Artigo Destaque dos editores

A Ilegalidade da exigência de licenciatura em concursos para professores de Institutos Federais

Leia nesta página:

O texto ofertará uma interpretação sistêmica dos instrumentos legais regentes do Direito Educacional no que atine a exigência de "licenciatura" em processos seletivos para o provimento no cargo de professor em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

A controvérsia aqui suscitada é, em partes, causada pela pluralidade de regramentos existentes. Além da Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), pululam outras normas, como a Lei nº 11.741, de 16 de julho de 2008, a Lei nº 11.784, de 22 de setembro de 2008 e a Lei 11.892 de 29 de dezembro de 2008, todas versando sobre as mesmas temáticas.

No mais, subjaz a diretriz constitucional, apregoando que "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer" (art. 5º, inc. XIII, Carta Magna, g. n.). A essa diretiva, acresça-se a conseguinte, que professa que "os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;" (art. 57, inc. I, Carta Magna, g. n.).

Portanto, por força dos ditames constitucionais e do princípio da estrita legalidade da Administração Pública, é só a lei, em sentido estrito e formal que pode estabelecer limitações ao exercício de uma profissão e/ou ao acesso de cargos, empregos ou funções públicas. Assevere-se, não há discricionariedade administrativa, ainda que motivada, capaz de estabelecer, de forma infralegal, regimental ou editalícia, vedação ao acesso ao cargo público, sob a pena de criar-se ato limitador de direitos que exsurge com a pecha de inconstitucionalidade.

Preliminarmente, faz-se forçosa uma delimitação conceitual. São três os tipos de ensino superior autorizados pelo Ministério da Educação e Cultura, com algumas distinções entre si: são os graus de bacharel, de licenciatura e de tecnólogo, como se expõe em seguida.

A licenciatura é a formação exigida para aqueles que irão atuar no ensino básico [01]. De forma geral, inclui em sua formação atividades de estágio e experiências práticas no ensino [02]. O grau de bacharel é uma formação em nível superior não voltada para o ensino básico, mas de grandes áreas do conhecimento humano, como o "bacharel em Ciências Econômicas", ou "bacharel em Ciências Jurídicas". Já os cursos de tecnologia [03], embora algumas vezes tenham uma duração menor em relação aos bacharelados, são igualmente considerados cursos superiores [04] e, por isso, não podem ser considerados com os cursos "técnicos", de nível médio. A especificidade do curso superior em tecnologia é concentrar-se em uma sub-área de conhecimento, como, exempli gratia, um curso em tecnologia em "Gestão Pública" em relação a um bacharelado em "Administração".

Além desses apontamentos, é preciso anotar que alguns cursos admitem dupla formação, como o bacharelado/licenciatura em Biologia, em Geografia, em História, entre outros. Ao contrário, alguns cursos, como as engenharias ou o de Direito, sequer existem na modalidade licenciatura.

Passemos ao objeto central do presente trabalho.

Os Institutos Federais "são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino", criados pelo Governo Federal, para implementar uma política educacional de qualificação e formação de profissionais (Lei 11.892/2008, art. 2º).

Usualmente, os Institutos Federais estão estabelecendo, nos instrumentos editalícios, a formação em "licenciatura" como pré-requisito de candidatos aos seus cargos de professores. Essa exigência é ilegal, como se apresentará.

A licenciatura é exigência apenas para aqueles que irão atuar no ensino básico, como se vê em seguida:

Lei 9.394/1996, art. 62: A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação (...).

A formação necessária para professores que atuam nos níveis superiores de educação (sejam em bacharelados, em licenciaturas ou tecnólogos), se dá na pós-graduação, e não em programas de formação de professores ou em licenciaturas. É o que se depreende de perfunctória leitura da precitada lei:

Art. 66. A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado (Op. cit.).

Assim, repisando os argumentos já trazidos com o fito de obter maior clareza, a licenciatura é formação para aqueles que atuarão exclusivamente no ensino básico. Aqueles que atuarão no magistério superior, não são abarcados por essa norma restritiva, mas por outra, a disposta no art. 66, que impõe o preparo, prioritariamente, por meio de programas de mestrado e doutorado.

Todavia, os professores contratados para os Institutos Federais não atuarão de forma exclusiva na educação básica.

