma das coordenadoras da bancada ruralista no Congresso - no sentido de se reduzir o quorum de deliberação da CTNBio para decidir sobre a comercialização de transgênicos e seus derivados.

Por meio dessa proposta, incorporada pelo relator e, afinal aprovada pelo Plenário, o número de votos necessários para a liberação referente à venda de OGM’s caiu de 18 (2/3 do Colegiado Pleno) para 14 (maioria absoluta).

Uma vez convertida, a matéria tratada inicialmente pela MP 327/06, somado aos aspectos referentes à mudança no quorum de deliberação da CTNBio, passaram a constar da Lei 11.460/07 – que por sua vez regulou o quorum de deliberação no âmbito da Lei 11.105/05 introduzindo-lhe o § 8º – A, que passou a dispor que "as decisões da CTNBio serão tomadas com votos favoráveis da maioria absoluta de seus membros."

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Sobre o autor
José Carlos Evangelista de Araújo

Advogado. Graduado em Direito e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia. Mestre em Direito Constitucional e Doutorando em Direito Administrativo pela PUC-SP. Professor de Direito Constitucional, leciona também Direito Administrativo, Direito Internacional Público e Privado nos cursos de Direito e Relações Internacionais das Faculdades de

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, José Carlos Evangelista. Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e agrobusiness.: Centralização administrativa em detrimento dos imperativos de precaução, publicidade e autonomia federativa no âmbito da política nacional de meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2663, 16 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17530. Acesso em: 5 nov. 2024.

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