A "educação profissional e tecnológica", que é exatamente a especialidade dos Institutos Federais (conforme o sobrerreferido art. 2º, da Lei 11.892/2008), abrange cursos superiores de tecnologia, como se vê dos artigos 2º e 3º da Lei 11.741/2008 [05]. Fica evidente que os professores dos Institutos Federais atuarão, dessa maneira, no ensino superior e na pós-graduação.

Essa é a conclusão que se atinge com uma leitura concatenada da Lei 11.784/2008. Esse instrumento normativo, ao regulamentar as atribuições do professor dos Institutos Federais, versa expressamente que "[o] titular do cargo de Professor Titular do Plano de Carreira e Cargos de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, no âmbito das Instituições Federais de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, atuará obrigatoriamente no ensino superior" (Lei 11.784/2008, art. 111, g. n.).

Finalmente, trazemos outro dispositivo legal, a Lei 11.892/2008, reproduzido in totum, ao delinear os objetivos dos Institutos Federais, fulminando qualquer dúvida quanto às atividades no ensino superior de professores do supramencionado Instituto:

Art. 7º: Observadas as finalidades e características definidas no art. 6o desta Lei, são objetivos dos Institutos Federais:

VI - ministrar em nível de educação superior:

a) cursos superiores de tecnologia visando à formação de profissionais para os diferentes setores da economia;

b) cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica, com vistas na formação de professores para a educação básica, sobretudo nas áreas de ciências e matemática, e para a educação profissional;

c) cursos de bacharelado e engenharia, visando à formação de profissionais para os diferentes setores da economia e áreas do conhecimento;

d) cursos de pós-graduação lato sensu de aperfeiçoamento e especialização, visando à formação de especialistas nas diferentes áreas do conhecimento; e

e) cursos de pós-graduação stricto sensu de mestrado e doutorado, que contribuam para promover o estabelecimento de bases sólidas em educação, ciência e tecnologia, com vistas no processo de geração e inovação tecnológica (Lei 11.892/2008, g. n.).

Portanto, vê-se, sem margens para dúvidas, que os professores dos Institutos Federais atuarão no magistério superior, tanto em graduação (tecnologias, licenciaturas e bacharelados, conforme art. 7º, VI, "a", "b" e "c"), como na pós-graduação (art. 7º, VI, "d" e "e"). Assim sendo, incide a manifestação do Tribunal de Contas da União que, em igual sentido ao sustentado por esse texto, emitiu acórdão contrário à exigência de licenciatura em certames para a seleção de docentes para atuar na carreira de ensino superior [06].

Resta, todavia, discorrer sobre a expressão "habilitação legal equivalente" à licenciatura. Essa expressão, sem um nomen juris próprio, surge no infracitado dispositivo:

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Art. 113, § 2º: São requisitos de escolaridade para ingresso nos cargos integrantes do Plano de Carreira e Cargos de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico de que trata o art. 106 desta Lei: I - cargo de Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico: possuir habilitação específica obtida em licenciatura plena ou habilitação legal equivalente (Lei 11.784/2008).

A lei exige, para ingresso na carreira, a formação em licenciatura ou em "habilitação equivalente". A única "habilitação equivalente" à licenciatura em nosso ordenamento jurídico são os demais cursos superiores, gênero do qual a própria licenciatura é espécie. Não é demais relembrar que a "licenciatura curta", que um desavisado poderia suscitar enquanto habilitação equivalente à "licenciatura plena", foi expurgada de nosso ordenamento jurídico-pedagógico desde 1996, com o advento da LDB [07].

Não é demais relembrar que existem muitas das áreas profissionais sem licenciatura (como em Zootecnia, Medicina Veterinária, Direito, entre outras). Assim, cria-se uma exigência (a licenciatura) que impede a contratação desses profissionais ou abre-se uma exceção para um dos grupos; Essa restrição permitira a existência simultânea de dois regramentos: um edital aceitaria um bacharel em Direito, por exemplo, sem a licenciatura, vez que essa não existe, mas impediria a admissão de um bacharel em Ciências Sociais, pois existe sua respectiva licenciatura. Esse entendimento, obviamente, feriria o princípio da isonomia, dando ensejo à sua nulidade.

Temos notícia, inclusive, de Institutos Federais que obstaram a posse de candidatos que, aprovados, detinham bacharelado e mestrado na área de atuação exigida pelo edital, mas não possuíam a sua respectiva licenciatura. Essa medida é, como se viu ao longo do texto, arbitrária e sem estribo jurídico.

Alfim, urge mencionar outra questão: a incorreção da adoção da terminologia "Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico" para caracterizar o profissional dessas autarquias. Essa definição, sem equivalente nomen júris, é inapropriada vez que esses profissionais da educação atuarão (i) em diversos níveis da organização educacional (do básico ao superior) e (ii) em distintos tipos cursos superiores e não apenas nos cursos superiores em tecnologia, mas também em bacharelados e licenciaturas (art. 7º, da Lei 11.892/2008). Outrossim, o que o termo faz é mesclar, indevidamente, diferentes categorias e níveis de educação.

Portanto, diante da hermenêutica sistêmica, aqui proposta com a tentativa de superar a problemática legada por um conjunto de legislações esparsas, denota-se que a exigência de "licenciatura" como requisito ao ingresso na carreira do magistério nos Institutos Federais é problemática e inadequada. Dessa forma, os Institutos Federais devem se adaptar aos comandos legais, sob pena de verem seus editais invalidados pelos Tribunais de Contas, em controle prévio, ou questionados judicialmente [08].


Notas

  1. Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), art. 62: A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal (g. n).
  2. Lei 9.394/1996, art. 65. "A formação docente, exceto para a educação superior, incluirá prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas".
  3. A terminologia utilizada ao longo do Decreto 5.773/2006 é "curso superior de tecnologia", não restando dúvida quanto à mens legis, ambicionando que um curso tecnólogo seja superior. Ademais, existem iteradas decisões judiciais mantendo esse entendimento, como, verbi gratia, TRF1 – Apelação em Mandado de Segurança: AMS 2891 DF 2003.34.00.002891-3.
  4. FAQ – MEC. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13062:posso-concorrer-a-uma-vaga-em-concursos-publicos-com-diploma-de-tecnologo&catid=127:educacao-superior>. Acesso em 17/10/2010.
  5. § 2º: "A educação profissional e tecnológica abrangerá os seguintes cursos: (...) III – de educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação. § 3º: Os cursos de educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação organizar-se-ão, no que concerne a objetivos, características e duração, de acordo com as diretrizes curriculares nacionais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação" (g. n.).
  6. "1.6. Determinar à Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR (...): 1.6.1. Que se abstenha de exigir graduação em licenciatura para ingresso na carreira de docente do ensino superior, em obediência ao que dispõe o art. 62 da Lei nº 9394/96; 1.7. Dar ciência à Ouvidoria desta Corte, da deliberação que vier a ser adotada nestes autos, face Manifestação nº 21081, daquela Unidade" (Acórdão Nº 4833/2009, Processo TC-005.316/2009-3 - 1a Câmara, Relator Ministro Augusto Nardes, TCU, em 8 de setembro de 2009).
  7. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos."Licenciatura curta" (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002. Disponível em <http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=17>. Acesso em 17/10/2010.
  8. É o que já se decidiu no TJ-DF, determinando a posse de candidatos aprovados em concurso público para o cargo de professores de ensino técnico-profissionalizante, sem licenciatura, mesmo com tal exigência no edital do certame: Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO - EXIGÊNCIA - EDITAL - APRESENTAÇÃO - DIPLOMA - LICENCIATURA PLENA - IMPEDIMENTO - POSSE - ILEGALIDADE - DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 01. Em que pese constar do edital a exigência de licenciatura plena como requisito para a investidura no cargo, tal condição se mostra desarrazoada, pois nenhuma das graduações oferecem o curso exigido. 02. Além disso, os requerentes comprovaram que possuem capacidade técnica suficiente para ministrar os cursos técnico-profissionalizantes, pois alguns já lecionaram em sala de aula e/ou são mestrandos. 03. Deu-se provimento ao recurso. Unânime. Acordão: Conhecer. Dar provimento unânime. TJDF - Apelação Cível: APC 20070110391540 DF, Relator Romeu Gonzaga Neiva, 5a Turma Cível, DJU 28/05/2008 p.240.
Assuntos relacionados
Sobre o autor
Vinicius Valentin Raduan Miguel

Advogado. Mestre em Direitos Humanos e Política Internacional pela Universidade de Glasgow. Professor de Direitos Humanos e Hermenêutica Jurídica da Faculdade Católica de Rondônia. Professor Substituto/Auxiliar do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Rondônia, onde é coordenador da Pós-Graduação em Segurança Pública e Direitos Humanos. Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/RO. Representante da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED) no Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIGUEL, Vinicius Valentin Raduan. A Ilegalidade da exigência de licenciatura em concursos para professores de Institutos Federais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2669, 22 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17682. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos